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PRAGMÁTICA COMO CIÊNCIA SOCIAL

Pragmatics as Social Science

Pragmática como ciencia social

Resumo

A partir de pesquisas de orientação etnográfica, como as de Stephen Levinson e Elinor Ochs, e social, como as de Jacob Mey e Joana Plaza Pinto, o artigo assume uma postura particular sobre a pragmática linguística. Nomeada originalmente por Peirce e firmada como perspectiva - em vez de disciplina -, a pragmática abriga pesquisadores/as de diversas tradições. Pessoas com trabalho pragmaticamente orientado ao estudo linguístico podem estar filiadas a áreas como a sociolinguística, a antropologia linguística, a linguística aplicada, a etnometodologia etc., mas sugiro uma semelhança de família: a pragmática vista como ciência social - i.e., tanto área etnograficamente orientada ao papel, às ideologias e à agência dos usuários da linguagem, quanto ciência “na sociedade”, engajada. O artigo revisita etnografias linguísticas na Oceania e África, bem como trabalhos de orientação semântica. Conclui-se, com Rajagopalan, que uma diversidade de problemas de pesquisa dessa perspectiva são refinamentos da ação situada dos sujeitos.

Palavras-chave:
Pragmática; Ciência social; Etnografia; Ideologia Linguística

Abstract

Drawing on scholarly works that are both ethnographically-based (such as Stephen Levinson and Elinor Ochs’s) and socially-based (such as Jacob Mey and Joana Pinto’s), this paper takes a particular stance on linguistic pragmatics. Originally named by Peirce and established as a perspective - rather than a discipline - pragmatics gathers researches from different traditions around the world. In departmental terms, people working on language from a pragmatic perspective may be affiliated with areas such as sociolinguistics, linguistic anthropology, applied linguistics, neurolinguistics, etc., yet a family resemblance unites them: pragmatics seen as social science, which stands for both a field ethnographically oriented to the role, ideologies and agency of language users, and science “in society,” politically situated. The paper revisits language ethnographies in Oceania and Africa, in addition to semantically-oriented scholarship. I conclude, with Rajagopalan, that a diversity of problems investigated in pragmatics are refinements from subjects’ situated action.

Keywords:
Pragmatics; Social Science; Ethnography; Language Ideology

Resumen

Apoyándose en investigaciones etnográficas, como las de Stephen Levinson y Elinor Ochs, y sociales, como las de Jacob Mey y Joana Pinto, el artículo adopta una postura particular sobre la pragmática. Denominada por Peirce y establecida como perspectiva en vez de disciplina, la pragmática reúne a investigadores afiliados a diversas tradiciones. Las personas con trabajos pragmaticamiente orientados pueden estar afiliadas a campos como la sociolingüística, la antropología lingüística, la lingüística aplicada, la etnometodología, etc., pero les une una semejanza de familia: la pragmática como una ciencia social, lo que implica tanto un campo orientado a la etnografía y preocupado por las ideologías y la agencia de los usuarios del lenguaje, como una ciencia “en la sociedad.” El artículo revisa etnografías lingüísticas realizadas en Oceanía y África, así como trabajos de orientación semántica. Se concluye que una diversidad de problemas de investigación ahí son refinamientos de la acción de sujetos situados.

Palabras clave:
Pragmática; Ciencia social; Etnografía; Ideología lingüística

1. INTRODUÇÃO

Este artigo olha para pesquisas social e etnograficamente orientadas nos últimos 40 anos no campo da pragmática linguística - entendida não como disciplina, mas como perspectiva de estudos sobre linguagem situada - e busca avançar uma definição desse campo de investigação como uma ciência social do estudo da linguagem humana. Em particular, observo desdobramentos contemporâneos de pesquisas engajadas social e politicamente, que praticam a pragmática como perspectiva de estudos sobre o “uso da linguagem” - um programa de pesquisa diverso, interessado por problemas igualmente diversos, que se une em torno da natureza social do uso da linguagem (MEY, 2001MEY, J. Pragmatics: An Introduction. London: Blackwell, 2001.; PINTO, 2001; RAJAGOPALAN, 2005RAJAGOPALAN, K. Linguistic pragmatics: A discipline bedeviled by its own history? Implications for intercultural studies. Intercultural Pragmatics, v. 2, n. 1, p. 93-97, 2005., 2010; SILVA; FERREIRA; ALENCAR, 2014SILVA, D.; FERREIRA, D.; ALENCAR, C. Uma nova pragmática para antigos problemas. In: SILVA, D.; FERREIRA, D.; ALENCAR, C. (org.) Nova pragmática: modos de fazer. São Paulo: Cortez, 2014. p. 15-39.; SILVA; SOUZA JR., 2016)1 1 Entendo que a definição de pragmática que proponho adiante no texto pode não ser reconhecida por pesquisadores que não veem seu trabalho como socialmente orientado. Ou por pesquisadores que veem a pragmática sob outra perspectiva - por exemplo, como estudo de processos mentais que se dão na produção e recepção de mensagens. Bauman & Briggs (2003), em seu estudo histórico sobre ideologias de linguagem que constituíram a noção de modernidade, discutem as bases históricas e filosóficas dessa orientação, em particular a visão contratual e mentalista na teoria de linguagem do filósofo John Locke. Um debate entre Rajagopalan (2005) e Wilson & Sperber (2005) no periódico Intercultural Pragmatics pode ser visto como um resumo do tipo de debate que a definição de pragmática que proponho aqui poderia gerar. Rajagopalan (2005, p. 95) sugere como meta para a pragmática assumir-se como campo eminentemente social, no qual questões como “a estrutura da sociedade, a rede de poder inscrita nelas, as pressões para mudança vindas de dentro e de fora” etc. seriam mais prementes do que as de ordem formal e cognitiva. Em sua resposta, Wilson & Sperber (2005), embora discordem de Rajagopalan sobre essa orientação, digamos, voltada a questões de poder, não chegam a discordar da importância da sociedade em seu modelo de pragmática centrado no princípio cognitivo da relevância. Wilson & Sperber (2005), ao final, apontam para a natureza institucional de disputas como cognitivismo x “societalismo” nas disciplinas acadêmicas - o que pode significar, por exemplo, disputas por mais vagas em departamentos para um campo, por mais páginas em um periódico, enfim, por mais capital simbólico e financeiro. Adiante, não deixo de reconhecer a importância da cognição na definição de pragmática que formulo - e faço questão de deixar claro de que se trata de uma definição possível, diante de outras que podem ser evocadas como contraponto. A diversidade de orientações é o que constitui a beleza de muitas coisas, incluindo os campos de investigação. . Utilizo a expressão “ciência social” em pelo menos duas acepções. A primeira tem a ver com a própria relação entre campos como a sociologia, a antropologia, a psicologia e a etnometodologia com a pragmática. Se formos a um congresso como o da International Pragmatics Association (IPrA), que ocorre bianualmente em diferentes cidades do globo e abriga pessoas diferentemente interessadas pela pragmática, veremos que muitas das pessoas que dele participam vêm de departamentos que vão além da linguística. O primeiro presidente dessa associação, John Gumperz, desenvolveu sua carreira no Departamento de Antropologia da Universidade da Califórnia em Berkeley. Gumperz foi orientador de pessoas como Stephen Levinson e Monica Heller, cujas formulações sobre linguagem têm forte base etnográfica e social. As pesquisas de Gumperz sobre problemas como a alternância de código (BLOM; GUMPERZ, 2000BLOM, J. P.; GUMPERZ, J. J. Social Meaning in Linguistic Structure: Code-Switching in Norway. In: WEI, L. (org.). The Bilingual Reader. London: Routledge, 2000. p. 111-136.) e a contextualização (GUMPERZ, 2002) buscaram entender o funcionamento pragmático ou prático da linguagem em paralelo a um entendimento etnográfico ou situado da sociedade envolvente (ver HELLER, 2020HELLER, M. Gumperz e justiça social. In: FABRÍCIO, B. (org.). Sociolinguística interacional: perspectivas inspiradoras e desdobramentos contemporâneos. Rio de Janeiro: Mórula, 2020. p. 249-262.). A segunda acepção de “ciência social” tem a ver com a ideia de “ciência na sociedade” ou “ciência que se preocupa com os aspectos sociais (em vez de puramente individuais) da linguagem”. Em uma nota de enciclopédia intitulada “Aspectos sociais da pragmática”, Rajagopalan (2010aRAJAGOPALAN, K. Aspectos sociais da pragmática. Trad. de Claudiana Alencar. In: RAJAGOPALAN, K. Nova pragmática: fases e feições de um fazer. São Paulo: Parábola, 2010a. p. 31-44.) se pergunta sobre a própria plausibilidade de tal título, uma vez que a sociedade está tão imbrincada na pragmática que não faria sentido falar de aspectos especificamente sociais nesse campo. As duas perguntas a seguir, feitas por Rajagopalan (2010a, p. 31-32) no início desse texto, são significativas:

Faz algum sentido, alguém poderia perguntar, conceber a pragmática em quaisquer outros termos que não o social? Por sua vez, não seria pleonástico falar dos aspectos sociais da pragmática, uma vez que, seja qual for a definição do campo de pesquisa chamado pragmática linguística, a dimensão social da linguagem acabará sendo - ou deveria ser, para permanecer fiel ao objeto de estudo - um aspecto constitutivo da mesma e não algo adicionado depois, digamos, como uma reflexão posterior?

Embora adiante no texto eu busque definir a pragmática linguística a partir de Mey (2001MEY, J. Pragmatics: An Introduction. London: Blackwell, 2001.) e da própria visão de pragmática como estudo social esboçada acima, creio que seja importante apontar, de partida, que não existe uma definição única dessa perspectiva de estudos chamada pragmática. Pesquisadores ainda debatem se a pragmática seria uma disciplina (ARIEL, 2010ARIEL, M. Defining Pragmatics. Cambridge: Cambridge University Press, 2010.), se é um componente das línguas naturais, como a sintaxe, a fonologia e a semântica (LEVINSON, 1983LEVINSON, S. Pragmatics. Cambridge: Cambridge University Press, 1983.), se é uma perspectiva de observação da linguagem (VERSCHUEREN, 1999VERSCHUEREN, J. Understanding Pragmatics. New York: Arnold, 1999.), ou se este seria um campo aplicado dos estudos da linguagem (MEY; SILVA, 2014SILVA, D.; FERREIRA, D.; ALENCAR, C. Uma nova pragmática para antigos problemas. In: SILVA, D.; FERREIRA, D.; ALENCAR, C. (org.) Nova pragmática: modos de fazer. São Paulo: Cortez, 2014. p. 15-39.; SIGNORINI, 2015SIGNORINI, I. Epistemologias da pesquisa no campo aplicado dos estudos da língua(gem). DELTA, v. 31, p. iii-vi, 2015.). Além disso, como alertou Bar-Hillel (1971), a pragmática foi por muito tempo tratada, pejorativamente, como uma espécie de “resíduo” para problemas que não são adequadamente explicados por teorias formais da gramática e do significado. No início da década de 1980, Stephen Levinson (1983LEVINSON, S. Pragmatics. Cambridge: Cambridge University Press, 1983.) produziu um dos primeiros manuais sobre a pragmática2 2 Naquele ano, Geoffrey Leech também publicava Principles of Pragmatics, o segundo livro introdutório do campo (LEECH, 1983). O manual de Levinson foi traduzido para o português por Luiz Carlos Borges e Aníbal Mari em 2007 com o título Pragmática. A revisão técnica foi de Rodolfo Ilari. A citação de trechos dessa obra de Levinson oscilará entre o original (LEVINSON, 1983) e a tradução brasileira (LEVINSON, 2007). . Nesse texto pioneiro, ele chama atenção, com uma certa ironia, para o fato de a maioria das pessoas na linguística de então olharem para a pragmática com uma certa reserva e sentirem que nada de realmente preciso estava sendo discutido ali. Levinson observava, por exemplo, que Lyons (1977LYONS, J. Semantics. Cambridge: Cambridge University Press, 1977.) apontara que os fenômenos da linguagem agrupados sob a égide de ‘pragmáticos’, em oposição àqueles vistos como ‘lógicos’, eram, “para dizer o mínimo, incertos” (LYONS, 1977LYONS, J. Semantics. Cambridge: Cambridge University Press, 1977. apud LEVINSON, 1983, p. 6). Levinson cita ainda uma observação de Searle, Kiefer e Bierwisch (1980), que chamam atenção para a opacidade mesma do termo pragmática: “Pragmática é uma daquelas palavras (societal e cognitivo são outras) que dão a impressão de que algo bastante específico e técnico está sendo discutido quando de fato o termo não tem nenhum significado claro” (apud LEVINSON, 1983, p. 6, itálico no original).

No entanto, o fato de haver bastante multiplicidade e por vezes vagueza no modo em que o termo pragmática é empregado para falar do funcionamento da linguagem não é necessariamente um problema. Conforme a filosofia de Wittgenstein (1953WITTGENSTEIN, L. Philosophical Investigations. London: Blackwell, 1953.), por exemplo, a indeterminação é uma característica básica do significado linguístico - e isso não impede que as pessoas tenham certeza e façam interpretações válidas dos enunciados. Kanavillil Rajagopalan, um pragmaticista cujo trabalho foi fundamental para institucionalizar e desenvolver a pragmática no Brasil, apontou em 1996 que não havia “consenso” sobre o que seja a pragmática (RAJAGOPALAN, 1996RAJAGOPALAN, K. Apresentação: pragmática - uma vista aérea. Cadernos de Estudos Linguísticos, v. 30, p. 5-7, 1996., p. 6), mas que o fato de a pragmática “não ser uma disciplina propriamente dita” não seria importante, já que experimentar as várias pragmáticas, no plural, foi o que lhe permitiu investigar problemas tão diferentes quanto a negação nas línguas naturais (RAJAGOPALAN, 1982), a performatividade ou a capacidade que tem a linguagem de produzir efeitos no mundo (RAJAGOPALAN, 2010b), a importância dos comentários reflexivos das pessoas leigas na teorização técnica da linguística (RAJAGOPALAN, 2003), entre tantos outros.

Seguindo o espírito de pesquisas que estudam a pragmática da linguagem conjuntamente com o estudo das condições sociais dos usos da linguagem, avançarei, na seção seguinte, com base em uma vinheta etnográfica de Gunther Senft (2014SENFT, G. Understanding Pragmatics. London: Routledge, 2014.), rumo a uma definição possível de pragmática.

2. EM BUSCA DE UMA DEFINIÇÃO DE PRAGMÁTICA

Afirmei acima que não há consenso sobre o que seja pragmática. Mas isso não nos impede de que adotemos uma definição para o que seja esse campo - o que será importante para uma série de razões, inclusive para que você possa contrastar essa definição com outras que se oponham ou difiram dela. Pensemos inicialmente em como os usuários - o termo preferido na pragmática para se referir aos falantes ou sujeitos que usam a linguagem - lidam com as expressões rituais empregadas para saudar outras pessoas em suas línguas, como “tudo bem?” e “até logo”, em português. Saudações existem em praticamente todas as línguas do mundo (DURANTI, 1997DURANTI, A. Universal and Culture-Specific Properties of Greetings. Journal of Linguistic Anthropology, v. 7, n. l, p. 63-97, 1997.) - com raras exceções como os Apaches Ocidentais estudados por Basso (1972BASSO, K. “To Give Up on Words”: Silence in Western Apache Culture. In: GIGLIOLI, P. (org.). Language and Social Context. Harmondsworth: Penguin Books, 1972. p. 67-86.), que preferem manter silêncio em encontros -, porém essas línguas diferem em relação a como os usuários as empregam em diferentes contextos. Para uma pessoa que aprende uma língua, alguns aspectos da pragmática da saudação nessa nova língua podem diferir radicalmente das práticas às quais estão habituados. Para ilustrar isso, vejamos um relato detalhado abaixo, oferecido pelo pragmaticista Gunther Senft, sobre seus primeiros dias, em 1982, estudando a língua dos habitantes das Ilhas Tobriand, em Papua Nova Guiné, na Oceania:

(1)

Toda manhã depois de levantar e escovar meus dentes, eu pegava minha toalha e uma pequena nécessaire contendo meu sabão, xampu, escova de cabelo e outros itens que nós europeus ocidentais achamos absolutamente necessários para tomar um banho, e andava pela vila até o caminho que me levaria até uma gruta de água fresca, localizada a cerca de dez minutos a pé pela mata no sudeste de Tauwema. Embora todo mundo pudesse inferir, pelas coisas que eu carregava, para onde eu estava indo, e embora todos os moradores soubessem depois de algum tempo que isso fazia parte de minha rotina matinal, as pessoas sempre me perguntavam na vila ou no caminho para a gruta, ‘Ambe?’ - “Onde?” - o que queria dizer “Para onde você vai?” Inicialmente eu reagia com um sorriso e respondia com o nome da gruta: Bugei. Entretanto, depois de algumas semanas - tendo feito algum progresso em minha aquisição da língua kilivila, respondia com alguma impaciência, seja mostrando minha toalha às pessoas que faziam essa pergunta (para mim, boba), seja respondendo apenas O, kunukwali, bala Bugei makala yumyam - “Ah, você sabe, eu vou (até a) Bugei, como faço todo dia”. Depois de responder a essa pergunta desse modo por alguns dias, Weyei - meu vizinho e um dos meus melhores informantes e amigos - me abordou dizendo que eu deveria sempre responder a essa pergunta da maneira mais exata possível. Assim, depois de algum progresso aprendendo a língua eu podia reagir à pergunta Ambe? de modo apropriado entre os trobriandeses, respondendo por exemplo: Bala bakakaya baka’ita basisu bapaisewa - “Eu irei, eu tomarei um banho, eu retornarei, eu ficarei (na vila), eu trabalharei.”

Com a ajuda de Weyei, pude entender que essa pergunta era na verdade uma fórmula de saudação. As pessoas que se encontram nas Ilhas Trobriand e que querem indicar que se preocupam uns com os outros não usam fórmulas de saudação... tais como Bwena kaukwa - “bom dia”, mas em vez disso perguntam para onde o outro está indo. Essa pergunta é sempre respondida da maneira mais verdadeira e detalhada possível (como no exemplo dado). Isso tem uma razão prática: todos os caminhos na Ilha Kaile’uma e a maioria dos caminhos nas outras ilhas pertencentes ao grupo Trobriand consistem em trilhas estreitas e bem repisadas que costumam passar por pedras de corais afiadas, nas quais é bastante fácil cair e machucar o pé ou a perna. Também, às vezes as trilhas cruzam bosques de coqueiros, e já aconteceu de pessoas nesses caminhos terem se machucado bastante com a queda de cocos. Além disso, os moradores das Ilhas Trobriand têm muito medo dos kosi. De acordo com suas crenças, os kosi são espíritos fantasmagóricos dos mortos que não receberam um velório e funeral adequados e, portanto, aterrorizam os vivos. A aparição de um kosi pode assustar uma pessoa na floresta de tal modo que ela perca a orientação. Portanto, a resposta a esse tipo de saudação funciona para garantir que o caminho e a chegada ao destino da pessoa sejam seguros. Se as pessoas não chegarem depois de um certo horário no local mencionado em suas respostas à pergunta da saudação, seus vizinhos e amigos irão procurar por elas. Assim, ser saudado com essa pergunta é um sinal de que a comunidade se preocupa com a pessoa. É uma rotina diária que serve à função do laço social. E é considerada tão importante que os trobriandeses que não são saudados dessa maneira pelo menos pelos seus vizinhos na vila irão concluir que eles devem ter cometido alguma séria ofensa contra a comunidade. Uma comunidade que não saúda um dos seus habitantes com essa pergunta está indicando que não se importa mais com essa pessoa. Então foi uma reação completamente inapropriada quando eu - às vezes orgulhosamente - sorrira diante daquilo que inicialmente achei uma pergunta boba. Ao contrário, ser saudado com essa pergunta pelas pessoas de Tauwema depois de apenas alguns dias em sua aldeia foi um primeiro sinal da boa vontade e boas intenções dos moradores de me integrarem à comunidade. (SENFT, 2014SENFT, G. Understanding Pragmatics. London: Routledge, 2014., p. 1-2)3 3 A menos que indicado diferentemente, todas as traduções de excertos de textos consultados em língua estrangeira são de minha responsabilidade. .

Este relato do contato inicial de um europeu com a língua kilivila e com o modo de vida dos habitantes desse pequeno grupo de ilhas em Papua Nova Guiné, na Oceania, indica que falar uma língua é muito mais do que conhecer o sentido literal das palavras. Semanticamente, a palavra ‘Ambe’ significa ‘onde’ em kilivila, porém o seu uso cotidiano nas situações em que as pessoas se encontram ou se despedem tem uma pragmática particular. Isto é, de acordo com um dos princípios básicos da pragmática, o significado de Ambe nesse contexto concreto é o seu uso como uma pergunta que serve ao propósito de manter o laço social entre os moradores, estabelecer práticas de cuidado com seu bem-estar e protegê-los de maus espíritos. Como as pessoas familiarizadas com as bases filosóficas da pragmática devem ter percebido, esse princípio foi formulado por um dos pioneiros da pragmática, o filósofo Ludwig Wittgenstein, que afirmou: “Para uma grande classe de casos do emprego da palavra ‘significado’ - mas não para todos - essa palavra pode ser explicada da seguinte forma: o significado de uma palavra é o seu uso na linguagem” (WITTGESTEIN, 1953, §43, itálico do autor). Perceba que Wittgenstein não afirma que o significado de uma palavra seja sempre o seu uso, mas sim em uma “grande classe de casos”. E este é o chão em que andamos na pragmática: o terreno em que as regras não são universalmente válidas, mas sim regularmente válidas, de acordo com as condições sociais do enunciado em questão. No caso concreto narrado por Senft, o uso da elocução ‘Ambe?’ (Onde?) não diz respeito à idiossincrasia deste ou daquele vizinho, que estaria querendo bisbilhotar a vida do novo habitante da ilha; ao contrário, o significado dessa expressão nos contextos regulares de saudação é seu uso convencional. E esse uso é ao mesmo tempo uma força social que afeta o comportamento individual dos usuários de kilivila.

Enfatizo a força de fatores culturais e da convenção no uso de Ambe e na prática de saudar os outros nas Ilhas Trobriand porque esse caso indica que a pragmática não é o estudo dos caprichos ou singularidades dos usuários da linguagem, que intencionalmente violariam regras lógicas de emprego das palavras para gerar um sentido não literal e local, em oposição ao sentido lógico de uma expressão da língua. Perceba que o uso concreto da expressão ‘Ambe’ na saudação trobriandesa indica um tipo de intenção - porém não uma intenção circunscrita à mente de um indivíduo, mas sim uma intenção coletiva: “ser saudado com essa pergunta pelas pessoas de Tauwema depois de apenas alguns dias em sua aldeia foi um primeiro sinal da boa vontade e boas intenções dos moradores de me integrarem à comunidade”, relata Senft (2014SENFT, G. Understanding Pragmatics. London: Routledge, 2014., p. 2). Isso não nega, obviamente, que os indivíduos em Tauwema ou Nijmegen, Holanda, onde Senft vive, não tenham intenções individuais ou que não subentendam ou revelem essas intenções na linguagem; em vez disso, esse caso concreto chama atenção para o peso da intenção coletiva e da convenção no modelamento do significado dessa expressão da língua kilivila - e, de modo mais amplo, na modelagem de uma série de práticas de atenção, cuidado coletivo e proteção espiritual encaixadas na pragmática da saudação nas ilhas Trobriand4 4 Para uma literatura crítica sobre a noção de intenção em pragmática, recomendo os textos: Duranti (2015), Santos-Allen (2017) e Silva (2017). .

Inspirados pelo caso empírico experienciado e discutido por Senft (2014SENFT, G. Understanding Pragmatics. London: Routledge, 2014.) e pela definição pioneira de Mey (2001MEY, J. Pragmatics: An Introduction. London: Blackwell, 2001.; HABERLAND; MEY, 1977HABERLAND, H.; MEY, J. Editorial: Linguistics and Pragmatics. Journal of Pragmatics, v. 1, n. 1, p. 1-16, 1977.), podemos definir que a pragmática estuda a linguagem humana, tal como usada concretamente e influenciada pelas condições da sociedade, da cultura e da cognição5 5 Utilizo itálico na definição por uma questão estilística de ênfase. A definição original de Mey, mais restrita em escopo, pode ser consultada em Mey (2001, p. 6). .

Apesar de curta, essa definição é suficientemente ampla em escopo e nos ajudará a situar um conjunto de problemas da linguagem de acordo com as forças sociais que os influenciam e modelam. Esses problemas vão desde a forma linguística até problemas de escala “mais ampla”, como a diversidade na linguagem e o discurso. Na seção seguinte, discutirei como essa definição pode ser útil para pensarmos sobre a forma linguística.

3. PRAGMÁTICA E FORMA LINGUÍSTICA

Embora não seja meu objetivo aqui estabelecer divisões estanques entre a pragmática e outros campos de investigação, a definição que apresentei na seção anterior estabelece, como qualquer definição, uma fronteira - Jacob Mey (2001MEY, J. Pragmatics: An Introduction. London: Blackwell, 2001., p. 6-7) lembra que “‘definir’ significa: impor um fim ou uma aresta, conforme a palavra latina finis ‘fim’; plural fines ‘fronteira’”. A principal fronteira em questão é aquela que provocou a consolidação da pragmática linguística nos anos 1960: a construção de um paradigma alternativo à definição de Chomsky de que o foco primário da linguística seria o conhecimento gramatical de uma língua “idealizada, distanciada (especialmente) da irregularidade ou do erro e da variação” (LEVINSON, 2007LEVINSON, S. Pragmática. Trad. de Luis Carlos Borges; Aníbal Mari. São Paulo: Martins Fontes, 2007., p. 39). Vejamos a famosa demarcação de fronteiras do trabalho linguístico estabelecida por Chomsky em seu Aspectos da teoria da sintaxe:

A teoria linguística se preocupa primeiramente com um falante-ouvinte ideal, em uma comunidade linguística completamente homogênea, que conhece a sua língua perfeitamente e não é afetado por tais condições gramaticalmente irrelevantes como limitações de memória, distrações, mudanças de atenção e interesse e erros (aleatórios ou característicos) ao aplicar o seu conhecimento da língua no desempenho (CHOMSKY, 1965CHOMSKY, N. Aspects of the Theory of Syntax. Cambridge, Mass.: The MIT Press, 1965., p. 3).

Como vimos no exemplo (1), o conhecimento das expressões linguísticas que expressam saudação em kilivila está longe de ser ideal; esse conhecimento é bastante concreto e implica que combinações gramaticais da língua como Bwena kaukwa, “bom dia”, embora façam parte do repertório convencional da língua, não se adequam ao propósito coletivo dos trobriandeses de estabelecer laço e cuidado social. Perceba que a “comunidade linguística” dos trobriandeses tampouco é ideal ou homogênea; o forasteiro em questão praticou alguns erros (como não responder de maneira detalhada à pergunta-saudação Ambe?) que suscitaram um estranhamento entre os moradores, até que Weyei, o amigo-informante de Senft, o alertou. Esse tipo de interação entre membros de línguas e culturas distintas, cada vez mais intensificado com a globalização, sempre foi do interesse das pesquisas em pragmática, uma vez que ele põe em foco a concretude dos usos da linguagem e, comparativamente, dá a ver o peso da cultura nesses usos. O mal-entendido cultural e o mal-estar resultante do fato de Senft aplicar regras de saudação de seu ambiente cultural europeu a um pré-requisito pragmático local - responder à pergunta Ambe? da forma mais sincera, completa e detalhada - ajudaram que Senft percebesse que o uso de Ambe? entre os trobriandeses vai muito além de seu conteúdo proposicional (ou do significado lógico-semântico da sentença).

Perceba que, em sua definição do que seria o escopo da teoria linguística, Chomsky aponta que o conhecimento gramatical da língua pode ser idealizado e distanciado de fatores cognitivos como atenção, interesse e memória e de fatores como erros aleatórios e característicos. Gostaria de focar nesta seção no caráter pragmático da gramática, chamando atenção para o lugar da forma em nossa definição de pragmática acima. Chomsky (2006, p. 176) resumiu o que as teorias formais da linguagem entendem como a gramática de uma língua: “um sistema de regras que atribui som e significado de maneira definida para uma classe infinita de sentenças possíveis”. Uma questão fundamental que a literatura pragmática aponta é que conhecer os sons (ou os signos linguísticos visíveis, no caso de pessoas surdas) de uma língua e os significados correlacionados a eles é uma tarefa que exige um longo processo de aquisição ou socialização cultural (OCHS; SCHIEFFELIN, 2008OCHS, E.; SCHIEFFELIN, B. Language Socialization: An Historical Overview. In: DUFFAND, P.; HORNBERGER, H. (orgs.). Encyclopedia of Language and Education. New York: Springer, 2008. p. 3-15.) e que o caráter prático ou pragmático da ação verbal gera imposições de toda ordem na forma linguística. Vejamos por exemplo a restrição pragmática que recai sobre a conjunção “e” nos exemplos (2) e (3) a seguir, que extraio de Levinson (1983LEVINSON, S. Pragmatics. Cambridge: Cambridge University Press, 1983., p. 35):

(2) Casar e ter um filho é melhor do que ter um filho e casar.

Considere que “casar” e “ter um filho” equivalem, em linguagem lógica, aos argumentos p e q; e que a conjunção “e” equivale à conjunção lógica “&”. Segundo o princípio lógico da substitutividade salva veritate, que o filósofo Gottlob Frege retoma de seu antecessor Leibniz, sentenças com a mesma referência podem ter seus elementos alterados sem que a verdade do todo seja alterada. Assim, em termos puramente formais, a conjunção lógica p & q (casar e ter um filho) tem a mesma referência que q & p (ter um filho e casar). Porém, pragmaticamente, a sentença (2), embora tenha logicamente a mesma referência que (3), significa algo bem diferente:

(3) Ter um filho e casar é melhor do que casar e ter um filho.

Qualquer usuário proficiente do português entenderá que ‘ter um filho e casar’ e ‘casar e ter um filho’ são sequências de ações diferentes, mesmo que gramaticalmente elas tenham o mesmo valor de verdade ou representação semântica. O argumento de Levinson (1983LEVINSON, S. Pragmatics. Cambridge: Cambridge University Press, 1983., p. 35) para a solução desse problema e para outros tantos fenômenos gramaticais é que “a significância pragmática de e nesse contexto sentencial (...) deve ser levada em conta antes de se fazer a semântica”. Nesse contexto específico, os usuários do português entendem que conjunção “e”, que semanticamente não envolve a priori uma noção de temporalidade (ver MEY, 2001MEY, J. Pragmatics: An Introduction. London: Blackwell, 2001., p. 24), está investida do significado temporal “e então”, e esse conhecimento do significado dessa conjunção em contexto é motivado por observações pragmáticas desses usuários, tais como o fato de que conceber filhos fora do casamento pode ser alvo de preconceito social - o que poderia estar sendo expresso por um falante que enuncie (2) - ou como o fato de que arranjos familiares tradicionais estão sempre sendo contestados - o que alguém poderia expressar ao declarar (3).

Perceba que enfatizei na discussão dos exemplos extraídos de Levinson (1983LEVINSON, S. Pragmatics. Cambridge: Cambridge University Press, 1983.) a diferença de percepção do significado de um enunciado a partir de sua composição pragmática - e sobretudo como percepções sociais e morais mais amplas (por exemplo, se as pessoas devem casar antes ou depois de teremos filhos) afetam a interpretação de um enunciado. Pode-se dizer que a consideração do usuário (e de suas percepções) na interpretação de uma sentença é o mais básico de uma teoria pragmática. Pragmática como campo que estuda a relação entre usuários e signos é uma das definições mais pioneiras dessa área de estudos. Ela foi feita por Charles Morris em 1938MORRIS, C. Foundations of the Theory of Signs. Chicago: The University of Chicago Press, 1938.. Seguindo Charles Sanders Peirce (que inventou o termo “pragmática” como o conhecemos, ver Pinto (2006PINTO, J. Pragmática. In: MUSSALIM, F.; BENTES, A. (org.) Introdução à linguística: domínios e fronteiras. São Paulo: Cortez, 2006. p. 47-68.)), Morris publica o texto Foundations of the Theory of Signs, dedicado a explicar o processo de semiose - ou o “processo pelo qual algo funciona como signo” (MORRIS, 1938MORRIS, C. Foundations of the Theory of Signs. Chicago: The University of Chicago Press, 1938., p. 3). Nele, Morris fala de três “dimensões ou níveis” de semiose: a semântica, a pragmática e a sintaxe. Cada uma dessas dimensões comporia uma frente de estudos diferente. Em seus termos, a semântica é estudo “das relações dos signos com os objetos [ou referentes] aos quais os signos se aplicam”; a pragmática, por seu turno, é o estudo “da relação dos signos com os intérpretes”; por fim, a sintaxe estuda “a relação formal dos signos entre si” (MORRIS, 1938, p. 6).

Embora mais restrita que a definição de pragmática que apresentei na seção anterior, a definição de Morris traz o intérprete ou usuário para o centro da pragmática. Mas eu gostaria de enfatizar que pensar em usuário não significa pensar em indivíduo dissociado da sociedade mais ampla - como o faz Chomsky em sua idealização sobre falante-ouvinte ideal. O campo da pragmática gerou conceitos como o de ideologias linguísticas - proposto por Michael Silverstein em 1979SILVERSTEIN, M. Language Structure and Linguistic Ideology. In: CLYNE, Paul et al. (orgs.). The Elements: A Parasession on Linguistic Units and Levels. Chicago: Chicago Linguistic Society, 1979. p. 193-247. - segundo o qual estamos a todo momento racionalizando a forma e o uso da linguagem. O termo “ideologia de linguagem” é mais interessante do que o tradicional e já datado “concepção de língua”. Ao contrário de concepção, que pode em princípio ser algo puramente individual, ideologia é, de partida, um termo que vai além do que pensa um indivíduo particular: ideologias são sempre coletivas, sociais. Eis a definição pioneira de Silverstein: “ideologias sobre a linguagem, ou ideologias linguísticas, são quaisquer conjuntos de crenças sobre a linguagem articuladas pelos usuários como racionalização ou justificação de estrutura e uso linguístico percebidos”. Essas racionalizações ou justificações sobre estrutura e uso linguístico, segundo Silverstein (1979), são um traço básico da reflexão sobre a linguagem - tanto de leigos quanto de especialistas, embora, obviamente, leigos e linguistas tenham agendas e interesses diferentes no que diz respeito à linguagem (ver, por exemplo, Rajagopalan e Silva (2004RAJAGOPALAN, K.; SILVA, F. (orgs.). A linguística que nos faz falhar. São Paulo: Parábola, 2004.)). Eu arriscaria dizer que é a consideração das ideologias linguísticas - isto é, das percepções, racionalizações, justificações etc., sempre coletivas, sobre uso da linguagem - que torna um estudo sobre a linguagem pragmático. Além disso, ao considerar a reflexividade e o posicionamento social de quem usa a linguagem, necessariamente deixamos de lado explicações sobre língua como objeto independente. A linguagem passa a ser vista como recurso cuja estrutura, uso e percepção são dinamicamente moldados por seus usuários. Na seção seguinte, revisito o importante trabalho de Judith Irvine e Susan Gal sobre a marcação do respeito em línguas, de modo a elaborar a relação dinâmica e fundamentalmente pragmática entre ideologia linguística e estrutura (e mudança) linguísticas.

4. MARCAÇÃO DO RESPEITO NA LINGUAGEM: CONVERGÊNCIA ENTRE REFLEXIVIDADE E ESTRUTURA LINGUÍSTICAS

O estudo sobre como as línguas do mundo expressam respeito entre os interlocutores (isto é, a polidez linguística) tem oferecido evidências empíricas interessantes sobre a relação entre reflexividade, estrutura e mudança linguísticas. Como explica Judith Irvine (1998IRVINE, J. Ideologies of Honorific Language. In: SCHIEFFELIN, B.; WOOLARD, K.; KROSKRITY, P. (org.). Language Ideologies: Practice and Theory. New York and Oxford: Oxford University Press, 1998. p. 51-67., p. 51), todas as línguas do mundo, “presumivelmente, fornecem meios de expressar respeito (ou desrespeito), mas apenas alguns sistemas têm aquelas formas linguísticas convencionalizadas que os linguistas chamam de ‘honoríficos’”. Enquanto em português nós expressamos respeito, por exemplo, pela escolha dos pronomes (“o senhor/a senhora” em oposição a “tu/você”), pela seleção das palavras em contexto, pelo uso do futuro do pretérito (“você poderia me informar...?”) etc., línguas com sistemas de honoríficos incorporam a expressão do respeito à sua própria gramática. Por exemplo, o javanês, uma língua austronésia falada na ilha de Java na Indonésia, possui um intrincado sistema de honoríficos. O javanês possui seis “níveis” de linguagem ou registros, que, baseados no grau de respeito ou status entre os interlocutores, afetam não apenas a morfologia das palavras, mas também restringem a escolha do item lexical, a ser selecionado em um paradigma de formas alternantes (específicas para cada nível de linguagem). O exemplo (4) abaixo foi sistematizado por Irvine (1998, p. 53) a partir do trabalho de Errington (1988ERRINGTON, J. Structure and Style in Javanese. Philadelphia: University of Pennsylvania Press, 1988., p. 90-91). Nele você verá as variações dos constituintes da sentença “Você pegou aquele tanto de arroz?”, empregada em diferentes níveis ou registros honoríficos. Na classificação de Errington, os níveis são distribuídos por três graus de formalidade - Krama (do sânscrito krama, “em ordem”; fala formal, também usada por pessoas de status baixo ao endereçarem pessoas de alto status), Madya (do sânscrito madhya, meio; fala semiformal, usada, por exemplo, entre estranhos que se encontram na rua) e Ngoko (fala informal, usada entre amigos ou familiares próximos, também usada por pessoas de alto status endereçando pessoas de status inferior):

(4) “Níveis de linguagem do javanês”

Krama: 1. menapa nandalem mundhut sekul semanten 2. menapa panjenengan mendhet sekul semanten Madya: 3. napa sampeyan mendhet sekul semonten 4. napa sampeyan njupuk sega semonten Ngoko: 5. apa sliramu mundhut sega semono 6. apa kowe njupuk sega semono Glosa: Marcador de pergunta ‘você’ ‘pegar’ ‘arroz’ ‘aquele tanto’ Tradução: “Você pegou aquele tanto de arroz?” Fonte: (ERRINGTON, 1988, discutido em IRVINE, 1998, p. 53)

Compare essas variações da “mesma” frase em javanês com as variações possíveis em português do ponto de vista do respeito. Em uma situação de distância social entre interlocutores, uma pessoa de menos status provavelmente alteraria o pronome “você” para “o senhor/a senhora”; talvez, a depender da escolaridade desse mesmo falante, o tempo verbal variasse para: “o senhor teria pego aquele tanto de arroz?”. Muitas outras alternâncias seriam possíveis ainda em português, mas elas são muito menos convencionais do que em javanês, uma língua com honoríficos gramaticalizados. Com exceção da nossa distinção convencional entre “você” vs. “o senhor/a senhora”, usuários do português marcam respeito situacionalmente.

A lição que gostaria de tirar do trabalho de Irvine (1998IRVINE, J. Ideologies of Honorific Language. In: SCHIEFFELIN, B.; WOOLARD, K.; KROSKRITY, P. (org.). Language Ideologies: Practice and Theory. New York and Oxford: Oxford University Press, 1998. p. 51-67.) para nossa reflexão sobre pragmática como ciência social é: o uso da linguagem honorífica no javanês ilustra como ideologias sobre relações sociais, respeito e status - um fenômeno social - afetam a forma linguística. Diferentemente de línguas como o português, em que o respeito depende em geral de como usamos as palavras em contexto, línguas como o javanês gramaticalizaram a expressão dessa relação entre os falantes. Irvine inicialmente utiliza a distinção entre significado da sentença (ou significado semântico-convencional) e significado do enunciado (ou significado pragmático-situacional) para explicar essa dinâmica gramatical: o “valor pragmático [dos honoríficos], expressando graus de deferência, respeito ou distância social, opera como parte do significado da sentença, não do significado do enunciado. Isto é, nos honoríficos, a deferência é incorporada na construção da sentença em si, em vez de depender de como a sentença é empregada em seu contexto discursivo” (IRVINE, 1998IRVINE, J. Ideologies of Honorific Language. In: SCHIEFFELIN, B.; WOOLARD, K.; KROSKRITY, P. (org.). Language Ideologies: Practice and Theory. New York and Oxford: Oxford University Press, 1998. p. 51-67., p. 53). Nas situações concretas de uso linguístico, no entanto, essa divisão de trabalho entre semântica e pragmática não necessariamente coincide com a reflexividade dos usuários da língua. Irvine comenta que, embora nós linguistas possamos fazer a lista do exemplo (4), com termos isossemânticos para cada nível de linguagem - isto é, termos que significam a mesma coisa -, na prática, os falantes do javanês não tomam esses diferentes lexemas como sinônimos, já que cada nível de linguagem é associado a ideologias particulares sobre a adequação dessas formas, a “essência” de quem as utiliza, seu grau de refinamento ou destemperança etc.

Em outras palavras, os falantes do javanês, como quaisquer usuários das línguas do mundo, racionalizam a forma linguística e atribuem valor e significado (moral, estético etc.) a ela - isto é, usam a língua de acordo com ideologias linguísticas (SILVERSTEIN, 1979SILVERSTEIN, M. Language Structure and Linguistic Ideology. In: CLYNE, Paul et al. (orgs.). The Elements: A Parasession on Linguistic Units and Levels. Chicago: Chicago Linguistic Society, 1979. p. 193-247.; MOITA LOPES, 2013MOITA LOPES, L. P. Ideologia linguística: como construir discursivamente o português no século XXI. In: MOITA LOPES, L. P (org.). O português no século XXI: cenário geopolítico e sociolinguístico. São Paulo: Parábola Editorial, 2013. p. 18-52.). Os priyayi, o grupo de elite entre os javaneses, interpretam que os níveis “altos” (isto é, a fala krama) são “governados por uma ética da ordem apropriada, de paz e calma” (IRVINE, 1998IRVINE, J. Ideologies of Honorific Language. In: SCHIEFFELIN, B.; WOOLARD, K.; KROSKRITY, P. (org.). Language Ideologies: Practice and Theory. New York and Oxford: Oxford University Press, 1998. p. 51-67., p. 56). O falante “refinado” que usa - ou é autorizado a usar - o nível krama é visto como alguém que não expressa seus próprios sentimentos. Já os níveis “baixos” (ngoko) são “aqueles em que se perde o temperamento” (ERRINGTON, 1984 apud IRVINE, 1998, p. 57). Portanto, pragmaticamente, os lexemas dos níveis no exemplo (4) não são meros sinônimos, na medida em que os falantes de javanês consideram que esses usos revelam graus de refinamento e mesmo “essências” de pessoas diferentes (ver Irvine (1998IRVINE, J. Ideologies of Honorific Language. In: SCHIEFFELIN, B.; WOOLARD, K.; KROSKRITY, P. (org.). Language Ideologies: Practice and Theory. New York and Oxford: Oxford University Press, 1998. p. 51-67., p. 57)).

Ao longo de sua carreira, Rajagopalan tem nos chamado atenção para a importância de cotejarmos a observação especializada sobre a pragmática das línguas que nós linguistas fazemos e as percepções sistemáticas dos usuários sobre os usos concretos das suas línguas (ver, por exemplo, Rajagopalan (2003); Rajagopalan e Silva (2004)). Esse é um princípio básico da pragmática como ciência social. De forma a tornar ainda mais nítida essa interação entre pragmática e estruturação linguística, trarei agora um exemplo de outras línguas com sistemas gramaticalizados de honoríficos: as línguas zulu e xhosa, faladas na África do Sul. Essas línguas dão um bom exemplo de como a reflexividade sistemática dos usuários das línguas (isto é, a ideologia linguística) afeta não só a estrutura das línguas, mas também influencia a mudança histórica dessas línguas (ver Thomason e Kauffman (1998THOMASON, S.; KAUFMAN, T. Language Contact, Creolization, and Genetic Linguistics. Berkeley: University of California Press, 1998.)). Irvine e Gal (2000IRVINE J.; GAL, S. Language Ideology and Linguistic Differentiation. In: KROSKRITY, P. (org.). Regimes of Language: Ideologies, Polities, and Identities. Santa Fe: American Research Press, 2000. p. 35-84.) explicam que as línguas do ramo angune, o ramo mais ao sul das línguas Bantu das quais o zulu e xhosa fazem parte, originalmente não possuíam cliques - sons consonantais produzidos com a língua e os lábios, sem o uso dos pulmões - em sua fonologia. Esses cliques foram adquiridos das línguas da família Coissã, que já eram faladas na África do Sul quando os falantes das línguas Bantu chegaram à região. Irvine e Gal (2000) apontam que foi justamente um dos registros honoríficos do zulu e do xhosa - o hlonipha - que serviu de porta de entrada para esses cliques. Vejamos inicialmente como funciona a pragmática dos níveis honoríficos nessas línguas.

O zulu e xhosa possuem dois níveis de linguagem honoríficos - comum e “hlonipha”. O registro comum se refere à fala informal cotidiana e o registro hlonipha é aquele que indicia modéstia e respeito “a parentes mais velhos e, em tempos pré-coloniais, à realeza” (IRVINE; GAL, 2000IRVINE J.; GAL, S. Language Ideology and Linguistic Differentiation. In: KROSKRITY, P. (org.). Regimes of Language: Ideologies, Polities, and Identities. Santa Fe: American Research Press, 2000. p. 35-84., p. 41). O exemplo (5) abaixo lista as alternâncias de nomes, verbos e pronomes em ambos os registros em zulu:

(5) Exemplos de vocabulário comum e hlonipha (de respeito) em zulu

Comum Hlonipha Pastar, tecer aluka acuka Desalentar-se jaba gxaba Affair indaɓa injuso Hipopótamo imvuɓu incuɓu Leão imbuɓe injuɓe Casa indlu incumba Nosso -ithu -itsu Seu (2ª. Pessoa pl.) -kho -to (adaptado de IRVINE; GAL, 2000, p. 43)

O registro hlonipha é empregado de acordo com regras de respeito entre os falantes de zulu. Uma dessas regras estipulam que uma pessoa não deve enunciar o nome de algumas pessoas mais velhas a quem se deve mostrar deferência, como o sogro ou a sogra. Por exemplo, “se o nome do sogro de uma mulher soar como imvuɓu, ‘hipopótamo’, essa mulher deve chamar os hipopótamos de incuɓu” (IRVINE; GAL, 2000IRVINE J.; GAL, S. Language Ideology and Linguistic Differentiation. In: KROSKRITY, P. (org.). Regimes of Language: Ideologies, Polities, and Identities. Santa Fe: American Research Press, 2000. p. 35-84., p. 41). Além disso, a regra de respeito obriga que a pessoa modifique essa mesma consoante e outras partículas de seu entorno em outras palavras no co-texto. Por exemplo, as autoras citam a explicação de Bryant (1949 apud IRVINE; GAL, 2000, p. 41-42), que explica:

Se a pessoa a quem se deve respeito se chamar uMutí (Sr. Árvore), não apenas essa palavra para árvore deve ser evitada, substituindo-a pela palavra hlonipha equivalente, umCakantshi, mas também qualquer outra palavra que contenha a partícula em seu radical deve ser também evitada; assim, em vez de ukuTíba, deve-se dizer ukuPúnga; em vez de Tákatí, diz-se umKúnkuli; em vez de ukuTí, fala-se ukuNki, e assim por diante. (grifos no original).

Do modo que os falantes de zulu e xhosa racionalizam, o comportamento hlonipha é guiado por regras que se aplicam ao vestir, ao gesticular e ao falar: diante de um parente mais velho, deve-se “evitar olhar nos olhos da pessoa, cobrir o corpo e restringir sua afetividade” (IRVINE; GAL, 2000IRVINE J.; GAL, S. Language Ideology and Linguistic Differentiation. In: KROSKRITY, P. (org.). Regimes of Language: Ideologies, Polities, and Identities. Santa Fe: American Research Press, 2000. p. 35-84., p. 41). Linguisticamente, as alternantes honoríficas, como vimos, se realizam pela modificação de sequências de sons que identificam o nome da pessoa e de sílabas semelhantes em outras palavras.

Como essa “evitação” de contato com a pessoa a quem se deve respeito precisa ser conspícua - isto é, precisa saltar à vista - nada melhor do que os cliques das línguas Coissã, que já estavam em processo de contato com as línguas angunes. Irvine e Gal (2000IRVINE J.; GAL, S. Language Ideology and Linguistic Differentiation. In: KROSKRITY, P. (org.). Regimes of Language: Ideologies, Polities, and Identities. Santa Fe: American Research Press, 2000. p. 35-84.) explicam que, para os falantes das línguas angunes, os cliques originalmente soavam como sons “estrangeiros”. Assim, para os falantes de zulu e xhosa, a própria noção de falar uma língua estrangeira “parece ter tido como foco as línguas Coissã, que são perceptivelmente cheias de cliques” (IRVINE; GAL, 2000IRVINE J.; GAL, S. Language Ideology and Linguistic Differentiation. In: KROSKRITY, P. (org.). Regimes of Language: Ideologies, Polities, and Identities. Santa Fe: American Research Press, 2000. p. 35-84., p. 40). A raiz dos verbos em zulu e xhosa que significam “falar uma língua estrangeira” - respectivamente úkukhumsha e ukuhúmusha - vem do Coissã khom, que significa “falar” (p. 40). Nesse processo de contato entre línguas, os falantes das línguas angunes, que precisavam marcar a evitação conspícua da pessoa de ascendência superior no registro hlonipha, passaram a realizar a necessária alternância da sílaba a ser evitada com cliques emprestados do Coissã. Irvine e Gal (2000) argumentam ainda que essa substituição da sílaba ofensiva por uma sílaba com clique (ou outros sons, como as coronais africadas ts e dz) inicialmente pode ter sido relativamente idiossincrático, mas foi se tornando regular e convencional. Nas palavras das autoras:

O resultado foi um vocabulário de respeito repleto de cliques, talvez consistindo parcialmente de formulações idiossincráticas, criadas no momento da enunciação, mas também incluindo palavras que eram amplamente conhecidas como alternantes hlonipha. O fato de que o vocabulário de respeito mostrar tal porcentagem alta de consoantes-cliques, comparativamente ao vocabulário comum, é uma das maiores evidências de que o registro de respeito foi o veículo para a entrada dessas consoantes nos repertórios das línguas angunes. (IRVINE; GAL, 2000IRVINE J.; GAL, S. Language Ideology and Linguistic Differentiation. In: KROSKRITY, P. (org.). Regimes of Language: Ideologies, Polities, and Identities. Santa Fe: American Research Press, 2000. p. 35-84., p. 42).

Perceba que a hipótese de Irvine e Gal (2000IRVINE J.; GAL, S. Language Ideology and Linguistic Differentiation. In: KROSKRITY, P. (org.). Regimes of Language: Ideologies, Polities, and Identities. Santa Fe: American Research Press, 2000. p. 35-84.) e de outros linguistas (HERBERT, 1949) é a de que esse processo de mudança linguística foi, pelo menos parcialmente, motivado pela pragmática - pelas percepções coletivas de usuários e usuárias sobre como conspicuamente marcar o respeito a pessoas mais velhas. Em outras palavras, tanto individual quanto coletivamente, os falantes de zulu e xhosa ajustaram sua conduta verbal à ética do comportamento hlonipha, que estipula regras de comportamento modesto e uma demonstração conspícua de respeito a pessoas mais velhas na família (e antigamente à realeza). Gradualmente, essa demonstração conspícua de respeito passou a ser feita, parcialmente, com um recurso linguístico disponível, os cliques das línguas dos vizinhos Coissã. De forma regular, o comportamento sistemático dos falantes, guiado por uma ideologia de respeito aos mais velhos, provocou uma mudança no repertório fonológico e lexical de suas línguas.

5. CONSIDERAÇÕES FINAIS

Neste artigo, caminhamos em torno de uma definição de pragmática como ciência social. Ou seja, de pragmática como estudo da linguagem humana, tal como usada concretamente e influenciada pelas condições da sociedade, da cultura e da cognição. Essa definição é baseada tanto no que pessoas na pragmática fazem (notadamente aquelas pessoas com trabalho de orientação mais etnográfica ou empírica) quanto em evidências empíricas obtidas em trabalho de campo com usuários de diversas línguas do mundo. Grande parte das teorias pragmáticas são baseadas em trabalho de campo. Para citar um exemplo: reconhecido pragmaticista, Stephen Levinson, em seu doutorado, realizou trabalho etnográfico na Índia entre falantes de Tamil - o que está na base de sua teoria sobre a polidez, coelaborada com Penelope Brown, que fez trabalho de campo com falantes de Tzetal no México (e que, como Levinson, também foi orientada por Gumperz na Antropologia de Berkeley). Considerando o trabalho atual de Levinson no Max Planck, a relevância do estudo etnográfico nesse instituto de pesquisa e a influência do trabalho de Levinson e outras pessoas na pragmática cujo trabalho citei aqui, não é exagero dizer que a ciência social está na base de uma parte considerável do que se faz em pragmática hoje.

Embora minha trajetória de pesquisa no campo da pragmática seja mais voltada para aspectos de discurso, identidade e violência no uso da linguagem, intencionalmente citei dados que poderiam ser classificados como lógico-semânticos (exemplos 2 e 3) e gramaticais (exemplos 4 e 5). Ao lado da discussão de um exemplo fundamentalmente etnográfico e cultural, como o aprendizado do uso da elocução Ambe? no trabalho de campo de Senft (exemplo 1), minha discussão da sociedade na forma linguística objetivou dizer que o estudo do uso concreto da linguagem humana, tal como esse uso é condicionado pelas condições da sociedade, da cultura e da cognição, não significa que devemos abandonar a tese de que as línguas têm gramáticas, e de que essas gramáticas têm propriedades particulares. William Hanks (1996HANKS, W. Language and Communicative Practices. Boulder: Westview, 1996., p. 232) resume bem esse ponto: o “sistema da língua tem propriedades únicas, e é mais prático reconhecer essas propriedades do que fingir que elas não existam.” Esse linguista e antropólogo, cuja formação resume bem a síntese da força de trabalho que vejo como base da pragmática contemporânea, acrescenta que “argumentos de que a gramática é meramente uma construção a posteriori dos linguistas [...] são indefensáveis. Não apenas há muitos universais poderosos da estrutura linguística, mas também sem uma noção de gramática, é impossível explicar mesmo a sentença mais simples” (HANKS, 1996HANKS, W. Language and Communicative Practices. Boulder: Westview, 1996., p. 232).

Os casos empíricos de ideologia linguística envolvida na estruturação e mudança linguísticas discutidos na seção 4 são, a meu ver, bastante significativos sobre a força que usuários e usuárias exercem sobre a forma linguística. Aprendemos com o trabalho de Irvine e Gal (2000IRVINE J.; GAL, S. Language Ideology and Linguistic Differentiation. In: KROSKRITY, P. (org.). Regimes of Language: Ideologies, Polities, and Identities. Santa Fe: American Research Press, 2000. p. 35-84.) que o empréstimo de cliques por línguas do grupo bantu na África do Sul foi gerado pela reflexividade dos/as falantes, que socialmente precisavam marcar linguisticamente o respeito, de maneira conspícua, diante de pessoas mais velhas. Creio que seja importante comparar a influência da reflexividade dos/as falantes na mudança linguística com afirmações que linguistas no Brasil têm feito sobre o fenômeno da “linguagem neutra” ou linguagem inclusiva de gênero como “aberração”6 6 Em setembro de 2020, a Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN) postou em seu perfil no Facebook o link para um artigo de opinião de Cíntia Chagas, publicado no jornal Estado de Minas, intitulado: “Com o uso da linguagem não binária, chegamos ao fim dos tempos” (CHAGAS, 2020) Na mesma postagem, a ABRALIN publicou excerto do artigo, sem aspas, que chama de “aberração” palavras como “alune” e “todes”, que exibem marcação inovadora de gênero com o sufixo -e. Eis o trecho, entre muitas aspas: “O indivíduo afirma que palavras finalizadas por “a” e por “o” precisam perder a terminação, concedendo lugar a aberrações como “adulte”, “menine”, “filhe”, “alune” e “todes”. . A opinião de especialistas em linguagem, bastante difundida, é de que as mudanças nas línguas são “naturais”, isto é, não são reflexivas ou induzidas por falantes. Por exemplo, embora ache louvável o uso de linguagem inclusiva de gênero no português contemporâneo, Maria Helena Moura Neves, em entrevista à Folha de S. Paulo, afirma que “não se pode supor que, em um determinado momento da vida da sociedade, algum falante de uma língua, ou algum contingente de falantes, impelido pela motivação de uma conduta desejável, terá sucesso propondo uma alteração do ‘sistema’ da língua” (apud VICENTE, 2022VICENTE, E. 2022. Professora e linguista com 70 anos no serviço público vê equívoco em termo ‘linguagem neutra’. Folha de S. Paulo, 2022. Disponível em: https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2022/03/professora-e-linguista-com-70-anos-no-servico-publico-ve-equivoco-em-termo-linguagem-neutra.shtml. Acesso em: 4 maio 2022.
https://www1.folha.uol.com.br/educacao/2...
). Ela acrescenta: “Se recuperarmos historicamente as alterações de sistemas linguísticos, até com extinção de línguas e com criação de novas línguas, veremos que as mudanças, em cada sistema, fizeram-se a partir do uso natural da língua por uma comunidade” (apud VICENTE, 2022). Contrariamente a essa visão e com base em robusta evidência empírica sobre mudança linguística em diversas línguas do mundo, Thomason e Kaufman (1998THOMASON, S.; KAUFMAN, T. Language Contact, Creolization, and Genetic Linguistics. Berkeley: University of California Press, 1998., p. 4) argumentam que “a história de uma língua é uma função da história de seus falantes, e não um fenômeno independente que pode ser amplamente estudado sem referência ao contexto social em que essa história está calcada”. No Brasil, Rodrigo Borba vem se dedicando ao estudo da linguagem inclusiva no português contemporâneo, em linha com a visão de pragmática como ciência social (ver BORBA, 2019BORBA, R. Gendered Politics of Enmity: Language Ideologies of Social Polarisation in Brazil. Gender and Language, v. 13, p. 423-448, 2019., 2020).

No geral, a definição de pragmática que apresentei acima e os exemplos (1) a (5), os quais apontam para diferentes graus de influência do comportamento pragmático de falantes na estrutura e no uso das línguas, evidenciam que forma linguística, uso linguístico e reflexividade linguística dos usuários andam de mãos dadas. Uma lição importante que podemos tirar da discussão desses exemplos é a de que a pragmática é um campo de estudos que leva a sério a interação entre o conhecimento que os usuários têm da estruturação da língua (ou das línguas) que utilizam, os sistemas de valores nos quais essas pessoas se inserem e as condições sociais que afetam esse conhecimento linguístico e seu uso efetivo. Assim, as/os pragmaticistas, desde a formação desse campo de conhecimento, argumentaram que a pragmática “deve ser incluída numa teoria geral da competência linguística” (LEVINSON, 1983LEVINSON, S. Pragmatics. Cambridge: Cambridge University Press, 1983., p. 34) e incluída numa teoria ampla e integrada da linguística (LEVINSON, 1983, p. 35).

Já no início de sua carreira como pragmaticista, Rajagopalan (1987RAJAGOPALAN, K. Quando ‘2+3’ não é igual a ‘3+2’: a semântica e a pragmática das construções simétricas em língua natural. Cadernos de Estudos Linguísticos, v. 13, p. 67-96, 1987.) resumiu bem a proposta de pragmática como “perspectiva” ou “orientação” social para o trabalho com a linguagem (ver Verschueren (1999VERSCHUEREN, J. Understanding Pragmatics. New York: Arnold, 1999.)). Depois de detalhadamente discutir num artigo inicial de sua atuação a importância crucial da pragmática para entender diferenças semânticas como as que discutimos nos exemplos (2) e (3), Rajagopalan (1987, p. 91) conclui que o melhor seria deixar de lado uma “divisão” estanque de trabalho entre pragmática e as áreas vizinhas (semântica, sintaxe, fonologia etc.) e caminhar em direção a uma “Pragmática - com ‘P’ maiúsculo - que não esteja oposta a nada, pelo menos dentro da linguagem”. Ele previa que o fim da divisão estanque entre os campos acontecerá com a “realização de que o que há é a Pragmática, sendo a pragmática, a semântica e a sintaxe produtos da atividade intelectual” que consiste em progressivo refinamento (p. 91).

REFERÊNCIAS

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  • WITTGENSTEIN, L. Philosophical Investigations. London: Blackwell, 1953.
  • 1
    Entendo que a definição de pragmática que proponho adiante no texto pode não ser reconhecida por pesquisadores que não veem seu trabalho como socialmente orientado. Ou por pesquisadores que veem a pragmática sob outra perspectiva - por exemplo, como estudo de processos mentais que se dão na produção e recepção de mensagens. Bauman & Briggs (2003BAUMAN, R.; BRIGGS, C. Voices of modernity: Language ideologies and the politics of inequality. Cambridge: Cambridge University Press, 2003.), em seu estudo histórico sobre ideologias de linguagem que constituíram a noção de modernidade, discutem as bases históricas e filosóficas dessa orientação, em particular a visão contratual e mentalista na teoria de linguagem do filósofo John Locke. Um debate entre Rajagopalan (2005RAJAGOPALAN, K. Linguistic pragmatics: A discipline bedeviled by its own history? Implications for intercultural studies. Intercultural Pragmatics, v. 2, n. 1, p. 93-97, 2005.) e Wilson & Sperber (2005WILSON, D.; SPERBER, D. Reply to Rajagopalan. Intercultural Pragmatics, v. 2, n. 1, p. 99-103, 2005.) no periódico Intercultural Pragmatics pode ser visto como um resumo do tipo de debate que a definição de pragmática que proponho aqui poderia gerar. Rajagopalan (2005, p. 95) sugere como meta para a pragmática assumir-se como campo eminentemente social, no qual questões como “a estrutura da sociedade, a rede de poder inscrita nelas, as pressões para mudança vindas de dentro e de fora” etc. seriam mais prementes do que as de ordem formal e cognitiva. Em sua resposta, Wilson & Sperber (2005), embora discordem de Rajagopalan sobre essa orientação, digamos, voltada a questões de poder, não chegam a discordar da importância da sociedade em seu modelo de pragmática centrado no princípio cognitivo da relevância. Wilson & Sperber (2005), ao final, apontam para a natureza institucional de disputas como cognitivismo x “societalismo” nas disciplinas acadêmicas - o que pode significar, por exemplo, disputas por mais vagas em departamentos para um campo, por mais páginas em um periódico, enfim, por mais capital simbólico e financeiro. Adiante, não deixo de reconhecer a importância da cognição na definição de pragmática que formulo - e faço questão de deixar claro de que se trata de uma definição possível, diante de outras que podem ser evocadas como contraponto. A diversidade de orientações é o que constitui a beleza de muitas coisas, incluindo os campos de investigação.
  • 2
    Naquele ano, Geoffrey Leech também publicava Principles of Pragmatics, o segundo livro introdutório do campo (LEECH, 1983LEECH, G. Principles of Pragmatics. London: Longman, 1983.). O manual de Levinson foi traduzido para o português por Luiz Carlos Borges e Aníbal Mari em 2007LEVINSON, S. Pragmática. Trad. de Luis Carlos Borges; Aníbal Mari. São Paulo: Martins Fontes, 2007. com o título Pragmática. A revisão técnica foi de Rodolfo Ilari. A citação de trechos dessa obra de Levinson oscilará entre o original (LEVINSON, 1983LEVINSON, S. Pragmatics. Cambridge: Cambridge University Press, 1983.) e a tradução brasileira (LEVINSON, 2007).
  • 3
    A menos que indicado diferentemente, todas as traduções de excertos de textos consultados em língua estrangeira são de minha responsabilidade.
  • 4
    Para uma literatura crítica sobre a noção de intenção em pragmática, recomendo os textos: Duranti (2015DURANTI, A. The Anthropology of Intentions. Cambridge: Cambridge University Press, 2015.), Santos-Allen (2017) e Silva (2017SILVA, D. Investigating Violence in Language: An Introduction. In: SILVA, D. (org.). Language and Violence: Pragmatic Perspectives. Amsterdam: John Benjamins, 2017. p. 1-29.).
  • 5
    Utilizo itálico na definição por uma questão estilística de ênfase. A definição original de Mey, mais restrita em escopo, pode ser consultada em Mey (2001MEY, J. Pragmatics: An Introduction. London: Blackwell, 2001., p. 6).
  • 6
    Em setembro de 2020, a Associação Brasileira de Linguística (ABRALIN) postou em seu perfil no Facebook o link para um artigo de opinião de Cíntia Chagas, publicado no jornal Estado de Minas, intitulado: “Com o uso da linguagem não binária, chegamos ao fim dos tempos” (CHAGAS, 2020CHAGAS, C. Com o uso da linguagem não binária, chegamos ao fim dos tempos. Estado de Minas, 2020. Disponível em: https://www.em.com.br/app/colunistas/cintia-chagas/2020/09/21/interna_cintia_chagas,1187120/com-o-uso-da-linguagem-nao-binaria-chegamos-ao-fim-dos-tempos.shtml. Acesso em: 4 maio 2022.
    https://www.em.com.br/app/colunistas/cin...
    ) Na mesma postagem, a ABRALIN publicou excerto do artigo, sem aspas, que chama de “aberração” palavras como “alune” e “todes”, que exibem marcação inovadora de gênero com o sufixo -e. Eis o trecho, entre muitas aspas: “O indivíduo afirma que palavras finalizadas por “a” e por “o” precisam perder a terminação, concedendo lugar a aberrações como “adulte”, “menine”, “filhe”, “alune” e “todes”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    06 Fev 2023
  • Aceito
    20 Fev 2023
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