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FOUCAULT E A NOÇÃO DE CARNE EM SÃO PAULO* * O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Brasil.

FOUCAULT AND THE NOTION OF FLESH IN SAINT PAUL

RESUMO

Partindo de certas concepções da espiritualidade cristã subjacentes à noção foucaltiana de “experiência da carne ”, nosso objetivo é analisar se, e em que medida, a noção paulina de carne está presente em tais concepções e pode ser um elemento fundamental para compreender esta experiência. Se esta noção é parte da tática de introdução de um tipo de salvação na imperfeição, em face da ameaça perpétua de um mal cujas ações e efeitos se manifestam no mesmo plano a partir do qual podemos entender disciplina penitencial e ascese monástica, ela terá uma importância estratégica em nossa análise.

Palavras-chave:
Foucault; São Paulo; Experiência da carne; Estratégia

ABSTRACT

Starting from certain conceptions of Christian spirituality underlying the Foucauldian notion of “experience of the flesh”, our aim is to analyze whether, and to what extent, the Pauline notion of flesh is present in such conceptions and can be a fundamental element to understand this experience. If this notion is part of the tactics of introducing a type of salvation in imperfection, in the face of the perpetual threat of an evil whose actions and effects are manifested in the same plane from which we can understand penitential discipline and monastic asceticism, it will have a strategic importance in our analysis.

Keywords:
Foucault; Saint Paul; Experience of the flesh; Strategy

Em suas pesquisas sobre o cristianismo, Foucault cita Paulo muito pouco1 1 Em Do governo dos vivos, Foucault (2014, pp. 169-170) reconhece Paulo como “o representante primeiro” da tensão que se estabeleceu entre a lei e a salvação e aponta tanto a influência da filosofia grega na teologia paulina (ibid., p. 249, n. 1) quanto a importância de Paulo, para alguns autores que o sucederam, em relação ao batismo (ibid., pp. 152-153, n. 44). Além deste curso, encontramos uma única referência a Paulo em A coragem da verdade. Em outubro de 1980, durante uma conversa com Dreyfus e Rabinow Foucault teria justificado sua opção de não ir até as cartas paulinas por considerá-las uma anomalia intrigante na história do cristianismo (ver, nos arquivos do Institut Mémoire de L’Édition Contemporaine: FCL C18(2), IMEC, Caen). . O cenário é outro em As confissões da carne (abreviado por “As confissões” daqui em diante). Logo no início desta obra, lemos que o regime de austeridade formulado pelos padres do século II – que já se encontrava em vigor “sem modificações essenciais” no mundo pagão – não se achava em círculos cristãos primitivos e textos apostólicos, com uma única exceção: São Paulo (Foucault, 2018a, p. 9FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a.). Ocorre que, em todas as referências ao texto paulino subsequentes a essa, a ênfase não é em Paulo, e sim nos autores cristãos que se apropriaram de seu texto. Entre esses autores, podemos distinguir aqueles cujas concepções demarcam os limites do campo no qual floresce a experiência da carne: Clemente de Alexandria e Agostinho; Tertuliano e Cassiano. Os dois primeiros ocupam, cada um a seu modo, as extremidades da análise de Foucault (2018a, p. 49)FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a.: o primeiro, situado na passagem entre paganismo e cristianismo; o segundo, na consolidação da espiritualidade cristã2 2 Foi preciso dividir nossa análise em dois blocos: Tertuliano-Cassiano (objeto deste artigo) e Clemente-Agostinho (em outro artigo). Em relação às distinções históricas, lembremos que cristianismo não se confunde com espiritualidade cristã (Foucault, 2013, p. 126). Sobre a distância e o campo de pesquisa entre Agostinho e o século II, ver Foucault (2018a, p. 270; e Id., 2016, p. 206). .

Os dois últimos são os representantes emblemáticos de dois novos elementos fundamentais à emergência da experiência da carne: a disciplina penitencial e a ascese monástica (Foucault, 2018a, p. 50FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a.). Tais elementos podem ser depreendidos, respectivamente, a partir das noções de exomologese e de exagouresis. A primeira, diz-nos Foucault (2018a, p. 368)FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a., “se refere a um ‘já não ser’ que, nos confins da vida e da morte, promete o outro mundo através da renúncia ao real”; a segunda, “visa um ‘já não querer’ que, no fundo da alma, expulsa o outro através da formulação da verdade”. Como se vê, disciplina penitencial e ascese monástica pressupõem, cada uma a seu modo, este plano – “nos confins da vida e da morte” ou “no fundo da alma” – no qual se desenvolverá a relação, entre anulação do mal e manifestação da verdade, em função da qual a carne deve ser compreendida como experiência (Foucault, 2018a, pp. 50-51FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a.). Se este plano é a carne desta experiência, pretendemos analisar como ele se constitui, a começar por Tertuliano e Cassiano.

Partindo de alguns elementos ao redor das concepções de disciplina penitencial e ascese monástica, nosso objetivo é investigar se, e até que ponto, a análise da noção paulina de carne pode ser necessária à compreensão dessas concepções e, destarte, da experiência da carne. Para tanto, na primeira seção, examinaremos em que medida disciplina penitencial e ascese monástica estão ligadas, simultaneamente, à experiência da carne e com concepções paulinas. Neste exame, destacamos alguns elementos cuja unidade expressa uma ideia, da qual se apropriam Tertuliano e Cassiano, irredutível aos termos do corpo, ou da alma, ou mesmo do dualismo clássico corpo-alma3 3 Nos referimos, principalmente, às noções de corpo e alma em Platão (ver Joubaud, 1991; ROUX, 2005) e à sua ascendência no mundo antigo (ver Castel-Bouchouchi, 2003, p. 176), mas, também, como veremos, a uma característica que distingue o corpo em Paulo (precisamente, o fato de que pode ser um corpo de carne) do estatuto do corpo no séc. I. Ver Badiou (2009, pp. 68 e 80). . Essa ideia, que se destaca do mundo greco-romano e do Antigo Testamento, como veremos na segunda seção, é o que chamaremos, à luz da análise de alguns trechos da Epístola aos Romanos, de plano carnal. Reunidas as condições para responder se, e como, a noção paulina de carne é um elemento para o qual, de algum modo, se remetem certas características que interessam a Foucault em sua compreensão da experiência da carne, veremos, na terceira seção, que essa resposta deve considerar uma lógica-estratégica.

1. A carne da experiência

Tertuliano ocupa um lugar de destaque à espiritualidade cristã4 4 Ver, p. ex., as aulas de 13 e 20 de fevereiro de Do governo dos vivos. , em particular, diz-nos Foucault (2018a, p. 57)FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a., quando se trata das mudanças introduzidas por ele em relação à passagem entre dois “momentos” do batismo. Um momento afirma a vida, o renascimento; é um ato de transferência entre uma vida que ia em direção à morte para uma vida que, feito o batismo, vai em direção a Deus. O outro momento, sem negar essas características, afirma a crucificação de Cristo e, logo, presentifica a morte como premissa do renascimento. Neste momento, a mortificação é condição para a luz Divina. Mas, se há outros autores que defendem uma teologia batismal regida pela mortificação, como nos mostra Foucault (2018a, p. 74)FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a., por que falar de Tertuliano? A resposta mais resumida está em Do governo dos vivos: “todo esse feixe de noções [iluminação, acesso à verdade, descoberta da verdade de si mesmo, reconhecimento, memória] que estavam profundamente ligados na metanoia de tipo neoplatônico, é a unidade disso tudo que está indo pelos ares com Tertuliano” (Foucault, 2014, p. 133FOUCAULT, M. “Do governo dos vivos. Curso no Collège de France (1979-1980)”. Trad. Eduardo Brandão. Martins Fontes: São Paulo, 2014.).

Conversão pela qual, guiada pela verdade, a alma se desvia do engano e se vira à sua iluminação, a metanoia, como lemos na “primeira hora” da aula de 10 de fevereiro de A hermenêutica do sujeito (2006), é um trabalho de purificação central ao batismo (Foucault, 2018a, p. 55FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a.). Entendido como paenitentia, este trabalho ganhará um sentido diferente com Tertuliano. No mundo platônico, a alma devia ser objeto da conversão à condição de que, ao termo deste trabalho, se tornasse sujeito de conhecimento. Dado o parentesco de seu ser com a verdade, a alma devia buscá-la em si mesma, através de sua memória. Essa concepção ainda estará vigente no século II, entre alguns padres apostólicos e apologistas. Até aí, trata-se de “manifestar a ‘passagem’ – o arrebatamento, o movimento, a transformação, o acesso – e de manifestá-la ao mesmo tempo como um processo real na alma e como um compromisso efetivo da alma” (Foucault, 2018a, p. 57FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a.).

Com Tertuliano, em troca, a conversão faz da alma não o sujeito, mas o objeto do conhecimento. A memória, essencial na metanoia platônica, é substituída pelo texto, pela tradicionalidade instituída. A verdade não depende da reminiscência, mas única e exclusivamente de provas e procedimentos pelos quais a alma vai se revelar. Para se salvar, a alma é obrigada a se manifestar, a provar o que ela é, por meio de uma disciplina. Por isso, a penitência será um exercício prévio, um conjunto de atividades que passa a se distinguir do momento do batismo propriamente dito (Foucault, 2018a, p. 62FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a.). Este será entendido como o momento da catequese, do ensino e da iniciação às verdades da fé e da vida cristã, e como momento derradeiro da remissão dos pecados, do perdão Divino. Por sua vez, a disciplina penitencial será o trabalho de preparação para este perdão; trabalho sem fim porque, se o preço do perdão e da vida eterna é infinito, também não cessa o assalto do mal contra o qual se luta.

É desse modo que a obrigação da disciplina penitencial caminhará lado a lado com a ameaça perpétua de um mal que, a partir da concepção de pecado original, se infiltrará de modo definitivo na vida cristã. Se estamos manchados desde o princípio pelo mal, com a experiência do pecado original, nunca estaremos completamente purificados, logo, estará justificada a necessidade periódica da disciplina penitencial (Foucault, 2018a, p. 64FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a.). Eis porque, em relação à experiência da carne, devemos insistir em Tertuliano. Como inventor do pecado original (Foucault, 2014, p. 98FOUCAULT, M. “Do governo dos vivos. Curso no Collège de France (1979-1980)”. Trad. Eduardo Brandão. Martins Fontes: São Paulo, 2014.), no compasso em que estabeleceu o medo e o perigo na vida do cristão, ele depositou um inimigo em sua alma (Foucault, 2018a, p. 61FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a.). Portanto, introdução estratégica de dois elementos complementares, à luz do pecado: práticas penitenciais contínuas, a partir da ideia de batismo como mortificação; ameaça permanente de um inimigo que se refugia no interior da alma (Foucault, 2014, pp. 114-115FOUCAULT, M. “Do governo dos vivos. Curso no Collège de France (1979-1980)”. Trad. Eduardo Brandão. Martins Fontes: São Paulo, 2014.).

Se o mal habita e reina sobre a alma (Foucault, 2018a, p. 76FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a.), é muito menos no corpo do que no si-mesmo que devemos combatê-lo5 5 Palavras de Foucault (2018b, p. 131), que, em seguida, completa: “O que o cristianismo inventou não é, absolutamente, o desprezo ao corpo [...], o que ele introduziu na cultura antiga creio ter sido o princípio de uma veridicção sobre si mesmo por meio de uma hermenêutica do pensamento”. . Não estamos mais sob a égide da metanoia platônica. A ênfase não é mais no parentesco entre a alma e a verdade, mas, pelo contrário, na perigosa proximidade – entre a alma e o mal – que, como tal, nos encaminha a um plano claramente distinto daquele enunciado pelo dualismo “alma-perfeição x corpo-imperfeição”. Ora, o recurso a este plano pressupõe a concepção de batismo como morte que, como nos mostra Foucault (2018a, p. 73)FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a., difunde-se no contexto de um retorno à Epístola aos Romanos6 6 Ver também Foucault (2014, p. 143). . É à luz dessa concepção que Foucault (2018a, p. 75)FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a. aponta os desdobramentos no modo pelo qual a metanoia será praticada com e depois de Tertuliano, a saber, com a necessidade da purificação permanente, da provação, em suma, da mortificação. E quanto a Cassiano?

Enquanto Tertuliano é situado na instauração da disciplina penitencial, para Foucault (2018a, p. 116)FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a., Cassiano aparece como representante central das práticas de ascese monástica, em particular, o exame e a direção de consciência. Na análise dessas práticas, outros autores podem ser lembrados. Nos textos de Basílio de Ancira (Foucault, 2018a, p. 208FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a.), por exemplo, já temos boa parte dos elementos ao redor dos quais Cassiano vai propor sua concepção de castidade. Um desses elementos é a necessidade do trabalho, sob a forma de um tipo específico de conhecimento interno, de purificação de uma alma sobre a qual persistem imagens e pensamentos suspeitos. Mas, enquanto Basílio afirma essa purificação tendo em vista a arte da virgindade e o modo pelo qual o casamento deve ser concebido em função dela, “os propósitos de Cassiano, as regras e prescrições que ele propõe aplicam-se a uma forma de vida na qual a renúncia a todas as formas de relações sexuais já foi efetuada” (Foucault, 2018a, p. 216FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a.). À frente da continência, essa forma de vida convoca a prática que será aperfeiçoada na ascese monástica, a castidade, analisada por Foucault a partir de duas frentes: em termos de estado de espírito e de combate espiritual.

A pureza de coração é o estado de espírito em que o indivíduo se encontra quando tem sucesso na prática de castidade. É um estado contemplativo, atingido como ato de conhecimento em uma relação entre a contemplação, a alma e Deus. A proximidade entre os dois últimos elementos depende do conhecimento, o qual abre caminho a uma ciência espiritual. Ocorre que a aptidão própria a essa ciência pressupõe o conhecimento da alma, seu mergulho dentro de si mesma em busca do que lhe obnubila a luz. Assim, a pureza de coração liga-se de duas maneiras ao conhecimento – quando este vai na direção da alma e quando vai em direção a Deus – e é, ao mesmo tempo, sua condição e seu efeito. Manobra de Cassiano: conhecendo o caminho da luz, a alma purifica o coração, mas, para isso, ela precisa localizar suas dobras e mistérios, lançar-se sobre si e suas impurezas. Doravante, “quanto melhor nos conhecemos, mais nos reconhecemos impuros; quanto mais nos reconhecemos contaminados, mais profundamente devemos fazer penetrar a luz que dissipa as trevas da alma” (Foucault, 2018a, p. 223FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a.). O modo pelo qual o indivíduo deve enfrentar tais pensamentos impuros é sempre entendido como combate, noção que possui um valor central para Cassiano e que, em As confissões, aparece em três momentos distintos: o combate interior, o combate espiritual e o combate da castidade.

Na última seção do primeiro capítulo de seu livro, analisando a forma pela qual o exame e a direção de consciência constituem o núcleo da ascese monástica, Foucault destaca a importância do combate interior nas práticas de exame-confissão ao redor das quais, com Cassiano, gravitam outras três condições: 1) o mestre diretor de consciência, a quem se destina a confissão regular e irrestrita dos pensamentos; 2) a obediência incondicional, que constitui o único caminho da vida monástica; 3) a graça Divina, por meio da qual o monge terá acesso à discretio.

Trabalho de discriminação e análise, separação e julgamento, a discretio é um exame-reconhecimento das ilusões que se formam no interior da alma e do coração, exercício constante de decifração dos movimentos secretos do espírito. Ocorre que a discretio falta ao homem no compasso em que nele se faz presente o diabo, que assalta mesmo, e em especial, as almas mais puras. A clareza resultante da verbalização das faltas encontra aí sua função. Ao lado de outros efeitos da confissão, essa clareza permite ao monge dissipar as ilusões e enganos nele incutidos pelo diabo, o qual, por sua vez, fracassa em face da luz e do discernimento do ancião confessor. Exame e direção de consciência, discretio e confissão, devem se complementar, portanto, dando forma a essa luta expressa pela ideia de combate interior.

No segundo capítulo de As confissões, deparamo-nos com a noção de combate espiritual, ideia presente em alguns tratados do século IV sobre a virgindade e que tem papel central para Cassiano (Foucault, 2018a, p. 224FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a.). Para ele, o combate espiritual é um exercício de ascetismo sobre os pensamentos perturbadores da alma. Cassiano lista oito adversários espirituais distintos: gula, fornicação, avareza, cólera, tristeza, acedia, vangloria, orgulho (Foucault, 2018a, p. 226FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a.). Assim, o combate espiritual se situa ao lado da pureza de coração à medida que, para Cassiano, ambos convergem na luta contra o poder de tentação desses espíritos do mal, ou deste Outro, a ser decifrado “nos segredos da alma” (Foucault, 2018a, p. 230FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a.).

O combate da castidade será a forma específica dessa luta contra um dos espíritos malignos que deve ser destacado dos demais: a fornicação (Foucault, 2018a, p. 232FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a.). Desta, Cassiano subtrai três depurações: a fornicatio, propriamente dita, conjunção carnal; a immunditia, impureza que independe do contato com a mulher; e a libido, fornicação sutil, desenvolvida nas dobras da alma sem paixão corporal. Aqui nos deparamos com uma noção central à experiência da carne: “A esta implicação, da qual o ato voluntário ou a vontade explícita de cometer um ato são a forma mais visível [...], Cassiano dá o nome de concupiscência. É contra ela que se volta o combate espiritual” (Foucault, 2018a, p. 240FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a.).

No horizonte da concupiscência, o problema principal não é a relação sexual entre dois indivíduos, mas a implicação entre o sujeito e as impurezas que encontram na mobilidade do espírito uma brecha para agitar a alma no recanto mais íntimo de sua vontade interior. Eis porque se torna imprescindível “testarmos ‘a qualidade dos pensamentos’ – qualitas cogitationum –, de nos interrogarmos sobre as profundidades secretas de onde saíram” (Foucault, 2018a, p. 138FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a.). Daí o trabalho da discretio, que consiste em dissociar a vontade – mesmo a mais sutil e involuntária – do mal com o qual ela está implicada, e que deve ser concebido a partir de “uma direção que submete a vontade do sujeito à do outro; tendo por objetivo que o sujeito detecte no fundo de si mesmo a presença do Outro, do Inimigo; tendo por fim último o acesso à contemplação de Deus, numa completa pureza de coração” (Foucault, 2018a, p. 145FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a.).

Ora, a referência de Cassiano a Paulo, mencionada por Foucault (2018a, p. 224)FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a., concerne precisamente a essa pureza de coração, que é condição necessária da contemplação, finalidade da vida monástica, e do combate espiritual, ferramenta para se alcançar este fim. À medida que a ascese monástica, também em sua relação à noção de coração – que encontra referência em Paulo –, pressupõe uma espécie de abismo interior (Rodrigues, 2020, p. 141RODRIGUES, M. G. “A experiência da carne na genealogia foucaultiana da subjetividade”. Síntese, v. 47, n. 147, jan./abr. 2020, pp. 123-146.), mais uma vez nos deparamos com a necessidade de conceber aí este plano irredutível ao dualismo antigo “corpo-imperfeição x alma-perfeição”. O que está em questão é o campo do pensamento: “a cogitatio constitui o problema principal” (Foucault, 2018a, p. 134FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a.). De modo que o combate consiste em lançar-se àquele abismo, nas profundezas do qual se esgueiram a verdade e o mal, em um trabalho sem fim de exame-confissão, perante uma plena pureza de coração.

Portanto, dupla conclusão: ao mesmo tempo em que nos remetem ao que chamaremos de plano carnal, alguns elementos que constituem disciplina penitencial e ascese monástica ressoam em Paulo. Se a carne nos permite estabelecer algum elo entre Paulo, Tertuliano e Cassiano, justifica-se sua análise à compreensão da experiência da carne? Até aqui, por um lado, devemos reconhecer a condição desta experiência entre disciplina penitencial e ascese monástica: uma relação entre anulação do mal e manifestação da verdade. Por outro lado, de Tertuliano a Cassiano, a abertura de um campo “que é o do pensamento, com seu curso irregular e espontâneo, com suas imagens, suas lembranças, suas percepções, com os movimentos e impressões que se comunicam do corpo à alma e da alma ao corpo” (Foucault, 2018a, p. 244FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a.). Resta reconhecer se essa comunicação pode ser entendida a partir da noção paulina de carne.

2. A noção paulina de carne

Segundo o Dicionário Internacional de Teologia do Novo Testamento (Brown; Coenen, 2000BROWN, C.; COENEN, L. (orgs.) “Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento”. Trad. G. Chown. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 2000.), em seus usos mais antigos, o termo sarx, que traduz carne, foi empregado de diferentes modos e em diferentes planos, entre os mundos hebraico, judaico e grego: fisiológico (tendões etc.), biológico (corpo humano), antropológico (o homem), animal (bichos), comestível (carne de animais e frutas). O hebraico, em que o termo basar traduz carne, cobre as incidências do termo no Antigo Testamento (AT) e se distingue do mundo grego: “No AT, a ‘carne’ significa o homem na sua totalidade; o homem é ‘carne’ na sua essência. Segundo o conceito grego, do outro lado, o homem possui ‘carne’, mas não é carne” (Brown; Coenen, 2000, p. 275BROWN, C.; COENEN, L. (orgs.) “Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento”. Trad. G. Chown. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 2000.). Por sua vez, o mundo judaico vinculou a carnalidade do homem ao seu pecado (Dickson, 1883, p. 111DICKSON, W P. “St. Paul’s use of the terms flesh and spirit”. New Jersey: Library of the Theological Seminary, 1883 [Online]. Disponível em: https://archive.org/details/stpaulsuseofterm00dick (Acessado em 1 de Agosto de 2020).
https://archive.org/details/stpaulsuseof...
), reivindicando no próprio AT este vínculo (Brown; Coenen, 2000, p. 276BROWN, C.; COENEN, L. (orgs.) “Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento”. Trad. G. Chown. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 2000.). Ainda assim, na tradução grega do AT (LXX), não é possível apontar muitos momentos em que a carne, nomeando o homem em sua transitoriedade, poderia marcar o seu pecado. O Dicionário Teológico do Novo Testamento, organizado por Kittel e Friedrich, nos diz: “A LXX não faz ligação entre sarx e sensualidade” (Kittel; Friedrich, 2013, p. 376KITTEL, G; FRIEDRICH, G. (orgs.) “Dicionário teológico do Novo Testamento”. Condensado por Geoffrey W. Bromiley. Trad. A. T. Filho; J. A. dos Santos; P. S. Gomes; T. P. Gomes. São Paulo: Cultura Cristã, 2013.). O Dicionário Teológico do Novo Testamento, editado por Reid, nos apresenta outro dado importante: “Parece que na LXX o termo nunca é empregado com sentido moralmente negativo [...] nem como designação da rebeldia humana contra Deus”. E o texto segue, preconizando algo fundamental para nós: “Isso contrasta com Paulo, em que ambos os sentidos [apontados na citação anterior] aparecem na metade das vezes em que ele emprega o termo sarx” (Reid, 2012, p. 187REID, D. (ed.) “Dicionário teológico do Novo Testamento”. Trad. M. L. Redondo e F. Medeiros. São Paulo: Vida Nova, 2012.).

É claro que sarx abarca outras significações nos textos de Paulo, que utiliza o termo de modos similares aos usos anteriores, em particular, ao AT7 7 “É admitido em todos os meios que São Paulo baseia o emprego dos termos ‘carne’ e ‘espírito’ não no uso de escritores gregos, que não apresentam nada semelhante, mas no do Antigo Testamento” (Dickson, 1883, p. 108). Ver também Creve, Demoen, Janse (2006). . Aqui e ali, no entanto, o apóstolo nos encaminha a sentidos diferentes. Para ele, carne pode significar o corpo humano, ou o homem, mas, tipicamente, designa uma oposição ao espiritual, seja pela transitoriedade, natural, humana, seja pelo pecado, em oposição e inimizade a Deus. O Dicionário Bíblico Wycliffe lista 7 significados para a carne no NT, entre os quais a natureza carnal pecaminosa “é o uso mais importante para o cristão” (Pfeiffer; Vos; Rea, 2007, p. 379PFEIFFER, C. F.; VOS, H. F.; REA, J. “Dicionário Bíblico Wycliffe”. Trad. D., R., Júnior. 2ª ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.). No Dicionário Teológico do Novo Testamento, que distingue 6 campos semânticos para sarx utilizados por Paulo8 8 São eles: matéria física; corpo humano; pessoa/espécie humana; esfera moralmente neutra; esfera moralmente negativa; natureza humana rebelde. , lemos: “Em Paulo, o uso mais característico e frequente de sarx é sua aplicação à natureza humana pecaminosa” (Reid, 2012, p. 186REID, D. (ed.) “Dicionário teológico do Novo Testamento”. Trad. M. L. Redondo e F. Medeiros. São Paulo: Vida Nova, 2012.).

Não obstante suas divergências, os comentadores não negam a torção paulina no uso de sarx. Nesse uso, em um conjunto variado de sentidos mais ou menos comuns, um campo de significações se sobressai: sarx significando ou uma natureza humana rebelde, corrompida por Adão, ou um poder maligno que orienta ou determina o comportamento. Ao lado das diferenças de interpretação entre os comentadores, destacam-se dois requisitos para analisar este campo de significações: não podemos compreender sarx (1) nem como uma entidade maligna, um ser imaterial à parte do eu/ato pecador; (2) nem como corpo, no sentido de matéria sensível. Os campos físico ou metafísico são insuficientes como referências de compreensão desse conjunto, no sentido em que “não estamos aqui diante de um conceito mitológico, como se a sarx fosse concebida como um ser demoníaco; tampouco se trata de um conceito fisiológico, como se aqui sarx se referisse à sensualidade” (Bultmann, 2008, p. 298BULTMANN, R. “Teologia do Novo Testamento”. Trad. I. Kayser. Santo André: Ed. Academia Cristã, 2008.).

A carne, “como uma disposição errada e distante de Deus, parece se tornar um poder controlador” (Kittel; Friedrich, 2013, p. 380KITTEL, G; FRIEDRICH, G. (orgs.) “Dicionário teológico do Novo Testamento”. Condensado por Geoffrey W. Bromiley. Trad. A. T. Filho; J. A. dos Santos; P. S. Gomes; T. P. Gomes. São Paulo: Cultura Cristã, 2013.) e pode ser uma potência ou força maligna “que arrebatou do eu o poder de dispor de si mesmo” (Bultmann, 2008, p. 253BULTMANN, R. “Teologia do Novo Testamento”. Trad. I. Kayser. Santo André: Ed. Academia Cristã, 2008.), mas “seria mais exato falar do pecado que estabelece sua sede na carne, ou usa e abusa da carne, do que falar da carne em si como se fosse uma força cósmica” (Dunn, 1998, p. 67DUNN, J.D.G. “The Theology of Paul the Apostle”. Cambridge: Eerdmans Publishing Company; Grand Rapids, 1998.). Assim, “o pecaminoso tem sua origem na sarx na medida em que o comportamento nela orientado e por ela normado é um comportamento pecaminoso” (Bultmann, 2008, p. 298BULTMANN, R. “Teologia do Novo Testamento”. Trad. I. Kayser. Santo André: Ed. Academia Cristã, 2008.). Afinal, “O problema da carne não é que ela é pecaminosa per se, mas que é vulnerável às seduções do pecado-carne, poderíamos dizer, como ‘o eu-desejoso’” (Dunn, 1998, p. 67DUNN, J.D.G. “The Theology of Paul the Apostle”. Cambridge: Eerdmans Publishing Company; Grand Rapids, 1998.).

Termo central para compreender a noção paulina de carne, o desejo, no texto do AT, não é abarcado pelo termo sarx, ainda que, neste texto, tal termo se refira ao caráter natural da existência humana (Brown; Coenen, 2000, p. 275BROWN, C.; COENEN, L. (orgs.) “Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento”. Trad. G. Chown. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 2000.). Já em Paulo, apesar de usado em sentido neutro ou bom (Dunn, 1998, p. 120DUNN, J.D.G. “The Theology of Paul the Apostle”. Cambridge: Eerdmans Publishing Company; Grand Rapids, 1998.), é o uso em sentido pejorativo que marca o termo epithymia. Nesse uso, o termo é traduzido por cobiça ou concupiscência (Dunn, 1998, p. 98DUNN, J.D.G. “The Theology of Paul the Apostle”. Cambridge: Eerdmans Publishing Company; Grand Rapids, 1998.). O desejo também aparece “não em termos antropológicos, a fim de designar a concupiscência em si, mas no sentido qualificado, no qual o epithymia (empregado em termos absolutos) é mau como tal” (Bultmann, 2008, p. 282BULTMANN, R. “Teologia do Novo Testamento”. Trad. I. Kayser. Santo André: Ed. Academia Cristã, 2008.). Este não é um desejo qualquer: seu objeto é um modo de ser no qual o eu, depositando sua confiança em si e no mundo humano, se afasta de Deus e do mundo espiritual. Em suma, é desejo de ser independente de Deus (Bultmann, 2008, p. 301BULTMANN, R. “Teologia do Novo Testamento”. Trad. I. Kayser. Santo André: Ed. Academia Cristã, 2008.). Por sua vez, sua realização deve ser entendida como efeito primeiro do pecado no qual o indivíduo, julgando-se autossuficiente à revelia do temor de Deus, satisfaz seus apetites naturais. “O pecado, podemos dizer, é o poder que transforma a epithymia de algo neutro ou positivo em algo prejudicial, de ‘desejo’ em ‘concupiscência’” (Dunn, 1998, p. 120DUNN, J.D.G. “The Theology of Paul the Apostle”. Cambridge: Eerdmans Publishing Company; Grand Rapids, 1998.). Assim, a concupiscência da carne designa não uma entidade metafísica à parte, mas um campo de ações e efeitos do mal: afetações do pecado e reações do desejo que, daí em diante, vive refém do mundo humano-natural.

Mas, se não pode ser compreendida como um ser metafísico à parte, a noção paulina de carne também não pode ser confundida com a ideia antiga de corpo. Considerando quatro grandes campos semânticos ao redor de Paulo – o hebraico, o platônico, o gnóstico e o estoico9 9 Sobre a distinção com o gnosticismo, ver Brown e Coenen (2000, p. 281) e Kittel e Friedrich (2013, p. 382). Sobre o dualismo gnóstico-helenista, Bultmann (2008, p. 258). Sobre a distinção com mundo hebraico, ver Dunn (1998, p. 70). Sobre a distinção com Filo e com Sêneca, ver Brown e Coenen (2000, respectivamente, pp. 277 e 282) e Kittel e Friedrich (2013, p. 377). Todas estas referências dedicam algumas páginas à noção paulina de soma e às suas distinções com sarx. Para o corpo espiritual, ver Bultmann (2008, pp. 248 e 257). Em relação ao estoicismo, temos aproximações e diferenças, como mostram Puech (1928, p. 292), Bultmann (2008, p. 116) e, detalhadamente, Grant (1915). Mesmo que se possa estabelecer paralelos, entre Paulo e o estoicismo, em relação à oposição “corpo x espírito” (Jagu, 1958, p. 246), a nós importa que, se o estoicismo é importante para entendermos o uso paulino do termo soma, ainda assim não é a partir daí que podemos compreender sarx. –, em nenhum deles encontramos referência para pensar a ideia, expressa pela noção paulina de carne, de plano carnal, complementando a ideia de corpo sem deixar de se distinguir claramente dela. Para Paulo, “o conceito de corpo é maior que o de corpo físico” (Dunn, 1998, p. 58DUNN, J.D.G. “The Theology of Paul the Apostle”. Cambridge: Eerdmans Publishing Company; Grand Rapids, 1998.). Soma significa a pessoa em seu todo, a humanidade criada em sua existência corporificada, e não pode ser compreendido depreciativamente, nem como algo de que se serve a alma-sujeito, nem como túmulo que guarda a alma e ali a conserva, seja para a sua punição, seja para a sua proteção. Tampouco é locus do mal, do erro ou da ilusão, em oposição a uma alma, com a qual é preciso ocupar-se ou purificar, entendida como força da vida espiritual que dá forma à matéria (Bultmann, 2008, p. 260BULTMANN, R. “Teologia do Novo Testamento”. Trad. I. Kayser. Santo André: Ed. Academia Cristã, 2008.) ou elemento imortal separável do corpo. Afinal, uma vez livre do poder da carne, o corpo não desaparece com a morte, mas porta a vida da ressureição como corpo espiritual10 10 Ver, p. ex., Cuvillier (2013, l. 13). .

Assim, para Paulo, “o fator negativo não foi simplesmente a existência corporal em si, mas o caráter efêmero da existência humana como existência em carne que tende para o desejo” (Dunn, 1998, p. 72DUNN, J.D.G. “The Theology of Paul the Apostle”. Cambridge: Eerdmans Publishing Company; Grand Rapids, 1998.). Nas referências ao corpo de pecado (Rm 6:6), ou às paixões do corpo (Rm 6:12), o que está em questão é o poder da carne (Bultmann, 2008, p. 253BULTMANN, R. “Teologia do Novo Testamento”. Trad. I. Kayser. Santo André: Ed. Academia Cristã, 2008.) que, nesses termos, não pode ser confundida nem com a sensibilidade nem com a sensualidade atribuíveis ao corpo (Brown; Coenen, 2000, p. 283BROWN, C.; COENEN, L. (orgs.) “Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento”. Trad. G. Chown. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 2000.). O mal da carne não se identifica com a matéria do corpo: “em nenhum caso [incluindo o de Paulo], a idéia bíblica de carne sugere o mal inerente da matéria” (Pfeiffer; Von; Rea, 2007, p. 379PFEIFFER, C. F.; VOS, H. F.; REA, J. “Dicionário Bíblico Wycliffe”. Trad. D., R., Júnior. 2ª ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.). Apesar de “viva em suas manifestações sensoriais e perceptível para a percepção sensorial”, a carne não se refere a uma matéria distinta da forma, mas conformada e animada no corpo humano (Bultmann, 2008, p. 292BULTMANN, R. “Teologia do Novo Testamento”. Trad. I. Kayser. Santo André: Ed. Academia Cristã, 2008.). Se, por esse motivo, sarx pode ser ocasionalmente sinônimo de soma, para Paulo, o fato é que a fraqueza da carne vai além da fraqueza física (Reid, 2012, p. 186REID, D. (ed.) “Dicionário teológico do Novo Testamento”. Trad. M. L. Redondo e F. Medeiros. São Paulo: Vida Nova, 2012.) e não se reduz à sua sensualidade (Jewett, 2006, p. 483JEWETT, R. “Romans: a commentary”. Minneapolis: Fort Press, 2006.). Para Paulo, a carne física “é a matéria que revela pensamentos e atitudes, bons ou maus” (Brown; Coenen, 2000, p. 282BROWN, C.; COENEN, L. (orgs.) “Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento”. Trad. G. Chown. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 2000.). Eis aí o corte paulino.

É verdade que Paulo emprega sarx em sentidos bem próximos daqueles já existentes ao seu redor. Podemos dizer, também, que sarx aparece na LXX indicando a fragilidade humana. Por fim, devemos reconhecer que a carne aparece no mundo judaico caracterizando o pecado. Ainda assim, Paulo conferiu a sarx um novo espectro de sentidos.

Em todos os escritos posteriores [a Paulo], a noção de carne inundou o corpo de associações perturbadoras: de algum modo, enquanto carne, as fraquezas e tentações do corpo faziam eco a um estado de desamparo e até de rebeldia contra Deus, estado esse que era maior do que o próprio corpo (Brown, 1990, pp. 50-51BROWN, P. “Corpo e sociedade. O homem, a mulher e a renúncia sexual no início do cristianismo”. Trad. V. Ribeiro. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1990.).

A partir deste entendimento – que podemos considerar uma ilha de ponto pacífico ao redor da qual gravita uma série de questões (Dunn, 1998, p. 62DUNN, J.D.G. “The Theology of Paul the Apostle”. Cambridge: Eerdmans Publishing Company; Grand Rapids, 1998.) –, detenhamo-nos nos capítulos 7 e 8 da Epístola aos Romanos. Isolemos três derivações de sarx características da transformação que a carne sofre nestes trechos: 1) sarkikós, referindo-se a uma existência carnal (Rm 7:14); 2) katá sárka, referindo-se a um modo de ser segundo a carne (Rm 8:5); 3) phronima tes sarkós, indicando uma perspectiva mental da carne (Rm 8:7).

Em Rm 7:14, nos deparamos com o termo sarkikós indicando uma carnalidade dominada pelo mal a partir de um comportamento pecador: “eu sou carnal [limitado pela carne], vendido como escravo ao pecado”, afirma Paulo. Referindo-se a essa passagem, o Dicionário Bíblico Wycliffe nos mostra que “carnal”, correspondendo à natureza humana corrompida por Adão, é um termo exclusivamente paulino (Pfeiffer; Vos; Rea, 2007, p. 379PFEIFFER, C. F.; VOS, H. F.; REA, J. “Dicionário Bíblico Wycliffe”. Trad. D., R., Júnior. 2ª ed. Rio de Janeiro: CPAD, 2007.). Mesmo no judaísmo, em que há um precedente à relação entre carne e pecado, “a carne não pertence, em princípio, à esfera pecaminosa” (Kittel; Friedrich, 2013, p. 376KITTEL, G; FRIEDRICH, G. (orgs.) “Dicionário teológico do Novo Testamento”. Condensado por Geoffrey W. Bromiley. Trad. A. T. Filho; J. A. dos Santos; P. S. Gomes; T. P. Gomes. São Paulo: Cultura Cristã, 2013.) e não encontramos o uso que Paulo faz de sarkikós. “O judaísmo, nas suas várias formas, vinculava a camalidade do homem com seu pecado, sem, porém, interpretar a ‘carne’ como sendo a própria causa do pecado” (Brown; Coenen, 2000, p. 276BROWN, C.; COENEN, L. (orgs.) “Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento”. Trad. G. Chown. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 2000.). De fato, o termo hebraico para carne (basar) aparece no judaísmo como designação da humanidade caída ou de uma esfera cósmica maligna: “o emprego de sarx para indicar a humanidade caída e o sistema maligno de valores deste mundo é, portanto, um fenômeno decididamente paulino, com raízes na literatura apocalíptica judaica” (Reid, 2012, p. 187REID, D. (ed.) “Dicionário teológico do Novo Testamento”. Trad. M. L. Redondo e F. Medeiros. São Paulo: Vida Nova, 2012.).

Se este carnal se revela como uma adjetivação que introduz a presença, as ações e efeitos do pecado, quem é o seu portador? Todos estão sob a ameaça do mal, logo, todos estão “na carne” (en sarki), mas alguns vivem “segundo a carne” (katá sárka), ou seja, escolhem uma existência pecadora11 11 Ver, p. ex., Dunn (1998, p. 100). Também Brown e Coenen (2000, p. 282); Reid (2012, p. 186). . E é notável que, para classificar essa forma de existência, Paulo (Rm 8:5-7) se refira a uma mente carnal – às intenções, inclinações, cogitações, da carne – utilizando o termo phroneo. Notável porque, a rigor, esse termo, caro à filosofia, denota a sabedoria – no caso específico: pensar, sustentar ou formar uma opinião (Gringrich, 1993, p. 219GRINGRICH, W. “Léxico Do Novo Testamento Grego / Português”. São Paulo: SER Vida Nova, 1993.) – e, aqui, uma espécie de “saber-fazer” da carne, evidentemente, voltado para o mal. Para Paulo, phronesis não significa razão, nem prudência, neste trecho, mas disposição, não dos sentidos, mas de toda a natureza humana (Tholuck, 1844, p. 244THOLUCK, A. “Exposition of St. Paul's Epistle to the Romans”. Philadelphia: Sorin and Ball, 1844 [Online]. Disponível em: https://archive.org/details/expositionofstpa00thol (Acessado em 1º de Agosto de 2020).
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). Notável, em segundo lugar, porque se trata de um uso genuinamente paulino dessa perspectiva mental da carne (Brown; Coenen, 2000, pp. 282-283BROWN, C.; COENEN, L. (orgs.) “Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento”. Trad. G. Chown. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 2000.). Como afirma Jewett (2006, p. 487)JEWETT, R. “Romans: a commentary”. Minneapolis: Fort Press, 2006.: “a forma nominal de phroneo (‘ter em mente’) é empregada aqui pela primeira vez nas cartas paulinas e, de fato, no NT” – e encerra: “Mas, embora phronema apareça com crescente frequência no primeiro século, não há exemplos da pura antítese que Paulo desenvolve aqui entre a mente da carne e a mente do Espírito”. Finalmente, notável porque “phronein designa a mentalidade na qual pensar e querer formam uma unidade” (Bultmann, 2008, p. 271BULTMANN, R. “Teologia do Novo Testamento”. Trad. I. Kayser. Santo André: Ed. Academia Cristã, 2008.). Tal como utilizada por Paulo, “a palavra phronein é um daqueles termos que é difícil de traduzir, porque inclui ao mesmo tempo pensar e querer” (Godet, 1882, p. 70GODET, F. L. Commentary on St. Paul’s Epistle to the Romans vol. 2. Edinburgh: T amp; T Clark, 1882 [Online]. Disponível em: https://archive.org/details/commentaryonstp00godegoog (Acessado em 1º de Agosto de 2020).
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). Encontramos aí o coração que, para Paulo, “é o eu ambicioso, volitivo, decidido ou movido, que pode voltar-se para o bem ou para o mal” (Bultmann, 2008, p. 279BULTMANN, R. “Teologia do Novo Testamento”. Trad. I. Kayser. Santo André: Ed. Academia Cristã, 2008.). O que podemos concluir dessas derivações de sarx?

Em primeiro lugar, Paulo não deixa de situar a vida humana “na carne”, sujeita ao natural, ao transitório e, ao fim e ao cabo, ao pecado que, nesses termos, aparece como universal. Submetida à sedução do mal está adam, a humanidade. É nesse sentido que, em Romanos, há não só uma universalidade e uma hereditariedade do pecado (Bultmann, 2008, p. 310-15BULTMANN, R. “Teologia do Novo Testamento”. Trad. I. Kayser. Santo André: Ed. Academia Cristã, 2008.), ambas vinculadas com a queda de Adão, como também a ideia de pecado, separada da ideia de culpa12 12 A expressão “remissão dos pecados”, afirma Bultmann (2008, p. 353), “parece referir-se somente à libertação da culpa contraída pelos progegonóta ámartímata [pecados anteriormente cometidos], enquanto para Paulo se trata da libertação do pecar, do poder da amartía [pecado]”. , como poder personificado que não deixa de ser assumido – diga-se – pela figura de Satanás. Mas, se de um lado há um pecado sedutor, de outro há um comportamento pecaminoso, uma escolha. “Desejos corretos tornam-se ação carnal, de modo que somente em retrospecto pode alguém diferenciar a vontade que se opõe à sarx, porém precisamente ao fazer assim torna responsável e culpada a obra dela” (Kittel; Friedrich, 2013, p. 379KITTEL, G; FRIEDRICH, G. (orgs.) “Dicionário teológico do Novo Testamento”. Condensado por Geoffrey W. Bromiley. Trad. A. T. Filho; J. A. dos Santos; P. S. Gomes; T. P. Gomes. São Paulo: Cultura Cristã, 2013.). Não obstante a vida na carne seja inevitável, a carne aparece não só como manifestação do mal, mas como campo no qual é possível combatê-lo: “a solução para a tensão assim criada é fazer morrer continuamente a carne e suas obras” (Reid, 2012, p. 188REID, D. (ed.) “Dicionário teológico do Novo Testamento”. Trad. M. L. Redondo e F. Medeiros. São Paulo: Vida Nova, 2012.). Carne, portanto, como locus do pecado e da purificação (Lavigne, 2007, l. 68LAVIGNE, J.-F. “Chair, corps, esprit. Quelques remarques sur l’anthropologie paulinienne”. Noesis, Nr. 12, 2007, pp. 27-62 [Online]. Disponível em: http://noesis.revues.org/1293 (Acessado em 1º de Agosto de 2020).
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), antítese entre danação e salvação. Como negar aí alguns dos principais elementos que, mais tarde, se transformariam na base da disciplina penitencial, em Tertuliano? Temos a presença do mal e tudo o que ela implica na vida cristã, o perigo e o medo, mas também a introdução e a manifestação do mal nesse plano irredutível ao dualismo corpo-alma, com o pecado, a partir do qual o inimigo se infiltra de modo definitivo na relação a si cristã. Dada a presença constante e insidiosa do inimigo, a dívida a pagar pelo perdão não será quitada sem sacrifícios. Luta sem fim contra o mal à espreita, exercício, disciplina, provação constante; todos esses termos nos ajudam a compreender o modo pelo qual, no século III, a preparação penitencial para o batismo foi proposta como mortificação e, pelos mesmos termos, pode ser compreendida à luz da noção paulina de carne.

Mas, não podemos deixar de reconhecer também que as ações e efeitos do pecado, no plano carnal paulino, constituem o campo da concupiscência, noção cara à espiritualidade cristã e, em particular, a Cassiano. Para introduzir a necessidade do exame e da direção de consciência, ele precisa falar da cogitatio, como campo de atuação do mal, e da pureza de coração, o estado no qual esse mal é combatido. Uma vez presente na mais íntima interioridade da vontade, o inimigo investe contra a alma que, por sua vez, fica refém de um movimento provocador. Desde suas manifestações mais explícitas e perceptíveis até as mais sutis e involuntárias, a concupiscência nos leva a um domínio peculiar. A luta contra a fornicação, vício que requer mortificação radical, “nos deixa viver em nosso corpo livrando-nos da carne”, diz-nos Foucault (2018a, p. 234)FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a., e em seguida arremata, citando Cassiano: “Sair da carne permanecendo no corpo”. Se estamos longe, como afirma Foucault (2018a, p. 239)FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a., “da ideia de uma separação tão radical quanto possível entre alma e corpo”, então, não podemos compreender a concupiscência à luz desta separação.

Eis porque se torna imprescindível perguntar como se constitui esse plano no qual se dará a experiência da carne e, ao mesmo tempo, porque se justifica a análise da noção paulina de carne para responder a essa pergunta. Afinal, para Paulo, o pecado é um poder cujas ações e efeitos se manifestam na carne como concupiscência. É assim que podemos compreender o desejo (epithymia), em Paulo: como o efeito do pecado que atravessará a espiritualidade cristã e chegará até Agostinho, como concupiscentia. “Concupiscentia, então [para Agostinho], é substancialmente o mesmo que Paulo chama de ‘carne’ no mau sentido. Não é a constituição sensual em si mesma, mas sua predominância sobre a natureza mais alta e racional do homem” (Schaff, 1882b, p. 489SCHAFF, P. History of the Christian Church, Volume III: Nicene and Post-Nicene Christianity. A.D. 311-600. 5a ed. Grand Rapids, MI: Christian Classics Ethereal Library, 1882b [Online]. Disponível em: https://www.ccel.org/ccel/schaff/hcc3.html (Acessado em 1 de Agosto de 2020).
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). Se o termo phroneo, presente nas inclinações da (noção paulina de) carne, não é utilizado para denotar o pensamento, mas um pensar-querer – e, nesse sentido, deve ser diferenciado da cogitatio, em Cassiano –, isso só reforça o reconhecimento de que a concupiscência, tal como será explorada pelo monástico, pode ser compreendida pelas ações e efeitos do pecado nesse plano carnal paulino. Esse plano serve a Cassiano na medida em que porta uma espécie de vontade interior atraída para o mal. Afinal, a carne “faz do corpo o lugar principal de manifestação de uma vontade que cede incessantemente ou se recusa ao prazer, e só se descobre agindo dessa maneira pela interpretação do que mais tarde se tornará a confissão ao diretor ou ao confessor” (Chevallier, 2011, p. 294CHEVALLIER, P. “Michel Foucault et le christianisme”. Paris: ENS Éditions, 2011.).

3. A noção estratégica de carne

A análise da noção paulina de carne contribui à compreensão da experiência da carne? Ao menos uma objeção pode ser aventada contra esta conclusão: sob certo aspecto, em As confissões, Paulo é menos um autor crucial à experiência da carne do que um pagão cristianizado pelos padres que se apropriaram de suas ideias. Assim, de um lado, as “cartas fortemente helenizantes” (Foucault, 2018a, p. 9FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a.) de Paulo parecem excluí-lo da espiritualidade cristã, ao longo da qual se forma essa experiência. De outro, e talvez como consequência disso, as referências a Paulo, quando Foucault está tratando de Tertuliano e de Cassiano, são feitas absolutamente en passant, logo, não permitiriam a referida conclusão. De modo geral, se não são dispensáveis, os textos paulinos são referências secundárias em As confissões. Por que Foucault não lhes dá a importância que parecem ter, por exemplo, à compreensão da noção cristã de carne? Na ausência de uma resposta indubitável, podemos conjecturar uma razão estratégica, ou melhor, uma lógica-estratégica expressa em dois fatores, um histórico e outro metodológico.

Em princípio, diríamos que a razão pela qual Foucault não toma Paulo como referência primária é de ordem histórica. Há uma ausência de concepções paulinas no pensamento dos padres do século II, tal como apontada pelas referências das pesquisas de 1980, em particular, os historiadores citados no curso Do governo dos vivos. Justifica-se a ausência de Paulo nas análises foucaultianas porque, visando a um regime de verdade13 13 Ver, p. ex., Foucault (2018a, p. 72; 2014, p. 86). A ideia de regime de verdade é decisiva à compreensão foucaultiana da passagem do mundo pagão ao cristianismo, como nos mostra Chevallier (2011, p. 302), que também analisa a “leitura singular” de Foucault sobre os padres, na segunda parte de seu livro, e até nos pergunta, em sua Conclusão, se o curso Do governo dos vivos não seria um longo comentário de Rm 7,15 (ibid., pp. 347-48). , tais análises se concentram na passagem do paganismo ao cristianismo, no século II, período no qual os historiadores consultados pelo filósofo apontam um declínio do paulinismo (Foucault, 2014, p. 152, n. 41FOUCAULT, M. “Do governo dos vivos. Curso no Collège de France (1979-1980)”. Trad. Eduardo Brandão. Martins Fontes: São Paulo, 2014.).

Ocorre que a seleção e a interpretação dos historiadores citados por Foucault e, sobretudo, do período por ele estudado, não deixam de corresponder à sua inclinação genealógica. Discutindo a pergunta que não guiou as pesquisas foucaultianas acerca do cristianismo – “Qual é o verdadeiro fundador da religião cristã? É Jesus? É Paulo?” –, Senellart (2012, p. 74)SENELLART, M. “Verdade e subjetividade: uma outra história do cristianismo?” In: CANDIOTTO, C; SOUZA, P. (orgs.) Foucault e o cristianismo. Belo Horizonte: Autêntica, 2012. pp. 73-92. responde a nossa: “A leitura de Foucault permanece totalmente estranha a essa problemática [da fundação], sob qualquer ângulo que se a considere”. É o ímpeto genealógico martelando a busca da origem essencial para extrair daí as problematizações, as emergências, os acontecimentos.

Fatores históricos, de um lado, e metodologia de pesquisa, de outro, expressam uma lógica-estratégica que inibe a fragmentação do cristianismo em uma série contínua de conceitos que atravessariam sua história até o seu pretenso fundador. Desse ponto de vista, mais importante do que perguntar pela suposta ausência de Paulo, nos textos de Foucault, é perguntar: “Em que pontos se marca a ruptura com a civilização greco-romana? Portanto, acontecimentalização diferencial, e não definição substancial”, nos diz Senellart (2012, p. 91)SENELLART, M. “Verdade e subjetividade: uma outra história do cristianismo?” In: CANDIOTTO, C; SOUZA, P. (orgs.) Foucault e o cristianismo. Belo Horizonte: Autêntica, 2012. pp. 73-92., e conclui: “essa investigação daquilo que é ‘próprio do cristianismo’ é indissociável do ajuste dos acidentes, desvios, retornos e interpretações que pouco a pouco lhe deram corpo”.

Ora, a noção paulina de carne passa a ser indispensável para nós, precisamente, na medida em que testemunha uma ruptura com a civilização greco-romana: a introdução de um plano no horizonte do qual se manifestam as ações e os efeitos de um mal para o qual as “receitas” disponíveis na época não ofereciam salvação. Quando aparece “como uma espécie de esfera ou caráter de existência” (Dunn, 1998, p. 67DUNN, J.D.G. “The Theology of Paul the Apostle”. Cambridge: Eerdmans Publishing Company; Grand Rapids, 1998.), a noção paulina de carne nos leva a este plano, do fazer e do sofrer, que, em sua unidade, é irredutível ao vocabulário histórico ao seu redor. “Na carne”, diz-nos Bultmann, é

uma fórmula que não é veterotestamentária, nem pode ser explicada a partir do uso linguístico grego e que mostra que, segundo Paulo, o ser de uma pessoa não é determinado por alguma coisa que ela é segundo a matéria (o AT pode dizer que o ser humano é carne) ou pelo que ela tem em si (conforme o pensamento grego), mas por uma esfera dentro da qual ela se move, que delimita o horizonte, as possibilidades de seu fazer e seu sofrer (Bultmann, 2008, p. 295BULTMANN, R. “Teologia do Novo Testamento”. Trad. I. Kayser. Santo André: Ed. Academia Cristã, 2008.).

Por um lado, o ponto de vista estratégico bloqueia uma continuidade entre Paulo, Tertuliano e Cassiano. De fato, na medida em que se desdobra em mortificação, a partir do novo formato que Tertuliano confere ao batismo, a disciplina penitencial pode ser compreendida no contexto de um retorno à Epístola aos Romanos, em particular, à concepção paulina de pecado. Ademais, dada a sua referência na análise da pureza de coração, a presença de Paulo também é detectada na concepção de concupiscência que, em Cassiano, se constitui ao lado da ascese monástica. Poderíamos propor, de modo muito esquemático, do lado de Paulo, o pecado e o desejo; do lado de Tertuliano e Cassiano, o pecado original e a concupiscência; e, como elementos intermediários, a mortificação e a pureza de coração. Porém, não se trata de identificar conceitos paulinos em Tertuliano e Cassiano. Do ponto de vista estratégico, a questão é perguntar como estes e outros elementos se encontram entrelaçados a tal ponto em que formam uma unidade subjacente à compreensão da carne como experiência. É essa a pergunta que a análise da noção paulina de carne responde: como se tornou possível essa ideia – da qual se serviram, cada um a seu modo, Tertuliano e Cassiano – que unifica uma disposição pecaminosa e um plano no qual se manifestam suas ações e reações? A partir da transformação, que a noção de carne sofreu, da qual os textos de Paulo são testemunha.

Por outro lado, devemos reconhecer que o apóstolo escreve em grego e se dirige, também, a uma moral pagã. Poderíamos interrogar a extensão da influência helênica nos textos paulinos14 14 Schaff (1882a, p. 183) ressalta que a cultura helênica de Paulo é matéria de disputa, negada e exaltada entre os comentadores. Contemporaneamente, notamos que, a despeito de “um modo tipicamente grego de falar, seu [Paulo] entendimento do homem é completamente diferente. Mesmo o nous, o poder racional da compreensão mental, é incapaz de descobrir aquilo que é bom, sendo que o verdadeiro significado da vida lhe é ocultado permanentemente pelo pecado” (Brown; Coenen, 2000, p. 278). . Todavia, crucial é saber se esta influência reduz ou anula a pertinência desses textos à compreensão da experiência da carne. Outra vez, a visão estratégica: o helenismo – tanto quanto a ascendência de elementos do AT e do judaísmo – nas cartas de Paulo, se não está ausente no conjunto de derivações de sarx analisados por nós, pode ser acentuado em função de uma finalidade tática:

do ponto de vista da estratégia apologética e missionária, [Paulo] tinha assim uma base comum tanto com judeus como com gregos nas suas diferentes perspectivas sobre a realidade e assim podia esperar ter receptividade de ambos para o evangelho enquanto se relacionava com a existência neste mundo (Dunn, 1998, p. 72DUNN, J.D.G. “The Theology of Paul the Apostle”. Cambridge: Eerdmans Publishing Company; Grand Rapids, 1998.).

Não é por acaso que Paulo se utiliza de um vocabulário um pouco familiar ao público pagão. Trata-se de administrar uma forma de salvação que consiste em levar esse público a outro mundo. Um mundo no qual todos – sem exceção – vivem na carne, logo, longe da perfeição15 15 Caberia discutir se Paulo prega ou não um “cristianismo como religião dos perfeitos” (Foucault, 2014, p. 158), mas não sua habilidade em acolher o maior número de seguidores (Puech, 1928, p. 313). . Um mundo no qual o pecado exerce uma força ineludível sobre o desejar da humanidade que, uma vez corrompida, passa a existir segundo a carne. Daí a concupiscência, ou as concupiscências da carne: os modos de afetação, nesse plano carnal, a partir dos quais se expressam as ações e os efeitos do mal. Ao ser contaminada por esse mal, a carne exige um antídoto destinado apenas aos que recusarem a vida humana-natural. Se essa recusa condiciona, para usar os termos de Foucault, a manifestação de uma verdade (a vida segundo o espírito) à anulação de um mal (a vida segundo a carne), é na medida em que, quase dialeticamente, a salvação paulina se constitui negando e pressupondo a aceitação da vida na carne.

Condenando o cristão a carregar – neste horizonte que faz o corpo comunicar-se com a alma e vice-versa sem se reduzir a eles – a antítese entre pecado e purificação, o plano carnal parece formar parte das condições de um tripé que apoia a espiritualidade cristã: salvação na imperfeição, reconhecimento das faltas e a relação, entre anulação do mal e manifestação da verdade, que caracteriza a experiência da carne. Não custa ressaltar: essa experiência, assim como disciplina penitencial e exame-confissão, estão absolutamente ausentes no século I. Podemos dizer que o mal e a verdade, em Paulo, denotam mortificação e pureza de coração, concepções utilizadas por Tertuliano e Cassiano, e referenciadas a Paulo, em As confissões. Mas, longe de indicar alguma origem ou continuidade, tais referências são pistas que testemunham a apropriação de um insight: a noção estratégica de carne. Tertuliano e Cassiano estão em mundos distantes, mas têm interesses que, entre outras coisas, incluem o recurso, a este mundo que o plano carnal faz aparecer, a partir do qual eles – assim como outros autores da espiritualidade cristã – difundiram práticas centrais à emergência da experiência da carne.

Considerações finais

Admitir uma posição estratégica significa, para nós, assumir como pressuposto a genealogia e a leitura histórica do cristianismo que interessam a Foucault. Essa posição nos permitiu desviar de dois conjuntos de questões. Diante de um desses conjuntos, evitamos, pelos menos, duas direções de trabalho. Em primeiro lugar, à luz de análises sobre a leitura foucaultiana do cristianismo, o trabalho sobre os elementos e a metodologia que ficaram à sua margem. Esse trabalho inclui não apenas o exame das referidas análises – como as de Chevallier (2011)CHEVALLIER, P. “Michel Foucault et le christianisme”. Paris: ENS Éditions, 2011. e Cseke (2018)CSEKE, A. “Foucault lecteur de saint Augustin”. materiali foucaultiani, Vol. VII, Nr. 13-14, 2018, pp. 253-272 [Online]. Disponível em http://www.materialifoucaultiani.org/en/rivista/volume-vii-number-13-14.html?jjj=1575952535440 (Acessado em 1 de Agosto de 2020).
http://www.materialifoucaultiani.org/en/...
– mas, também, na medida do possível, dos textos dos autores antigos e cristãos citados por Foucault, dado que, como sugerem Goulet-Cazé (2013)GOULET-CAZÉ, M-O. “Michel Foucault et sa vision du cynisme dans Le courage de la vérité”. In: D. Lorenzini, A. Revel et A. Sforzini (dir.) Michel Foucault: éthique et vérité (1980-1984). Paris: Vrin, 2013. pp. 105-124. e Hadot (2014)HADOT, P. “Um diálogo interrompido com Michel Foucault. Convergências e divergências”. In: _____. Exercícios espirituais e filosofia antiga. São Paulo: É realizações, 2014. pp. 275-282., Foucault nem sempre se detém em um labor filológico quando utiliza as traduções desses textos. A segunda direção de trabalho do primeiro conjunto de questões é a do exame do problema “Paulo-Foucault”. Ests segundo trabalho inclui a análise crítica de, pelo menos, dois elementos que, em tese (Chrulew, 2010CHRULEW M. “The Pauline Ellipsis in Foucault’s Genealogy of Christianity”. The Journal for Cultural and Religious Theory, Vol. 11, Nr. 1, Winter 2010, pp. 1-15.), podem se encontrar: de um lado, os termos da teologia paulina e seu contexto histórico; de outro, a pertinência e o alcance da genealogia foucaultiana em relação a esses termos, como vemos em Castelli (1991)CASTELLI, E. A. “Imitating Paul: A Discourse of Power”. Louisville: Westminster/ John Knox Press, 1991. e Polaski (1999)POLASKI, S. H. “Paul and the Discourse of Power”. Sheffield: Sheffield Academic Press, 1999., por exemplo.

O segundo grupo de questões é uma fonte inesgotável de problemas de naturezas diversas para a qual a noção paulina de carne pode nos remeter. Em primeiro lugar, ao investigar um dos aspectos desta noção – a saber: as derivações de sarx em Romanos 7 e 8 –, a posição estratégica visa à ideia, expressa pela unidade de seus elementos (como o pecado e o desejo), que chamamos de plano carnal. Desse modo, foi possível afirmar a presença dessa ideia nas concepções – essenciais à emergência da experiência da carne – de disciplina penitencial e ascese monástica, prescindindo de uma continuidade entre Paulo, Tertuliano e Cassiano. Passamos longe de decompor a noção de carne em elementos isolados que atravessariam a história, ao lado de um conjunto de problemas de historiografia, teologia e exegese bíblica. Ao mesmo tempo em que toma Paulo como sombra e pista compreensiva, em relação à experiência da carne, o ponto de vista estratégico nega-o como origem e/ou fundação da espiritualidade cristã.

Em segundo lugar, esse ponto de vista visa às rupturas. Não negamos marcas estoicas, judaicas ou veterotestamentárias, no texto paulino. Contudo, podemos falar de um corte em relação a elas: a carne como uma espécie de abismo sem fim, repleto de labirintos sombrios, no qual o corpo se lança e do qual deverá sair purificado. Mas, se devemos falar de uma ruptura, do ponto de vista estratégico, o corte da noção paulina de carne só pode ser compreendido à luz da tática de difusão de uma forma de salvação inseparável da danação. Fazer a carne atravessar o indivíduo – e vice-versa: da vida segundo a carne até a vida segundo o espírito – e lhe introduzir, na dimensão desconhecida dessa espessura carnal irredutível aos termos do corpo ou da alma, o pecado e a purificação: eis o corte paulino.

Por fim, se esse corte deve ser compreendido estrategicamente, qual é a tática paulina em face do paganismo e da tarefa de converter os gentios? Entre outras coisas, não perturbar a estrutura da família greco-romana e, particularmente, o chefe da família – elemento central da cadeia de comando pelo qual os ensinamentos cristãos seriam transmitidos. Isso requer, por exemplo, cautela com a questão do prazer sexual – e Paulo é enfático: o ideal de vida seria a abstinência, assevera ele, mas nem todos estão destinados a essa vida... Ciente de que a sociedade romana do século I não aceitaria facilmente a imposição irrestrita da abstinência sexual matrimonial, Paulo não só não a interdita, como também põe em pé de igualdade, entre marido e mulher, o direito de satisfazer suas concupiscências (1 Cr 7:4). Abre-se aqui a segunda parte de nossa análise16 16 Ver nossa nota de rodapé n. 1. Sobre a carne e Agostinho, ver Sforzini (2016). , à medida que a posição de Paulo em relação ao casamento ressoa no modo pelo qual, de Clemente de Alexandria até Agostinho, a espiritualidade cristã se depara com a antiga oposição entre a necessidade da procriação, finalidade do matrimônio, e a necessidade da pureza espiritual, finalidade do que será a castidade conjugal.

É interessante notar que, em um texto conhecido de 1978, Foucault captura com precisão este aspecto: “foi a concepção da carne – muito difícil, aliás muito obscura – que serviu, que permitiu estabelecer essa espécie de equilíbrio entre um ascetismo, que recusava o mundo, e uma sociedade civil, que era uma sociedade laica” (Foucault, 1994a, p. 565FOUCAULT, M. “Sexualité et pouvoir”. In: _____. Dits et Écrits III 1976-1979. Paris: Gallimard, 1994a.). Entretanto, a sequência da análise foucaultiana, nesse texto, não abarca a noção paulina de carne. O filósofo rapidamente aproxima carne e sexualidade, chegando a afirmar que “a carne cristã é a sexualidade presa no interior dessa subjetividade” (Foucault, 1994a, p. 566FOUCAULT, M. “Sexualité et pouvoir”. In: _____. Dits et Écrits III 1976-1979. Paris: Gallimard, 1994a.). Em contraposição a essa afirmação, está a postura em 1981, bem mais próxima de nossa análise: “Há a carne e o desejo sensual que, juntos, designam, com certeza, a presença de uma força contínua no indivíduo. Mas a carne não é absolutamente sinônimo de sexualidade” (Foucault, 1994b, p. 661FOUCAULT, M. “Interview de Michel Foucault”. In:______. Dits et Écrits IV 1980-1988. Paris: Gallimard, 1994b.). Ocorre que a posição do filósofo não é fixa em relação à aproximação entre carne e sexualidade (Rodrigues, 2020, p. 129RODRIGUES, M. G. “A experiência da carne na genealogia foucaultiana da subjetividade”. Síntese, v. 47, n. 147, jan./abr. 2020, pp. 123-146.).

Seja como for, em Paulo, a carne não é equivalente ao desejo sexual: ainda que possa abarcá-lo e, inclusive, ensejá-lo, “não se trata de antipatia a toda atividade sexual como tal. Pelo contrário, Paulo demonstra apreciação realista da força do desejo sexual em 1Cor 7,9” (Dunn, 1998, p. 160DUNN, J.D.G. “The Theology of Paul the Apostle”. Cambridge: Eerdmans Publishing Company; Grand Rapids, 1998.). A cobiça e a concupiscência, designadas pela ideia de epithymia, não podem ser reduzidas ao ato/prazer sexual, mas, como vimos, devem ser entendidas na postura ambiciosa e autossuficiente que, tentando igualar-se a Deus, e em desobediência à Sua verdade, procura viver no mundo humano-natural e aí satisfazer seus desejos. Se, entre estes desejos, o sexual ganhou uma ênfase maior, isso pode se explicar menos pelos textos de Paulo do que pela helenização do pensamento cristão, na qual “os aspectos negativos da camalidade tornaram-se cada vez mais ligados à corporeidade humana e em grande medida à função criativa da sexualidade” (Dunn, 1998, p. 105DUNN, J.D.G. “The Theology of Paul the Apostle”. Cambridge: Eerdmans Publishing Company; Grand Rapids, 1998.). Nesses termos, para uma tradição teológica-historiográfica, não só é preciso considerar, ao lado de uma cristianização do helenismo, uma helenização do cristianismo primitivo, mas também que, “sob a influência helenística, existe uma tendência para equiparar a sarx à sexualidade ou paixão pecaminosas” (Kittel; Friedrich, 2013, p. 376KITTEL, G; FRIEDRICH, G. (orgs.) “Dicionário teológico do Novo Testamento”. Condensado por Geoffrey W. Bromiley. Trad. A. T. Filho; J. A. dos Santos; P. S. Gomes; T. P. Gomes. São Paulo: Cultura Cristã, 2013.).

E Paulo? Em meio ao processo de conjugalização dos aphrodísia (Foucault, 2016, p. 134FOUCAULT, M. “Subjetividade e verdade. Curso no Collège de France (1980-1981)”. Trad. Rosemary C. Abílio. São Paulo: Martins Fontes, 2016.), vemos o apóstolo se posicionando taticamente. Para Ariès (1985, p. 53)ARIÈS, P. “São Paulo e a carne”. In: ARIÈS, P.; BÉJIN, A. (orgs.) Sexualidades Ocidentais. São Paulo: Ed. Brasiliense, 1985. pp. 50-53., “São Paulo não coloca aqui a procriação em situação privilegiada; estava por demais convencido da proximidade do fim dos tempos”. Nós seguiríamos em outra direção. Há uma estratégia em jogo, para o apóstolo: a introdução de uma forma de conduzir os indivíduos, mesmo que isso custe se abster no processo de neutralização do prazer que já estava em curso antes dele. Poderíamos falar, nos termos de Foucault (2014)FOUCAULT, M. “Do governo dos vivos. Curso no Collège de France (1979-1980)”. Trad. Eduardo Brandão. Martins Fontes: São Paulo, 2014., dos elementos de um modo de governo das almas? Certamente não, enquanto não estiver em questão o regime de verdade, de reconhecimento das faltas e de salvação que interessa ao filósofo. Se a noção paulina de carne é um dos rudimentos, talvez um dos primeiros, a fazer parte da constelação de engrenagens desta forma de governo dos vivos, pela qual se interessou Foucault, introduzida ao longo da espiritualidade cristã – eis uma conclusão que requer mais análises. Não resta dúvida, de todo modo, que, ao ser contaminada pelo pecado, esta carne, à margem do paganismo, tornou-se o hospedeiro de um mal para o qual apenas a espiritualidade cristã teria a cura.

  • *
    O presente trabalho foi realizado com apoio do CNPq, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – Brasil.
  • 1
    Em Do governo dos vivos, Foucault (2014, pp. 169-170)FOUCAULT, M. “Do governo dos vivos. Curso no Collège de France (1979-1980)”. Trad. Eduardo Brandão. Martins Fontes: São Paulo, 2014. reconhece Paulo como “o representante primeiro” da tensão que se estabeleceu entre a lei e a salvação e aponta tanto a influência da filosofia grega na teologia paulina (ibid., p. 249, n. 1) quanto a importância de Paulo, para alguns autores que o sucederam, em relação ao batismo (ibid., pp. 152-153, n. 44). Além deste curso, encontramos uma única referência a Paulo em A coragem da verdade. Em outubro de 1980, durante uma conversa com Dreyfus e Rabinow Foucault teria justificado sua opção de não ir até as cartas paulinas por considerá-las uma anomalia intrigante na história do cristianismo (ver, nos arquivos do Institut Mémoire de L’Édition Contemporaine: FCL C18(2), IMEC, Caen).
  • 2
    Foi preciso dividir nossa análise em dois blocos: Tertuliano-Cassiano (objeto deste artigo) e Clemente-Agostinho (em outro artigo). Em relação às distinções históricas, lembremos que cristianismo não se confunde com espiritualidade cristã (Foucault, 2013, p. 126FOUCAULT, M. “L’origine de l’hermenéutique de soi. Conférences prononcées à Dartmouth College, 1980”. Paris: Vrin, 2013.). Sobre a distância e o campo de pesquisa entre Agostinho e o século II, ver Foucault (2018a, p. 270FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a.; e Id., 2016, p. 206).
  • 3
    Nos referimos, principalmente, às noções de corpo e alma em Platão (ver Joubaud, 1991JOUBAUD, C. “Le corps humain dans la philosophie platonicienne. Étude à partir du Timée”. Paris: Vrin, 1991.; ROUX, 2005ROUX, S. “Le statut du corps dans la philosophie platonicienne”. In: J.-C. GODDARD (dir.). Le corps. Paris: Vrin, 2005. pp. 11-42.) e à sua ascendência no mundo antigo (ver Castel-Bouchouchi, 2003, p. 176CASTEL-BOUCHOUCHI, A. “Foucault et le paradoxe du platonisme”. In: GROS, G; LÉVY, C. (Eds.) Foucault et la Philosophie Antique. Paris: Éditions Kimé, 2003. pp. 175-193.), mas, também, como veremos, a uma característica que distingue o corpo em Paulo (precisamente, o fato de que pode ser um corpo de carne) do estatuto do corpo no séc. I. Ver Badiou (2009, pp. 68 e 80)BADIOU, A. “São Paulo: a fundação do universalismo”. Trad. W. C. Brant. São Paulo: Boitempo, 2009..
  • 4
    Ver, p. ex., as aulas de 13 e 20 de fevereiro de Do governo dos vivos.
  • 5
    Palavras de Foucault (2018b, p. 131), que, em seguida, completa: “O que o cristianismo inventou não é, absolutamente, o desprezo ao corpo [...], o que ele introduziu na cultura antiga creio ter sido o princípio de uma veridicção sobre si mesmo por meio de uma hermenêutica do pensamento”.
  • 6
    Ver também Foucault (2014, p. 143)FOUCAULT, M. “Do governo dos vivos. Curso no Collège de France (1979-1980)”. Trad. Eduardo Brandão. Martins Fontes: São Paulo, 2014..
  • 7
    “É admitido em todos os meios que São Paulo baseia o emprego dos termos ‘carne’ e ‘espírito’ não no uso de escritores gregos, que não apresentam nada semelhante, mas no do Antigo Testamento” (Dickson, 1883, p. 108DICKSON, W P. “St. Paul’s use of the terms flesh and spirit”. New Jersey: Library of the Theological Seminary, 1883 [Online]. Disponível em: https://archive.org/details/stpaulsuseofterm00dick (Acessado em 1 de Agosto de 2020).
    https://archive.org/details/stpaulsuseof...
    ). Ver também Creve, Demoen, Janse (2006).
  • 8
    São eles: matéria física; corpo humano; pessoa/espécie humana; esfera moralmente neutra; esfera moralmente negativa; natureza humana rebelde.
  • 9
    Sobre a distinção com o gnosticismo, ver Brown e Coenen (2000, p. 281)BROWN, C.; COENEN, L. (orgs.) “Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento”. Trad. G. Chown. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 2000. e Kittel e Friedrich (2013, p. 382)KITTEL, G; FRIEDRICH, G. (orgs.) “Dicionário teológico do Novo Testamento”. Condensado por Geoffrey W. Bromiley. Trad. A. T. Filho; J. A. dos Santos; P. S. Gomes; T. P. Gomes. São Paulo: Cultura Cristã, 2013.. Sobre o dualismo gnóstico-helenista, Bultmann (2008, p. 258)BULTMANN, R. “Teologia do Novo Testamento”. Trad. I. Kayser. Santo André: Ed. Academia Cristã, 2008.. Sobre a distinção com mundo hebraico, ver Dunn (1998, p. 70)DUNN, J.D.G. “The Theology of Paul the Apostle”. Cambridge: Eerdmans Publishing Company; Grand Rapids, 1998.. Sobre a distinção com Filo e com Sêneca, ver Brown e Coenen (2000BROWN, C.; COENEN, L. (orgs.) “Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento”. Trad. G. Chown. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 2000., respectivamente, pp. 277 e 282) e Kittel e Friedrich (2013, p. 377)KITTEL, G; FRIEDRICH, G. (orgs.) “Dicionário teológico do Novo Testamento”. Condensado por Geoffrey W. Bromiley. Trad. A. T. Filho; J. A. dos Santos; P. S. Gomes; T. P. Gomes. São Paulo: Cultura Cristã, 2013.. Todas estas referências dedicam algumas páginas à noção paulina de soma e às suas distinções com sarx. Para o corpo espiritual, ver Bultmann (2008, pp. 248 e 257)BULTMANN, R. “Teologia do Novo Testamento”. Trad. I. Kayser. Santo André: Ed. Academia Cristã, 2008.. Em relação ao estoicismo, temos aproximações e diferenças, como mostram Puech (1928, p. 292)PUECH, A. “Histoire de la Littérature grecque cherétienne depuis les origines jusqu’a la fin du IV siècle. Tome I: Le Nouveu Testament”. Paris: Société d’édition “Les belles Lettres”, 1928. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k6437779z/f513.image.texteImage (Acessado em 1º de Agosto de 2020).
    https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k6...
    , Bultmann (2008, p. 116)BULTMANN, R. “Teologia do Novo Testamento”. Trad. I. Kayser. Santo André: Ed. Academia Cristã, 2008. e, detalhadamente, Grant (1915)GRANT, F. C. “St. Paul and Stoicism”. In: The Biblical World, Vol. 45, Nr. 5, 1915, pp. 268-281 [Online]. Disponível em: https://www.jstor.org/stable/3142715. (Acessado em 1º de Agosto de 2020).
    https://www.jstor.org/stable/3142715...
    . Mesmo que se possa estabelecer paralelos, entre Paulo e o estoicismo, em relação à oposição “corpo x espírito” (Jagu, 1958, p. 246JAGU, A. Saint Paul et le Stoïcisme. In: Revue des Sciences Religieuses, tome 32, fascicule 3, 1958, pp. 225-250 [Online]. Disponível em: https://www.persee.fr/doc/rscir_0035-2217_1958_num_32_3_2192 (Acessado em 1º de Agosto de 2020).
    https://www.persee.fr/doc/rscir_0035-221...
    ), a nós importa que, se o estoicismo é importante para entendermos o uso paulino do termo soma, ainda assim não é a partir daí que podemos compreender sarx.
  • 10
    Ver, p. ex., Cuvillier (2013, l. 13)CUVILLIER, E. “Le “corps” (σῶμα) entre “chair” (σάρξ) et “esprit” (πνεῦμα)”. Cahiers d’études du religieux. Recherches interdisciplinaires, Nr. 12, 2013 [Online]. Disponível em http://cerri.revues.org/1255 (Acessado em 1 de Agosto de 2020).
    http://cerri.revues.org/1255...
    .
  • 11
    Ver, p. ex., Dunn (1998, p. 100)DUNN, J.D.G. “The Theology of Paul the Apostle”. Cambridge: Eerdmans Publishing Company; Grand Rapids, 1998.. Também Brown e Coenen (2000, p. 282)BROWN, C.; COENEN, L. (orgs.) “Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento”. Trad. G. Chown. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 2000.; Reid (2012, p. 186)REID, D. (ed.) “Dicionário teológico do Novo Testamento”. Trad. M. L. Redondo e F. Medeiros. São Paulo: Vida Nova, 2012..
  • 12
    A expressão “remissão dos pecados”, afirma Bultmann (2008, p. 353)BULTMANN, R. “Teologia do Novo Testamento”. Trad. I. Kayser. Santo André: Ed. Academia Cristã, 2008., “parece referir-se somente à libertação da culpa contraída pelos progegonóta ámartímata [pecados anteriormente cometidos], enquanto para Paulo se trata da libertação do pecar, do poder da amartía [pecado]”.
  • 13
    Ver, p. ex., Foucault (2018a, p. 72; 2014, p. 86)FOUCAULT, M. “Histoire de la sexualité 4. Les aveux de la chair”. Paris: Gallimard, 2018a.. A ideia de regime de verdade é decisiva à compreensão foucaultiana da passagem do mundo pagão ao cristianismo, como nos mostra Chevallier (2011, p. 302)CHEVALLIER, P. “Michel Foucault et le christianisme”. Paris: ENS Éditions, 2011., que também analisa a “leitura singular” de Foucault sobre os padres, na segunda parte de seu livro, e até nos pergunta, em sua Conclusão, se o curso Do governo dos vivos não seria um longo comentário de Rm 7,15 (ibid., pp. 347-48).
  • 14
    Schaff (1882a, p. 183)SCHAFF, P. “History of the Christian Church, Volume I: Apostolic Christianity. A.D. 1-100”. Grand Rapids, MI: Christian Classics Ethereal Library, 1882a [Online]. Disponível em: https://www.ccel.org/ccel/schaff/hcc1.html (Acessado em 1º de Agosto de 2020).
    https://www.ccel.org/ccel/schaff/hcc1.ht...
    ressalta que a cultura helênica de Paulo é matéria de disputa, negada e exaltada entre os comentadores. Contemporaneamente, notamos que, a despeito de “um modo tipicamente grego de falar, seu [Paulo] entendimento do homem é completamente diferente. Mesmo o nous, o poder racional da compreensão mental, é incapaz de descobrir aquilo que é bom, sendo que o verdadeiro significado da vida lhe é ocultado permanentemente pelo pecado” (Brown; Coenen, 2000, p. 278BROWN, C.; COENEN, L. (orgs.) “Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento”. Trad. G. Chown. 2ª ed. São Paulo: Vida Nova, 2000.).
  • 15
    Caberia discutir se Paulo prega ou não um “cristianismo como religião dos perfeitos” (Foucault, 2014, p. 158FOUCAULT, M. “Do governo dos vivos. Curso no Collège de France (1979-1980)”. Trad. Eduardo Brandão. Martins Fontes: São Paulo, 2014.), mas não sua habilidade em acolher o maior número de seguidores (Puech, 1928, p. 313PUECH, A. “Histoire de la Littérature grecque cherétienne depuis les origines jusqu’a la fin du IV siècle. Tome I: Le Nouveu Testament”. Paris: Société d’édition “Les belles Lettres”, 1928. Disponível em: https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k6437779z/f513.image.texteImage (Acessado em 1º de Agosto de 2020).
    https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k6...
    ).
  • 16
    Ver nossa nota de rodapé n. 1. Sobre a carne e Agostinho, ver Sforzini (2016)SFORZINI, A. “Corps de Plaisir, corps de désir. La théorie augustinienne du mariage relue par Michel Foucault”. In: BOEHRINGER. S; LORENZINI, D. (eds.) Foucault la sexualité l'Antiquite. Paris: Ed. Kimé, 2016, p. 153-165..

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    Dez. 2021

Histórico

  • Recebido
    03 Jun 2020
  • Aceito
    19 Out 2020
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