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A METÁFORA COMO GATILHO OSTENSIVO DO EFEITO: O PARADOXO DAS COISAS DIFERENTES

The Metaphor as the Ostensive Trigger of the Effect: The Paradox of Different Things

La metáfora como disparador ostentivo del efecto: la paradoja de las cosas diferentes

Resumo

Este texto revisa o conceito de metáfora ad hoc e a hipótese de Sperber e Wilson (1995) sobre o significado metafórico como ajuste por implicação inferencial entre os conceitos lexicalizados e as informações contextuais via alargamento ou estreitamento do conceito (CARSTON, 2002, 2010; WILSON; CARSTON, 2006, 2008) e considera a hipótese da extensão de uma categoria do modelo relevantista ampliado (SPERBER; WILSON, 2008). Porém, apesar de promissores, essas abordagens ainda estão bastante restritas à presunção de efeitos racionais apenas. Partindo da premissa de que a metáfora é uma estratégia de ostensão comunicativa construída sobre conceitos de categorias e propriedades distintas, o texto discute a plausibilidade do enriquecimento de interpretação metafórico. A conclusão é que a metáfora criativa ad hoc, guiada pelo princípio de relevância, além de efeitos cognitivos também gera efeitos emocionais (SANTOS; GODOY, 2020; 2021).

Palavras-chave:
Metáfora; Interpretação de metáforas; Teoria da Relevância; Efeito cognitivo; Efeitos emocionais

Abstract

This text reviews the concept of ad hoc metaphor and the Sperber and Wilson´s (1995) hypothesis about metaphorical meaning as an adjustment by inferential implication between lexicalized concepts and contextual informations via broadening or narrowing the concept (CARSTON, 2002, 2010; WILSON; CARSTON, 2006, 2008) and consider the hypothesis of the extension of a category of the extended relevantist model (SPERBER; WILSON, 2008). However, although promising, these approaches are still quite restricted to the assumption of rational effects only. Based on the premise that metaphor is a communicative ostension strategy built on concepts of categories and distinct properties, the text discusses the plausibility of metaphorical interpretation enrichment. The conclusion is that the ad hoc creative metaphor, guided by the principle of relevance, in addition to cognitive effects, also generates emotional effects (SANTOS; GODOY, 2020, 2021).

Keywords:
Metaphor; Interpretation of Metaphors; Relevance Theory; Cognitive Effect; Emotional Effects

Resumen

Este texto propone una revisión del concepto de metáfora ad hoc y de la hipótesis de Sperber y Wilson (1995) acerca del significado metafórico como ajuste por implicación inferencial entre los conceptos lexicalizados y las informaciones contextuales por ampliación o estrechamiento del concepto (CARSTON, 2002, 2010; WILSON; CARSTON, 2006, 2008) y considera la hipótesis de la extension de una categoría del modelo relevantista ampliado (SPERBER; WILSON, 2008). Sin embargo, aunque prometedores, estos enfoques se restringen únicamente a la presunción de efectos racionales. Partiendo de la premisa de que la metáfora es una estrategia de ostensión comunicativa construída sobre conceptos de categorías y propiedades distintas, el texto discute la plausibilidad del enriquecimiento de interpretación metafórico. La conclusión es que la metáfora creativa ad hoc, guiada por el principio de la pertinencia, además de efectos cognitivos también genera efectos emocionales (SANTOS; GODOY, 2020; 2021).

Palabras clave:
Metáfora; Interpretación de metáforas; Teoría de la Pertinencia; Efecto cognitivo; Efectos emocionales

1 INTRODUÇÃO

A tradição aristotélica assume a metáfora como uma função discursiva figurativa de caráter meramente ornamental, assumpção que define a metáfora como um recurso estilístico que transpõe um sentido literal em direção a um sentido figurado, a fim de atribuir maior expressividade ao discurso. Nessa acepção, a metáfora seria uma figura de linguagem constituída por meio de uma relação de semelhanças entre dois termos distintos (objetos ou seres) com o objetivo de produzir sentidos figurados ou poéticos.

A relação por semelhança comparativa é uma tradição que compreende a metáfora por meio de uma paráfrase na forma de símile (ou metonímia), através do termo “como”. O problema com a definição da metáfora pelo método da comparação por semelhança é que a diferença entre metáfora e seu símile acarreta diferença tanto na interpretação quanto no significado. Portanto, afirmar que a metáfora é uma figura de linguagem que constrói semelhanças entre termos distintos é uma atitude temerária, uma vez que a metáfora vai muito além do simples ato de estabelecer relações comparativas entre dois referentes distintos por meio de uma paráfrase na forma de símile (ou mesmo metonímia), através do termo coesivo “como”.

Para explicarmos essa relação metáfora-símile, tomemos o seguinte exemplo:

(1) Meu namorado é um gato.

Essa metáfora é estruturada segundo a tradição conceitual (LAKOFF; JOHNSON, 1986LAKOFF, G. JOHNSON, M. Metaphors We Live By. Chicago: Chicago University Press. 1986.) pela fórmula “A é B”. Mas, afirmar “meu namorado é um gato” não é a mesma coisa que dizer “meu namorado é como um gato” (A é como B), expressão que representamos no símile (2):

(2) Meu namorado é como um gato.

Para Gurgel (2016GURGEL, D. F. “Nem toda aleluia é uma aleluia”: acerca da categorização metafórica na narrativa ficcional. Letras, Curitiba, v. 93, p. 253-277, jan./jun 2016., p. 262), assumir essa ideia destitui a metáfora de qualquer função cognitiva distinta daquela que se obtém mediante símiles, uma vez que “o símile simples, na forma “a é como b”, estabelece uma comparação ou correspondência de propriedades (feature matching) e não uma categorização”. Em (2), no modelo de comparação por símile (A é como B), o conceito designado “gato” corresponde a um “gato” canônico/convencional: um gato doméstico. Já na interpretação metafórica (A é B), o conceito designado gato*. corresponde a uma categoria abstrata (por isso metafórica) de criaturas belas, sensuais, carinhosas1 1 Adotamos o (*) para designar o termo metafórico de uma expressão metafórica. .

De acordo com Gurgel (2016GURGEL, D. F. “Nem toda aleluia é uma aleluia”: acerca da categorização metafórica na narrativa ficcional. Letras, Curitiba, v. 93, p. 253-277, jan./jun 2016., p. 263):

Usando o “como”, o emissor admite a fragilidade, a aplicabilidade muito restrita e ocasional de seu juízo. Ele não se compromete com uma recategorização, não afirma que “a é um tipo de b”. Em suma, o símile não assume um compromisso ontológico forte.

Inferimos, então, que a explicação da metáfora (A é B) pela sua paráfrase na forma de símile (A é como B) é falha e não serve para conceituar a metáfora. Mas se a concepção tradicional da metáfora não é suficiente para explicá-la, haveria alguma outra via para se chegar a uma explicação plausível? Mais: o que diferencia uma interpretação natural (literal) de uma interpretação metafórica? Partindo dessas premissas, nosso objetivo neste estudo é testar o princípio de relevância no processamento de metáforas criativas ad hoc a partir das abordagens cognitivistas recentes de Sperber e Wilson (2008WILSON, D.; CARSTON, R. Metaphor and the “Emergent Property” Problem: A Relevance-Theoretic Treatment. The Baltic International Yearbook of Cognition, Logic and Communication. v. 3. Kansas: New Praire Press, p. 1-40, 2008.), Gentner e Bowdle (2008GENTNER, D.; BOWDLE, B. F. Metaphor as Structure-Mapping. In: GIBBS, Raymond W (ed.). The Cambridge Handbook of Metaphor and Thought. Cambridge: Cambridge U. P., 2008. p. 109-128.) e Wilson e Carston (2006, 2008). Para tal, assumiremos a hipótese de que a metáfora criativa ad hoc configura-se como uma estratégia de comunicação ostensiva construída sobre conceitos categoriais de propriedades distintas que gera efeitos cognitivos e efeitos emocionais.

2 TEORIAS CATEGORIAIS

A teoria dos protótipos é um modelo classificatório proposto pela psicóloga cognitiva Eleanor Rosch nos anos 19702 2 O termo “protótipo” aparece pela primeira vez em 1973, no artigo de Rosch Natural Categories, que contém doze experimentos sobre a categorização de protótipos. . A teoria se alicerça na classificação por gradação natural, concebendo que alguns membros de uma categoria conceitual possuem propriedades que são mais distintivas da espécie que outras. O protótipo é a referência em posição de destaque de uma categoria pelo fato de ser o primeiro estímulo a ser associado a essa categoria.

Assim, categorias de protótipos parecem seguir os mesmos princípios das categorias básicas. Protótipos parecem ser apenas aqueles membros de uma categoria que mais refletem a estrutura de redundância da categoria como um todo. Categorias se formam para maximizar os argumentos de atributos ricos em informações no ambiente e, assim, a validade de pistas dos atributos das categorias. Protótipos de categorias parecem se formar de maneira a maximizar os agrupamentos e validade de sugestões dentro das categorias.3 3 Salvo indicação, todas as traduções são de nsosa responsabilidade. No original: “Thus, prototypes of categories appear to follow the same principles as basic categories. Prototypes appear to be just those members of a category which most reflect the redundancy structure of the category as a whole. Categories form to maximize the information-rich clusters of attributes in the environment and, thus, the cue validity of the attributes of categories. Prototypes of categories appear to form in such a manner as to maximize the clusters and cue validity within categories.” (ROSCH, 1973ROSCH, E. H. Natural Categories. Cognitive Psychology, v. 4, p. 328-350, 1973., p. 433).

A justificativa da pesquisadora é a de que o conceito contido no protótipo o torna potencialmente útil à cognição, uma vez que seria extremamente vantajoso aos humanos ‘aproveitar-se da’ contingência do ambiente para não recorrer ao laborioso processo de computar e validar as pistas individuais. O elemento prototípico que representa a categoria é o ponto de referência em uma escala de gradação tipicamente estruturada, de modo que as categorias de nível básico são muito mais facilmente aprendidas e mais comumente utilizadas. Isso significa que é mais fácil, até para uma criança, categorizar mais rapidamente “golfinho” como “peixe” do que “baleia” como “peixe” ou categorizar mais rapidamente “morcego” como “ave” do que “pinguim” como “ave”. No paradigma de inclusão de classe, o nome de uma categoria de nível básico passa a designar uma categoria de nível superior (ou superordenada).

As ideias de Rosch e de seus colaboradores (ROSCH, 1973ROSCH, E. H. Natural Categories. Cognitive Psychology, v. 4, p. 328-350, 1973.; ROSCH et al., 1976) influenciaram fortemente as pesquisas do psicólogo cognitivo Lawrence W. Barsalou, do Instituto de Neurociência e Psicologia da Universidade de Glasgow. Abordando a natureza do processamento conceitual humano e seu papel na percepção, memória, linguagem, pensamento, interação social e cognição em saúde, Barsalou (1983) postulou que determinadas categorias funcionais são construídas a partir do conhecimento existente para satisfazer as demandas de um contexto específico de ocasião. Barsalou chamou tais categorias de categorias ad hoc.

Segundo Barsalou, a associação das categorias ad hoc é construída com base na satisfação do objetivo e não no relacionamento entre características, posto que tais categorias são frequentemente construídas on line. O ponto central da tese de Barsalou é que as categorias ad hoc exibem uma estrutura de similaridade graduada comparável, na qual um membro de uma categoria pode ser visto como o mais prototípico da categoria. De acordo com o pesquisador, o conceito prototípico de uma categoria ad hoc diz respeito a uma instância de tipificação que cresce à medida que a similaridade do conceito da categoria se mostra mais típica à categoria. Em outras palavras, uma categoria ad hoc “contém as propriedades das instâncias que são relevantes para o objetivo que a categoria atende”4 4 No original: “[…] contains properties of the instances relevant to the goal the category serves.” (BARSALOU, 1983BARSALOU, L. W. Ad Hoc Categories. Memory & Cognition. v. 11, n. 3, p. 211-227, 1983., p. 225).

Assim como o trabalho de Rosch (ROSCH, 1973ROSCH, E. H. Natural Categories. Cognitive Psychology, v. 4, p. 328-350, 1973.; ROSCH et al., 1976) influenciou a pesquisa de Barsalou, sua tese sobre as categorias ad hoc (BARSALOU, 1983BARSALOU, L. W. Ad Hoc Categories. Memory & Cognition. v. 11, n. 3, p. 211-227, 1983.) encontrou terreno fértil e foi determinante para os estudos de Sam Glucksberg e Boaz Keysar que, nos anos 1990GLUCKSBERG, S.; KEYSAR, B. Understanding Metaphorical Comparisons: Beyond Similarity. Psychological Review, v. 97, n. 1, 1990., desenvolviam estudos sobre a conceituação das metáforas. Glucksberg e Keysar estabeleceram relações processuais entre as categorias ad hoc de Barsalou e a estruturação da metáfora.

Segundo os pesquisadores, o modelo comparacionista de distinção entre metáfora e símile não se sustenta, como já havíamos anunciado nos parágrafos introdutórios. Glucksberg e Keysar (1990GLUCKSBERG, S.; KEYSAR, B. Understanding Metaphorical Comparisons: Beyond Similarity. Psychological Review, v. 97, n. 1, 1990.) e Glucksberg (2008, 2011) defendem a tese de que em metáforas como (1) “Meu namorado é um gato” não há correspondência das características/propriedades comuns entre o conceito referente (canônico) e o conceito referido (metafórico)5 5 Ivor Alexandre Richards (1950) criou uma taxonomia sobre a estruturação da metáfora. Termos como “tópico”, “veículo”, “base” e “tensão” ainda são amplamente difundidos e utilizados pelos estudiosos da metáfora. Por questões paradigmáticas não usaremos neste artigo a taxonomia de Richards. . De acordo com Glucksberg e Keysar,

Metáforas não são compreendidas com base em sua transformação em símiles. Ao invés disso, elas são concebidas como declarações de inclusão em classe e são compreendidas como tal. Quando metáforas são expressas como comparações (i.e., como símiles), então elas são interpretadas como declarações de categorização implícita, ao invés do contrário.6 6 No original: “Metaphors are not understood by transforming them into similes. Instead, they are intended as class-inclusion statements and are understood as such. When metaphors are expressed as comparisons (i.e., as similes), then they are interpreted as implicit category statements, rather than the other way around.” (GLUCKSBERG; KEYSAR, 1990GLUCKSBERG, S.; KEYSAR, B. Understanding Metaphorical Comparisons: Beyond Similarity. Psychological Review, v. 97, n. 1, 1990., p. 16).

Essa postura de conceituar a metáfora por inclusão em classes de categorização desestabiliza o modelo comparacionista de tradição aristotélica. No paradigma de categorização e inclusão em classe, a natureza da metáfora é proposicional, uma vez que quando as pessoas recorrem às metáforas para se comunicar, elas estão dizendo exatamente o que querem dizer. Se assim não fosse, as metáforas não poderiam ser entendidas ou interpretadas.

Ao inserir o estudo das metáforas no modelo proposto por Barsalou (1993), Glucksberg e Keysar (1990GLUCKSBERG, S.; KEYSAR, B. Understanding Metaphorical Comparisons: Beyond Similarity. Psychological Review, v. 97, n. 1, 1990.) abrem caminho para novas perspectivas. De acordo com Glucksberg (2011), uma metáfora como (1) “Meu namorado é um gato” promove uma remodelação cognitiva de categorização felina distinta da ontológica. Em (1) o conceito metafórico gato* tipifica não a categoria canônica de “gato”, mas uma categoria de ocasião (ad hoc). A categoria ad hoc tipificada de gato* é o ‘gato de madame’ (outra metáfora)7 7 Em Curitiba é bastante corrente a expressão “piá de prédio” em alusão aos meninos que vivem encerrados em apartamentos. O termo é usado pejorativamente para qualificar os meninos que têm pouca habilidade com as atividades esportivas. . Diferentemente do “gato” de rua, que come em latas de lixo, é sujo, mal cheiroso e arisco, o ‘gato de madame’ é bem alimentado, vive no conforto da casa, é higiênico, carinhoso, bem cheiroso, etc. Essa classe categorial de “gato” se reflete na aparência do felino: belo, sensual, elegante, etc. Na metáfora “Meu namorado é um gato” é esta categoria de gato* que é cognitivamente selecionada, tanto na produção quanto na interpretação, isto é, “meu namorado” é cognitivamente inserido ad hoc ao conjunto de membros dessa categoria.

Gurgel (2016GURGEL, D. F. “Nem toda aleluia é uma aleluia”: acerca da categorização metafórica na narrativa ficcional. Letras, Curitiba, v. 93, p. 253-277, jan./jun 2016.) chama a atenção para o fato de que os conceitos metafóricos ad hoc são formados com base em um objetivo muito peculiar ao contexto, isto é, são categorias funcionais recém-criadas e que, como tais, devem ter estrutura categorial graduada. Vale notar também que a composição proposicional da categoria ad hoc nomeada pela metáfora é de ordem superior ao processo ordinário, isto é, ocorre no nível cognitivo de categorização metafórica, tanto de quem produz quanto de quem interpreta a expressão metafórica.

A partir dos estudos de Klucksberg e Keysar (1990) e Klucksberg (2008, 2011) podemos agora evidenciar a categorização da metáfora (1) “Meu namorado é um gato”. Representamos na figura 1 as categorias “gato”, “namorado” e gato*.

Figura 1
Categorização de gato8 8 Reconhecemos também que o conceito “gato” nessa metáfora categoriza ainda uma terceira classe (atualmente em desuso) para gato**: a do indivíduo humano ladrão, larápio, gatuno. Como a categoria gato* é mais recorrente, esta terceira opção é menos manifesta ao interlocutor e, portanto, não a consideraremos nesta análise. e namorado

Vale notar que o gato* usado como constituinte metafórico evoca uma categoria que contempla o referente “namorado”, enquanto que aquele usado canonicamente se refere a um “gato” real. Com base na figura 1, podemos demonstrar graficamente na figura 2 a diferença entre a metáfora e seu símile (ou metonímia).

Figura 2
Gatos canônicos e gatos metafóricos.

Gurgel (2016GURGEL, D. F. “Nem toda aleluia é uma aleluia”: acerca da categorização metafórica na narrativa ficcional. Letras, Curitiba, v. 93, p. 253-277, jan./jun 2016.) assevera que as metáforas operam inclusões em classe, de forma que “todos os membros da categoria a que o nome predicado faz canonicamente referência, são membros da categoria ad hoc a que o nome do predicado faz metaforicamente referência” (p. 268). Glucksberg (2011GLUCKSBERG, S. Understanding Metaphors: The Paradox of Unlike Things. In: AHMAD, K. (ed.). Affective Computing and Sentiment Analysis: Emotion, Metaphor and Terminology. London: Springer, 2011. p. 1-12., p. 16) explica que as metáforas têm uma interpretação sensata na medida em que

[...] são compreendidas tão rapidamente quanto expressões literais comparáveis, e entender metáforas é não depender de um significado literal para ser inaceitável no contexto. Como qualquer expressão linguística, as metáforas são processadas automaticamente e em paralelo com qualquer significados que podem estar disponíveis.9 9 No original: “[...] are understood as quickly as comparable literal expressions, and understanding metaphors is not dependent on a literal meaning to be unacceptable in context. Like any linguistic expression, metaphors are processed automatically and in parallel with any literal meanings that may be available” (p. 16).

Na metáfora “Meu namorado é um gato”, o conceito “gato” refere-se à uma categoria superordenada (de nível superior) de criaturas que incluem “namorados” e “bichos” como membros da mesma categoria. Essa categoria é um domínio abstrato de representação, no qual ambos os conceitos namorado* e gato* partilham metaforicamente propriedades lógicas semelhantes. É esse domínio de categorização abstrata que evocamos quando usamos uma metáfora, como “Meu namorado é um gato”.

3 METÁFORA E RELEVÂNCIA

“A metáfora é deflacionária”. É com essa asserção metafórica que Sperber e Wilson (2008WILSON, D.; CARSTON, R. Metaphor and the “Emergent Property” Problem: A Relevance-Theoretic Treatment. The Baltic International Yearbook of Cognition, Logic and Communication. v. 3. Kansas: New Praire Press, p. 1-40, 2008.) defendem a tese de que a cognição humana não requisita um mecanismo especializado para o processamento metafórico, argumento que vai na contramão do que preconiza a abordagem mais difundida sobre a metáfora: a teoria da metáfora conceitual, de Lakoff e Johnson (1986LAKOFF, G. JOHNSON, M. Metaphors We Live By. Chicago: Chicago University Press. 1986.). O modelo padrão da teoria da relevância (SPERBER; WILSON, 1995SPERBER, D.; WILSON, D. Relevance: communication and cognition. 2nd. ed. Cambridge: Harvard University Press. 1995.) postula que as pessoas em interações comunicativas estão atentas às situações que lhes parecem mais relevantes. A tese se fundamenta na ideia de que a comunicação é naturalmente guiada pelo princípio da relevância e presume que todo ato ostensivo de comunicação carrega a presunção de sua própria relevância ótima.

Segundo Sperber e Wilson (1995SPERBER, D.; WILSON, D. Relevance: communication and cognition. 2nd. ed. Cambridge: Harvard University Press. 1995.), a relevância é a propriedade psicológica que guia a comunicação humana, tanto do ponto de vista da produção, quanto da interpretação. Nessa perspectiva, a relevância se vincula às intenções do falante e ao empreendimento do ouvinte para interpretar enunciados, isto é, a relevância decorre de uma relação custo-benefício entre o esforço e o efeito do processamento de enunciados. Em razão disso, na interpretação comunicativa, quanto menor for o esforço de processamento e maior o efeito, maior será a relevância. A presunção dos autores é de que um input ostensivo é otimamente relevante se, e somente se, esse input atender a duas cláusulas: a) ser relevante o suficiente para merecer esforço de processamento do ouvinte; b) ser o mais relevante compatível com as habilidades e preferências do falante.

A teoria da relevância prevê que a comunicação humana é deliberadamente ostensiva, do ponto de vista das intenções do falante, e inferencial, do ponto de vista dos propósitos interpretativos do ouvinte. De acordo com Sperber e Wilson (1995SPERBER, D.; WILSON, D. Relevance: communication and cognition. 2nd. ed. Cambridge: Harvard University Press. 1995.) a comunicação informativa envolve dois níveis de intenções do falante: a) intenção informativa - intenção de informar algo a alguém; e b) intenção comunicativa - intenção de comunicar uma intenção informativa a alguém. Para que a comunicação ocorra dentro das expectativas do falante, ele deverá garantir ostensivamente ao ouvinte que se o ouvinte prestar atenção naquilo que o falante intenciona comunicar, o ouvinte poderá obter efeitos contextuais suficientemente relevantes que poderão render-lhe ganhos informativos.

Sobre a interpretação da metáfora, Sperber e Wilson (2008WILSON, D.; CARSTON, R. Metaphor and the “Emergent Property” Problem: A Relevance-Theoretic Treatment. The Baltic International Yearbook of Cognition, Logic and Communication. v. 3. Kansas: New Praire Press, p. 1-40, 2008., p. 84-85) postulam que

[...] as interpretações metafóricas ocorrem exatamente da mesma maneira que as outras interpretações. Não há nenhum mecanismo específico para a metáfora, nenhuma generalização que se aplica apenas a eles. Em outras palavras, as metáforas linguísticas não são um tipo natural e a “metáfora” não é uma noção teoricamente importante no estudo de comunicação verbal. Na Teoria da Relevância a abordagem da metáfora é improdutiva e está fadada a decepcionar aqueles que sentem que a metáfora verbal merece uma teoria completa própria, ou deveria estar no centro de uma teoria mais ampla da linguagem, ou mesmo de pensamento.10 10 No original: “[…] metaphorical interpretations are arrived at in exactly the same way as these other interpretations. There is no mechanism specific to metaphor, no interesting generalisation that applies only to them. In other terms, linguistic metaphors are not a natural kind, and “metaphor” is not a theoretically important notion in the study of verbal communication. Relevance Theory’s account of metaphor is on the lean side, and is bound to disappoint those who feel that verbal metaphor deserves a full-fledged theory of its own, or should be at the centre of a wider theory of language, or even of thought.”

Destarte, fica patente a ideia de que no modelo relevantista as metáforas não são uma categoria especial da linguagem natural, posto que os enunciados metafóricos alcançam relevância ao produzir efeitos cognitivos. Os autores (2008, p. 85) afirmam que “as metáforas não são excepcionais e que o conteúdo linguístico de todos os enunciados, mesmo aqueles que são literalmente entendidos, subdetermina amplamente sua interpretação”11 11 No original: “[…] metaphors are not exceptional, and that the linguistic content of all utterances, even those that are literally understood, vastly underdetermines their interpretation.” . Sperber e Wilson (2008WILSON, D.; CARSTON, R. Metaphor and the “Emergent Property” Problem: A Relevance-Theoretic Treatment. The Baltic International Yearbook of Cognition, Logic and Communication. v. 3. Kansas: New Praire Press, p. 1-40, 2008.) ampliam o estudo da relevância feito anteriormente (SPERBER; WILSON, 1995SPERBER, D.; WILSON, D. Relevance: communication and cognition. 2nd. ed. Cambridge: Harvard University Press. 1995.) e lançam novos argumentos favorecendo a hipótese de que o significado metafórico decorre do ajuste (por implicação inferencial) entre os conceitos codificados/lexicalizados e as informações contextuais a partir do estreitamento (narrowing) ou alargamento (broadening) do conceito (CARSTON, 2002CARSTON, R. Metaphor, Ad Hoc Concepts and Word Meaning. UCL Working Papers in Linguistic, v. 14, p. 83-105, 2002., 2010; WILSON; CARSTON, 2006, 2008).

Nesse novo modelo explicativo, a noção de estreitamento e alargamento/ampliação diz respeito à noção de extensão de categoria para o conceito. O modelo relevantista ampliado (SPERBER; WILSON, 2008WILSON, D.; CARSTON, R. Metaphor and the “Emergent Property” Problem: A Relevance-Theoretic Treatment. The Baltic International Yearbook of Cognition, Logic and Communication. v. 3. Kansas: New Praire Press, p. 1-40, 2008.) prevê que a extensão da categoria envolve a projeção de definir, ou pelo menos caracterizar, propriedades do conceito codificado em uma categoria mais ampla. Para Sperber e Wilson (2008WILSON, D.; CARSTON, R. Metaphor and the “Emergent Property” Problem: A Relevance-Theoretic Treatment. The Baltic International Yearbook of Cognition, Logic and Communication. v. 3. Kansas: New Praire Press, p. 1-40, 2008., p. 91), a categorização da extensão envolve estender uma palavra com um sentido relativamente preciso “para uma faixa de itens que claramente estão fora de sua denotação linguisticamente especificada, mas que compartilha algumas propriedades contextualmente relevantes com itens dentro da denotação”.12 12 No original: “[…] to a range of items that clearly fall outside its linguistically specified denotation, but that share some contextually relevant properties with items inside the denotation.”

Os autores explicam que:

No caso de estreitamento, as implicações são válidas apenas em parte da extensão do conceito codificado (por exemplo, apenas alguns temperaturas implicam doença). No caso de ampliaçao, as implicações não são apenas de itens na extensão do conceito codificado, mas também de itens contextualmente salientes que caem fora da extensão, mas que compartilham com itens dentro das propriedades de extensão que determinam essas implicações (por exemplo, andar de bicicleta é fácil não só em terrenos planos, mas também em terrenos planos).13 13 No original: “In the case of narrowing, the implications hold across only part of the extension of the encoded concept (e.g., only some temperatures imply illness). In the case of broadening, the implications hold not only of items in the extension of the encoded concept but also of contextually salient items which fall outside the extension, but which share with items inside the extension properties that determine these implications (e.g., cycling is easy not only in flat but also in flattish terrains).” (SPERBER; WILSON, 2008WILSON, D.; CARSTON, R. Metaphor and the “Emergent Property” Problem: A Relevance-Theoretic Treatment. The Baltic International Yearbook of Cognition, Logic and Communication. v. 3. Kansas: New Praire Press, p. 1-40, 2008., p. 92).

Segundo Carston (2002CARSTON, R. Metaphor, Ad Hoc Concepts and Word Meaning. UCL Working Papers in Linguistic, v. 14, p. 83-105, 2002.), o estreitamento do conceito ocorre quando uma extensão de entidades em geral designa um conjunto mais restrito de entidades e o alargamento surge quando a extensão designa um conjunto mais amplo que o conceito codificado. Para entendermos melhor essa questão, consideremos a seguinte caso: a primeira autora deste artigo é russa e, ao casar-se com um brasileiro nos anos 1980, veio morar no Brasil. Após alguns meses, em um almoço familiar, em que todos discorriam sobre uma parente do marido, ela proferiu o seguinte enunciado à mesa:

(3) Ah! A Polina é bacana, mas ela é uma galinha!

Os comensais se olharam em silêncio entre um misto de incredulidade e riso contido. Ao perceber que havia dito algo equivocado, a esposa argumentou que na Rússia o termo “galinha” se aplica metaforicamente à mulher de pouca habilidade cognitiva (‘bobinha’, ‘sem miolos’, em sentido metafórico) e que fala em demasia (‘cacareja’, em sentido metafórico). Qual foi o erro que a esposa russa cometeu? Ela realizou o estreitamento da extensão “galinha” para a categoria galinha* da cultura errada. Para a esposa russa, o enunciado era perfeitamente lógico, mas não para os brasileiros. No Brasil, o significado de “mulher galinha” está atrelado ao conceito de mulher promíscua, diferentemente do significado russo. O incidente discursivo comprova a tese amplamente aceita de que a metáfora é construída culturalmente. Para ilustrar o caso, representamos na figura 3 as categorizações brasileira e russa do conceito “galinha”.

Figura 3
Categorização russa e brasileira do conceito galinha

É interessante notar que os falantes brasileiros, principalmente os mais jovens, realizam a categorização do conceito implícito de mulher promíscua à categoria “galinha” mesmo sem ter a representação do comportamento sexual da ave14 14 Há no mínimo três ambientes de convivência das galinhas: a) em granjas de engorda ou de postura ao redor dos centros urbanos, onde, pela tipologia do agronegócio, não há galo - a fertilização das aves é induzida pela ração; b) em ambiente fechado em pequenas propriedades rurais onde geralmente um único galo cobre o plantel e c) em propriedades rurais onde os galináceos vivem soltos a campo aberto. Neste caso a proporção de galos de cobertura é em torno de 1 para 10 aves. É justamente neste último ambiente que tem origem a metáfora da mulher-galinha em ambas as culturas, porque as pessoas desde tempos remotos criavam galinhas no campo aberto muito antes de povoar as cidades. A diferença entre as metáforas nas duas culturas é que a categorização da mulher-galinha na cultua russa recai sobre o comportamento cognitivo e comunicativo da ave, enquanto que na cultura brasileira a categorização ocorre sobre o comportamento sexual, a saber: a galinha, estando exposta diariamente a inúmeros galos, fica sujeita à várias coberturas no mesmo dia por diferentes galos. . Isso significa que essa metáfora é uma metáfora viva (de uso corrente), mas que contém um significado cristalizado convencionalmente incorporado ao léxico. É curioso também que, no Brasil, a metáfora “galinha”, “galinhão” passou a se aplicar aos indivíduos de sexo masculino e a representar promiscuidade e pouco romantismo nas relações sexuais, dando origem, inclusive, ao verbo “galinhar”.

São muitos os conceitos metafóricos que estão incorporados à linguagem e fazem parte do léxico brasileiro corrente. É o caso, por exemplo, de expressões metafóricas como “dar murros em ponta de faca”, “quebrar a cara”, “pisar em ovos”, “enfiar os pés pela cabeça”, “comer o pão que o diabo amassou” e outros. As implicações inferenciais ad hoc de expressões lexicalizadas acabam por satisfazer a expectativa de relevância e o conceito da expressão é cognitivamente selecionado para o efeito do significado no contexto indicado15 15 Caso interessante recai sobre os adágios, provérbios e dizeres populares, em que as expressões metafóricas evocam ensinar, aconselhar, consolar, advertir, repreender, persuadir ou até mesmo praguejar (XATARA; SUCCI, 2008, p. 35). .

Em estudos anteriores (SANTOS; GODOY, 2020SANTOS, S. L.; GODOY, E. Efeito racional e efeito emocional: um estudo pragmático da cognição humana. Memorare. Dossiê Especial Pragmática: desenvolvimentos e extensões, Tubarão, v. 7, n. 2, maio/ago., p. 44-58, 2020., 2021), defendemos a ideia de que a atribuição de relevância no processamento cognitivo tem sucesso após a imagem mental do enunciado (holograma) passar pelo crivo da vigilância epistêmica (SPERBER et al., 2010SPERBER, D.; CLÉMENT, F.; HEINTZ, C.; MASCARO, O.; MERCIER, H.; ORIGGI, G.; WILSON, D. Epistemic vigilance. Mind and Language, v. 25, n. 4, 2010, p. 359-393.). Para as expressões metafóricas lexicalizadas, a imagem-holograma já vem pronta, o que diminui os custos inferenciais de constituição imagéticos. Neste caso, a vigilância epistêmica, numa espécie de abdução cognitiva, não impõe restrições de sentido ao holograma pré-formatado, que segue naturalmente para a consolidação do efeito e do significado.

Atribuir significado metafórico a enunciados compostos por expressões metafóricas lexicalizadas não é um problema à teoria da relevância, porque a categorização das expressões ocorre sobre as propriedades lógico-semânticas proposicionais dos enunciados - afinal os enunciados alcançam relevância aos produzir efeitos cognitivos. No entanto, atribuir relevância e interpretar metáforas criativas, cujos conceitos metafóricos são categorizados ad hoc, é um processo que merece ser mais bem explicado.

4 METÁFORAS CRIATIVAS AD HOC

O tratamento da metáfora pela categorização de conceitos ad hoc ou de estruturas lexicalizadas16 16 É recorrente expressões como “congeladas”, “cristalizadas”, “mortas” ou “convencionais” para as metáforas de estruturas lexicalizadas, como os exemplos (1) e (3). Também é recorrente o uso da expressão “vivas” para metáforas como “A conta de energia elétrica ficou salgada” e do termo “criativas” para metáforas como os exemplos (6) e (8) adiante. Além disso, há uma taxonomia própria sobre a estruturação da metáfora “A é B”, como “categórica”, “assertiva” ou “conceitual”. parece estar bem delineado pelas teorias da metáfora. No entanto, estudos recentes (SPERBER; WILSON, 2008WILSON, D.; CARSTON, R. Metaphor and the “Emergent Property” Problem: A Relevance-Theoretic Treatment. The Baltic International Yearbook of Cognition, Logic and Communication. v. 3. Kansas: New Praire Press, p. 1-40, 2008.; WILSON; CARSTON, 2006, 2008; ROMERO; SORIA, 2014ROMERO, E.; SORIA, B. Relevance Theory and Metaphor. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 14, n. 3, p. 489-509, set./dez. 2014., entre outros) apontam que casos mais complexos de interpretação metafórica, como o caso da metáfora altamente criativa, carecem maiores e melhores explicações. Para discorrermos sobre essa questão, vejamos a resposta que o presidente russo Vladmir Putin fornece a uma pergunta de uma jornalista russa numa entrevista coletiva realizada em Moscou em 7 de fevereiro de 2022, ocasião em que estava presente o presidente da França Emanoel Macron.

JORNALISTA: Se me permitir, eu gostaria de voltar ao tema das garantias de segurança. O Sr. o mencionou, mas surge a impressão de que, depois da resposta da OTAN e de Washington sobre as propostas da Rússia, esse tema foi silenciado.

E eu gostaria também de voltar a suas palavras: o Sr. mencionou um dos argumentos, que trazem nossos parceiros a respeito da Aliança, quanto a seu caráter pacífico. Eu lembraria também o argumento de que a OTAN não é uma organização militar, mas política. E mais um argumento: as decisões na OTAN, são tomadas em consenso, portanto, visto que vários membros da Aliança são contra o ingresso da Ucrânia, então, isso não vai acontecer. Assim, quais são seus temores?17 17 No original: “Если позволите, я бы хотела вернуться к теме гарантий безопасности. Вы о ней упоминали, но общее впечатление складывается, что после того, как НАТО и Вашингтон дали ответ на российские предложения, про эту тему как-то умалчивают или, как у нас в России говорят, «заиграли» её. И также хотела бы вернуться к Вашим словам - Вы приводили один из аргументов, которые нам наши партнёры говорят по поводу Альянса, по поводу мирного характера. Я бы ещё напомнила такой аргумент, что НАТО - это не военная организация, а политическая. И ещё один аргумент - что решения в НАТО принимаются консенсусом, соответственно, поскольку ряд членов Альянса против вступления Украины, то этого не состоится. Как Вы к таким аргументам относитесь? Тогда в этой ситуации в чём Ваши опасения?”

VLADMIR PUTIN: No ano de 2014, chegaram [na Ucrânia] os representantes de alguns países, os países europeus assinaram [um acordo] como garantia do desenvolvimento pacífico do processo político, e - três dias depois o poder foi tomado por via armada.

Eles mesmos não cumprem nada e exigem de nós sabe Deus que cumprimentos? Não vamos brincar desse jeito, esse parquinho de diversões é ruim. Nós não gostamos dessa brincadeira.18 18 No original: “Ведь приехали в 2014 году представители нескольких стран, европейские страны поставили подписи, гарантии под мирным течением политического процесса - через три дня захватили власть вооружённым путём. Сами ничего не исполняют, а от нас требуют каких-то исполнений? Давайте так не будем играть, это плохая песочница. Нам такая игра не нравится.”

Da resposta de Putin, tomemos primeiramente a expressão metafórica “Esse parquinho de diversões é ruim” e a transcrevemos em (4):

(4) Esse parquinho de diversões é ruim.

Na metáfora criativa (conceito metafórico não lexicalizado) o significado metafórico sempre requisita a projeção de um conceito de natureza provisória específico de ocasião (ad hoc). No caso de (4), a interpretação evoca a contextualização geopolítica do leste europeu, onde a OTAN19 19 A OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) é uma aliança militar criada em 1949 e constitui um sistema de defesa coletiva dos seus autais 30 países membros. flertava com a Ucrânia, uma ex-república soviética, situação que preocupava a Putin pelo fato de que, caso a Ucrânia ingressasse na OTAN as armas modernas, inclusive as nucleares, permitiriam ataques ao território russo em pouquíssimos minutos. Dado que a expressão “parquinho de diversões” é um ato ostensivo de orientação cognitiva da jornalista, do presidente francês, do público presente e dos leitores do site, na busca por relevância e efeitos contextuais, a interpretação de (4) depende do estabelecimento de alguma relação predicativa entre o conceito “Ucrânia” e o conceito “parquinho de diversões”.

De acordo com Carston (2002CARSTON, R. Metaphor, Ad Hoc Concepts and Word Meaning. UCL Working Papers in Linguistic, v. 14, p. 83-105, 2002.), Wilson e Carston (2006WILSON, D.; CARSTON, R. Metaphor, Relevance and the “Emergent Property” Issue. Mind and Language, v. 21, n. 3, 2006, p. 404-433., 2008), propriedades lógicas do país “Ucrânia” devem correlacionar-se com propriedades lógicas de “parquinho de diversões” de modo que se estabeleça uma relação de implicações de propriedades lógicas semelhantes entre ambos os conceitos, relação essa que vai implicar novas propriedades lógicas para o conceito “parquinho de diversões”. No nível metafórico, são essas propriedades semelhantes logicamente implicadas ad hoc que estabelecem a relação metafórica entre o conceito “Ucrânia/país vizinho” e o conceito “parquinho de diversões”20 20 As metáforas congeladas perdem o poder de despertar associações de propriedades entre os conceitos. Por exemplo: defesa de tese, pano de fundo, pulo do gato, chuva de prata, espaços mentais, etc. .

Wilson e Carston (2008WILSON, D.; CARSTON, R. Metaphor and the “Emergent Property” Problem: A Relevance-Theoretic Treatment. The Baltic International Yearbook of Cognition, Logic and Communication. v. 3. Kansas: New Praire Press, p. 1-40, 2008., p. 1) chamam tais propriedades lógicas de propriedades emergentes. As autoras argumentam que as propriedades emergentes “não são nem padrão associado aos constituintes individuais do enunciado isoladamente, nem derivável por regras padrão de composição semântica”21 21 No original: “[…] are neither standardly associated with the individual constituents of the utterance in isolation nor derivable by standard rules of semantic composition”. , isto é, as propriedades lógicas emergem no decurso da interpretação metafórica a partir dos conceitos codificados nos enunciados.

A questão das propriedades emergentes é tratada por Gentner e Bowdle (2008GENTNER, D.; BOWDLE, B. F. Metaphor as Structure-Mapping. In: GIBBS, Raymond W (ed.). The Cambridge Handbook of Metaphor and Thought. Cambridge: Cambridge U. P., 2008. p. 109-128.) como mapeamentos de estrutura estendida entre domínios. De acordo com Romero e Soria,

Na abordagem de mapeamento, uma metáfora liga cognitivamente dois domínios separados, usando a linguagem apropriada a um deles como uma lente através da qual se observa o outro e apenas itens pertencentes ao domínio alvo são incluídos na denotação do conceito ad hoc que resulta do ajuste pragmático. Quando uma metáfora é interpretada, são identificados pelo menos dois conceitos representados por dois domínios. Um dos conceitos é o tópico sobre o qual estamos falando e é representado pelo domínio de destino. O outro diz respeito ao que atribuímos ao tópico e é representado pelo domínio de origem, o domínio ao qual pertencem os termos que constituem o veículo metafórico (ROMERO; SORIA, 2014ROMERO, E.; SORIA, B. Relevance Theory and Metaphor. Linguagem em (Dis)curso, Tubarão, v. 14, n. 3, p. 489-509, set./dez. 2014., p. 12).22 22 No original: “In the mapping approach, a metaphor cognitively links two separate domains, by using the language appropriate to one of them as a lens through which to observe the other and only items belonging to the target domain are included in the denotation of the ad hoc concept that results from the pragmatic adjustment. When a metaphor is interpreted, at least two concepts represented by two domains are identified. One of the concepts is the topic we are talking about and is represented by the target domain. The other concerns what we attribute to the topic and is represented by the source domain, the domain to which the terms that constitute the metaphorical vehicle belong.”

Denotamos do conteúdo proposicional da metáfora (5) a seguinte implicatura:

(5) A Ucrânia é o parquinho de diversões (perigosas) da OTAN.

Para Putin, isso é uma “brincadeira” ruim, um “parquinho de diversões” ruim: “comprometem-se e não cumprem as promessas” (e assim ameaçam a paz na Rússia).

Veja-se, contudo, que essa premissa não contém a implicação última da resposta de Putin. Para catalisar o significado de Putin, o enunciado (5) deve ser correlacionado ao enunciado metafórico anterior para que se estabeleça um novo mapeamento com novas propriedades lógicas (GENTNER; BOWDLE, 2008GENTNER, D.; BOWDLE, B. F. Metaphor as Structure-Mapping. In: GIBBS, Raymond W (ed.). The Cambridge Handbook of Metaphor and Thought. Cambridge: Cambridge U. P., 2008. p. 109-128.) do novo conceito; e, então, para ser derivada uma (nova) implicação significativa.

Juntemos os dois enunciados metafóricos de Putin:

(6) Não vamos brincar desse jeito, esse parquinho de diversões perigosas é ruim.

No contexto geopolítico, a correlação de propriedades lógicas do conceito “brincar” e do conceito “parquinho de diversões” leva à derivação ad hoc da seguinte implicatura da resposta de Putin:

(7) A OTAN flertar com a Ucrânia afronta nossos interesses. Se vocês (OTAN) continuarem a interferir nos nossos interesses, não será bom para vocês.

Esta é a implicatura que Putin ostensivamente comunicou na entrevista do dia 7 de fevereiro. Ela foi comunicada implicitamente por ostensão metafórica para produzir efeitos contextuais (informativos) relevantes à jornalista e aos presentes na entrevista coletiva. Putin usou essa metáfora porque ela intensifica enfaticamente sua intenção informativa e aumenta os efeitos contextuais. Destarte, presumimos que a metáfora (6) “Não vamos brincar desse jeito, esse parquinho de diversões perigosas é ruim” atua como gatilho ostensivo ad hoc ao intensificar enfaticamente a intenção informativa do presidente russo. Em suma: a metáfora é o gatilho ostensivo para o efeito.

De acordo com Sperber e Wilson (2008WILSON, D.; CARSTON, R. Metaphor and the “Emergent Property” Problem: A Relevance-Theoretic Treatment. The Baltic International Yearbook of Cognition, Logic and Communication. v. 3. Kansas: New Praire Press, p. 1-40, 2008.), embora as metáforas não sejam necessárias nem suficientes para a criação de efeitos enfáticos, elas são construções linguísticas particularmente mais adequadas para este fim por pelo menos duas razões: a) aumentam os efeitos contextuais e b) intensificam uma intenção informativa. De acordo com os autores (2008, p. 102), os conceitos ad hoc construídos com base na maioria dos termos metafóricos “são genuinamente ad hoc: ou seja, eles são ajustados às circunstâncias precisas de seu uso e são, portanto, improváveis ​​de serem parafraseáveis por uma expressão de linguagem comum”23 23 No original: “[…] are genuinely ad hoc: that is, they are adjusted to the precise circumstances of their use and are therefore unlikely to be paraphrasable by an ordinary language expression.” .

É igualmente interessante destacar que a metáfora (6) de Putin, além de produzir efeitos informativos relevantes derivados da implicatura (7), também produz efeitos contextuais emocionais, afinal, quem ficaria tranquilo diante da presunção de uma ameaça tão ostensiva? Em “Efeito racional e efeito emocional: um estudo pragmático da cognição humana” (SANTOS; GODOY, 2020SANTOS, S. L.; GODOY, E. Efeito racional e efeito emocional: um estudo pragmático da cognição humana. Memorare. Dossiê Especial Pragmática: desenvolvimentos e extensões, Tubarão, v. 7, n. 2, maio/ago., p. 44-58, 2020.) e “Arquitetura do processamento cognitivo: efeito racional e efeito emocional” (SANTOS; GODOY, 2021), demonstramos que certos enunciados, mas não todos, produzem tanto efeitos informativos quanto emocionais e esse parece ser o caso da metáfora (6).24 24 Pradeep Sopory (2005) aborda a afetividade da metáfora pela perspectiva linguística apenas. Zoltán Kövecses (2008), por sua vez, contrasta as emoções amor e raiva a partir da teoria da metáfora conceitual. Ambos os estudiosos não se alinham à perspectiva cognitivista relevantista. No nível pré-emocional, o efeito informativo disparado pela implicatura (7) gera nos interlocutores o efeito emocional “mal-estar/desconforto” que dispara duas emoções básicas, raiva e medo25 25 Sobre a emoção medo, a exemplo da que foi disparada pela metáfora (6), os noticiários jornalísticos geralmente apelam aos sentimentos positivos e negativos para produzir efeitos contextuais. Apelar às emoções negativas é mais simples e eficiente, porque estas obedecem menos ao autocontrole. Assim, as notícias utilizam metáforas para provocar medo. , as quais culminam nos sentimentos irritação/aborrecimento e ameaça/intimidação, respectivamente. Enquanto as pré-emoções e emoções básicas são flashes comportamentais corporais, os sentimentos podem perdurar uma vida toda. Mais: a metáfora (6) gera a imagem-holograma infantil (SANTOS; GODOY, 2020, 2021) de uma criancinha entre outras criancinhas brigando pelo baldinho de areia, pela bola ou o pelo balanço no parquinho que contrasta com a imagem-holograma adulta, séria, de Putin, diante da ameaça a seu país. Não podemos assegurar se a jornalista, o presidente francês, o público presente à coletiva e os leitores do site interpretaram a metáfora de Putin exatamente do mesmo modo que descrevemos aqui. O fato é que no dia 24 de fevereiro de 2022 a Rússia invadiu a Ucrânia.

Os estudos da metáfora pela perspectiva cognitiva têm avançado substancialmente e a cada dia surgem novas abordagens sejam sobre a categorização de classes, sejam sobre o mapeamento de domínios, sobre itens lexicais ou sobre as propriedades lógicas. No entanto, ainda não está bem delineado o tratamento de quando a metáfora criativa estreita a extensão categorial para um subconjunto restrito de indivíduos ou que esse subconjunto contenha um único elemento na categoria. Neste caso, aparentemente, a presunção e o princípio de relevância falham. Para entendermos melhor essa questão, consideremos o seguinte caso: o segundo autor deste artigo vive em um sítio no interior do Paraná e, certo dia, seu filho ao saber que o pai pretendia ir para a cidade, indagou-lhe:

(8) FILHO: Você vai passar na casa do senhor? (O pai olhou fixamente o filho e deteve-se por alguns segundos. O filho, vendo que o pai não entendeu sua pergunta, com um sorriso irônico26 26 Embora não seja nosso objetivo neste estudo, destacamos que a metáfora é um recurso bastante usual para produzir efeitos humorísticos. , emendou):

(9) FILHO: Na Casa do Criador, pai27 27 “Casa do criador” é uma loja agropecuária na cidade de Rebouças, interior do Paraná. !

(10) PAI (Entre sorriso): Vou sim. Por quê?

(11) FILHO: Preciso comprar uma bota.

Por que o pai não entendeu o enunciado metafórico do filho? Por vários motivos. Primeiramente, a cognição do pai estava presa às coisas mundanas do sítio e não acessou o contexto religioso, processo que impossibilitou o acesso às entradas enciclopédicas Senhor* e Criador*. Em segundo lugar, decorrente do fato anterior, o pai não conseguiu categorizar o conceito Senhor*28 28 Na modalidade escrita da Língua Portuguesa está convencionado a grafia “Senhor” com inicial maiúscula para categorizar “Deus”. No entanto, no contexto oral ad hoc em que o enunciado (8) foi pronunciado não havia qualquer convenção fonético-fonológica que pudesse ser suficientemente relevante para garantir a presunção de relevância ótima à categoria religiosa. implicado intencionalmente pelo filho no conceito codificado “senhor” da extensão “criador29 29 Na tradição judaico-cristã, “Deus é o Senhor Criador” do Universo. Para efeitos categoriais, neste estudo desconsideramos o dogma cristão que Deus é uno e trino formado pelo Pai, pelo Filho e pelo Espírito Santo. ”. Em outras palavras: o pai não conseguiu estreitar o conceito Senhor* do subconjunto “senhor” e nem alargar o conceito Senhor* do subconjunto Criador*. Em terceiro lugar, ele não conseguiu parear as propriedade lógicas emergentes do conceito “senhor” com as propriedade lógicas do conceito Senhor* nos respectivos domínios. Em quarto lugar, a memória dedutiva não gerou a imagem-holograma (SANTOS; GODOY, 2020SANTOS, S. L.; GODOY, E. Efeito racional e efeito emocional: um estudo pragmático da cognição humana. Memorare. Dossiê Especial Pragmática: desenvolvimentos e extensões, Tubarão, v. 7, n. 2, maio/ago., p. 44-58, 2020., 2021) para o conceito Senhor*. Em quinto lugar, como o ser humano não pode se recusar a interpretar e entender enunciados comunicados inferencialmente, porque o processamento da linguagem é automático, sem controle consciente e não pode ser desligado, o sistema dedutivo do pai entrou em loop e só foi “resetado” pela intervenção do filho. Em sexto lugar, considerando-se que a mente humana leva em torno de 200 milésimos de segundos para processar uma informação (KLIMCHAC, 2009), os poucos segundos (em torno de três segundos) que o pai dedicou a processar a informação metafórica, que só foram interrompidos pela intervenção do filho, é cerca de quinze vezes maior que o tempo médio de processamento de informações. Ou seja, o pai levou quinze vezes o tempo normal de processamento e não conseguiu interpretar a metáfora. Isso significa que a presunção e o princípio de relevância falharam no caso desta metáfora criativa. O enunciado do filho não foi suficientemente relevante, embora o pai tenha dedicado esforço para interpretá-lo a ponto de modificar, confirmar ou refutar alguma informação no ambiente cognitivo. Destarte, em sétimo lugar, como o custo cognitivo de processamento ficou demasiado alto, o enunciado não gerou nenhum efeito informativo.

Segundo Sperber e Wilson (2008WILSON, D.; CARSTON, R. Metaphor and the “Emergent Property” Problem: A Relevance-Theoretic Treatment. The Baltic International Yearbook of Cognition, Logic and Communication. v. 3. Kansas: New Praire Press, p. 1-40, 2008., p. 102), metáfora como (8):

[...] deve ajudar a esclarecer como e por que as metáforas são de fato, particularmente propensas a alcançar relevância ideal por meio da criação de efeitos: o esforço necessário para a construção do conceito ad hoc exige efeitos de correspondência, e dada a liberdade deixada ao intérprete no processo de construção, estes efeitos dificilmente consistirão em apenas algumas implicações fortemente implicadas. Isto significa que a construção do conceito sistematicamente exije mais esforço no caso de metáforas.30 30 No original: “[…] should help to clarify how and why metaphors are indeed particularly likely to achieve optimal relevance through the creation of poetic effects: the effort required for ad hoc concept construction calls for matching effects, and given the freedom left to the interpreter in the construction process, these effects are unlikely to consist in just a few strongly implicated strong implications. It is not that concept construction systematically demands more effort in the case of metaphors.”

A falha da presunção e do princípio da relevância na interpretação da metáfora (8) é um caso-limite da teoria da relevância, posto que, de acordo com Sperber e Wilson (1995SPERBER, D.; WILSON, D. Relevance: communication and cognition. 2nd. ed. Cambridge: Harvard University Press. 1995.) ambos os conceitos são heurísticas imprescindíveis à comunicação humana. Sobre a ótica relevantista, a comunicação entre pai e filho não se efetivou na metáfora (8). Vale reiterar que somente após o filho enunciar (9) é que a interpretação metafórica informativa do pai sobre (8) fluiu naturalmente, isto é, somente após a interpretação literal/natural de (9) é que o pai conseguiu atribuir relevância à expressão metafórica (8). Embora os efeitos metafóricos em (8) tenham sido produzidos a partir da interpretação literal de (9), esse processo destoa da corrente de estudiosos que defende a interpretação metafórica a partir da literalidade31 31 Para Searle (1993), por exemplo, metáforas são comparações implícitas. .

Interessante destacar que, assim como a metáfora (6), a metáfora (8), além de produzir efeitos informativos, também gera efeitos emocionais. No custoso processamento do pai sobre (8), a Forma Lógica do enunciado (construto proposicional das propriedades lógicas no nível explícito (desambiguação) e implícito (complementação inferencial) do código linguístico) dispara no nível das pré-emoções (SANTOS; GODOY, 2020SANTOS, S. L.; GODOY, E. Efeito racional e efeito emocional: um estudo pragmático da cognição humana. Memorare. Dossiê Especial Pragmática: desenvolvimentos e extensões, Tubarão, v. 7, n. 2, maio/ago., p. 44-58, 2020., 2021) o efeito “mal-estar/desconforto”. Esse efeito dispara o sentimento raiva, que evolui para o sentimento irritação/aborrecimento. No entanto, no instante em que o filho enuncia (9), há a transição do efeito “mal-estar” para o efeito “bem-estar” do pai. Esse processamento gera a emoção básica “alegria”, que evolui para os sentimentos “satisafação/contentamento” e “felicidade”.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Na tradição que define a metáfora por classes categoriais, um conceito metafórico categorial se caracteriza em função de outra classe categorial. A relação metafórica realiza o estreitamento ou o alargamento do subconjunto do conceito metafórico a partir do conjunto de conceitos semânticos naturais (literais). Essa perspectiva de definição da metáfora por categorias é muito usada nos estudos de metáforas lexicalizadas, do tipo “A Polina é uma galinha”.

Quanto às metáforas criadas em contextos de ocasião, como os enunciados (6) e (8), o efeito metafórico é construido sobre as propriedades lógicas das categoriais conceituais cognitivamente disponíveis ad hoc para o discurso dos interlocutores. Para as metáforas que requerem propriedades lógicas de conceitos pertencentes ao conjunto e subconjunto que categorizam conceitos amplos, como “Não vamos brincar desse jeito, esse parquinho de diversões perigosas é ruim”, a presunção e o princípio de relevância são bastante produtivos. O efeito contextual informativo e emotivo ocorrem naturalmente. Já, quando o subconjunto de conceitos é restrito a um referente na categoria, como na metáfora criativa ad hoc “Você vai passar na casa do senhor?”, o princípio de relevância falha, e o disparo do efeito informativo e emotivo não ocorre. Enfatizamos que, em ambos os casos, (6) e (8), há incompatibilidade entre os contextos ad hoc. Em (6), se justapõe o contexto infantil sobre o contexto adulto de Putin (autoimagem). Em (8), há a justaposição do contexto mundano do pai sobre o contexto religioso evocado pelo filho.

Por isso, de acordo com este estudo, a metáfora cumpre duas funções discursivas: ela a) funciona como estratégia ostensiva de implicação da intenção informativa do locutor e b) produz tanto efeitos informativos como efeitos emocionais.

Na perspectiva de quem a produz, a metáfora é o recurso linguístico usado pelo locutor sobre conceitos literais/concretos de categorias distintas que, em contextos ad hoc, guia ostensivamente uma intenção informativa/emotiva. Na perspectiva de quem a interpreta, a metáfora é um construto cognitivo (heurística) de categorização abstrata sobre propriedades lógicas de conceitos distintos que, na relação metafórica, partilham propriedades lógicas semelhantes. Nossa conclusão é que, em sintonia com a perspectiva relevantista, a metáfora integra a linguagem natural e não comunica implicaturas fortes, mas um conjunto de implicaturas fracas32 32 Implicaturas fracas dizem respeito à plausibilidade de verdade dos enunciados. Segundo a teoria da relevância, para os casos em que o locutor não sabe nem é capaz de prever quais implicaturas o interlocutor interpretará, a verdade a ser considerada é plausivelmente muito fraca. , uma vez que ela guia e é naturalmente guiada pelo princípio de relevância, que presume o acréscimo de benefícios cognitivos contextuais ao efeito.

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    » http://kremlin.ru/events/president/news/67735
  • 1
    Adotamos o (*) para designar o termo metafórico de uma expressão metafórica.
  • 2
    O termo “protótipo” aparece pela primeira vez em 1973, no artigo de Rosch Natural Categories, que contém doze experimentos sobre a categorização de protótipos.
  • 3
    Salvo indicação, todas as traduções são de nsosa responsabilidade. No original: “Thus, prototypes of categories appear to follow the same principles as basic categories. Prototypes appear to be just those members of a category which most reflect the redundancy structure of the category as a whole. Categories form to maximize the information-rich clusters of attributes in the environment and, thus, the cue validity of the attributes of categories. Prototypes of categories appear to form in such a manner as to maximize the clusters and cue validity within categories.”
  • 4
    No original: “[…] contains properties of the instances relevant to the goal the category serves.”
  • 5
    Ivor Alexandre Richards (1950RICHARDS, I. A. The philosophy of Rhetoric. 2. ed. New York: Oxford University Press. 1950.) criou uma taxonomia sobre a estruturação da metáfora. Termos como “tópico”, “veículo”, “base” e “tensão” ainda são amplamente difundidos e utilizados pelos estudiosos da metáfora. Por questões paradigmáticas não usaremos neste artigo a taxonomia de Richards.
  • 6
    No original: “Metaphors are not understood by transforming them into similes. Instead, they are intended as class-inclusion statements and are understood as such. When metaphors are expressed as comparisons (i.e., as similes), then they are interpreted as implicit category statements, rather than the other way around.”
  • 7
    Em Curitiba é bastante corrente a expressão “piá de prédio” em alusão aos meninos que vivem encerrados em apartamentos. O termo é usado pejorativamente para qualificar os meninos que têm pouca habilidade com as atividades esportivas.
  • 8
    Reconhecemos também que o conceito “gato” nessa metáfora categoriza ainda uma terceira classe (atualmente em desuso) para gato**: a do indivíduo humano ladrão, larápio, gatuno. Como a categoria gato* é mais recorrente, esta terceira opção é menos manifesta ao interlocutor e, portanto, não a consideraremos nesta análise.
  • 9
    No original: “[...] are understood as quickly as comparable literal expressions, and understanding metaphors is not dependent on a literal meaning to be unacceptable in context. Like any linguistic expression, metaphors are processed automatically and in parallel with any literal meanings that may be available” (p. 16).
  • 10
    No original: “[…] metaphorical interpretations are arrived at in exactly the same way as these other interpretations. There is no mechanism specific to metaphor, no interesting generalisation that applies only to them. In other terms, linguistic metaphors are not a natural kind, and “metaphor” is not a theoretically important notion in the study of verbal communication. Relevance Theory’s account of metaphor is on the lean side, and is bound to disappoint those who feel that verbal metaphor deserves a full-fledged theory of its own, or should be at the centre of a wider theory of language, or even of thought.”
  • 11
    No original: “[…] metaphors are not exceptional, and that the linguistic content of all utterances, even those that are literally understood, vastly underdetermines their interpretation.”
  • 12
    No original: “[…] to a range of items that clearly fall outside its linguistically specified denotation, but that share some contextually relevant properties with items inside the denotation.”
  • 13
    No original: “In the case of narrowing, the implications hold across only part of the extension of the encoded concept (e.g., only some temperatures imply illness). In the case of broadening, the implications hold not only of items in the extension of the encoded concept but also of contextually salient items which fall outside the extension, but which share with items inside the extension properties that determine these implications (e.g., cycling is easy not only in flat but also in flattish terrains).”
  • 14
    Há no mínimo três ambientes de convivência das galinhas: a) em granjas de engorda ou de postura ao redor dos centros urbanos, onde, pela tipologia do agronegócio, não há galo - a fertilização das aves é induzida pela ração; b) em ambiente fechado em pequenas propriedades rurais onde geralmente um único galo cobre o plantel e c) em propriedades rurais onde os galináceos vivem soltos a campo aberto. Neste caso a proporção de galos de cobertura é em torno de 1 para 10 aves. É justamente neste último ambiente que tem origem a metáfora da mulher-galinha em ambas as culturas, porque as pessoas desde tempos remotos criavam galinhas no campo aberto muito antes de povoar as cidades. A diferença entre as metáforas nas duas culturas é que a categorização da mulher-galinha na cultua russa recai sobre o comportamento cognitivo e comunicativo da ave, enquanto que na cultura brasileira a categorização ocorre sobre o comportamento sexual, a saber: a galinha, estando exposta diariamente a inúmeros galos, fica sujeita à várias coberturas no mesmo dia por diferentes galos.
  • 15
    Caso interessante recai sobre os adágios, provérbios e dizeres populares, em que as expressões metafóricas evocam ensinar, aconselhar, consolar, advertir, repreender, persuadir ou até mesmo praguejar (XATARA; SUCCI, 2008XATARA, C. M.; SUCCI, T. M. Revisitando o conceito de provérbio. Veredas on line. Juiz de Fora: n. 1. p. 33-48, 2008., p. 35).
  • 16
    É recorrente expressões como “congeladas”, “cristalizadas”, “mortas” ou “convencionais” para as metáforas de estruturas lexicalizadas, como os exemplos (1) e (3). Também é recorrente o uso da expressão “vivas” para metáforas como “A conta de energia elétrica ficou salgada” e do termo “criativas” para metáforas como os exemplos (6) e (8) adiante. Além disso, há uma taxonomia própria sobre a estruturação da metáfora “A é B”, como “categórica”, “assertiva” ou “conceitual”.
  • 17
    No original: “Если позволите, я бы хотела вернуться к теме гарантий безопасности. Вы о ней упоминали, но общее впечатление складывается, что после того, как НАТО и Вашингтон дали ответ на российские предложения, про эту тему как-то умалчивают или, как у нас в России говорят, «заиграли» её.
    И также хотела бы вернуться к Вашим словам - Вы приводили один из аргументов, которые нам наши партнёры говорят по поводу Альянса, по поводу мирного характера. Я бы ещё напомнила такой аргумент, что НАТО - это не военная организация, а политическая. И ещё один аргумент - что решения в НАТО принимаются консенсусом, соответственно, поскольку ряд членов Альянса против вступления Украины, то этого не состоится. Как Вы к таким аргументам относитесь? Тогда в этой ситуации в чём Ваши опасения?”
  • 18
    No original: “Ведь приехали в 2014 году представители нескольких стран, европейские страны поставили подписи, гарантии под мирным течением политического процесса - через три дня захватили власть вооружённым путём.
    Сами ничего не исполняют, а от нас требуют каких-то исполнений? Давайте так не будем играть, это плохая песочница. Нам такая игра не нравится.”
  • 19
    A OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) é uma aliança militar criada em 1949 e constitui um sistema de defesa coletiva dos seus autais 30 países membros.
  • 20
    As metáforas congeladas perdem o poder de despertar associações de propriedades entre os conceitos. Por exemplo: defesa de tese, pano de fundo, pulo do gato, chuva de prata, espaços mentais, etc.
  • 21
    No original: “[…] are neither standardly associated with the individual constituents of the utterance in isolation nor derivable by standard rules of semantic composition”.
  • 22
    No original: “In the mapping approach, a metaphor cognitively links two separate domains, by using the language appropriate to one of them as a lens through which to observe the other and only items belonging to the target domain are included in the denotation of the ad hoc concept that results from the pragmatic adjustment. When a metaphor is interpreted, at least two concepts represented by two domains are identified. One of the concepts is the topic we are talking about and is represented by the target domain. The other concerns what we attribute to the topic and is represented by the source domain, the domain to which the terms that constitute the metaphorical vehicle belong.”
  • 23
    No original: “[…] are genuinely ad hoc: that is, they are adjusted to the precise circumstances of their use and are therefore unlikely to be paraphrasable by an ordinary language expression.”
  • 24
    Pradeep Sopory (2005SOPORY, P. Metaphor and Affect. Poetics Today, v. 26, n. 3. p. 433-458, 2005.) aborda a afetividade da metáfora pela perspectiva linguística apenas. Zoltán Kövecses (2008KÖVECSES, Z. Metaphor and Emotion. In: GIBBS, Raymond W (ed.). The Cambridge Handbook of Metaphor and Thought. Cambridge: Cambridge University Press, 2008, p. 380-396.), por sua vez, contrasta as emoções amor e raiva a partir da teoria da metáfora conceitual. Ambos os estudiosos não se alinham à perspectiva cognitivista relevantista.
  • 25
    Sobre a emoção medo, a exemplo da que foi disparada pela metáfora (6), os noticiários jornalísticos geralmente apelam aos sentimentos positivos e negativos para produzir efeitos contextuais. Apelar às emoções negativas é mais simples e eficiente, porque estas obedecem menos ao autocontrole. Assim, as notícias utilizam metáforas para provocar medo.
  • 26
    Embora não seja nosso objetivo neste estudo, destacamos que a metáfora é um recurso bastante usual para produzir efeitos humorísticos.
  • 27
    “Casa do criador” é uma loja agropecuária na cidade de Rebouças, interior do Paraná.
  • 28
    Na modalidade escrita da Língua Portuguesa está convencionado a grafia “Senhor” com inicial maiúscula para categorizar “Deus”. No entanto, no contexto oral ad hoc em que o enunciado (8) foi pronunciado não havia qualquer convenção fonético-fonológica que pudesse ser suficientemente relevante para garantir a presunção de relevância ótima à categoria religiosa.
  • 29
    Na tradição judaico-cristã, “Deus é o Senhor Criador” do Universo. Para efeitos categoriais, neste estudo desconsideramos o dogma cristão que Deus é uno e trino formado pelo Pai, pelo Filho e pelo Espírito Santo.
  • 30
    No original: “[…] should help to clarify how and why metaphors are indeed particularly likely to achieve optimal relevance through the creation of poetic effects: the effort required for ad hoc concept construction calls for matching effects, and given the freedom left to the interpreter in the construction process, these effects are unlikely to consist in just a few strongly implicated strong implications. It is not that concept construction systematically demands more effort in the case of metaphors.”
  • 31
    Para Searle (1993), por exemplo, metáforas são comparações implícitas.
  • 32
    Implicaturas fracas dizem respeito à plausibilidade de verdade dos enunciados. Segundo a teoria da relevância, para os casos em que o locutor não sabe nem é capaz de prever quais implicaturas o interlocutor interpretará, a verdade a ser considerada é plausivelmente muito fraca.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    21 Abr 2023
  • Data do Fascículo
    Sep-Dec 2022

Histórico

  • Recebido
    20 Jul 2022
  • Aceito
    09 Fev 2023
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