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Da invisibilidade étnica à etnogênese: histórias e identidades de índios e negros em abordagem articulada e comparativa*

From ethnic invisibility to ethnogenesis: histories and identities of Indians and Blacks in an articulated and comparative approach

RESUMO

Diferentes povos dos continentes americano e africano, genericamente classificados como índios e negros, reelaboraram suas culturas, identidades e redes de sociabilidade em processos de interação entre si e com outros atores nas sociedades coloniais e pós-coloniais do Brasil. Muitos deles que, por razões diversas, foram invisibilizados ou se autoinvisibilizaram no decorrer do século XIX, reaparecem hoje através de processos de etnogênese, incentivando novos estudos sobre suas trajetórias. Com foco sobre o Brasil oitocentista e algumas incursões a períodos anteriores e posteriores, pretende-se analisar as construções e os significados das imagens, discursos, silenciamentos e formas de classificação étnica e social sobre os índios e os negros, de forma comparativa e articulada às suas próprias atuações políticas e culturais que os levavam a assumir ou rejeitar as identidades a eles atribuídas.

Palavras-chave:
índios; negros; identidades étnicas; etnogênese; relações interétnicas

ABSTRACT

Different peoples of the American and African continents, generically classified as Indians and Blacks, rebuilt their cultures, identities and social networks in processes of interaction with each other and with other actors in colonial and post-colonial societies in Brazil. Many of them who, for different reasons, were made invisible or self-invisible during the 19th century, reappear today, through ethnogenesis processes, encouraging new studies on their trajectories. With a focus on nineteenth-century Brazil and some incursions to previous and subsequent periods, we intend to analyze the constructions and meanings of images, speeches, silences and forms of ethnic and social classification on Indians and Blacks, in a comparative and articulated way, taking into account their own political and cultural actions that led them to assume or reject the identities attributed to them.

Keywords:
indians; black people; ethnic identities; ethnogenesis; interethnic relations

Introdução

Os inúmeros processos de etnogênese de povos indígenas e afrodescendentes que se multiplicam hoje, no Brasil e em várias regiões da América, convidam os historiadores a repensarem suas complexas e tortuosas trajetórias desde períodos anteriores. Afinal, como destacou Gerald Sider (1994SIDER, G. Identity as History Ethnohistory, Ethnogenesis and Ethnocide in the Southeastern United States. Identities Global Studies in Culture and Power, New Hampshire, v.1(1), pp.109-122, 1994.), os processos de desconstrução e reconstrução de identidades étnicas de povos subalternos caminham junto com processos de desconstrução e reconstrução de suas histórias. A imensa capacidade dos povos indígenas e africanos de reelaborarem redes de sociabilidade, culturas, identidades e histórias em meio às mais violentas situações de contato por eles vivenciadas do período colonial aos nossos dias tem sido revelada por historiadores e antropólogos, desde as últimas décadas do século passado (HILL, 1996HILL, J. (org.) History, Power and Identity -ethnogenesis in the Americas, 942-1992. Iowa City: University of Iowa Press. 1996.; PACHECO DE OLIVEIRA, 1999PACHECO DE OLIVEIRA, J. (org.). A Viagem da Volta. Etnicidade, política e reelaboração cultural no nordeste indígena. Rio de Janeiro: Contra Capa, 1999.; ALMEIDA, 2013ALMEIDA, M. R. C. de. Metamorfoses Indígenas. Identidade e cultura nas aldeias coloniais do Rio de Janeiro. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2013.; CARNEIRO DA CUNHA, 1992CARNEIRO DA CUNHA, M. História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.; SOARES, 2000SOARES, M. de C. Devotos da Cor. Identidade Étnica, Religiosidade e Escravidão no Rio de Janeiro, século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2000. ; REIS, 1997REIS, J.J. Identidade e Diversidade Étnicas nas Irmandades Negras no Tempo da Escravidão. Tempo, Niterói, v.2, n.3, pp.7-33, 1996.; O’DWYER, 2002O’DWYER, E. C. (org.) Quilombos - identidade étnica e territorialidade. Rio de Janeiro: FGV , 2002.; ARRUTI, 2006ARRUTI, J. M. Mocambo. Antropologia e História do Processo de Formação Quilombola. Bauru/SP: EDUSC, 2006.). Com isso, propiciam novas compreensões sobre suas histórias e, em perspectiva mais ampla, sobre a própria história do Brasil.

Os avanços na compreensão das histórias de povos indígenas, africanos e seus descendentes devem-se tanto às novas perspectivas teóricas e conceituais propiciadas pelo diálogo cada vez mais intenso entre a História e a Antropologia, como também aos movimentos sociais por eles protagonizados. Movimentos esses que, como disse Thompson (1981THOMPSON, E.P. Miséria da Teoria. Rio de Janeiro: Zahar , 1981.), avançam sobre gabinetes, obrigando os intelectuais a repensarem teorias e conceitos para compreender a realidade que se apresenta. A ideia de que culturas e identidades, longe de serem estáticas, continuamente se transformam nas experiências de contato entre os vários atores étnicos e sociais é essencial para as atuais releituras historiográficas sobre esses povos (BARTH, 2000BARTH, F. O Guru, o iniciador e outras variações antropológicas. Rio de Janeiro: ContraCapa, 2000.; CARNEIRO DA CUNHA, 1992CARNEIRO DA CUNHA, M. História dos Índios no Brasil. São Paulo: Companhia das Letras, 1992.; MINTZ, 2010MINTZ, S. W. Cultura: uma visão antropológica. Tradução James Emanuel de Albuquerque. Tempo, Niterói, v.14, n. 28, pp.223-237, 2018.; PACHECO DE OLIVEIRA,1999PACHECO DE OLIVEIRA, J. (org.). A Viagem da Volta. Etnicidade, política e reelaboração cultural no nordeste indígena. Rio de Janeiro: Contra Capa, 1999.). Fundamental também para compreender suas relações interétnicas e sociais, em meio a múltiplos e variados processos de mestiçagens e mobilidades sociais, é a ideia de que as categorias de classificação étnica e social são históricas e comportam significados distintos e cambiantes conforme os tempos, os espaços e os agentes sociais. Além disso, esses significados importam tanto para os agentes classificadores quanto para os classificados, isto é, os povos subalternos, tais como os índios e os negros, nas sociedades coloniais e pós-coloniais, tinham consciência de que ser classificado de uma ou de outra forma podia implicar em ganhos ou perdas políticas, econômicas e sociais. A partir dessas concepções, as controvérsias, as imprecisões e os aparentes equívocos sobre classificações étnicas e sociais tão presentes nas mais diversas fontes históricas têm sido problematizados por pesquisadores que procuram identificar os diferentes interesses dos vários agentes no ato de classificar e de ser classificado (MATTOS, 2000MATTOS, H. Escravidão e Cidadania no Brasil Monárquico. Rio de Janeiro: Zahar , 2000.; VIANA, 2007VIANA, L. O Idioma da Mestiçagem. Campinas: Editora da Unicamp, 2007.; SOARES, 2000SOARES, M. de C. Devotos da Cor. Identidade Étnica, Religiosidade e Escravidão no Rio de Janeiro, século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2000. ; ALMEIDA, 2008ALMEIDA, M. R. C. de. Índios e Mestiços no Rio de Janeiro: significados plurais e cambiantes. Memoria Americana, Buenos Aires, v.16, 2008. pp.19-40.). Controvérsias e disputas por classificações étnicas identificadas nas fontes podem, pois, ser vistas como disputas políticas e sociais (BOCCARA, 2001BOCCARA, Guillaume. Mundos Nuevos em las Fronteras del Nuevo Mundo: Relectura de los Procesos Coloniales de Etnogénesis, Etnificacón Y Mestizaje en Tiempos de Globalización. Mundo Nuevo Nuevos Mundos, Paris, 2001. Disponível em: https://journals.openedition.org/nuevomundo/426.
https://journals.openedition.org/nuevomu...
).

Os atuais movimentos de etnogênese protagonizados por povos indígenas e afrodescendentes analisados a partir das proposições teóricas acima mencionadas nos convidam a refletir sobre várias questões do passado, entre as quais três serão especialmente aqui abordadas: a problemática das classificações étnicas e sociais dos povos indígenas, africanos e seus descendentes, as intensas interações entre eles desde períodos anteriores e os processos de invisibilização de suas identidades que ocorrem principalmente no decorrer do século XIX. Para refletir sobre essas questões, este artigo vai analisar, em perspectiva interdisciplinar, a construção de imagens, discursos e silenciamentos sobre os índios, os africanos e seus descendentes, abordando de forma comparativa e articulada suas próprias atuações políticas e culturais que os levavam a assumir ou rejeitar identidades étnicas e sociais a eles atribuídas. O tempo priorizado é o século XIX, com incursões a períodos anteriores, sobretudo ao século XVIII, e ao tempo presente que tem se revelado essencial para as atuais releituras sobre as trajetórias desses povos e sobre os próprios processos históricos nos quais eles se envolvem.

Índios, negros e mestiços: classificações étnicas e sociais em perspectiva comparativa

Índios, negros e mestiços são categorias genéricas historicamente construídas, no contexto de conquista e colonização da América para referir-se aos mais diversos povos dos continentes africano e americano e aos seus descendentes. Com culturas e trajetórias diversas, esses povos compartilharam algumas experiências em comum, sobretudo a de terem sido incorporados às sociedades americanas em condições de extrema violência, preconceito e discriminação. Nas últimas décadas, historiadores e antropólogos têm avançado significativamente nos estudos dessas populações, desenvolvendo abordagens interdisciplinares que evidenciam o caráter histórico de suas culturas e identidades continuamente transformadas através de suas experiências e relações com os demais agentes com os quais se relacionam. Além de revelarem que as identidades podem ser plurais e mutáveis, as pesquisas empíricas não deixam dúvidas sobre a importância de considerar as categorias étnicas e sociais como construções históricas que adquirem significados distintos conforme as temporalidades, as regiões e os atores envolvidos (CADENA, 2005CADENA, M. de la. Are Mestizos Hybrids? The Conceptual Politics of Andean Identities. Journal of Latin American Studies, Cambridge, v. 37, pp. 259-284, 2005.; DE JONG; RODRIGUEZ, 2005DE JONG, I.; RODRIGUES, L. Introducción. Dossier Mestizaje, Etnogénesis y Frontera. Memoria Americana, Buenos Aires , n.13, pp.7-19, 2005.; WADE, 2005WADE, Peter. Rethinking Mestizaje: Ideology and Lived Experience. Journal of Latin American Studies, Cambridge, v.37, pp.239-257, 2005.; MATTOS, 2000MATTOS, H. Escravidão e Cidadania no Brasil Monárquico. Rio de Janeiro: Zahar , 2000.; VIANNA, 2007VIANA, L. O Idioma da Mestiçagem. Campinas: Editora da Unicamp, 2007.; SCHWARTZ,1996SCHWARTZ, S. Brazilian Ethnogenesis: Mestiços, Mamelucos, and Pardos. In: GRUZINSKI, S. et al. Le Nouveaux Mondes. Paris, 1996, pp.7-27.). À medida que esses estudos avançam, os especialistas apontam para a importância de estudar indígenas e africanos conjuntamente, como partícipes dos mesmos processos históricos nos quais as interações entre eles têm se revelado importantes variáveis para a compreensão desses mesmos processos. Misturados em aldeias, quilombos, sertões e vilas, índios, negros e seus descendentes reconstruíram culturas e identidades, associando-se ou separando-se e nesses processos podiam assumir uma identidade ou outra, conforme experiências de vida e escolhas próprias relacionadas às suas trajetórias e interações. Suas escolhas e atuações eram significativamente influenciadas pela dinâmica de suas mútuas interações no complexo jogo de relações políticas, sociais e econômicas, nos quais se incluem vários outros grupos étnicos e sociais, incluindo agentes de poder do império português e, posteriormente, brasileiro, como demonstram vários pesquisadores (GOMES, 2011GOMES, F. Migrações, populações indígenas e etnogênese na América Portuguesa (Amazônia Colonial, s. XVIII). Nuevo Mundo, Mundos Nuevos, Paris, Debates, 2011.; AMANTINO, 2008AMANTINO, M. O Mundo das Feras. Os moradores dos sertões oeste de Minas Gerais Século XVIII. São Paulo: Annablume, 2008. ; KARACH; 1996KARASCH, M. Os Quilombos do Ouro na Capitania de Goiás. In: REIS, J. J. e GOMES, F. dos S. Liberdade por um Fio. História dos Quilombos no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1996. pp.240-262.; SCHWARTZ E LANGFUR, 2003SCHWARTZ, S.; LANGFUR, H. Tapanhuns, negros da terra e curibocas: causas comuns e confrontos entre negros e indígenas. Afro-Ásia, Salvador, v.29/30, pp.13-40, 2003.; MIKI,2018MIKI, Y. Frontiers of Citizenship. A Black and Indigenous History of Postcolonial Brazil. Cambridge: Cambridge University Press, 2018.).

Nesse sentido, vale destacar a relevante contribuição de Stuart Schwartz (1996SCHWARTZ, S. Brazilian Ethnogenesis: Mestiços, Mamelucos, and Pardos. In: GRUZINSKI, S. et al. Le Nouveaux Mondes. Paris, 1996, pp.7-27.) que ressaltou como as classificações étnicas e seus respectivos significados para os diferentes agentes constroem-se de forma referencial entre os sujeitos e grupos que interagem. Se a existência de uns era referencial importante nos processos de construção identitária e social dos outros, como afirma e demonstra o autor, tais processos devem ser pensados de forma articulada. Cabe lembrar que índios e negros são categorias amplas e genéricas que passaram a ser largamente utilizadas pelos europeus, a partir dos séculos XV e XVI, para referirem-se aos mais diversos povos originários da América e da África que foram sendo incorporados às sociedades coloniais escravistas em condições de extrema violência. Submetidos à escravização e ao trabalho compulsório ocupavam os estratos sociais mais inferiores dessas sociedades e eram submetidos aos estatutos de limpeza de sangue que lhes proibiam o acesso a títulos honoríficos e a cargos públicos e eclesiásticos (MATTOS, 2001MATTOS, H. A Escravidão Moderna nos Quadros do Império Português: o Antigo Regime em perspectiva atlântica. In: FRAGOSO, J. et al. O Antigo Regime nos Trópicos. A Dinâmica Imperial Portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, pp. 141-162.; MELLO,1989MELLO, E. C de. O Nome e o Sangue. São Paulo: Companhia das Letras , 1989.). Além disso, a colônia portuguesa na América era, como lembrou Schwartz (1996SCHWARTZ, S. Brazilian Ethnogenesis: Mestiços, Mamelucos, and Pardos. In: GRUZINSKI, S. et al. Le Nouveaux Mondes. Paris, 1996, pp.7-27.), um mundo em construção, no qual inúmeros grupos étnicos e sociais se formaram interagindo num contexto hierárquico, escravocrata e desigual. Este contexto, bem como os lugares econômico-sociais ocupados pelos diferentes grupos constituíram referenciais importantes em seus processos de reconstrução identitária.

Os mestiços constituem uma terceira categoria ainda mais ampla e genérica do que as primeiras, na medida em que se referem aos descendentes do cruzamento físico, social e cultural de povos diversos. Como bem lembraram Stuart Schwartz (1996SCHWARTZ, S. Brazilian Ethnogenesis: Mestiços, Mamelucos, and Pardos. In: GRUZINSKI, S. et al. Le Nouveaux Mondes. Paris, 1996, pp.7-27.) e Hebe Mattos (2001MATTOS, H. A Escravidão Moderna nos Quadros do Império Português: o Antigo Regime em perspectiva atlântica. In: FRAGOSO, J. et al. O Antigo Regime nos Trópicos. A Dinâmica Imperial Portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, pp. 141-162.), com o desenrolar da colonização, proliferavam novas categorias de mestiços para classificar novos grupos étnicos e sociais oriundos do tráfico negreiro, das expedições de descimento, das migrações, dos casamentos mistos, dos processos de alforria e das mobilidades sociais. As circulações entre eles eram intensas, e os povos e indivíduos de origem africana e indígena circulavam entre espaços físicos, sociais e classificatórios.

Identificar e classificar povos indígenas e africanos em categorias étnicas e também sociais era fundamental para a Coroa portuguesa, que precisava integrá-los à colônia. Incorporados nos estratos mais inferiores da sociedade colonial, eram classificados, grosso modo, conforme os objetivos da Coroa. Aos etnônimos abrangentes e genéricos, associavam-se formas de comportamento, descrições físicas e qualidades positivas ou negativas, sempre de acordo com as concepções e interesses dos colonizadores (CAILLAVET, 2010CAILLAVET, C. El Proceso Colonial de Invención de las Fronteras: Tiempo, Espacio, Culturas. In: GIUDICELLI, C. Fronteras Movedizas: Clasificaciones coloniales y dinámicas socioculturales en las fronteras americanas. México: Centro de Estudios Mexicanos y Centroamericanos: El Colegio de Michoacán, A.C: Casa de Velázquez, 2010. pp.59-82.; MONTEIRO, 2001MONTEIRO, J. Tupis, Tapuias e Historiadores Estudos de História Indígena e do Indigenismo. Tese (Livre Docência). Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, 2001. Inédito.). Assim, vários povos nativos do continente americano foram todos chamados índios e, do ponto de vista social, genericamente classificados em dois grandes grupos: mansos e selvagens, conforme suas relações de aliança ou inimizade com os portugueses. Categorias classificatórias e adjetivos a elas correspondentes davam-lhes determinados lugares sociais e construíam-se historicamente, conforme os objetivos da colonização, misturando povos e criando etnônimos, o que dava margem a muitos equívocos e contradições. Esses equívocos resultantes das dificuldades de compreensão dos europeus a respeito dos significados dos etnônimos utilizados pelos próprios povos para designarem-se uns aos outros por relações de parentesco ou de amizade e inimizade acabaram por gerar novos nomes de etnias através dos quais vários grupos passaram a ser identificados e também a se autoidentificarem (MONTEIRO, 2001MONTEIRO, J. Tupis, Tapuias e Historiadores Estudos de História Indígena e do Indigenismo. Tese (Livre Docência). Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, 2001. Inédito.; ALMEIDA, 2013ALMEIDA, M. R. C. de. Metamorfoses Indígenas. Identidade e cultura nas aldeias coloniais do Rio de Janeiro. 2. ed. Rio de Janeiro: FGV, 2013.). Problemática semelhante pode ser apontada em relação aos povos africanos, uma vez que vários grupos passaram a ser identificados a partir de portos de procedência do tráfico africano e foram também qualificados a partir dos interesses dos colonizadores. Embora menos visível na documentação, a prática de associar qualidades positivas ou negativas a determinados povos também foi bastante utilizada para descrever os africanos e seus descendentes (OLIVEIRA, 1997; SOARES, 2000SOARES, M. de C. Devotos da Cor. Identidade Étnica, Religiosidade e Escravidão no Rio de Janeiro, século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2000. ; BERNAND, 2010BERNAND, C. Alonso de Sandoval y La Construcción de Las Naciones Africanas del Nuevo Mundo. In: GIUDICELLI, C. Fronteras Movedizas: Clasificaciones coloniales y dinámicas socioculturales en las fronteras americanas. México: Centro de Estudios Mexicanos y Centroamericanos: El Colegio de Michoacán, A.C: Casa de Velázquez, 2010, pp. 83-101.).

Generalizações e equívocos misturaram, dividiram e criaram muitos grupos indígenas e africanos. Estes últimos, no entanto, participaram ativamente desse processo, tendo assumido em muitas situações as novas formas de identificação que lhes eram atribuídas. Isso é válido tanto para as categorias amplas e genéricas (tais como índios, negros, mestiços, pardos, caboclos, etc.), como para os etnônimos mais específicos referentes às identidades dos povos nativos da América e da África. As atuais pesquisas interdisciplinares têm procurado averiguar os variados significados das categorias classificatórias tanto para os agentes classificadores quanto para os classificados, evidenciando que os povos subalternos também tinham interesse nas classificações e podiam assumi-las ou negá-las, conforme seus interesses que também se alteravam na dinâmica de suas relações (MATTOS, 2000MATTOS, H. Escravidão e Cidadania no Brasil Monárquico. Rio de Janeiro: Zahar , 2000.; SOARES, 2000SOARES, M. de C. Devotos da Cor. Identidade Étnica, Religiosidade e Escravidão no Rio de Janeiro, século XVIII. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2000. ; OLIVEIRA, 1997; ALMEIDA, 2007ALMEIDA, M. R. C. de. Política Indigenista e Etnicidade: estratégias indígenas no processo de extinção das aldeias do século XIX. Anuario del IEHS, Tandil/Argentina, pp. 219-233, 2007.; VIANA, 2007VIANA, L. O Idioma da Mestiçagem. Campinas: Editora da Unicamp, 2007.; CADENA, 2005CADENA, M. de la. Are Mestizos Hybrids? The Conceptual Politics of Andean Identities. Journal of Latin American Studies, Cambridge, v. 37, pp. 259-284, 2005.).

Fundamental para essas análises é perceber as possibilidades de mobilidade social das sociedades coloniais e pós-coloniais da América, nas quais, indígenas, africanos e seus descendentes, ao invés de se congelarem em lugares sociais e étnicos para eles estabelecidos, circulavam entre eles. Cabe, pois, considerar que as categorias classificatórias revestem-se de diferentes significados. Problematizá-las e identificar seus significados para os vários agentes em contato em tempos e espaços determinados é essencial para compreendermos suas construções identitárias e suas alterações na dinâmica dos acontecimentos. Tal como as pesquisas atuais vêm demonstrando, povos e indivíduos subalternos tinham consciência do peso social das classificações étnicas e preocupavam-se com elas, assumindo-as ou rejeitando-as, conforme as condições. As controvérsias e imprecisões das fontes, nas quais povos e indivíduos podem aparecer de formas diferenciadas (ora como negros, ora como pardos ou ora como índios, ora como mestiços, caboclos e até como brancos) podem resultar de interesses dos agentes registradores e/ou registrados, bem como apontar para mobilidades sociais.

As fontes paroquiais são especialmente ricas em exemplos dessa natureza, sobretudo em relação aos negros, uma vez que ainda são pouco trabalhadas na temática indígena. Embora constituam um elemento complicador para as pesquisas, as contradições das fontes nos convidam a levantar instigantes questões sobre as possíveis razões dos aparentes equívocos. Questioná-los à luz das concepções de identidades plurais e históricas que continuamente se transformam nos permite pensar sobre as formas como essas identificações podiam ser vistas, usadas e apropriadas pelos vários agentes envolvidos. São equívocos que, na verdade, refletem a fluidez e a pluralidade das identidades étnicas e sociais. Se, nos registros, indivíduos passavam de índios a mestiços, ou de negros a pardos e vice-versa, isso podia refletir uma realidade cotidiana daquelas sociedades, onde eles podiam circular, interagir e ultrapassar fronteiras sociais, físicas e classificatórias, como várias pesquisas recentes têm demonstrado.

Apesar das lacunas, alguns indícios em diferentes tipos de fontes (correspondência oficial, relatos de viajantes, censos, documentos cartoriais e paroquiais, documentos sobre conflitos, incluindo petições dos grupos subalternos) apontam para a preocupação dos diferentes atores com as classificações nas diversas categorias que lhes davam um lugar na hierarquia social de suas sociedades, podendo trazer-lhes prejuízos ou ganhos. Para refletir sobre as possíveis compreensões que os próprios grupos tinham a respeito das categorias utilizadas para classificá-los, é importante considerar as intensas relações estabelecidas entre eles.

Relações interétnicas e mobilidades sociais

Sem aprofundar a complexa discussão a respeito das diferenças entre as formas e os níveis de preconceito e discriminação entre índios e negros, vale ressaltar, com Schwartz (1996SCHWARTZ, S. Brazilian Ethnogenesis: Mestiços, Mamelucos, and Pardos. In: GRUZINSKI, S. et al. Le Nouveaux Mondes. Paris, 1996, pp.7-27., p.10), que as discriminações contra índios e mestiços eram menores do que em relação aos negros, desde períodos anteriores às reformas de Pombal, quando essas diferenças se acentuaram significativamente. As concessões de títulos honoríficos, por exemplo, cuja proibição às raças infectas foi muitas vezes desconsiderada, diante da necessidade de prestigiar os colaboradores da Coroa, foram muito mais frequentes para os índios do que para os negros, como destacaram Schwartz (1996SCHWARTZ, S. Brazilian Ethnogenesis: Mestiços, Mamelucos, and Pardos. In: GRUZINSKI, S. et al. Le Nouveaux Mondes. Paris, 1996, pp.7-27.) e Evaldo Cabral de Mello (1989MELLO, E. C de. O Nome e o Sangue. São Paulo: Companhia das Letras , 1989.). Ainda que pese uma participação maior dos índios nos serviços militares (principais feitos para a concessão de títulos das ordens militares), os autores citados deixam claro que os defeitos sanguíneos dos índios eram mais facilmente perdoáveis. O estigma da escravidão, muito mais forte entre os negros do que entre os índios, teve um peso considerável nessa diferença, pois como afirma Hebe Mattos (2000MATTOS, H. Escravidão e Cidadania no Brasil Monárquico. Rio de Janeiro: Zahar , 2000.), no século XVII, em algumas regiões, negro e preto já eram praticamente sinônimos de escravo, sem contar que os índios escravos eram chamados negros da terra.

Em meados do século XVIII, com as reformas de Pombal, essas diferenças quanto aos níveis de discriminação entre uns e outros tornaram-se muito mais acentuadas. Além de proibir a escravização dos índios sob quaisquer circunstâncias, a nova legislação indígena, conhecida como Diretório dos Índios ou Diretório pombalino1 1 “Diretório que se deve observar nas povoações dos índios do Pará e Maranhão enquanto Sua Majestade não mandar o contrário.” In: MOREIRA NETO, 1988, p.166-205. , procurava acabar com as discriminações contra eles, ao mesmo tempo em que mantinha e acentuava o preconceito contra os negros. Nesse período, as controvérsias e disputas por classificação étnica tornam-se bem mais visíveis na documentação, acentuando-se significativamente no decorrer do século XIX, sobretudo em relação aos índios aldeados. Embora mantidos em uma posição inferiorizada na hierarquia social, estes últimos viam reforçadas, na nova legislação, algumas vantagens, principalmente em relação a outros atores subalternos como os índios selvagens e os negros.

Nesse período, as contradições e disputas em torno das classificações dos índios nas categorias de índios ou mestiços tornaram-se muito mais visíveis na documentação. A lei da liberdade (1755), também no bojo das reformas ilustradas, proibia a escravização indígena sob quaisquer circunstâncias. Para promover a assimilação, a mestiçagem era estimulada através da lei de casamentos que dava benefícios aqueles que se casassem com índios. Vários itens do Diretório procuravam acabar com as diferenças culturais entre os índios e os demais vassalos, visando a acabar com as discriminações contra eles e incorporando-os à sociedade como súditos iguais aos demais. Se este objetivo não foi plenamente atingido, teve o efeito de acentuar ainda mais as diferenças de níveis quanto aos preconceitos e discriminações em relação a negros e índios, em favor desses últimos. Um dos artigos do Diretório, por exemplo, falava sobre a infâmia de se chamar negros aos índios…” (MOREIRA NETO, 1988MOREIRA NETO, C de A. Índios da Amazônia. De Maioria a Minoria (1750-1850). Rio de Janeiro: Vozes, 1988. , p.170), claro indício da manutenção do significado depreciativo da categoria negro na sociedade colonial no período pombalino.

Cabe refletir sobre as possíveis compreensões que os próprios grupos tinham a respeito dessas categorias utilizadas para classificá-los. Afinal, elas lhes davam um lugar na hierarquia social daquela sociedade, podendo trazer-lhes prejuízos ou ganhos. Em 1771, o índio capitão-mor de São Barnabé denunciou seu colega, um índio capitão-mor da aldeia de Ipuca por ter se casado com uma preta, “…manchando com este casamento o seu sangue e fazendo-se por esta causa indigno de exercer o posto de capitão-mor…” (SILVA, 1854SILVA, J. N. de Souza. Memória Histórica e Documentada das Aldeias de Índios da Província do Rio de Janeiro. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, Rio de Janeiro, v.62, n.14-15, 1854., p.462). Sem entrar nas razões dessa denúncia, que podia ter sido motivada por simples desafeto, cabe reconhecer o fato da consciência dos índios sobre sua posição de superioridade em relação aos negros, diante da legislação pombalina. O fato dessa “falha sanguínea” adquirida por vontade própria ter sido denunciada por um dos pares do acusado - o capitão-mor de São Barnabé - demonstra terem os índios igualmente apreendido os preconceitos e as discriminações da sociedade colonial em que viviam, tal como fizeram os negros, que, uma vez libertos, esforçavam-se por serem reconhecidos como pardos (MATTOS, 2001MATTOS, H. A Escravidão Moderna nos Quadros do Império Português: o Antigo Regime em perspectiva atlântica. In: FRAGOSO, J. et al. O Antigo Regime nos Trópicos. A Dinâmica Imperial Portuguesa (séculos XVI-XVIII). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2001, pp. 141-162.; VIANNA, 2007VIANA, L. O Idioma da Mestiçagem. Campinas: Editora da Unicamp, 2007.).

É instigante constatar também que índios destribalizados, em grande parte identificados como mestiços, nas variadas categorias de pardos, caboclos, etc. igualmente fizeram uso da legislação pombalina para evitar a escravização. Leônia Resende (2003RESENDE, M. L. C. de. Gentios Brasílicos - Índios Coloniais em Minas Gerais Setecentista. Tese (Doutorado em História). Universidade Estadual de Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Campinas, 2003. Inédito.) demonstrou como os índios das vilas de Minas Gerais se recusavam a casar com negros escravos, afirmando sua condição de índios livres. Recusavam a condição de mestiçagem e se afirmavam índios para escaparem da escravização ilegítima. A autora trabalhou com processos de petição de liberdades em que essas situações se evidenciam. Elisa Garcia (2003GARCIA, E. F. A Integração das Populações Indígenas nos Povoados Coloniais no Rio Grande de São Pedro: Legislação, Etnicidade e Trabalho. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2003. Inédito.) também percebeu situação semelhante no Rio Grande do Sul.

Na segunda metade do século XVIII e, principalmente no decorrer do XIX, já se percebe o discurso de autoridades e moradores afirmando as condições de mestiçagem dos índios que habitavam as aldeias, com a clara intenção de extingui-las e apoderarem-se de suas terras. As aldeias foram transformadas em vilas e freguesias e incentivou-se a presença de não índios em seu interior para apressar o processo de mestiçagem. Paralelo a isso, no entanto, alguns índios mantinham as reivindicações pela manutenção das terras e dos direitos coletivos, com base nos direitos que lhes tinham sido dados pela condição de índios aldeados (Almeida, 2007ALMEIDA, M. R. C. de. Política Indigenista e Etnicidade: estratégias indígenas no processo de extinção das aldeias do século XIX. Anuario del IEHS, Tandil/Argentina, pp. 219-233, 2007.; Silva, 2005SILVA, I B P. da. Vilas de Índios no Ceará Grande - Dinâmicas locais sob o Diretório Pombalino. Campinas/SP: Pontes Editores, 2005.; Moreira, 2002MOREIRA, V. M. L. Nem selvagens nem cidadãos: os índios da Vila de Nova Almeida e a usurpação de suas terras durante o século XIX. Dimensões, Vitória, n. 14, pp.151-167, 2002.). Convém lembrar que, apesar das mudanças introduzidas, o Diretório garantiu a manutenção das terras coletivas para os índios e creio que foi, principalmente, em torno desse direito que muitos deles se mantiveram como índios por mais um século após essas reformas. Afinal, como afirmou Cohen (1978COHEN, A. Organizações Invisíveis: alguns estudos de caso In: COHEN, A.: O Homem Bidimensional. A Antropologia do poder e o simbolismo em sociedades complexas. Rio de Janeiro: Zahar, 1978.), quando às diferenças étnicas se somam distinções econômico-sociais é mais provável que elas se mantenham. Foi principalmente em torno da ação política comum pela manutenção desses direitos que essas identidades se mantiveram e até se fortaleceram neste período, contra as pressões que se faziam no sentido de reconhecê-los como mestiços. Isso, no entanto, não nega a mistura no interior das aldeias, inclusive com negros que se incorporavam aos grupos como evidencia o caso da aldeia de Mangaratiba que será visto mais adiante. De acordo com Vânia Moreira (2011MOREIRA, V. M. L. Entre as vilas e os sertões: trânsitos indígenas e transculturações nas fronteiras do Espírito Santo (1798-1840). Nuevo Mundo Mundos Nuevos, Paris, Debates , 2011.), os índios das vilas do Espírito Santo no oitocentos incorporavam não indígenas em suas comunidades, desde que se casassem com seus membros.

Ao cruzar informações de fontes paroquiais (batismos, casamentos, óbitos, rol de confessados), mapas estatísticos e inventários da Freguesia de Nossa Senhora dos Anjos, antiga aldeia do mesmo nome localizada no Rio Grande de São Pedro, Bruna Sirtori (2008SIRTORI, B. Entre a cruz, a espada, a senzala e a aldeia. Hierarquias sociais em uma área periférica do Antigo Regime. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2008.) percebeu variações nas classificações dos mesmos indivíduos. Embranquecimentos e empardecimentos foram vistos pela autora como possíveis indícios de mobilidade social, tanto para forros como para índios. Levantou a hipótese de algumas índias deixarem de ser índias por estarem relacionadas com homens brancos e poderosos. O mesmo pode ser visto no estudo de Fabio Pontarollo (2010PONTAROLLO, F. Os Condenados ao Degredo Interno no Brasil do Século XIX. Rio de Janeiro: Apicuri, 2010;) sobre a inserção dos degredados em Guarapuava no séc. XIX. Analisando fontes de paróquias, percebeu suas intensas interações com índios, inclusive através de casamentos e identificou inúmeras controvérsias quanto às cores dos indivíduos, incluindo o registro de uma “índia de cor branca”.

Cabe destacar, ainda, o crescimento da categoria dos pardos, no decorrer do século XVIII e principalmente no XIX, que incluindo tanto os indígenas quanto os afrodescendentes contribuía, sem dúvida, para invisibilizá-los. Convém considerar, no entanto, seus diferentes significados para uns e outros. Se para os indígenas, a categoria podia significar perda de direitos, tais como liberdade e/ou terras coletivas; para os afrodescendentes (tanto livres como escravos) poderia ser uma possibilidade de ascensão social e maior segurança contra a ameaça de escravização.

De acordo com Hebe Mattos, a categoria “pardo”, utilizada inicialmente para referir-se aos escravos de cor mais clara, apontando para a ascendência europeia de alguns deles, teve sua significação ampliada para “... dar conta de uma crescente população para a qual não mais era cabível a classificação de preto ou de crioulo, na medida em que estas tendiam a congelar socialmente a condição de escravo ou ex-escravo” (MATTOS, 2000MATTOS, H. Escravidão e Cidadania no Brasil Monárquico. Rio de Janeiro: Zahar , 2000., p.17). Convém lembrar, ainda com a autora, que os termos negro e preto foram, durante todo o período colonial e até bem avançado o XIX, usados exclusivamente para designar escravos e forros. Assim, segundo Mattos, a categoria pardo-livre consolidou-se “... como condição linguística necessária para expressar a nova realidade...” (MATTOS, 2000MATTOS, H. Escravidão e Cidadania no Brasil Monárquico. Rio de Janeiro: Zahar , 2000., p.17) ou seja para classificar uma população livre crescente que não era necessariamente mestiça, mas que se afastara por gerações da experiência direta com a escravidão.

Outros estudos apontam para os interesses dos afrodescendentes na valorização da categoria dos pardos. Larissa Vianna (2007VIANA, L. O Idioma da Mestiçagem. Campinas: Editora da Unicamp, 2007.), por exemplo, demonstrou o esforço dos pardos em Recife no século XVII para obter o reconhecimento do primeiro santo pardo. A intenção do grupo era, sem dúvida, prestigiar a categoria, através do santo, fortalecendo sua autoestima. A Revolta dos Alfaiates, em 1798, na Bahía, incluía entre suas principais reivindicações a igualdade entre brancos e pardos (REIS, 1997REIS, J.J. Identidade e Diversidade Étnicas nas Irmandades Negras no Tempo da Escravidão. Tempo, Niterói, v.2, n.3, pp.7-33, 1996., p.31).

Os referenciais identitários de grupos ou indivíduos se constroem, pois, em relação a outros grupos com os quais interagem e conforme os lugares sociais que ocupam na sociedade. Assim, a classificação das populações indígenas, africanas e seus respectivos descendentes nas categorias de índios, negros e mestiços tinha significados diversos para os envolvidos e esses significados se construíam e se alteravam com base nas relações estabelecidas entre eles. Se para alguns negros e afrodescendentes a classificação na categoria de mestiços, e sobretudo na de pardos, significava ganhos por afastá-los do estigma da escravidão, para alguns índios e seus descendentes, especialmente os aldeados do Rio de Janeiro e alguns destribalizados de Minas Gerais, a inserção na categoria de mestiços implicava na perda de alguns direitos significativos, dentre os quais o de não serem escravizados e de terem o direito às terras coletivas das aldeias. Se os índios aldeados se viam numa condição especial em relação ao escravo negro e ao índio escravo, os negros e afrodescendentes livres e libertos, por sua vez, também se consideravam diferentes e distanciados de negros e pretos identificados com a escravidão.

Convém ressaltar, no entanto, a complexidade dessas questões que incluem um amplo leque de possibilidades. As considerações aqui apresentadas dizem respeito aos estudos de caso citados e não devem ser generalizadas pois, sem dúvida, existiram outras situações em que índios interessaram-se em se identificar como mestiços e negros como africanos, questões essas que não serão discutidas no âmbito deste trabalho. Sem aprofundar a discussão, convém lembrar o alerta de João Reis (1996REIS, J.J. Identidade e Diversidade Étnicas nas Irmandades Negras no Tempo da Escravidão. Tempo, Niterói, v.2, n.3, pp.7-33, 1996.) sobre cuidados com as generalizações, considerando a importância de situar as análises em contextos históricos específicos.

Ao longo de todo o período colonial, povos indígenas e africanos reconstruíram identidades, culturas e histórias, interagindo entre si através de relações de confrontos e alianças. Se na maior parte das vezes, eles se enfrentaram, aliando-se aos poderes constituídos (colonial e brasileiro) para lutarem uns contra os outros, houve também várias ocasiões de aliança em que se uniram por causas comuns. Para além de se diferenciarem por classificações étnicas e lugares sociais distintos, indígenas, africanos e seus descendentes também se misturaram bastante através de casamentos e experiências de vida e lutas compartilhadas que os levaram muitas vezes a assumirem histórias e identidades comuns como as pesquisas atuais estão revelando (ARRUTI, 2006ARRUTI, J. M. Mocambo. Antropologia e História do Processo de Formação Quilombola. Bauru/SP: EDUSC, 2006.; GRUNEWALD, 2011GRUNEWALD, R. de A. Legitimidade étnica no encontro entre índios e negros. In: CARVALHO, M. R de et al. Negros no Mundo dos Índios - imagens, reflexos, alteridades. Natal: EDUFRN, 2011, pp.361-385.). Em várias ocasiões, sobretudo em quilombos e aldeias, povos e indivíduos de origem indígena e africana interagiram, misturaram-se e incorporaram-se uns aos outros em trajetórias de disputas e alianças por melhores possibilidades de sobrevivência (AMANTINO, 2008AMANTINO, M. O Mundo das Feras. Os moradores dos sertões oeste de Minas Gerais Século XVIII. São Paulo: Annablume, 2008. ; KARASCH, 1996KARASCH, M. Os Quilombos do Ouro na Capitania de Goiás. In: REIS, J. J. e GOMES, F. dos S. Liberdade por um Fio. História dos Quilombos no Brasil. São Paulo: Cia. das Letras, 1996. pp.240-262.; GOMES, 2011GOMES, F. Migrações, populações indígenas e etnogênese na América Portuguesa (Amazônia Colonial, s. XVIII). Nuevo Mundo, Mundos Nuevos, Paris, Debates, 2011., 2005GOMES, F. A hydra e os pântanos. Mocambos, quilombos e comunidades de fugitivos no Brasil (séculos XVII-XIX), São Paulo: UNESP, 2005.; SCHWARTZ; LANGFUR, 2003SCHWARTZ, S.; LANGFUR, H. Tapanhuns, negros da terra e curibocas: causas comuns e confrontos entre negros e indígenas. Afro-Ásia, Salvador, v.29/30, pp.13-40, 2003.; MIKI, 2018MIKI, Y. Frontiers of Citizenship. A Black and Indigenous History of Postcolonial Brazil. Cambridge: Cambridge University Press, 2018.).

Se tinham consciência dos lugares sociais que lhes eram dados pelas categorias étnicas classificatórias, aceitando-as ou rejeitando-as, sabiam também circular entre elas, buscando as melhores possibilidades de escapar da escravização e garantir o mínimo de direitos que lhes eram devidos. Tal como as pesquisas atuais estão revelando, quilombolas incorporaram indígenas em suas comunidades, como também os aldeados integraram negros em suas aldeias. Ao vivenciarem experiências comuns e, sobretudo, lutas políticas compartilhadas, eles desenvolviam os sentimentos de comunhão étnica, apontados por Max Weber (1994WEBER, M. Relações Comunitárias Étnicas. In WEBER, M. Economia e Sociedade. Brasília: Editora da Universidade de Brasília, 1994.) como um dos fatores básicos para a constituição de um grupo étnico.

Processos de etnogênese através dos quais povos e indivíduos indígenas, africanos e seus descendentes reconfiguravam suas redes de relação, suas identidades e histórias construíam-se, pois, desde a colônia, através das vivências compartilhadas e lutas por melhores possibilidades de sobrevivência entre si e com outros atores. Nesses processos, índios podem ter se tornado negros e negros podem ter se tornado índios, como se observa no depoimento de um memorialista do século XIX sobre a aldeia de Mangaratiba, como se verá mais adiante. Essas intensas interações e misturas vivenciadas desde o período colonial nos permitem compreender muitos dos atuais processos de etnogênese nos quais africanos e indígenas aparecem misturados. E, de onde surgem, se muitos deles haviam sido considerados extintos? Para compreendê-los, cabem algumas reflexões sobre os processos de invisibilização no século XIX.

Os processos de invisibilização de índios e negros no século XIX

O processo de invisibilização desses povos deu-se, principalmente, no decorrer do século XIX e por razões diversas. Para além dos interesses do Estado na política de branqueamento da população, incentivada principalmente nas últimas décadas do oitocentos, os processos de invisibilização de indígenas, africanos e seus descendentes no oitocentos devem ser compreendidos, levando-se em conta também seus próprios interesses e atuações políticas. A enorme diversidade de povos e indivíduos que, no século XIX, podiam ser classificados nas categorias de índios, negros e mestiços, com todas as suas modalidades (índios aldeados, índios selvagens, escravos africanos, escravos crioulos ou brasileiros, negros libertos, negros livres, africanos livres, etc.) abre um imenso leque de possibilidades de atuações e escolhas, que não serão aqui abordados. Para refletir sobre processos de invisibilização das identidades indígenas e afro-brasileiras, enfoco, especialmente, as atuações e escolhas dos índios aldeados e negros livres e libertos, procurando demonstrar, a partir de pesquisas recentes e localizadas, como os primeiros atuaram no sentido de tentar preservar suas identidades étnicas - a de índios aldeados que, construídas em aldeias coloniais, apesar dos prejuízos, ainda lhe garantiam benefícios no oitocentos -, enquanto os demais procuravam afastar-se do estigma da cor que, na sociedade escravista oitocentista, soava para eles como ameaça de reescravização, como tão bem demonstrou Hebe Mattos (1995MATTOS, H. Das Cores do Silêncio: os significados da liberdade no sudeste escravista - Brasil século XIX. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional , 1995.) . Sem desconsiderar a complexidade da questão e as múltiplas possibilidades de atuação de sujeitos e grupos classificados nessas amplas categorias, é possível perceber essas tendências gerais em suas atuações e escolhas relativas ao processo de apagamento de suas identidades étnicas no decorrer do oitocentos. No entanto, conforme destacou João Reis (1997REIS, J.J. Identidade e Diversidade Étnicas nas Irmandades Negras no Tempo da Escravidão. Tempo, Niterói, v.2, n.3, pp.7-33, 1996.), não faltaram africanos que se reconheciam e se valorizavam como tais, tanto na Bahia como no Rio de Janeiro. Em 1835, no Rio de Janeiro, por exemplo, foi fundada uma escola de instrução para negros, na qual se pregava que eles eram iguais aos brancos em inteligência e superiores em força física (REIS, 1997REIS, J.J. Identidade e Diversidade Étnicas nas Irmandades Negras no Tempo da Escravidão. Tempo, Niterói, v.2, n.3, pp.7-33, 1996.).

Isso, no entanto, não nos impede de supor, com base em estudos localizados, que enquanto os índios aldeados foram invisibilizados, alguns negros livres e libertos podem ter aderido ao processo de invisibilização. Uns e outros agiam em busca de garantir suas liberdades e melhores possibilidades de sobrevivência aceitando ou recusando as classificações étnicas que lhes eram atribuídas. Convém considerar que a permanência da escravidão, a precariedade das condições de liberdade vivenciadas por esses povos no Brasil oitocentista e as possibilidades colocadas pela Constituição de 1824 deles se tornarem cidadãos livres do Império são importantes fatores a serem considerados nessa análise, na medida em que devem ter contribuído para incentivarem grupos e indivíduos ao apagamento de suas identidades.

Após a independência do Brasil, as elites políticas e intelectuais do novo estado depararam-se com o desafio de construir, conforme o modelo europeu por eles perseguido, uma nação branca, civilizada e progressista, em uma sociedade que se mantinha escravista e com uma população de origem predominantemente indígena e africana (GUIMARÃES,1988GUIMARÃES, M. L. S. Nação e Civilização nos Trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Projeto de uma História Nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro: CPDOC/FGV, n.1, pp.5-27,1988.). Como incorporá-los ao novo estado, cujos princípios pautavam-se no paradigma, então predominante, de que para cada estado deveria corresponder uma nação, um povo, uma cultura, uma língua, uma história? Além disso, as elites políticas e intelectuais preocupavam-se em construir uma imagem positiva de Brasil dificultada, deve-se convir, em um país escravista repleto de índios selvagens, índios aldeados, escravos africanos, negros livres, negros libertos, africanos livres e inúmeros mestiços e brancos pobres classificados das mais diversas formas.

O ideal perseguido pelo nacionalismo brasileiro de homogeneizar as diversas populações do território em torno de uma única identidade histórica e cultural iria se construir, como nos demais países da América, no plano ideológico. Imagens preconceituosas e estereotipadas sobre povos indígenas, africanos e seus descendentes construídas desde a colônia iriam se reforçar através da história, da literatura e das artes, bem como dos discursos de políticos, intelectuais e viajantes. Embora a política de branqueamento da população tenha ganhado força mais para o final do século, ela já se apresentava em discussões políticas e intelectuais anteriores, sobretudo no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro (IHGB) (SCHWARCZ, 1993SCHWARCZ, L. M. O Espetáculo das Raças. Cientistas, Instituições e Questão Racial no Brasil 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras , 1993, pp. 99-140.; GUIMARÃES, 1988GUIMARÃES, M. L. S. Nação e Civilização nos Trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Projeto de uma História Nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro: CPDOC/FGV, n.1, pp.5-27,1988.). A proposta de Von Martius para escrever a história do Brasil lançou o mito da democracia racial, vinculando o desenvolvimento do país ao aperfeiçoamento das três raças, cada qual com características e papeis próprios devidamente hierarquizados: o branco era o agente civilizador que deveria ajudar o índio a resgatar sua dignidade original através da civilização, enquanto o negro era detratado e visto como empecilho ao progresso (SCHWARCZ, 1993SCHWARCZ, L. M. O Espetáculo das Raças. Cientistas, Instituições e Questão Racial no Brasil 1870-1930. São Paulo: Companhia das Letras , 1993, pp. 99-140.; GUIMARÃES, 1988GUIMARÃES, M. L. S. Nação e Civilização nos Trópicos: o Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro e o Projeto de uma História Nacional. Estudos Históricos, Rio de Janeiro: CPDOC/FGV, n.1, pp.5-27,1988.). Tal como em outros países da América, os povos indígenas e africanos incorporaram-se ao povo brasileiro no século XIX, desaparecendo enquanto grupos étnicos diferenciados, apenas no nível do discurso, pois seguiam vivos e atuantes em busca de melhores condições de vida.

Do ponto de vista político e social, no entanto a questão era bem mais complicada, sobretudo pela imensa diversidade étnica e social que caracterizava os povos indígenas, africanos e seus descendentes. Como incorporá-los, garantindo-lhes alguns direitos e, ao mesmo tempo, mantê-los subordinados de forma a garantir a força de trabalho necessária às atividades produtivas nas várias províncias do Império? Essas questões foram intensamente debatidas, desde a Constituinte de 1823, na qual José Bonifácio teve um papel importante, defendendo direitos de cidadania para índios e negros. Sem entrar neste complexo debate, importa ressaltar que a Constituição de 1824 abriu possibilidades para que índios e negros livres se tornassem cidadãos, o que, sem dúvida, contribuiu para o apagamento de suas identidades étnicas diferenciadas. Considerando as precárias condições de liberdade de povos e indivíduos subalternos como índios e negros que, mesmo na condição de livres, viviam sob constantes ameaças de serem escravizados, reescravizados ou submetidos a trabalhos compulsórios e a recrutamentos forçados para participar de tropas militares, o acesso à cidadania poderia soar como possibilidade de ascender socialmente e escapar dessas ameaças. A questão, no entanto, é bastante complexa diante da diversidade de situações vivenciadas pelos diferentes povos e indivíduos. Para os grupos aqui enfocados - os índios aldeados e os negros livres e libertos - alcançar a cidadania poderia ter significados diferentes, levando-se em conta seus esforços para garantir não só condições de liberdade, como também direitos conquistados.

De acordo com Hebe Mattos (2000MATTOS, H. Escravidão e Cidadania no Brasil Monárquico. Rio de Janeiro: Zahar , 2000.), para a crescente população de negros livres do século XIX ser cidadão livre significava também afastar-se do estigma da cor, essencial para eles, à medida que ser negro, preto ou mesmo pardo, implicava na possibilidade de ser reescravizado. As categorias de preto e negro associavam-se, como visto, desde o século XVII, à de escravos e os afrodescendentes sabiam disso. Em uma sociedade escravista de intensa mobilidade social e espacial, os ex-escravos buscavam distanciar-se da classificação de negro e atuavam construindo diferentes formas de vivência de livres. Eram homens móveis que migravam e procuravam se fixar, criando laços e estabelecendo comunidades entre os livres (brancos e não brancos) como meio de afirmar a condição de liberdade. Formar novas comunidades e viver “sobre si”, construindo unidades produtivas, eram formas de escapar do estigma da escravidão. Casamentos e filhos tinham papel importante na construção dessas novas formas de vida e de afirmação da condição de livre. O silêncio sobre a cor apresenta-se, pois, na análise de Mattos (1995MATTOS, H. Escravidão e Cidadania no Brasil Monárquico. Rio de Janeiro: Zahar , 2000.) como forma de afirmação da condição de liberdade, diante do medo da reescravização.

Na primeira metade do século XIX, a escravidão ainda não era questionada, porém acirradas discussões políticas se faziam pelo fim do tráfico e, principalmente, contra a discriminação pela cor. Intelectuais negros intensamente envolvidos nessas discussões, como Antônio Rebouças, defendiam a ideia de que a distinção deveria ser entre escravos e cidadãos livres. Estes últimos deveriam ter direitos iguais como cidadãos ativos, podendo ser eleitores e elegíveis, desde que tivessem recursos suficientes para isso, conforme as determinações dos critérios censitários de exercício da cidadania. Os movimentos populares e os periódicos combatiam intensamente as distinções de cor que foram excluídas dos censos do período (LIMA,2003LIMA, I. S. Cores, marcas e fala. Sentidos da Mestiçagem no Império do Brasil. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, 2003.; MATTOS, 2000MATTOS, H. Escravidão e Cidadania no Brasil Monárquico. Rio de Janeiro: Zahar , 2000.).

Assim, no decorrer do século XIX, quando muitas comunidades de negros (ex-escravos ou não) se estabeleciam como homens livres que se organizavam em espaços de comunidades agrícolas, muitas vezes, em terras das próprias fazendas onde haviam servido como escravos (algumas doadas por antigos senhores) não iriam afirmar sua condição étnica diferenciada. Por essa razão, talvez esses grupos tenham se autoinvisibilizado como povos afrodescendentes para resguardar sua condição de liberdade.

É o que pode ter ocorrido, por exemplo, com a comunidade quilombola de São José da Serra que, hoje, tem sua terra reconhecida e demarcada. Trata-se de uma comunidade com laços de parentesco, que manteve, ao longo do tempo, atividades agrícolas compartilhadas no território que lhes foi doado pelo próprio proprietário da fazenda após a abolição. Ali se mantiveram até os nossos dias, quando protagonizaram o movimento de reafirmação étnica e de conquista de direitos garantidos pela constituição de 1988 (MATTOS; ABREU, 2009MATTOS, H.; ABREU, M. “Remanescentes das Comunidades dos Quilombos”: Memória do Cativeiro, Patrimônio Cultural e Direito à Reparação. Habitus, Goiânia, v.7, n.12, pp.265-288. 2009.; RIOS; MATTOS, 2005RIOS, A. L. e MATTOS, H. Memórias do Cativeiro. Família, Trabalho e Cidadania no Pós-Abolição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira , 2005.). Situação semelhante pode ser observada no quilombo do Bracuí, cujo território também foi doado pelo proprietário aos ex-escravos que ali se mantiveram até os nossos dias, quando também iniciaram processo de luta pela reafirmação étnica e garantia de direitos territoriais (MATTOS e ABREU, 2009MATTOS, H.; ABREU, M. “Remanescentes das Comunidades dos Quilombos”: Memória do Cativeiro, Patrimônio Cultural e Direito à Reparação. Habitus, Goiânia, v.7, n.12, pp.265-288. 2009.).

Em relação aos índios aldeados, é interessante observar comportamentos distintos quanto a assumir ou negar as identidades étnicas. Se a política do estado visava assimilá-los transformando-os em cidadãos civilizados e livres, isso se traduzia para muitos deles na perda de alguns direitos que lhes eram atribuídos pela condição de índios aldeados que lhes havia sido dada no período colonial, garantindo-lhes as terras coletivas das aldeias e as vidas comunitárias. Chegaram ao século XIX, bastante misturados, porém ainda mantendo a identidade indígena e afirmando-a para garantir seus direitos (ALMEIDA, 2007ALMEIDA, M. R. C. de. Política Indigenista e Etnicidade: estratégias indígenas no processo de extinção das aldeias do século XIX. Anuario del IEHS, Tandil/Argentina, pp. 219-233, 2007.). Desde as reformas pombalinas, a política de assimilação visava acabar com as distinções entre eles e os demais vassalos do Rei para extinguir suas aldeias. O século XIX iria acentuar essas propostas e assiste-se, em todo o Brasil, ao processo de extinção das antigas aldeias coloniais com o discurso de que os índios estavam civilizados e misturados à massa da população, o que justificava, legalmente, o fim das aldeias (SILVA, 1996SILVA, E. “Confundidos com a massa da População”: o esbulho das terras indígenas no Nordeste no século XIX. Revista do Arquivo Público de Pernambuco, Recife, n.46, v.42, pp.17-29,1996. ; MOREIRA, 2002MOREIRA, V. M. L. Nem selvagens nem cidadãos: os índios da Vila de Nova Almeida e a usurpação de suas terras durante o século XIX. Dimensões, Vitória, n. 14, pp.151-167, 2002.; ALMEIDA, 2007ALMEIDA, M. R. C. de. Política Indigenista e Etnicidade: estratégias indígenas no processo de extinção das aldeias do século XIX. Anuario del IEHS, Tandil/Argentina, pp. 219-233, 2007.). As controvérsias sobre classificações étnicas tornam-se, então, muito mais visíveis nas fontes desse período, sobretudo na segunda metade do século, quando em várias regiões do Brasil as aldeias foram declaradas extintas. Enquanto autoridades, moradores e câmaras municipais afirmavam o estado de mistura, decadência e desaparecimento dos índios e suas aldeias, estes últimos permaneciam nelas reivindicando direitos e demarcação de suas terras, com base na afirmação de suas identidades indígenas2 2 Essa questão merece algumas reflexões mais aprofundadas que levem em conta as situações específicas de povos e indivíduos indígenas, pois se, por um lado, a condição de cidadania poderia acabar com a possibilidade dos aldeados manterem suas terras coletivas, podia também significar para eles o fim da condição de tutela que lhes fora imposta desde o período pombalino, sujeitando-os a trabalhos compulsórios, recrutamentos forçados e a viver sob a administração dos diretores de aldeias, que se notabilizaram por comportamentos ilícitos e violentos contra aqueles que deviam proteger. Para alguns índios, portanto (aldeados ou não), a condição de cidadania poderia soar também como possibilidade de escapar da indesejável condição de tutela. .

Sobre isso é interessante refletir sobre o texto de Jacyntho Alves Teixeira, memorialista do século XIX interessado na extinção da aldeia Mangaratiba no Rio de Janeiro e que escrevia com a intenção de demonstrar o estado de mestiçagem de seus habitantes. Segundo ele, a aldeia se formou com os índios vindos de Porto Seguro e de várias outras aldeias que “…o capitão-mor fazia reconhecer como se fossem da mesma linhagem e da mesma aldeia, e como tais ficaram considerados: também de alguns homens de cor, que ou perseguidos nos lugares onde habitavam ou por outros motivos buscavam a proteção da aldeia…” (publicado em SILVA, 1854SILVA, J. N. de Souza. Memória Histórica e Documentada das Aldeias de Índios da Província do Rio de Janeiro. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, Rio de Janeiro, v.62, n.14-15, 1854., p.415). Em defesa da ideia de extingui-la, argumentava que o número de “índios puritanos” era diminuto em Mangaratiba e a aldeia, podia-se dizer, estava quase extinta, pois os representantes dos “índios primordiais” não excediam a 20 ou 30, e os demais, que ainda se intitulavam índios, já eram mestiços em sexta ou sétima geração ou descendentes de índios vindos de fora, como de Itaguaí, aldeia de São Pedro, de São Barnabé e até do Rio São Francisco (SILVA, 1854SILVA, J. N. de Souza. Memória Histórica e Documentada das Aldeias de Índios da Província do Rio de Janeiro. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, Rio de Janeiro, v.62, n.14-15, 1854., p.417).

A afirmação acima evidencia além da mistura étnica e da mestiçagem no interior das aldeias, a incorporação de homens de cor que se somaram aos aldeados de Mangaratiba na identificação coletiva do grupo entre si; identificação essa construída pelos casamentos mistos e pela vivência e luta em comum. Os homens de cor procuravam a aldeia em busca de proteção e ali ficavam compartilhando espaço e problemas comuns. Não eram índios, de acordo com o memorialista, porém sentiam-se como tais e esta é uma condição básica na conformação de grupos étnicos, pois era em torno desse sentimento que a ação coletiva se fazia, fortalecendo sua coesão. Além dos índios, outros grupos étnicos e sociais, incluindo os negros foram atraídos à aldeia pela proteção que ela ainda lhes proporcionava no oitocentos e ali reunidos eram, enquanto grupo, senhores de um patrimônio comum que tentavam manter.

Cabe, ainda, atentar para as afirmações contraditórias do Juiz de Órfãos sobre os índios de Mangaratiba, em 1835. Segundo ele não havia mais aldeia por ter sido ela substituída por uma vila do mesmo nome e estarem os índios espalhados, fazendo parte da população geral, mas mantinham seu patrimônio: alguns poucos habitavam e cultivavam ainda as terras que lhes haviam sido doadas e a parte delas não ocupada pelos índios estava aforada a agricultores que pagavam arrendamento gasto para o sustento dos índios necessitados. Sem dados para avaliar o número de índios, o Juiz de Órfãos dispunha-se, se necessário, a fazer uma lista deles, embora não estivessem aldeados, claro indício de que se mantinham à parte da população geral (SILVA, 1854SILVA, J. N. de Souza. Memória Histórica e Documentada das Aldeias de Índios da Província do Rio de Janeiro. Revista do Instituto Histórico e Geográfico do Brasil, Rio de Janeiro, v.62, n.14-15, 1854., p.439).

Nas décadas seguintes, documentos da Câmara Municipal informam a continuidade de seu empenho em apropriar-se do patrimônio da aldeia, mantendo o discurso da inexistência dos índios e de sua mistura à população, porém por alguma razão que pode ter sido a resistência dos próprios índios, não obtinha sucesso em suas reivindicações. Em 1864, o Juiz de Órfãos de Mangaratiba informava ao Presidente de Província que o estado da administração de terras indígenas daquele município estava decadente e o aldeamento não mais existia. Segundo ele, os índios não passavam de meia dúzia em estado total de indolência e o mais conveniente seria passar à administração do governo essas terras ocupadas atualmente por muitos arrendatários que não pagam foro algum por elas.3 3 Manuscrito (Ms). Arquivo Público do Rio de Janeiro (APERJ). Fundo Presidente de Província (P.P). col.84. Dossiê 206 . Pasta 2.

Considerações finais

Apesar dos discursos de invisibilização que podiam ser ou não assumidos pelos diferentes grupos no século XIX, não resta dúvida que muitos povos indígenas e afrodescendentes permaneceram unidos compartilhando vidas e espaços comunitários, como revelam os atuais movimentos de etnogênese. Como não surgem do nada, como afirma João Pacheco de Oliveira (1999PACHECO DE OLIVEIRA, J. (org.). A Viagem da Volta. Etnicidade, política e reelaboração cultural no nordeste indígena. Rio de Janeiro: Contra Capa, 1999.), não resta dúvida que eles não desapareceram, foram apenas classificados de outra forma. Tal como ocorreu em outros países da América, a homogeneização das populações indígenas e afrodescendentes no Brasil e seu desaparecimento como protagonistas da história no século XIX deu-se apenas no nível das ideias. Vários grupos considerados extintos continuavam, de fato, presentes e politicamente atuantes, como demonstram as pesquisas recentes e os inúmeros movimentos de etnogênese dos séculos XX e XXI.

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Notas

  • 1
    “Diretório que se deve observar nas povoações dos índios do Pará e Maranhão enquanto Sua Majestade não mandar o contrário.” In: MOREIRA NETO, 1988MOREIRA NETO, C de A. Índios da Amazônia. De Maioria a Minoria (1750-1850). Rio de Janeiro: Vozes, 1988. , p.166-205.
  • 2
    Essa questão merece algumas reflexões mais aprofundadas que levem em conta as situações específicas de povos e indivíduos indígenas, pois se, por um lado, a condição de cidadania poderia acabar com a possibilidade dos aldeados manterem suas terras coletivas, podia também significar para eles o fim da condição de tutela que lhes fora imposta desde o período pombalino, sujeitando-os a trabalhos compulsórios, recrutamentos forçados e a viver sob a administração dos diretores de aldeias, que se notabilizaram por comportamentos ilícitos e violentos contra aqueles que deviam proteger. Para alguns índios, portanto (aldeados ou não), a condição de cidadania poderia soar também como possibilidade de escapar da indesejável condição de tutela.
  • 3
    Manuscrito (Ms). Arquivo Público do Rio de Janeiro (APERJ). Fundo Presidente de Província (P.P). col.84. Dossiê 206 . Pasta 2.
  • Organizadoras:

    Juciene Ricarte Apolinário e Maria Adelina Amorim
  • Declaração de financiamento:

    A pesquisa que resultou neste artigo contou com financiamento do CNPq (Proc.308341/2017-1).

Editado por

Editores:

Karina Anhezini e André Figueiredo Rodrigues

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    12 Nov 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    23 Nov 2020
  • Aceito
    28 Maio 2021
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