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DEMOCRACIA E GLOBALIZAÇÃO: POLÍTICAS DE PREVIDÊNCIA SOCIAL NA ARGENTINA, BRASIL E CHILE

DEMOCRACY AND GLOBALIZATION: SOCIAL SECURITY POLICIES IN ARGENTINA, BRAZIL, AND CHILE

Resumo

As mudanças nas políticas de previdência social na Argentina, Brasil e Chile são analisadas neste artigo à luz de duplo processo. Há, de um lado, a inserção desses países na economia global, levando-os a ajustar as suas estruturas econômicas e sociais à nova era de capital globalizado sob a hegemonia do ideário neoliberal. De outro, há a dinâmica dos fatores políticos internos, filtros através dos quais os ajustes exigidos para inserção se processam e são decantados em cada país, resultando, assim, em diferentes níveis de intensidade de reformas (mais ou menos radicais) ou, ao contrário, em políticas que exprimem diferentes graus de resistência aos ditames do capital financeiro.

Palavras-chave:
Previdência Social; Reformas; Democracia; Globalização; América Latina

Abstract

The changes in social security policies in Argentina, Brazil, and Chile are examined in this article through the lenses of a double process. One is the insertion of these countries in the global economy, which imposes the adjustment of their economic and social structures to the new era of globalization, following neoliberal hegemony. The other process is the dynamics of political domestic factors that are viewed as filters through which the adjustments required by globalization are processed in each country, resulting in different levels of intensity of pension reforms (more or less radicals) or in policies that express different levels of resistance to financial capital pressures.

Keywords:
Social Security; Pension Reforms; Democracy; Globalization; Latin America

A vulnerabilidade trazida pela globalização tem sido experimentada em vários países da América Latina, simultaneamente ao processo de democratização dos regimes ditatoriais aí instalados ao longo da segunda metade do século passado, situação essa que os têm levado a enfrentar um duplo desafio. De um lado, a inserção no mercado mundial torna a estabilidade econômica dependente cada vez mais dos fluxos de capitais financeiros (que se pautam pelas condições de credibilidade geradas por políticas de austeridade fiscal, muitas vezes extremadas, e por elevadas taxas de juros pagos pelos títulos da dívida pública). De outro lado, a democratização abre espaços para que os partidos e grupos organizados na sociedade pressionem por políticas governamentais voltadas à promoção do crescimento econômico, à expansão do emprego e à redução da pobreza. São os conflitos e contradições gerados por esse duplo desafio que levaram analistas a denominar de "equilíbrio delicado" a situação enfrentada pelas chamadas democracias emergentes de mercado (Sola, Kugelmas e Whitehead, 2002SOLA, L.; KUGELMAS, E; WHITEHEAD, L. (orgs.) 2002. Banco Central, autoridade política e democratização: um equilíbrio delicado. Rio de Janeiro: Ed. FGV . ).

Portanto, é fundamental analisar como cada país tem enfrentado esse desafio, ajustando-se à globalização mediante reformas efetuadas não só na área econômica, especialmente em seu sistema financeiro e nas regras de comércio externo, mas igualmente em áreas sociais aí conectadas, como a previdência social, que depende da situação fiscal e do nível de poupança pública ou privada (que sustentam seus fundos previdenciários). Como um renomado especialista na área já mencionou, as reformas previdenciárias dos anos 1990 não se orientaram pela égide do aperfeiçoamento do Welfare State ou pela expansão dos direitos (Esping-Andersen, 2003). Ao contrário, pautaram-se pela lógica fiscal de redução dos gastos públicos, formação de poupança interna e de criação de mercado de capitais, ou seja, por necessidades decorrentes da inserção dos países na economia global e de sua subordinação ao capital financeiro internacional. É expressivo dessas exigências macroeconômicas o papel desempenhado por um órgão como o Banco Mundial na promoção e difusão de reformas previdenciárias pelo mundo todo (Madrid, 2003MADRID, R. 2003. Política e economia nas privatizações da previdência na América Latina. In: COELHO, V. S. (org.). A reforma da previdência social na América Latina . Rio de Janeiro: Ed. FGV .).

Assim, analisam-se aqui as mudanças ocorridas nas políticas de previdência social na Argentina, Chile e Brasil, à luz de seus diferentes processos de democratização, iniciados a partir dos anos 1980, e dos efeitos de sua inserção na economia global, ou seja, no contexto de maior ou menor subordinação desses países ao capital financeiro internacionalizado1 1 Como já indicado, "a decisão norte-americana de romper com o acordo de Bretton-Woods e de desregular seus mercados financeiros, tomada na década de 1970, junto com a Inglaterra, provocou um efeito em cadeia nos demais mercados do mundo capitalista, desencadeando um intenso processo de liberalização e globalização financeira, e uma enorme concentração de riqueza líquida mundial, nas mãos dos bancos e instituições afins. Esse processo de 'financeirização' da riqueza capitalista se repetiu em todos os níveis e em todos os mercados nacionais, promovendo uma forte convergência dos interesses da finança em todo o mundo. Mas essa convergência não homogeneizou o poder dos bancos e dos mercados [... ]. Os bancos centrais e as grandes instituições financeiras privadas que lideram este processo e que detêm um poder real de coerção sobre a política econômica dos estados nacionais têm nome e sobrenome anglo-saxão" (Fiori, 2014, p. 73; grifos meus). Sobre o mesmo processo, ver também Belluzzo (2009). .

Essa abordagem não é nova na ampla literatura existente sobre o tema na América Latina2 2 2 Dentre as publicações importantes sobre o tema no Brasil, destaca-se o volume organizado por Vera Schattan Coelho (2003), A reforma da previdência social na América Latina, no qual diferentes pesquisadores analisam as características e os determinantes das reformas previdenciárias dos anos 1990 na região. Para um amplo panorama analítico desses processos reformistas, entre 1981 e 2001, ver também a coletânea organizada por Carmelo Mesa-Lago (2007b). . De fato, nos numerosos estudos de caso são elencados como determinantes das reformas liberais dos anos 1990 não só fatores de ordem político-institucional - como a concentração de poder no Executivo ou o controle do Congresso por parte do partido ou coalizão governista (Coelho, 2003______. 2003. Uma perspectiva transatlântica da política de privatização latino-americana. In: COELHO, V. S. (org.). A reforma da previdência social na América Latina. Rio de Janeiro: Ed. FGV.; Mesa-Lago e Müller, 2003MESA-LAGO, C.; MÜLLER, K. 2003. Política e reforma da previdência na América Latina. In: COELHO, V. S. (org.). A reforma da previdência social na América Latina . Rio de Janeiro: Ed. FGV .; Kay, 2003KAY, S. 2003. Privatizações inesperadas: política e reforma da previdência social no Cone Sul. In: COELHO, V. S. (org.). A reforma da previdência social na América Latina . Rio de Janeiro: Ed. FGV .) -, mas igualmente fatores macroeconômicos relacionados aos impactos da liberalização dos fluxos de capital estrangeiro sobre os países em desenvolvimento (Brooks, 2003BROOKS, S. 2003. Proteção social e integração econômica - a política da reforma previdenciária na era da mobilidade do capital. In: COELHO, V. S. (org.). A reforma da previdência social na América Latina. Rio de Janeiro: Ed. FGV.)3 3 3 Cita-se, por exemplo, a seguinte análise: "a liberalização de controles de capital e a desregulamentação dos mercados de títulos no início dos anos 1990 provocaram uma mudança considerável na qualidade e quantidade dos fluxos de capital para os países em desenvolvimento. À medida que o lastro tradicional de empréstimos oficiais de longo prazo e investimentos diretos deu lugar a fontes mais voláteis e de curto prazo do capital privado, os governos de países com escassez de capital tornaram-se cada vez mais vulneráveis à ameaça de fuga de capital [encontrando, assim, ] fortes incentivos para aumentar a poupança interna [... ]. [Assim] a privatização da previdência chamou a atenção internacional tanto como um meio de desenvolver a acumulação interna de capital quanto como um sinal decisivo do compromisso de um governo com reformas voltadas para o mercado" (Brooks, 2003, pp. 196-97). . O que particulariza o presente trabalho é seu foco na análise mais longitudinal, percorrendo a trajetória das políticas previdenciárias nos três países, em período que vai da crise da dívida externa de 1982 até o momento atual, marcado pela intensificação das contradições existentes entre globalização e democratização.

De forma mais concreta, as oscilações da política da previdência social ocorridas nos três países, desde as últimas décadas do século passado, são vistas analiticamente como expressão da forma diferencial com que os vários governos puderam se pautar diante do capital financeiro globalizado, com maior ou menor subordinação a seus ditames, em função do estado da luta entre as forças políticas internas, dos interesses dos grupos vencedores e das possibilidades ou limites de seus respectivos sistemas institucionais.

A conexão entre políticas de previdência social e globalização sustenta-se na ideia de que a globalização não é um fenômeno dado e exterior ao Estado nacional e às suas instituições, mas construído historicamente por cada país, por processos que, embora globais, não ocorrem necessariamente no nível global, e, sim, em cenários nacionais, ou até subnacionais4 4 4 Como Saskia Sassen (2010, p. 9) afirmou, ao enfrentar os desafios teóricos e metodológicos postos às ciências sociais pelos processos transnacionais, a globalização deve ser entendida "não apenas em termos de interdependência e instituições globais, mas também como algo que habita o nacional". . Em outras palavras, se a globalização - entendida como a dominância dos capitais financeiros internacionais - pode, por um lado, ser tomada como um determinante estrutural, por outro lado não se deve esquecer que os atores políticos nacionais têm possibilidades de escolhas, seja submetendo-se aos ditames da finança internacional ou, ao contrário, desenvolvendo estratégias de contraposição a ela. Portanto, aos governantes nacionais cabem ações políticas e responsabilidades coletivas que não estão inteiramente submetidas às forças de um destino inexorável.

Do ponto de vista metodológico, a análise da inserção desses países na economia global toma como referência os seguintes momentos históricos: (1) a crise da dívida externa de 1982, considerada ponto de inflexão que demarca o início do que se poderia chamar de história contemporânea dos principais países latino-americanos5 5 5 "A crise enfraqueceu a ordem política e econômica dessas sociedades e inviabilizou estruturalmente que elas continuassem se desenvolvendo no padrão de relação entre o Estado, sociedade e economia imperante desde os anos 30[...] [Ela] fraturou a matriz estadocêntrica de alguns dos principais países latino-americanos, corroendo as bases materiais de operação e intervenção do Estado" (Sallum Jr., 2004, pp. 10-11). ; (2) a década de 1990, período em que os países promoveram reformas para se ajustarem à nova era de capital globalizado, sob a hegemonia do ideário neoliberal; e, por fim, (3) o período mais recente, a partir dos anos 2000, quando se intensificam as contradições desse processo, especialmente com a emergência da crise financeira internacional em curso.

Quanto aos fatores internos, eles são filtros através dos quais os ajustes exigidos pela inserção se processam e são decantados, resultando, assim, em tipos diferentes de reformas (as que alteram radicalmente os modelos anteriores e as que os alteram apenas parcialmente) ou em políticas que expressam maior ou menor resistência aos ditames do capital financeiro. Nesse sentido, a inserção de cada país à economia global se dá de diferentes formas, podendo-se falar em variedades de democracias emergentes de mercado6 6 6 A pesquisa que serviu de base a este trabalho foi apoiada pela Fapesp, através de projeto temático intitulado "Variedades de democracias emergentes de mercado: entre credibilidade econômica e legitimidade política". .

A escolha dos três países aqui enfocados justifica-se pela seguinte razão: em todos eles, a política da previdência social foi objeto de variação significativa nas orientações adotadas por seus respectivos governos, desde que a ditadura de Pinochet no Chile promoveu, de forma brutal, o primeiro experimento reformista privatizante. Na década de 1990, também Argentina e Brasil realizaram, com intensidades diferentes, processos de mudanças em seus modelos de repartição (Mesa-Lago e Müller, 2003; Coelho, 2003______. 2003. Uma perspectiva transatlântica da política de privatização latino-americana. In: COELHO, V. S. (org.). A reforma da previdência social na América Latina. Rio de Janeiro: Ed. FGV.; Madrid, 2003MADRID, R. 2003. Política e economia nas privatizações da previdência na América Latina. In: COELHO, V. S. (org.). A reforma da previdência social na América Latina . Rio de Janeiro: Ed. FGV .; Mesa-Lago, 2007aMESA-LAGO, C. 2007a. Social security in Latin America. Pension and health care reforms in the last quarter century. Latin American Research Review, v. 42, n. 2, pp. 181-201.). Todavia, mais recentemente, novas alterações foram processadas: nos anos 2000, Argentina e Chile procuraram reverter ou suavizar alguns efeitos mais perversos das reformas liberais anteriores, configurando um quadro de "reforma da reforma" (Draibe, 2011). Também em nosso país houve oscilações de movimento reformista na área da previdência social, porém, em sentido oposto ao experimentado pelos dois outros países: o processo reformista dos anos 1990 é retomado pelo governo Temer, em 2016, com propostas ainda mais radicais do que as do período anterior, procurando demonstrar comprometimento com políticas de austeridade fiscal e gerar confiança do mercado financeiro. Tais propostas resultam, como se indicará mais adiante, em ruptura com os princípios de solidariedade social e de proteção aos trabalhadores contidos na Constituição democrática de 1988.

Trajetórias nacionais em confronto

Alguns traços caracterizam um ponto de partida histórico comum aos três países aqui analisados. Além do passado colonial e dos processos de libertação nacional que não romperam com a dependência econômica externa, o acentuado elitismo político e a enorme desigualdade social, Argentina, Brasil e Chile construíram, a partir dos anos 1930, o chamado Estado nacional desenvolvimentista, compartilhando, no mesmo período, dinâmicas de crescimento econômico, urbanização e incorporação tutelada das classes trabalhadoras ao sistema político. O Estado foi o núcleo organizador da sociedade, funcionando, de um lado, como alavanca do processo de construção de um capitalismo industrial nacionalmente integrado, mas dependente do capital externo, utilizando a estratégia de substituição das exportações (com políticas protecionistas e subsídios a certos grupos privados) (Sallum Jr., 2004; Ferrer, 2006FERRER, A. 2006. A economia argentina. De suas origens ao início do século XX São Paulo: Campus-Elsevier.). O papel organizatório do Estado exprimiu-se ainda no controle da classe trabalhadora através de sindicatos atrelados ao aparato estatal e de políticas sociais que atendiam, ainda que moderadamente, suas demandas (Santos, 1979SANTOS, W. G. 1979. Cidadania e justiça. Rio de Janeiro: Campus.; Draibe, 1985DRAIBE, S. 1985. Rumos e metamorfoses. Rio de Janeiro: Paz e Terra.). Também o sistema previdenciário implantado inicialmente nesses três países apresenta muitos pontos comuns, como se indicará adiante.

A despeito desses pontos de partida comuns, a crise da dívida externa de 1982 e a forma com que cada país a enfrentou produzirão diferenciações importantes em suas trajetórias. Ou seja, a forma como cada um adotou o receituário liberal como solução para os impactos da crise da dívida configurará diferentes tipos de reforma ou políticas de previdência.

Como é bem conhecida, a crise de 1982, ao cortar os fluxos de financiamento externo, enfraqueceu a ordem econômica e política daquelas sociedades e minou estruturalmente as possibilidades de continuarem seu desenvolvimento. Ao fraturar o modelo anterior, corroendo as bases materiais de operação e intervenção do Estado, a crise e a posterior inserção desses países na economia globalizada deixaram pouco espaço para as elites governamentais reconstituírem suas economias (Sallum Jr., 2004; Ferrer, 2006FERRER, A. 2006. A economia argentina. De suas origens ao início do século XX São Paulo: Campus-Elsevier.). Portanto, exigiram mais virtude da parte de seus governantes para não se submeterem inteiramente aos ditames do chamado "mercado".

Confrontando os impactos da crise nesses países, observa-se, no aspecto econômico, que, na Argentina, ela deu continuidade ao processo de desindustrialização iniciado na década de 1970. Nesse período, configurou-se um profundo processo de regressão econômica, que deixou para trás grande parte da complexidade e diversificação do ciclo substitutivo do país. As medidas de abertura comercial e apreciação cambial acentuaram o quadro recessivo. No Chile, os impactos econômicos da crise foram também devastadores: o PIB chegou a cair 15% em 1982, conforme dados de seu Banco Central. No Brasil, mesmo com os baixos índices de crescimento econômico (que levaram à definição dos anos 1980 como década perdida), a estrutura industrial não foi desmontada. Ou seja, o processo de reestruturação adquiriu um estilo defensivo, marcado pela tendência de preservar a base produtiva herdada da industrialização substitutiva de importações (Palermo, 1998PALERMO, V. 1998. Os caminhos da reforma na Argentina e no Brasil. Lua Nova n. 45, pp. 131-62.).

Do ponto de vista político, a crise da dívida externa não abalou a ditadura chilena, enquanto na Argentina e no Brasil os regimes autoritários não resistiram à deterioração da situação econômica dos anos 1980. O fracasso militar na guerra das Malvinas e na gestão da economia marcou a transição e atuou a favor da democracia na Argentina, que se apresentava tanto como uma garantia da ordem - distante das frustrações políticas anteriores - quanto como fundadora de uma nova era. A promessa de "cem anos de democracia" só podia comover uma cidadania farta dos militares. No consenso estabelecido em 1983, o jogo democrático adquire enorme valor, os cidadãos e as elites políticas expressam grande fé em seu poder regenerativo, além de o entusiasmo com o Estado de direito e o governo da lei, a tolerância às diferenças e o respeito pelos procedimentos institucionais parecerem estender-se como um novo credo civil (Novaro, 2006NOVARO, M. 2006. Historia de la Argentina contemporánea: de Perón a Kirchner. Buenos Aires: Ensayo Edhasa., pp. 152-53). Também no Brasil, a democracia surge como solução para a situação de estagnação econômica, de inflação elevada e de incapacidade dos governos militares de alcançarem saídas para o país. Como já indicado, o modelo de substituição de importações havia se esgotado ao mesmo tempo que o regime político entrava em colapso (Sallum Jr., 2004SALLUM Júnior, B. 2004. Brasil e Argentina hoje: política e economiaBauru: Edusc.).

Os sistemas previdenciários vigentes antes da crise de 1982: breve retrospecto

Argentina, Brasil e Chile compõem o grupo de países pioneiros na implantação de sistemas de previdência social, os quais foram, por isso, denominados de mais desenvolvidos ou maduros7 7 7 Enfatizando a emergência histórica da previdência social, os estudos diferenciam três grupos de países na América Latina: os pioneiros, que iniciaram sistemas já nas primeiras décadas do século XX; os intermediários, que os estabeleceram nas décadas de 1940, sob a influência do sistema inglês e da Organização Internacional do Trabalho (OIT); e os retardatários, que só criaram regimes previdenciários nos anos 1950-60. . Além de se assemelharem do ponto de vista da estrutura administrativa - porque geridos por múltiplas instituições, em geral dotadas de autonomia legislativa e financeira, sempre com o apoio de recursos públicos -, os três sistemas também eram estratificados por grupos ocupacionais e tipos de valores de benefícios. Tal estratificação exprimia a forma pela qual os grupos mais poderosos da classe trabalhadora foram gradualmente beneficiados.

O tipo de Estado de bem-estar social adotado por esses três países foi definido como o de modelo conservador-corporativo (ou ainda meritocrático-particularista) (Esping-Andersen, 1991ESPING-ANDERSEN, G. 1991. As três economias políticas do Welfare State. Lua Nova, n. 24, pp. 85-116.). Esse modelo repousa na visão de que as pessoas devem suprir suas próprias necessidades, a partir de seu trabalho, com base no seu mérito, desempenho ocupacional ou produtividade. A política social deve apenas complementar e corrigir as distorções eventuais do mercado. Em outras palavras, os benefícios da previdência estão vinculados ao emprego, no qual tendem a coexistir distintos sistemas criados pelo Estado para segmentos específicos da classe trabalhadora (Draibe, 1993)8 8 8 Esse modelo é bastante distinto do modelo redistributivo, vigorante nas social-democracias europeias, voltado para a produção e distribuição de bens e serviços públicos fora do mercado, garantidos a todos por critérios universalistas e, portanto, como direitos sociais. Por essas razões, costuma-se denominar o modelo social-democrata como "seguridade social", diferenciando-o do conceito restrito de "seguro social" (Draibe, 1993, p. 7). Do ponto de vista técnico, os regimes previdenciários adotados na maioria dos países latino-americanos são de repartição - os mais difundidos no mundo -, porque financiados por contribuições de trabalhadores, patrões e Estado (Kay, 2003, p. 102). . A expansão dos benefícios previdenciários pela pressão de grupos mais poderosos e pelas ações populistas e corporativistas do Estado alcançou seu ápice nos anos 1950-60, período em que o crescimento econômico fundado na substituição de importações era financiado com pouca restrição orçamentária e com crescimento da dívida externa (Hujo, 1999HUJO, K. 1999. Novos paradigmas na previdência social: lições do Chile e Argentina. Planejamento e Políticas Públicas, Ipea, Brasília, v. 3, n. 19, pp. 150-88.).

As nuances entre os três países começam a aparecer quando se observa a forma política pela qual os trabalhadores foram incorporados aos benefícios previdenciários. Distinguindo três tipos de incorporação - autônoma, por meio de confrontação e por cooptação -, Abranches (1982ABRANCHES, S. 1982. The politics of social welfare development in Latin America. Rio de Janeiro: Iuperj (Série Estudos, n. 8).) afirma que, enquanto a Argentina exemplifica um caso de incorporação pela via do confronto, o Chile realiza um tipo misto, que essencialmente combina confrontação e cooptação. O Brasil é o caso limite oposto, que incorpora os trabalhadores via cooptação, sem confronto.

Na Argentina, o modelo mais geral de incorporação por confrontação assume um caráter de cooptação por parceria sob o governo Perón, na medida em que se assenta na relação entre política social e controle corporativo. Esse modelo gerava políticas sociais abrangentes, mas voltadas, como privilégios, apenas para os segmentos dos trabalhadores mais fortes do ponto de vista da organização sindical, em troca do controle estatal: o fato de pertencer a uma organização sindical era a via de acesso ao direito de cobertura pública. Com a queda de Perón, o padrão de relação dos sindicatos com o Estado entra em rota de confrontação, frustrando não só as tentativas de cooptação, mas também os ensaios de reversão liberal sob a ditadura dos anos 1970.

Até as reformas dos anos 1990, havia três caixas previdenciárias no país: a dos trabalhadores dependentes do setor privado, a dos dependentes do Estado e a dos autônomos. As Forças Armadas, os policiais, os magistrados e os funcionários provinciais e municipais permaneciam em sistemas especiais. A despeito da existência dessa segmentação, a ampla expansão dos benefícios sociais aos diferentes grupos permitiu à Argentina ter um sistema quase universal, com tendências de homogeneização e universalização. Com isso, configurou-se aí um dos modelos menos desiguais da região, tanto em termos de financiamento quanto de benefícios e cobertura (Draibe, 1993______. 1993. As políticas sociais e o neoliberalismo: as reflexões suscitadas pelas experiências latino-americanas. Revista USP, n. 17, pp. 86-101., p. 11).

No Chile, o modelo de incorporação dos trabalhadores combina confrontação e cooptação. De sua criação no início do século XX até 1970, o sistema vai da modalidade de cooptação a uma limitada incorporação autônoma. Em seguida, passa à confrontação e finalmente à exclusão com a ditadura de Pinochet (Abranches, 1982ABRANCHES, S. 1982. The politics of social welfare development in Latin America. Rio de Janeiro: Iuperj (Série Estudos, n. 8).). Ao longo do período, a expansão dos programas sociais é marcada pelas tentativas de cooptação dos trabalhadores, que, entretanto, resistem, especialmente nos momentos de polarização política. Associando tentativas de cooptação com repressão e distribuição de privilégios, o sistema chileno forjou divisões entre segmentos de empregados e operários e combinou uma trajetória de expansão vertical - criação de novos benefícios - com expansão horizontal, massificando vantagens. Antes da reforma efetuada pela ditadura, havia 35 caixas de previdência, com diferenciados planos de benefícios, que cobriam aproximadamente 75% da força de trabalho, excluindo os trabalhadores rurais e o setor informal. Todas as tentativas de unificação e homogeneização do sistema, ensaiadas pela social-democracia e pelos socialistas nas décadas de 1950-60 foram frustradas (Draibe, 1993______. 1993. As políticas sociais e o neoliberalismo: as reflexões suscitadas pelas experiências latino-americanas. Revista USP, n. 17, pp. 86-101.).

O Brasil, por sua vez, organizou a previdência social fundamentalmente via cooptação, ou seja, como privilégio legal e forma de controle corporativo. Após as primeiras legislações e organizações dos anos 1920, o sistema se expande com a incorporação dos trabalhadores, segundo o perfil ocupacional e mediante forte controle burocrático estatal dos sindicatos. O padrão de cooptação baseava-se em relações clientelistas e de trocas de favores políticos entre sindicatos, Ministério do Trabalho, institutos de aposentadorias e pensões e ainda o PTB (Partido Trabalhista Brasileiro). Essa rede de interesses impediu, durante todo o período democrático entre 1946 e 1964, a realização de qualquer projeto de unificação administrativa e financeira do sistema e a universalização dos benefícios. A unificação e universalização só vieram em 1966-67, sob o governo militar, quando o Instituto Nacional de Previdência Social (Inamps) é criado, substituindo as antigas caixas previdenciárias, e estendendo os benefícios aos trabalhadores rurais em 1971 (com o Funrural) e aos empregados domésticos em 1972 (Malloy, 1986MALLOY, J. 1986. A política da previdência social no Brasil. Rio de Janeiro: Graal.; Cohn, 1980COHN, A. 1980. Previdência social e processo político no Brasil. São Paulo: Moderna.). No início dos anos 1980, o sistema cobria mais da metade da força de trabalho e pouco mais de um terço da população total do país.

Filtros nacionais à globalização e ao receituário neoliberal: a primeira onda reformista

A reforma chilena: a mudança radical sob regime ditatorial

Segundo seus historiadores, o Chile teve um regime constitucional relativamente estável, com amplas liberdades e considerável participação política. Ao mesmo tempo, um traço particular caracterizou a política chilena a partir da segunda metade do século XX: a presença de um corpo de tecnocratas desempenhando papel de relevo na alta burocracia governamental. Já nos governos de Eduardo Frei (1964-70) e de Salvador Allende (1970-73), a "tecnocratização" do processo decisório esteve relacionada à expansão das agências estatais e da ação econômica do governo e à modernização do sistema administrativo público (Stallings, 1990STALLINGS, B. 1990. Politics and economic crisis: a comparative study of Chile, Peru and Colombia. In: NELSON, J. (ed.). Economic crisis and policy choice: the politics of adjustment in the Third World. Princeton: Princeton University Press.; Markoff e Montecinos, 1993MARKOFF, J.; MONTECINOS, V. 1993. The ubiquitous rise of economists. Journal of Public Policy v. 13, n. 1, pp. 37-68.).

Contudo, foi o fechamento do processo político e da luta partidária, durante a ditadura militar, que gerou maior espaço no poder para os técnicos, especialmente os chamados Chicago boys, economistas formados na Universidade de Chicago sob a orientação liberal de Milton Friedman. Esse grupo foi responsável pela formulação e execução das políticas econômicas durante todo o governo Pinochet e, em particular, pela reforma da previdência social, ainda nos anos 19809 9 9 A ideia orientadora era a de que os programas sociais não poderiam entrar em choque com o crescimento econômico, e o Estado deveria concentrar sua atenção apenas nos setores de baixa renda, com mínimo envolvimento na administração e implementação dos programas sociais. Segundo palavras de Büchi, Ministro das Finanças na época: "Nada mais patético do que programas sociais que encorajam o parasitismo social" (apud Castiglioni, 2003, p. 90). . Se as mudanças foram implantadas mesmo antes da eclosão da crise de 1982, que também aí gerou situação de grande recessão econômica, foi obviamente a situação política de ditadura e violenta repressão que transformou o Chile no primeiro país latino-americano a adotar as políticas liberais no continente e tornar a área previdenciária um campo de experimentação para o receituário privatizante.

A reforma foi realizada por um grupo de economistas monetaristas, formados nos Estados Unidos, sob a liderança de José Piñera. À frente do Ministério do Trabalho, eles elaboraram o projeto que serviu de base para o decreto de Pinochet, de 197910 10 10 Logo após a instalação da ditadura, os economistas neoliberais já haviam proposto a reforma da previdência, mas encontraram forte oposição por parte de um dos membros da junta militar, general Leigh. Somente depois que Pinochet consolidou seu poder, com a exoneração de Leigh, é que a equipe econômica conseguiu levar adiante tal projeto. Ver descrição detalhada desse processo em Castiglioni (2003, pp. 80-81). . Sem debate público e qualquer aviso prévio, as regras de acesso e os benefícios foram padronizados, unificando-se os múltiplos sistemas existentes e eliminando privilégios de segmentos mais organizados, com exceção das Forças Armadas, centro do poder político à época. Em 1980, uma segunda etapa foi lançada, com o desmonte do antigo sistema público, proibição de novas filiações nesse sistema e a introdução do modelo compulsório, com base na capitalização individual total, gerido por sociedades anônimas privadas. A contribuição patronal foi extinta e os trabalhadores tiveram de assumir elevadas taxas de administração e de securitização. O Estado continuou participando do sistema para garantir a filiação compulsória, sua regulação e supervisão, estabelecendo tetos, elaborando ranking dos instrumentos de investimento, assumindo (e, portanto, socializando com o conjunto da sociedade) o pesado ônus fiscal da transição do antigo para o novo regime, e, ainda, oferecendo garantias aos segurados e pensionistas (Mesa-Lago e Müller, 2003, pp. 30-31). Em suma, o modelo de capitalização individual substituiu o antigo regime de repartição, transferiu responsabilidades e vantagens para o setor privado, restringiu benefícios aos trabalhadores, tornou mais duras as regras de habilitação e reduziu drasticamente a participação do Estado na concessão e administração das aposentadorias (Castiglioni, 2003CASTIGLIONI, R. 2003. Pensões e soldados: o papel do poder, dos atores políticos com poder de veto e das ideologias sob o regime militar no Chile e no Uruguai. In: COELHO, V. S. (org.). A reforma da previdência social na América Latina . Rio de Janeiro: Ed. FGV ., pp. 65-66).

A privatização da previdência no Chile atraiu amplo respaldo político da comunidade financeira internacional, como FMI, Banco Mundial e Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que a recomendaram para o restante da América Latina, entre outras regiões. A publicação do relatório Averting the old age crisis: policies to protect the old and promote growth, em 1994, pelo Banco Mundial atraiu ampla atenção internacional para o tema da reforma da previdência. Ele se "tornou o paradigma mundial" para as reformas do sistema de pensões que privatizaram total ou parcialmente os sistemas públicos (Mesa-Lago, 2007a) por meio, inclusive, do Banco Mundial, que passou a ser o principal centro de pesquisa, desenvolvimento e difusão da tecnologia de privatização da previdência (Kay, 2003KAY, S. 2003. Privatizações inesperadas: política e reforma da previdência social no Cone Sul. In: COELHO, V. S. (org.). A reforma da previdência social na América Latina . Rio de Janeiro: Ed. FGV .; Brooks, 2003BROOKS, S. 2003. Proteção social e integração econômica - a política da reforma previdenciária na era da mobilidade do capital. In: COELHO, V. S. (org.). A reforma da previdência social na América Latina. Rio de Janeiro: Ed. FGV.).

Tido como exemplar, o caso chileno foi utilizado como reforço do ideário liberal, que se torna o mapa cognitivo das reformas destinadas a ajustar as economias dos países em desenvolvimento aos ditames do capital globalizado e justificadas como condição necessária para impulsionar a poupança e o crescimento econômico interno e, sobretudo, como expressão do compromisso dos governos com tal ideário (Maxfield, 1997MAXFIELD, S. 1997. Gatekeepers of growth. The international political economy of central banking in developing countries. New Jersey: Princeton University Press. ; Brooks, 2003BROOKS, S. 2003. Proteção social e integração econômica - a política da reforma previdenciária na era da mobilidade do capital. In: COELHO, V. S. (org.). A reforma da previdência social na América Latina. Rio de Janeiro: Ed. FGV.). Foi esse clima ideológico que deu sustentação às reformas na Argentina e no Brasil na década de 1990, mas, em um cenário político completamente diverso daquele vigorante no Chile, ou seja, em regime democrático no qual as forças políticas e demandas populares poderiam se manifestar mais abertamente. Todavia, outras variáveis internas explicam, por sua vez, a maior intensidade da reforma argentina diante da brasileira.

A reforma argentina: o modelo misto em contexto democrático

A reforma efetuada pelo governo de Carlos Menem foi influenciada pelo clima de crise política e econômica do país. De um lado, os altos índices inflacionário do início dos anos 1990 agravaram a situação da previdência11 11 11 Os valores dos benefícios não chegaram a 50% dos salários (quando deveriam legalmente oscilar entre 70% e 80%), levando à piora sistemática das condições de vida dos aposentados e à permanente ameaça de insolvência do sistema, uma vez que a proporção de trabalhadores ativos para cada aposentado era de 1,5% e o déficit chegava a 1% do PIB (Coelho, 2003, p. 139). . De outro, o sucesso inicial do Plano de Convertibilidade - gerando a reversão temporária da situação econômica, com a estabilização dos preços e o estímulo à entrada de capitais externos então disponíveis graças ao ciclo de grande liquidez internacional - deu credibilidade política ao governo, pelo menos temporariamente, para levar adiante o programa de reformas liberais, a privatização de empresas estatais, a liberalização do comércio internacional e, igualmente, a reforma previdenciária.

As mudanças na previdência social foram propostas por especialistas ligados ao Ministro das Finanças Domingos Cavallo, que introduziram o sistema de capitalização individual, subordinando claramente a área de seguridade social às estratégias da gestão macroeconômica12 12 12 Schulthess, um especialista em seguridade social, ligado à Fundação Mediterrânea (a consultoria privada, sediada em Córdoba, sob o comando de Cavallo) foi quem ocupou a Secretaria de Seguridade Social encarregada da reforma, com a ajuda de numerosos técnicos pagos pelo BID e pelo Banco Mundial. . Conseguindo tirar de cena os opositores às reformas dos antigos órgãos gestores da previdência pública, a nova equipe assumiu o comando do processo, divulgando estudos e estimativas de que o déficit da previdência era enorme e poderia representar, em 2025, cerca de três vezes a dívida externa argentina de 1991 (Coelho, 2003______. 2003. Uma perspectiva transatlântica da política de privatização latino-americana. In: COELHO, V. S. (org.). A reforma da previdência social na América Latina. Rio de Janeiro: Ed. FGV., p. 140).

Além da publicação de diagnósticos sombrios sobre a situação previdenciária, que ajudavam a difundir um novo clima ideológico no país e a neutralizar os opositores no interior da burocracia governamental, houve importantes negociações com outros prováveis opositores à reforma. Destaque deve ser dado ao acordo do governo com a CGT, principal confederação de trabalhadores argentinos, que acabou apoiando a privatização13 13 13 A CGT, ligada ao partido peronista de Menem, aceitou a privatização em troca de apoio do governo aos planos de seguro-saúde sindicais (importante fonte de receita para eles) e da oportunidade de investir nos fundos de pensão privados (os sindicatos têm participação majoritária em dois dos novos fundos privados). . Os demais opositores não conseguiram se articular com os partidos políticos para formar uma aliança antirreforma. Poderosos grupos privados - as associações industriais, os bancos, as empresas de seguros, a Bolsa de Valores etc. - também defenderam ativamente a privatização (Coelho, 2003______. 2003. Uma perspectiva transatlântica da política de privatização latino-americana. In: COELHO, V. S. (org.). A reforma da previdência social na América Latina. Rio de Janeiro: Ed. FGV.). Quanto às estruturas institucionais, estas facilitaram bastante a tarefa reformista, especialmente os poderes de decreto à disposição do Presidente Menem, assim como a disciplina partidária (favorecida pela lista fechada). A mera ameaça de um decreto de emergência enfraquecia o poder de veto do Legislativo (Kay, 2003KAY, S. 2003. Privatizações inesperadas: política e reforma da previdência social no Cone Sul. In: COELHO, V. S. (org.). A reforma da previdência social na América Latina . Rio de Janeiro: Ed. FGV ., pp. 122-23).

Com essas condições político-institucionais e no contexto de hegemonia neoliberal, o governo Menem conseguiu aprovar, em 1993, o projeto de reformas posto em vigor em 1994. No novo sistema, os trabalhadores poderiam contribuir tanto para o sistema previdenciário público quanto para o privado e receberiam benefícios de ambos, ou seja, eles tiveram a opção de contribuir com 11% de seus salários para o sistema reformado de repartição ou para uma conta individual na Administradora de Fondos de Jubilación y Pensiones (AFJP). A arrecadação das contribuições continuou a cargo do Estado, que deveria encaminhá-las às administradoras (públicas ou privadas), criando também um órgão encarregado do controle do novo sistema. Parte dos custos da transição foi financiada com recursos da privatização da empresa petrolífera YPF. Diferentemente do Chile, em que as contribuições dos patrões foram extintas, as negociações na Argentina e o peso dos sindicatos trabalhistas fizeram com que eles continuassem contribuindo com 16% da folha de pagamento para financiar o benefício básico universal a que todos os trabalhadores têm direito no sistema público de repartição (Kay, 2003KAY, S. 2003. Privatizações inesperadas: política e reforma da previdência social no Cone Sul. In: COELHO, V. S. (org.). A reforma da previdência social na América Latina . Rio de Janeiro: Ed. FGV ., pp. 110-11).

A reforma brasileira: mudanças parciais sob democracia

As reformas pró-mercado no Brasil ocorreram mais tardiamente em relação aos demais e assumiram um formato mais pragmático e moderado perante o receituário da ortodoxia neoliberal. Mesmo representando a desconstrução da agenda constituinte de 1988 e apoiado por diagnósticos sombrios de crise no sistema, amplamente divulgados pela mídia, esse processo teve um padrão errático e relativamente longo devido à ação de forças políticas de oposição. Orientando-se também pela problemática fiscal, de redução dos gastos públicos, o tema só entrou na agenda do governo FHC em 1995 (Melo, 2002MELO, M. 2002. Reformas constitucionais no Brasil. Instituições políticas e processo decisório Rio de Janeiro: Revan., p. 50).

A estabilização econômica alcançada a partir de 1994 facilitou o encaminhamento político da proposta reformista, na medida em que o controle da inflação esgotou o recurso às receitas inflacionárias, que, até então, permitiam à União e aos governos estaduais amenizar os efeitos do crescimento das despesas públicas, especialmente dos gastos com as aposentadorias. Ou seja, o fim da inflação tornou as contas públicas mais transparentes e facilitou a retórica reformista que, obviamente, deixava fora do debate a questão dos recursos destinados ao serviço da dívida pública, os quais já representavam parcelas elevadas do orçamento público.

Três projetos foram postos em pauta entre 1995 e 1998. O primeiro, que visava ajustar o sistema de repartição, reduzindo privilégios do sistema público e recuperando o vínculo contributivo, não foi aprovado pelo Congresso. Assim, em 1997, o governo fez divulgar novos dados sobre o déficit, o que ajudou a que o tema retornasse à agenda governamental, agora com uma nova proposta formulada por um grupo liderado por Lara Resende, um dos economistas que havia elaborado o plano de estabilização monetária. Trabalhando de forma insulada, sob a "proteção" direta do presidente da República, esse grupo apresentou um projeto mais radical de privatização. Todavia, diante das estimativas de enormes custos da transição (cerca de 200% do PIB pelos cálculos da Cepal - Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe - e de 250% pela FGV-RJ), tal proposta foi abandonada. Com isso, os técnicos do Ministério da Previdência e Assistência Social e do BNDES (Banco Nacional do Desenvolvimento Social) voltaram à cena reformista, com uma terceira proposta, mais moderada, que consegue, em 1998, ser aprovada, e na qual são introduzidos apenas ajustes no sistema de repartição, tais como a exigência de idade mínima e de tempo de contribuição para a aposentadoria, a introdução do chamado "fator previdenciário" e a taxação dos inativos, que contou com a mobilização dos governadores que enfrentavam a explosão dos gastos com pessoal, especialmente com os inativos.

Em suma, não só obstáculos financeiros exigidos pela transição, mas, sobretudo, fatores de ordem política - relacionados aos custos políticos de uma reforma que traria perdas enormes para amplos segmentos de trabalhadores e, portanto, no contexto democrático em que o país vivia, prejuízos eleitorais para deputados que a aprovassem - fizeram com que as mudanças impostas pela inserção do país na economia global acabassem resultando em alterações pouco significativas. Em outras palavras, os fatores políticos internos atuaram como filtro, modulando as pressões externas.

A inflexão dos anos 2000: novo cenário global e movimentos contra a privatização do sistema previdenciário

Os anos 2000 foram marcados por significativas transformações na economia globalizada. A entrada da China no mercado mundial, desempenhando aí um papel de enorme relevo, permitiu a difusão do crescimento para regiões que antes estavam com baixo desempenho econômico, como a América Latina. Na verdade, a alta dos preços de commodities agrícolas, industriais e de energia, a partir de 2002, permitiu que países como Brasil, Argentina e Chile "pegassem carona no trem chinês", elevando seus níveis de crescimento, e até pudessem enfrentar a crise de 2008 em situação melhor do que os países centrais (Castro, 2008CASTRO, A. B. 2008. From semi-stagnation to growth in a Sino-centric market. Revista de Economia Política, v. 28, n. 1, pp. 3-27.; Miguel, 2011MIGUEL, P. 2011. Globalização na década de 2000 e a perspectiva para o mundo em desenvolvimento. In: SOLA, L.; LOUREIRO, M. R. Democracia, mercado e Estado. O B de BRICS Rio de Janeiro: Ed. FGV .).

Paralelamente a esse processo de crescimento de economias como a da China e também da Índia - que não haviam seguido à risca o receituário do Consenso de Washington -, os impactos das crises financeiras do final dos anos 1990 (a asiática em 1997, a da Rússia e do Brasil em 1998-99) contribuíram também para solapar o consenso da ortodoxia liberal14 14 14 As críticas ao receituário do Consenso de Washington são formuladas nesse período não só por economistas dissidentes como Stiglitz, mas também pelos próprios dirigentes dos organismos internacionais, como Straus Kahn. Sobre as mudanças nas orientações dos organismos internacionais, como o Banco Mundial, também ocorridas no período, ver Kugelmas (2011). . É nesse contexto, mesmo antes da eclosão da crise de 2008, que alguns analistas diagnosticam a emergência de uma nova agenda social na América Latina, com implicações claras para o fortalecimento de novas estratégias econômicas e de desenvolvimento social (Draibe, 2011________. 2011. Uma nova agenda social para a América Latina? Pontos de partida para a análise comparada dos sistemas de proteção social e suas mudanças recentes. In: SOLA, L.; LOUREIRO, M. R. Democracia, mercado e Estado. O B de BRICS. Rio de Janeiro: Ed. FGV.)15 15 15 Os indícios desse novo cenário aparecem na Argentina no governo Kirchner. Além de enfrentar os credores internacionais, decretando o default da dívida, o presidente adota medidas para retomar o crescimento econômico e a geração de emprego, com a manutenção de taxas competitivas de câmbio real, fomento à poupança interna e ao investimento, que acabaram gerando resultados positivos. Assim, o PIB sai de 1,4% entre 1993-2001 e alcança 8,8% entre 2003-2008. No mesmo período, a poupança privada cresceu de 14,7% para 24% e a taxa de investimento subiu de 18,1% para 24,1% em relação ao PIB do país, conforme dados oficiais. . Em outras palavras, as mudanças do mapa cognitivo junto com as transformações no cenário econômico internacional possibilitaram a emergência gradativa nos países em desenvolvimento de um processo de reversão de várias políticas públicas adotadas anteriormente, como a da previdência.

No caso do Chile, após mais de 25 anos de implantação da reforma pró-mercado, o governo socialista de Michelle Bachelet, como parte da coalizão de partidos de centro-esquerda (denominada Concertación) conseguiu aprovar em 2008 a Ley de Reforma Previsional, que estabeleceu um Sistema de Pensiones Solidarias, recuperando, pelo menos em parte, os princípios de solidariedade e de direitos de cidadania, esquecidos pelos ideólogos liberais (Mesa-Lago, 2008______. 2008. Protección social en Chile: reformas para mejorar la equidad. Revista Internacional del Trabajo, v. 27, n. 4, pp. 421-26.). Também em 2008, o governo de Cristina Kirchner, na Argentina, obteve aprovação de uma reforma eliminando o regime de capitalização individual gerido pelas administrações privadas e o transportou para um sistema único integrado de repartição e administração pública (Mesa-Lago, 2009). No Brasil, depois de algumas alterações feitas no sistema previdenciário no início de seu primeiro mandato, em 2003, o Presidente Lula logo a seguir "congelou" o processo reformista, optando, para diminuir o déficit das contas da previdência social, pela estratégia de modernização e aperfeiçoamento do processo de arrecadação dos fundos.

A reforma chilena no governo Bachelet em 2008

No contexto de um governo de esquerda, surgem no Chile críticas ao sistema privatizado, intensificadas inclusive pelas evidências cada vez mais nítidas da incapacidade desse sistema em oferecer aposentadorias decentes para a maioria dos trabalhadores. O chamado "sucesso" que o envolveu na época passa, então, a ser fortemente questionado, uma vez que o modelo de capitalização individual deixou de lado a maioria da população mais pobre e permitiu às empresas de administração dos fundos de pensão abocanhar enorme filão da riqueza do país, tornando-se as principais beneficiárias do modelo implantado pelos militares. Já no início dos anos 2000, estatísticas mostravam que as administradoras dos fundos de pensão (AFP), ligadas, em sua maioria, a grupos financeiros externos, representavam 40% do PIB (superior à economia do cobre, que representava 23%) (Riesco, 2007RIESCO, M. (ed.). 2007. Latin America: a new development welfare model in the making? London: Palgrave Macmillan. (Series Social Policies in a Development Context, UNRISD, Genève).).

Esse quadro de insatisfação desemboca no processo de revisão e alteração do sistema de previdência estabelecido durante a ditadura de Pinochet. Em março de 2006, é criado o Conselho Assessor Presidencial para a Reforma Previsional (constituído por quinze conselheiros nomeados pela Presidente Bachelet). Envolvendo consulta a grupos organizados na sociedade civil, na forma de audiências públicas, o Conselho discutiu vários temas, e os mais reiterados foram: densidade de cotizações; incorporação de trabalhadores independentes; discriminação da mulher; custos de administração e nível e estrutura das taxas de administração (cobradas pela AFPs); competência entre fundos de pensões; pilar solidário do sistema de pensões; benefícios não contributivos garantidos (pensão mínima garantida e pensões assistenciais - Pasis); participação dos trabalhadores e a necessidade de participação do Estado no sistema de pensões16 16 16 Adicionalmente, o processo de consulta instalou uma página na web com uma seção interativa: Consejo Asesor Presidencial para la Reforma Previsional, em: <http://www.consejoreformaprevisional.cl/view/presentacion. asp?seccion=presentacion>. .

Após várias negociações, em 2008 o governo Bachelet consegue aprovar algumas mudanças. Sem alterá-lo estruturalmente, o sistema previdenciário chileno passou a ter dois componentes básicos: o primeiro cria uma pensão básica solidária para velhice e invalidez, substituindo o antigo sistema assistencial, financiado pelo Estado, e objetiva atingir imediatamente 40% da população mais pobre; o segundo componente, que substitui a pensão mínima, consiste em uma ajuda paga pelo Estado para complementar a pensão contributiva das pessoas maiores de 65 anos e com poucos recursos, independente dos anos de sua cotização.

Embora esse novo sistema oferecesse uma pensão básica para a maioria dos afiliados cuja capacidade de poupança seria insuficiente, a reforma recebeu críticas, especialmente por parte de grupos e organizações de esquerda, que consideraram tais mudanças apenas "um passo inicial, restando pendente o principal". Isso porque o modelo de capitalização individual não foi alterado. Ele permaneceria como pilar único para os segmentos médios da população cujas aposentadorias continuariam incertas e com valores muito inferiores aos que receberiam nos antigos sistemas de repartição, especialmente para as mulheres17 17 17 Dentre os grupos que criticaram as mudanças parciais, destaca-se o CENDA (Centro de Estudios Nacionales de Desarrollo Alternativo), que chegou também a apresentar propostas ao Conselho Assessor da Presidência chilena. Em vários documentos divulgados já em 2006, o CENDA indicava que as propostas encaminhadas pelo governo ao Congresso não alteravam o modelo de capitalização individual. . Além disso, os críticos indicam que as alterações na administração das aposentadorias foram muito tímidas, não se tocando no cerne do problema, que é a obrigação legal de que todos os chilenos se filiem a uma AFP. Também organizações sindicais criticaram a timidez da proposta, afirmando que a condição mínima para que a reforma tivesse legitimidade plena seria a reparação do dano previdenciário, igualando-se as pensões outorgadas pela AFP às oferecidas pelo sistema antigo e restabelecendo, gradualmente, as contribuições patronais a um fundo de repartição solidário, evitando-se o desvio das contribuições para fins que não sejam o pagamento de pensões.

Como se indicará mais adiante, tais insatisfações só serão acolhidas em 2016, em um novo round reformista, quando o tema volta à agenda pública do país, no segundo mandato presidencial de Bachelet, após o término do governo de direita de Sebastian Piñera.

A reestatização do sistema argentino no governo Kirchner em 2008

No contexto do governo Kirchner, que assumiu uma posição de maior autonomia diante das pressões dos capitais financeiros internacionais - com o default da dívida em 2001 e a posterior adoção de políticas de retomada do crescimento econômico -, as críticas ao sistema previdenciário de capitalização também cresceram na Argentina, colocando na agenda pública o tema de reversão do modelo de capitalização individual implantado no período das reformas liberais. Tendo eliminado o princípio da solidariedade, como no Chile, esse modelo levou à redução drástica da cobertura dos trabalhadores e da população idosa, aprofundou a desigualdade de gênero, e exigiu aportes excessivos para a obtenção de pensão mínima. Também submeteu os pensionistas aos riscos do mercado financeiro e às altas taxas de administração dos fundos e, ainda, impôs aos cofres públicos substanciais custos fiscais para a transição18 18 18 Ver Mesa-Lago (2009). Esse autor também calculou que a cobertura da população economicamente ativa na Argentina caiu de 50% a 36% entre 1993 e 2007. .

A mobilização política de diferentes setores de classe permitiu amplificar o debate nacional sobre o tema, que teve como base a publicação pela Secretaria de Seguridade Social de um "livro branco" com informações e recomendações técnicas para a mudança do sistema. Assim, no final de 2008, o Congresso argentino aprovou o projeto de reforma apresentado pelo governo de Cristina Kirchner, que eliminou o regime de capitalização individual gerido pelas administrações privadas e o transportou para um sistema único integrado de repartição e administração pública.

As principais mudanças trazidas pela Lei de Reforma Previdenciária de 2008 foram: (1) transferência de todos os contribuintes do sistema de capitalização individual e dos fundos de contas individuais para o sistema público de repartição, que se converteu no Sistema Integrado Previsional Argentino (SIPA); (2) cobertura e tratamento para os novos entrantes iguais aos dos participantes do sistema público, garantindo o Estado iguais ou melhores benefícios àqueles que seriam obtidos no sistema privado, no momento em que Lei entrou em vigor; (3) transferência dos recursos do sistema privado para administradora pública Anses (Administración Nacional da Seguridad Social), que gozará de autonomia financeira e econômica e será supervisionada por uma Comissão Bicameral de Controle dos Fundos de Seguridade Social do Congresso argentino; e ainda (4) a transferência dos aportes obrigatórios futuros para um Fundo de Garantia monitorado também por um colegiado e com investimentos estipulados por lei.

Segundo analistas, se tais mudanças procuraram reparar danos trazidos pelo sistema privado aos trabalhadores, elas implicam também riscos. Segundo Mesa-Lago (2009), há muitas imprecisões e vazios jurídicos na Lei argentina de 2008. Por exemplo, ela propõe pagar um benefício igual ou melhor do que receberia o contribuinte no sistema privado, embora esse sistema não outorgasse benefício definido, mas sim indeterminado sobre o qual incidiam fatores aleatórios como a rentabilidade financeira das empresas administradoras dos fundos de capitalização individual. A Lei estabelece que as rendas vitalícias continuarão sendo pagas pelas companhias de seguro, mas não regulou esse aspecto, deixando grande margem de discricionariedade ao Executivo.

Todavia, a principal crítica recai sobre o Fundo de Garantia, que recebeu os recursos transferidos do sistema de capitalização individual para o sistema integrado. Embora a Lei afirme que a totalidade dos recursos do Fundo seja utilizada apenas para pagamentos de benefícios, ela também estipula que o ativo desse Fundo pode ser aplicado segundo critérios de seguridade e rentabilidade, "contribuindo para o desenvolvimento sustentável da economia". O diretor executivo da Anses chegou mesmo a declarar, depois de aprovada a Lei, que as contas transferidas ao Fundo de Garantia seriam utilizadas "para investimentos de longo prazo, com mão de obra intensiva e para sustentar a economia argentina nesse período de crise", o que foi contestado pelo secretário executivo da Cepal nos seguintes termos: "confiscar ativos não é a maneira de se fazer política anticíclica em um país" (Mesa-Lago, 2009______. 2009. La ley de reforma de la previsión social argentina: antecedentes, razones, características y análisis de posibles resultados y riesgos. Revista Nueva Sociedad, n. 219, pp. 14-30., p. 22).

Além da ausência de definição jurídica clara a respeito do uso dos recursos do Fundo de Garantia, outro ponto crítico da reforma refere-se ao Comitê Gestor do Fundo de Garantia, cujas funções e poder não estão claramente definidos em lei. Os críticos afirmam que, para se evitar o uso indevido dos fundos previdenciários, a Anses não deveria ser o gestor do Fundo, que deveria ter um comitê autônomo, separado dela e dos recursos do Estado e administrado por um organismo técnico colegiado, sem interferência governamental, seguindo normas legais estritas.

Previdência social no Brasil sob o governo Lula: o duplo movimento

A despeito das posições políticas e ideológicas distintas daquelas vigorantes no período FHC, o governo Lula se inicia dando continuidade às políticas macroeconômicas estabelecidas em 1999. O chamado tripé macroeconômico - formado por elevados superávits primários, câmbio flutuante e metas de inflação - é mantido, demonstrando ao mercado o compromisso com as condições de estabilidade do país, assumido por Lula já na campanha eleitoral, com a "Carta aos Brasileiros".

Com relação à reforma da previdência, o tema é também colocado na agenda governamental, em sintonia com a preocupação de garantir credibilidade perante os credores, tendo o governo Lula conseguido aprovar no Congresso, em 2003, mais alterações para o sistema público. Além de estabelecer tetos de benefícios para os funcionários públicos - eximindo, porém, segmentos mais poderosos como os magistrados -, também aprovou emenda constitucional que permitiu restabelecer a taxação para os inativos. Essa taxação, incluída na reforma do governo FHC, havia sido posteriormente derrubada pelo Supremo Tribunal Federal como sendo inconstitucional. Em suma, o governo Lula acabou propondo tópicos de reforma a que seu partido se opunha quando era oposição ao governo FHC19 19 19 Para Anastasia, Melo e Santos (2004), a mudança da posição política - de oposição para situação - determinou a possibilidade de o PT promover uma reforma contra a qual havia lutado nos anos anteriores, e obter, inclusive, maior sucesso que o governo FHC na tramitação e no resultado final. Isso porque, ao passar para a oposição, o PSDB não pôde adotar a mesma estratégia do PT de combate sistemático às alterações no sistema. Soaria estranho aos eleitores mudar tão radicalmente de opinião sobre um tema que o PSDB defendera de forma arraigada quando de seu governo. .

Cabe destacar que a diferença na posição ocupada pelos atores não foi, porém, o único fator explicativo, nem tampouco o mais importante, para a mudança de preferências. A reversão da posição do PT em relação à reforma da previdência já estava ocorrendo de forma paulatina, na medida em que a perspectiva de assumir o poder se tornava mais provável, e exigia, portanto, levar em conta os constrangimentos colocados ao governo pela inserção do país na economia global. Na verdade, a solvência e credibilidade diante do mercado financeiro são imposições para todos os governos, mesmo os conduzidos por partidos com históricos compromissos populares, como se observou com o PT no Brasil, e como tem ocorrido na Europa nos dias atuais. Isso, naturalmente, se tais governos não contam com apoios políticos internos suficientemente fortes para resistirem às pressões do capital financeiro. Em outras palavras, as circunstâncias políticas e econômicas em que o Presidente Lula assumiu o governo em 2003 fizeram com que o "poder de fogo do mercado" se configurasse claramente como variável tão ou mais decisiva quanto às demandas do eleitorado. É nesse quadro que devem ser entendidas as alterações na previdência efetuadas no início de seu primeiro mandato, em continuidade às do governo FHC.

O tema, contudo, foi retira do da agenda governamental após as medidas reformistas. Essa escolha política do governo Lula foi facilitada inclusive pela conjuntura internacional favorável, que já havia permitido a acumulação de enormes reservas na balança comercial e indicava perspectivas de elevação das taxas de crescimento econômico interno.

Assim, no início de segundo mandato, o Presidente Lula instituiu um fórum para debater a questão, integrado por representantes dos trabalhadores, dos empregadores e do governo. No final dos trabalhos, o fórum concluiu de forma consensual, contrariando as propostas reformistas de viés fiscalista, que a previdência social deveria continuar sendo parte integrante do conceito de seguridade social, financiando-se com as contribuições de trabalhadores e empregadores, além dos recursos do orçamento da seguridade social, conforme previsto na Constituição Federal. Mesmo não havendo consenso sobre regras de idade mínima e de tempo de contribuição para acesso aos benefícios, os integrantes do fórum conseguiram estabelecer um acordo de permanência da vinculação dos benefícios assistenciais ao salário mínimo, item cuja eliminação tinha sido considerada necessária pelos economistas ortodoxos20 20 20 Cabe relembrar que, no segundo governo Lula, houve importante inflexão na política macroeconômica ortodoxa estabelecida no primeiro mandato, considerada responsável pelos baixos índices de crescimento econômico do país. Essa inflexão resultou também na mudança dos dirigentes das principais agências governamentais de política econômica, ligadas ao Ministério da Fazenda e do Planejamento, como o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), além do BNDES (Loureiro, Santos e Gomide, 2011). .

Este último ponto foi decisivo, porque marcou a reversão da política previdenciária do início do governo petista e que perdurou até a saída da Presidente Dilma Roussef, em meados de 2016. Mesmo que Lula tenha vetado a proposta aprovada no Congresso Nacional, mantendo o fator previdenciário no cálculo das aposentadorias, verifica-se, a partir daí, a emergência de uma nova tendência de seu governo acerca do tema da reforma da previdência, configurando um duplo movimento político diante das políticas neoliberais, observado igualmente em relação à agenda econômica.

Como amplamente apontado pela literatura, se o governo Lula manteve, de um lado, o tripé macroeconômico herdado do governo FHC, de outro, levou adiante as políticas de ativação da demanda, com expansão do crédito, elevação do salário mínimo e programas de transferência de renda, responsáveis, em grande parte, pela aceleração do crescimento, especialmente no segundo governo21 21 21 Mesmo tendo impactos nos gastos do INSS, a decisão de elevar o salário mínimo acima da inflação - na média de 11,7% entre 2003 e 2005, de 24,75% entre 2006 e 2008 e de cerca de 50% entre 2003 e 2011 - manteve-se inalterada até a saída da Presidente Dilma Rousseff, trazendo impactos importantes tanto econômicos quanto políticos: permitiu considerável expansão da capacidade de consumo dos trabalhadores, gerando crescimento via distribuição de renda e, portanto, legitimidade política e respaldo eleitoral. Embora o governo Temer tenha mantido a elevação no início de 2017, ainda utilizando a mesma regra de reajuste acima da taxa inflacionária, a sinalização trazida pelas novas políticas é de reversão nesse processo. .

Em relação à área previdenciária, a reversão do movimento de adesão à reforma se faz concomitantemente à reversão da agenda econômica, que implicou a retomada do crescimento econômico com o consequente aumento da arrecadação tributária, a elevação do número de trabalhadores formalizados e contribuintes do sistema previdenciário, além de avanços no próprio gerenciamento e na eficiência do processo arrecadatório. Tudo isso ajudou no arrefecimento da necessidade de mudanças das regras de aposentadoria22 22 22 Com relação ao "congelamento" da política reformista da previdência, ele foi sustentado inclusive por publicações oficiais que criticavam seus fundamentos, como o livro organizado por um dos diretores do Ipea, João Sicsú, Arrecadação e gastos públicos. Nele, as informações sobre o déficit da previdência foram questionadas e a arrecadação foi analisada não do ponto de vista de sua carga total, mas de forma desagregada entre os grupos sociais que mais pagam impostos, confrontando os assalariados e o setor financeiro. .

Decisivo nesse processo de deslocamento da agenda reformista foi a mudança no cenário econômico internacional, o que ativou o crescimento econômico no Brasil, Argentina e Chile, especialmente com a entrada da China e demais países posteriormente denominados de BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul) e o consequente arrefecimento do receituário ortodoxo das agências internacionais, já em curso desde a crise asiática de 1997, mas reforçado após a crise financeira iniciada em 2008.

Nova rodada reformista no Brasil e no Chile: submissão ao jogo financeiro e luta contra o modelo privatista

Se os anos 2000 iniciaram-se de forma auspiciosa para os partidos de esquerda que assumiram os governos na América Latina, incluindo os três aqui analisados, a década seguinte lhes oferecerá um cenário adverso. De fato, na primeira década do século, presenciamos a situação em que grande parte dos governos latino-americanos conseguiu adotar posturas mais autônomas em relação aos Estados Unidos e ao capital financeiro internacionalizado (como ocorreu, por exemplo, na Argentina, nos governos de Nestor e Cristina Kirchner, e, no Brasil, nos governos Lula e Dilma, com iniciativas de maior protagonismo no cenário internacional e a formação do bloco chamado BRICS), além de desencadear mudanças relevantes em suas agendas econômicas e sociais internas.

No entanto, nos últimos anos, assistimos à reversão dessa tendência com a ascensão de governos de direita em vários países da região ou de fortalecimento de grupos conservadores no cenário das forças políticas locais. Não cabendo discutir aqui explicações para esse processo, importa destacar os movimentos opostos na área da previdência que estão ocorrendo no Brasil e no Chile, já que na Argentina não houve, até o momento, sinalização significativa por parte do governo liberal de Mauricio Macri para mudar o quadro previdenciário estabelecido por Cristina Kirchner. Muito embora, a submissão ao mercado financeiro internacional já tenha se concretizado, com a alocação de parcela considerável das finanças públicas do país para o pagamen to dos chamados fundos abutres23 23 23 Analistas têm indicado, como fatores significativos desse processo de reversão, as alterações na geopolítica norte-americana, visando retomar o controle sobre os governos latino-americanos, que experimentaram certo alívio durante a era Bush e o pós-2001, quando as atenções e pressões do capitalismo globalizado e de seu centro hegemônico voltaram-se predominantemente para o Oriente Médio, privilegiando a guerra ao terrorismo, de modo a garantir domínio dos EUA sobre as fontes petrolíferas daquela área (Cruz, 2014; Fiori, 2014; Bandeira, 2016). Processo esse que, no plano das forças políticas internas, associa-se ao maior protagonismo da direita (Cruz, Kaysel e Codas, 2015). .

Brasil: a retomada da reforma neoliberal pelo governo Temer

Em poucos meses de exercício, o governo de Michel Temer conseguiu, graças à maioria conservadora no Congresso, aprovar mudanças constitucionais que desfizeram o pacto constitucional de 1988, tais como a regra que estabelece limites para os gastos sociais por duas décadas. Além disso, encaminhou uma proposta, ainda em tramitação, de reforma nas regras previdenciárias, mais radical do que a do governo FHC.

No contexto da gravíssima crise econômica enfrentada pelo país, em que há cerca de 12 milhões de desempregados e as atividades produtivas estão praticamente estagnadas, a reforma da previdência social tem sido apresentada à população, inclusive por meio de ampla campanha publicitária, como solução para retomada dos investimentos e geração de empregos. Os argumentos justificadores das mudanças propostas são os mesmos utilizados na década de 1990, tais como o déficit crescente no fundo previdenciário, sobrecarregando as contas públicas e inviabilizando o sistema para as futuras gerações em decorrência do envelhecimento da população. Na publicidade em torno da reforma, enfatiza-se o crescimento do déficit, obviamente, para reforçar o diagnóstico pessimista da crise e a falência do sistema em futuro próximo, caso não sejam feitas as mudanças, tidas como urgentes. Chama a atenção, por sua vez, o não esclarecimento da população de que a redução das contribuições previdenciárias tem sido ocasionada principalmente pela conjuntura de recessão e desemprego.

Em seu conjunto, a proposta de emenda constitucional (PEC 28) enviada ao Congresso em dezembro de 2016 por Temer representa a mais drástica ruptura dos direitos conquistados na Constituição de 1988. Ela estabelece:

  • fim das aposentadorias por tempo de contribuição, passando a exigir idade mínima de 65 anos e o mínimo de 25 anos de contribuição para todos os trabalhadores, sem distinção para mulheres, servidores públicos, trabalhadores rurais ou professores da educação fundamental, como ocorre no regime atual. Isso implica que tais segmentos deverão trabalhar e contribuir por mais dez anos;

  • a idade mínima de 65 anos não é fixa, ou seja, sempre que a expectativa de vida aumentar, a idade mínima também se elevará;

  • o aposentado só terá direito a 76% do valor do seu salário na ativa. Se continuar trabalhando, ele agrega nesse percentual 1% por ano de trabalho adicional, ou seja, terá de trabalhar 24 anos a mais, chegando à idade de 89 anos para se aposentar com o valor integral, com o agravante de que o cálculo do valor de sua aposentadoria se fará pela média de todos os seus salários e não mais pela média dos 80% mais elevados, como é hoje;

  • eliminação da possibilidade de acumular aposentadoria e pensão deixada pelo cônjuge;

  • desvinculação dos reajustes das aposentadorias e pensões aos do salário mínimo.

Em suma, voltada para garantir confiança aos investido res e credibilidade aos portadores de títulos públicos, essencialmente, e, ainda, favorecer a expansão do mercado para empresas de seguro privado, a proposta do atual governo brasileiro chega a ser tão perversa quando a que foi estabelecida no Chile pela ditadura militar.

Chile: novo round na luta para recuperação dos direitos previdenciários

Na contramão do que está ocorrendo no Brasil atual, os trabalhadores e forças progressistas novamente se mobilizam no Chile para levar adiante o processo reformista iniciado no primeiro governo de Bachelet. Desde o retorno da presidente socialista ao cargo, crescem as pressões no país por revisões mais profundas, não só no modelo previdenciário privatizado, mas também em outras áreas que haviam sido igualmente orientadas pela lógica do mercado, como a do ensino superior.

Desde agosto de 2016, os movimentos de contestação têm crescido, especialmente na área previdenciária, com a emergência de novas organizações de coordenação da luta como a denominada "NO+AFP". Esta, por exemplo, colocou milhares de pessoas nas ruas de Santiago para pressionar o governo no avanço da reforma, e assim conseguiu que a presidente da República anunciasse a retomada do processo com a criação de uma comissão para elaborar a proposta a ser enviada ao Congresso24 24 24 "NO+AFP" é o nome do movimento que tem liderado a luta pela mudança do sistema privado das administradoras de fundos de pensão (AFP). Ver informações sobre o processo político chileno recente nos links: <http://www.comision-pensiones.cl/Documentos/Getinforme f >; <http://www.latercera.com/voces/pensionessecuestradas/>; <http://www.elmostrador.cl/mercados/2017/01/30/2016-el-ano-en-que-la-industria-de-afp-toco-fondo-y-comenzo-a-vivir-en-peligro>; http://www.nomasafp.cl/inicio/ http://radio.uchile.cl/2016/12/10/noafp-aseguradoras-privadas-buscan<-esconder- -su-ineficiencia>; <http://www.elmostrador.cl/mercados/2016/10/18/gobierno-entra-en-la-pelea-entre-luis-mesina-y-las-afp-y-trata-de-bajarle-la-temperatura-a-la-polemica>; <http://www.elpais.com.uy/mundo/chile-protestas-contra-sistema-pensiones.html>. . As organizações têm exigindo a retomada do espírito fundamental da previdência social, que é a solidariedade, contrapondo-se ao princípio neoliberal fundado na responsabili dade individual, que deixa milhares de trabalhadores pobres abandonados à própria sorte. Estudos produzidos pelo movimento de revisão do sistema privatizado mostram que aposentadorias nele geradas não cumpriram as promessas de alcançar a taxa de 70% do valor da renda final. Ao contrário, só estão chegando à média de 38% da renda final. Essa é a menor taxa entre as 35 nações da OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico), excetuando-se a do México.

Como fonte de recursos adicionais, já que o sistema privado está também com problemas de financiamento, destaca-se a reintrodução das contribuições dos empregadores, que havia sido abolida pelos militares. Se aprovada, essa proposta implica que os patrões deverão contribuir com 5%, além dos 10% dos trabalhadores. O pagamento extra - a ser introduzido gradualmente ao longo dos próximos dez anos - irá para um fundo específico, chamado "pilar de solidariedade", e não para a conta-poupança pessoal dos trabalhadores, que permanecerá intocada. Isso permitirá ao governo aumentar as atuais pensões e conseguir maior igualdade futura, garantindo que os que ganham mais ajudarão aqueles que ganham menos a economizar para suas aposentadorias.

Todavia, as mudanças mais substantivas - que implicam a alocação de gastos estimados em torno de 0,5% do PIB do país, conforme estimativas oficiais de 2016, além do ônus imposto aos empregadores - dependem de negociações que continuam em curso no Congresso e do enfrentamento que a Nova Maioria - nome atual da coalizão de centro-esquerda (antiga Concertación) - pode fazer à oposição direitista, que tem voltado a crescer, como revelam os últimos resultados eleitorais no Chile.

***

Procurou-se, neste artigo, acompanhar as mudanças ocorridas no sistema de previdência social na Argentina, Brasil e Chile, à luz da dinâmica do processo democráti co e da inserção desses países na economia global, que implica ampla circulação dos fluxos de mercadorias e de capitais financeiros desregulamentados. Os fatores domésticos enfatizados na análise foram tomados como filtros, mediante os quais os constrangimentos trazidos por aquela inserção são decantados internamente, gerando não só timings diversos de mudanças (processos mais ou menos longos e negociados), graus diferenciados de intensidade (reformas mais ou menos radicais), mas, sobretudo, diferentes orientações político-ideológicas, pautadas pela lógica do capital financeiro ou, ao contrário, por princípios de solidariedade e proteção de direitos.

Em outras palavras, a sistematização dos dados aqui efetuada procurou mostrar que as iniciativas políticas de alterar as regras da previdência social - seja submetendo-as à lógica da acumulação privada ou, ao contrário, procurando restabelecer os princípios de proteção aos trabalhadores diante das mazelas da ordem capitalista - são ditadas pela dinâmica entre forças políticas externas e internas, em particular pelo avanço ou retração da ordem democrática.

As derrotas sofridas pelos governos de esquerda na Argentina e no Brasil nos últimos anos e as dificuldades experimentadas por Bachelet no Chile hoje, para ficar apenas nos três países focalizados neste estudo, são expressivas das forças em disputa. Nesse quadro, nunca é demais repetir que a luta para garantir as instituições democráticas são certamente as únicas armas para enfrentar o peso desmesurado da finança internacional e suas consequências, que se tornam a cada dia mais perversas, com o agravamento da recessão, do desemprego, da crescente desigualdade e da ascensão de grupos e partidos de direita por todo o mundo.

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  • 1
    Como já indicado, "a decisão norte-americana de romper com o acordo de Bretton-Woods e de desregular seus mercados financeiros, tomada na década de 1970, junto com a Inglaterra, provocou um efeito em cadeia nos demais mercados do mundo capitalista, desencadeando um intenso processo de liberalização e globalização financeira, e uma enorme concentração de riqueza líquida mundial, nas mãos dos bancos e instituições afins. Esse processo de 'financeirização' da riqueza capitalista se repetiu em todos os níveis e em todos os mercados nacionais, promovendo uma forte convergência dos interesses da finança em todo o mundo. Mas essa convergência não homogeneizou o poder dos bancos e dos mercados [... ]. Os bancos centrais e as grandes instituições financeiras privadas que lideram este processo e que detêm um poder real de coerção sobre a política econômica dos estados nacionais têm nome e sobrenome anglo-saxão" (Fiori, 2014, p. 73; grifos meus). Sobre o mesmo processo, ver também Belluzzo (2009).
  • 2
    2 Dentre as publicações importantes sobre o tema no Brasil, destaca-se o volume organizado por Vera Schattan Coelho (2003), A reforma da previdência social na América Latina, no qual diferentes pesquisadores analisam as características e os determinantes das reformas previdenciárias dos anos 1990 na região. Para um amplo panorama analítico desses processos reformistas, entre 1981 e 2001, ver também a coletânea organizada por Carmelo Mesa-Lago (2007b).
  • 3
    3 Cita-se, por exemplo, a seguinte análise: "a liberalização de controles de capital e a desregulamentação dos mercados de títulos no início dos anos 1990 provocaram uma mudança considerável na qualidade e quantidade dos fluxos de capital para os países em desenvolvimento. À medida que o lastro tradicional de empréstimos oficiais de longo prazo e investimentos diretos deu lugar a fontes mais voláteis e de curto prazo do capital privado, os governos de países com escassez de capital tornaram-se cada vez mais vulneráveis à ameaça de fuga de capital [encontrando, assim, ] fortes incentivos para aumentar a poupança interna [... ]. [Assim] a privatização da previdência chamou a atenção internacional tanto como um meio de desenvolver a acumulação interna de capital quanto como um sinal decisivo do compromisso de um governo com reformas voltadas para o mercado" (Brooks, 2003, pp. 196-97).
  • 4
    4 Como Saskia Sassen (2010, p. 9) afirmou, ao enfrentar os desafios teóricos e metodológicos postos às ciências sociais pelos processos transnacionais, a globalização deve ser entendida "não apenas em termos de interdependência e instituições globais, mas também como algo que habita o nacional".
  • 5
    5 "A crise enfraqueceu a ordem política e econômica dessas sociedades e inviabilizou estruturalmente que elas continuassem se desenvolvendo no padrão de relação entre o Estado, sociedade e economia imperante desde os anos 30[...] [Ela] fraturou a matriz estadocêntrica de alguns dos principais países latino-americanos, corroendo as bases materiais de operação e intervenção do Estado" (Sallum Jr., 2004, pp. 10-11).
  • 6
    6 A pesquisa que serviu de base a este trabalho foi apoiada pela Fapesp, através de projeto temático intitulado "Variedades de democracias emergentes de mercado: entre credibilidade econômica e legitimidade política".
  • 7
    7 Enfatizando a emergência histórica da previdência social, os estudos diferenciam três grupos de países na América Latina: os pioneiros, que iniciaram sistemas já nas primeiras décadas do século XX; os intermediários, que os estabeleceram nas décadas de 1940, sob a influência do sistema inglês e da Organização Internacional do Trabalho (OIT); e os retardatários, que só criaram regimes previdenciários nos anos 1950-60.
  • 8
    8 Esse modelo é bastante distinto do modelo redistributivo, vigorante nas social-democracias europeias, voltado para a produção e distribuição de bens e serviços públicos fora do mercado, garantidos a todos por critérios universalistas e, portanto, como direitos sociais. Por essas razões, costuma-se denominar o modelo social-democrata como "seguridade social", diferenciando-o do conceito restrito de "seguro social" (Draibe, 1993, p. 7). Do ponto de vista técnico, os regimes previdenciários adotados na maioria dos países latino-americanos são de repartição - os mais difundidos no mundo -, porque financiados por contribuições de trabalhadores, patrões e Estado (Kay, 2003, p. 102).
  • 9
    9 A ideia orientadora era a de que os programas sociais não poderiam entrar em choque com o crescimento econômico, e o Estado deveria concentrar sua atenção apenas nos setores de baixa renda, com mínimo envolvimento na administração e implementação dos programas sociais. Segundo palavras de Büchi, Ministro das Finanças na época: "Nada mais patético do que programas sociais que encorajam o parasitismo social" (apud Castiglioni, 2003, p. 90).
  • 10
    10 Logo após a instalação da ditadura, os economistas neoliberais já haviam proposto a reforma da previdência, mas encontraram forte oposição por parte de um dos membros da junta militar, general Leigh. Somente depois que Pinochet consolidou seu poder, com a exoneração de Leigh, é que a equipe econômica conseguiu levar adiante tal projeto. Ver descrição detalhada desse processo em Castiglioni (2003, pp. 80-81).
  • 11
    11 Os valores dos benefícios não chegaram a 50% dos salários (quando deveriam legalmente oscilar entre 70% e 80%), levando à piora sistemática das condições de vida dos aposentados e à permanente ameaça de insolvência do sistema, uma vez que a proporção de trabalhadores ativos para cada aposentado era de 1,5% e o déficit chegava a 1% do PIB (Coelho, 2003, p. 139).
  • 12
    12 Schulthess, um especialista em seguridade social, ligado à Fundação Mediterrânea (a consultoria privada, sediada em Córdoba, sob o comando de Cavallo) foi quem ocupou a Secretaria de Seguridade Social encarregada da reforma, com a ajuda de numerosos técnicos pagos pelo BID e pelo Banco Mundial.
  • 13
    13 A CGT, ligada ao partido peronista de Menem, aceitou a privatização em troca de apoio do governo aos planos de seguro-saúde sindicais (importante fonte de receita para eles) e da oportunidade de investir nos fundos de pensão privados (os sindicatos têm participação majoritária em dois dos novos fundos privados).
  • 14
    14 As críticas ao receituário do Consenso de Washington são formuladas nesse período não só por economistas dissidentes como Stiglitz, mas também pelos próprios dirigentes dos organismos internacionais, como Straus Kahn. Sobre as mudanças nas orientações dos organismos internacionais, como o Banco Mundial, também ocorridas no período, ver Kugelmas (2011).
  • 15
    15 Os indícios desse novo cenário aparecem na Argentina no governo Kirchner. Além de enfrentar os credores internacionais, decretando o default da dívida, o presidente adota medidas para retomar o crescimento econômico e a geração de emprego, com a manutenção de taxas competitivas de câmbio real, fomento à poupança interna e ao investimento, que acabaram gerando resultados positivos. Assim, o PIB sai de 1,4% entre 1993-2001 e alcança 8,8% entre 2003-2008. No mesmo período, a poupança privada cresceu de 14,7% para 24% e a taxa de investimento subiu de 18,1% para 24,1% em relação ao PIB do país, conforme dados oficiais.
  • 16
    16 Adicionalmente, o processo de consulta instalou uma página na web com uma seção interativa: Consejo Asesor Presidencial para la Reforma Previsional, em: <http://www.consejoreformaprevisional.cl/view/presentacion. asp?seccion=presentacion>.
  • 17
    17 Dentre os grupos que criticaram as mudanças parciais, destaca-se o CENDA (Centro de Estudios Nacionales de Desarrollo Alternativo), que chegou também a apresentar propostas ao Conselho Assessor da Presidência chilena. Em vários documentos divulgados já em 2006, o CENDA indicava que as propostas encaminhadas pelo governo ao Congresso não alteravam o modelo de capitalização individual.
  • 18
    18 Ver Mesa-Lago (2009). Esse autor também calculou que a cobertura da população economicamente ativa na Argentina caiu de 50% a 36% entre 1993 e 2007.
  • 19
    19 Para Anastasia, Melo e Santos (2004), a mudança da posição política - de oposição para situação - determinou a possibilidade de o PT promover uma reforma contra a qual havia lutado nos anos anteriores, e obter, inclusive, maior sucesso que o governo FHC na tramitação e no resultado final. Isso porque, ao passar para a oposição, o PSDB não pôde adotar a mesma estratégia do PT de combate sistemático às alterações no sistema. Soaria estranho aos eleitores mudar tão radicalmente de opinião sobre um tema que o PSDB defendera de forma arraigada quando de seu governo.
  • 20
    20 Cabe relembrar que, no segundo governo Lula, houve importante inflexão na política macroeconômica ortodoxa estabelecida no primeiro mandato, considerada responsável pelos baixos índices de crescimento econômico do país. Essa inflexão resultou também na mudança dos dirigentes das principais agências governamentais de política econômica, ligadas ao Ministério da Fazenda e do Planejamento, como o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), além do BNDES (Loureiro, Santos e Gomide, 2011).
  • 21
    21 Mesmo tendo impactos nos gastos do INSS, a decisão de elevar o salário mínimo acima da inflação - na média de 11,7% entre 2003 e 2005, de 24,75% entre 2006 e 2008 e de cerca de 50% entre 2003 e 2011 - manteve-se inalterada até a saída da Presidente Dilma Rousseff, trazendo impactos importantes tanto econômicos quanto políticos: permitiu considerável expansão da capacidade de consumo dos trabalhadores, gerando crescimento via distribuição de renda e, portanto, legitimidade política e respaldo eleitoral. Embora o governo Temer tenha mantido a elevação no início de 2017, ainda utilizando a mesma regra de reajuste acima da taxa inflacionária, a sinalização trazida pelas novas políticas é de reversão nesse processo.
  • 22
    22 Com relação ao "congelamento" da política reformista da previdência, ele foi sustentado inclusive por publicações oficiais que criticavam seus fundamentos, como o livro organizado por um dos diretores do Ipea, João Sicsú, Arrecadação e gastos públicos. Nele, as informações sobre o déficit da previdência foram questionadas e a arrecadação foi analisada não do ponto de vista de sua carga total, mas de forma desagregada entre os grupos sociais que mais pagam impostos, confrontando os assalariados e o setor financeiro.
  • 23
    23 Analistas têm indicado, como fatores significativos desse processo de reversão, as alterações na geopolítica norte-americana, visando retomar o controle sobre os governos latino-americanos, que experimentaram certo alívio durante a era Bush e o pós-2001, quando as atenções e pressões do capitalismo globalizado e de seu centro hegemônico voltaram-se predominantemente para o Oriente Médio, privilegiando a guerra ao terrorismo, de modo a garantir domínio dos EUA sobre as fontes petrolíferas daquela área (Cruz, 2014; Fiori, 2014; Bandeira, 2016). Processo esse que, no plano das forças políticas internas, associa-se ao maior protagonismo da direita (Cruz, Kaysel e Codas, 2015).
  • 24
    24 "NO+AFP" é o nome do movimento que tem liderado a luta pela mudança do sistema privado das administradoras de fundos de pensão (AFP). Ver informações sobre o processo político chileno recente nos links: <http://www.comision-pensiones.cl/Documentos/Getinforme f >; <http://www.latercera.com/voces/pensionessecuestradas/>; <http://www.elmostrador.cl/mercados/2017/01/30/2016-el-ano-en-que-la-industria-de-afp-toco-fondo-y-comenzo-a-vivir-en-peligro>; http://www.nomasafp.cl/inicio/ http://radio.uchile.cl/2016/12/10/noafp-aseguradoras-privadas-buscan<-esconder- -su-ineficiencia>; <http://www.elmostrador.cl/mercados/2016/10/18/gobierno-entra-en-la-pelea-entre-luis-mesina-y-las-afp-y-trata-de-bajarle-la-temperatura-a-la-polemica>; <http://www.elpais.com.uy/mundo/chile-protestas-contra-sistema-pensiones.html>.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Jan-Apr 2017

Histórico

  • Recebido
    22 Dez 2016
  • Aceito
    26 Fev 2017
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