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Lições da América: o problema do americanismo em Tocqueville

Lessons from America: the problem of americanism in Tocqueville

Resumos

Quem deve prestar lições a quem: a América à Europa ou vice-versa? O autor interpreta o pensamento de Tocqueville à luz dessa questão, trabalhando com o conceito de americanismo - isto é, a conciliação que se tornou possÃvel nos Estados Unidos, sem que rupturas revolucionárias ocorressem, entre estado social de igualdade e liberdade, entre interesse e virtude, entre privado e público. É essa conciliação, argumenta o autor, que Tocqueville, atento para a irresistÃvel igualização das condições de vida na Europa, viu na experiência norte-americana.


Who should learn from whom: America or Europe? The author interprets Tocqueville's thought in the light of this question, working with the concept of 'Americanism' - to wit, the bringing together of the social state of equality and of liberty, of interest and of virtue, of private and public life, that took place in America without revolucionary rupture. It was this that Tocqueville, with an eye on the European experience of irresistible equalization of life conditions, saw in the American experience.


DIREITO E DIREITOS

Lições da América: o problema do americanismo em Tocqueville* * Texto produzido ao interior do grupo de estudos sobre americanismo do IUPERJ.

Lessons from America: the problem of americanism in Tocqueville

Luiz Werneck Vianna

Professor e pesquisador do IUPERJ e do CPDA/UFRJ

RESUMO

Quem deve prestar lições a quem: a América à Europa ou vice-versa? O autor interpreta o pensamento de Tocqueville à luz dessa questão, trabalhando com o conceito de americanismo — isto é, a conciliação que se tornou possível nos Estados Unidos, sem que rupturas revolucionárias ocorressem, entre estado social de igualdade e liberdade, entre interesse e virtude, entre privado e público. É essa conciliação, argumenta o autor, que Tocqueville, atento para a irresistível igualização das condições de vida na Europa, viu na experiência norte-americana.

ABSTRACT

Who should learn from whom: America or Europe? The author interprets Tocqueville's thought in the light of this question, working with the concept of 'Americanism' — to wit, the bringing together of the social state of equality and of liberty, of interest and of virtue, of private and public life, that took place in America without revolucionary rupture. It was this that Tocqueville, with an eye on the European experience of irresistible equalization of life conditions, saw in the American experience.

Quem deve prestar lições a quem: a América à Europa ou vice-versa? Tal é a questão que nos remete ao estudo do conceito de americanismo em Tocqueville, particularmente atual neste momento em que assistimos à convergência de dois processos supostamente contraditórios: a perda de sentido das revoluções como meio de mudança social e o avanço da democratização social em escala planetária.

Nas circunstâncias de hoje, inquirir o conceito de americanismo nesse autor, longe de aproximá-lo de uma escatologia do tipo "fim da história", em que as diferenças se anulam e o próprio sentido da existência se apaga, bem pode sinalizar em favor de uma revolução permanente das condições de produção da vida. É este elemento fáustico do americanismo que pode abrir um canal inesperado de comunicação entre Tocqueville e este outro Gramsci, que foi o do seminal e inconcluso ensaio Americanismo e Fordismo.1 1 Outro, em oposição ao Gramsci nacional-popular. No estudo sobre americanismo, Gramsci teria abandonado a concepção jacobina de revolução para explorar as possibilidades da revolução passiva, "uma nova forma de mudança, em que as transformações se operam na 'estrutura' (nas relações sociais de produção), por meio de um processo molecular e não necessariamente pela iniciativa das forças antagonísticas fundamentais". Giuseppe Vacca, "L'URSS Staliana nell'analisi dei Quaderni del Carcere", Critica Marxista, nº 34, maio-agosto, Roma, Riuniti, 1988, p. 130. Ver também "Socialismo, Americanismo e Modemità in Gramsci", G. Baratta, Critica Marxista, nº 4, julho-agosto, Roma, Riuniti, 1990. Uma excelente leitura do tema nacional-popular em Gramsci está em Paulo Arantes "Uma Reforma Intelectual e Moral: Gramsci e as Origens do Idealismo Alemão", Presença, nº 17, Rio de Janeiro, CPDC, 1992.

Em ambos os autores, num explícita, noutro veladamente, a pergunta se reitera: tem o conceito de americanismo vigência histórico-universal ou, contrariamente, é singular ao tipo de liberalismo que se implantou nos EUA à base da cultura da tradição puritana e do republicanismo de suas primeiras comunidades de inspiração bíblica?

Para Tocqueville, como para nós, trata-se de examinar as condições que presidem o irresistível — ainda — processo de democratização que tomou conta do mundo, fazendo da compreensão da sua natureza um instrumento para intervir no seu curso. Decerto que o conservador Tocqueville foi movido pelo objetivo de moderar a democracia com instituições e valores das sociedades aristocráticas, ou algo que viesse a exercer papel funcionalmente assemelhado a eles. Nisto, sua intenção manifesta foi a de compatibilizar o emergente estado social da igualdade com a liberdade, uma vez que, segundo ele, a introdução da igualdade na França pela via revolucionária teria trazido consigo os efeitos perversos da confirmação da tradição de centralização do Antigo Regime e do despotismo moderno.

Partindo daí, por meio de uma sociologia histórica comparada, examinando diferentes situações nacionais que vivenciavam condições de igualdade com ou sem prévia revolução, Tocqueville transcendeu suas referências empíricas, indicando que a natureza do seu tempo não somente nascia sob o signo inexorável da democratização, como também se animava pela idéia de que uma revolução contínua se instalava para ficar no mundo. Como procuraremos demonstrar, a noção de transformismo cabe inteira nos seus escritos sobre a Inglaterra e os EUA. Mas vai ser no caso americano que o autor explorará a chave de uma interpretação econômica para o transformismo, porque é este aristocrata quem vai admitir que a única condição para a virtude está no útil e designar o interesse como a matriz das ações humanas significativas.

OS DOIS AMERICANISMOS

É natural que se privilegie na obra de Tocqueville a sua galeria de casos clássicos — o americano, o inglês, o francês e o alemão — que fizeram parte dos livros que publicou em sua vida e jogaram papel determinante na construção do seu tema sobre a igualdade e. a liberdade. Outros casos, como o da Argélia e da Irlanda, em geral notas de estudos editadas postumamente, como o da América do Sul, apenas um fragmento do Livro I de A Democracia na América, são menos lembrados, embora não menos relevantes porque ajudam a aclarar o sentido do pensamento do autor, com freqüência intencionalmente oculto, como nas muitas vezes em que recorre ao argumento retórico da Providência.

Assim é que sua filosofia da história, escorada num conjunto de observações de "pequeno alcance" que antecipam a teoria da modernização, pode ter seu sentido esclarecido no confronto "menor" entre as duas Américas, a do Norte e a do Sul. O caso bem-sucedido do moderno na América do Norte, mais que significar simples preponderância política, militar e econômica sobre a América do Sul — "esses últimos filhos da civilização" —, apontaria para um processo em que o atraso ibérico, sob o impacto das diferentes influências exercidas pelo seu vizinho anglo-saxão, se converteria "à s luzes" e se modernizaria, rompendo com os fundamentos da sua própria história. "Cada povo que nasce ou que cresce no Novo Mundo, nasce e cresce, pois, de certo modo, para proveito dos anglo-americanos."2 2 Tocqueville, A. de. A Democracia na América, Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: EDUSP, 1977, Livro I, Cap. X, p. 310.

A história não é errática nem circular, movendo-se em linha ascendente em direção às luzes sob o primado das civilizações industriais.3 3 Uma interessante discussão sobre o problema da filosofia da história em Tocqueville está em R. Nisbet, 'Tocqueville's Ideal Types", A.S. Eisenstadt, (ed.), in Reconsidering Tocqueville's Democracy in America, New Brunswick, Rutgers University Press, 1988, p. 189. O atraso se constituiria num estado passageiro, o doux commerce internalizando no outro os valores americanos, em que o pólo mais desenvolvido obrigaria e induziria o menos desenvolvido à dependência e à imitação. No contexto do Novo Mundo, portanto, Tocqueville vai entender que a experiência americana não é irredutível à sua formação nacional, devendo e podendo ser absorvida pelos países de raiz ibérica. Compreensão, aliás, que será compartilhada pelo pensamento liberal ibero-americano, a partir de fins dos anos 40 do século XIX, como nos argentinos Sarmiento e Alberdi, e nos brasileiros Tavares Bastos e André Rebouças.4 4 De Sarmiento, ver Facundo, Buenos Aires, Huemul, 1978; de Alberdi, Bases, Buenos Aires, Editorial Plus Ultra, 1981; de Tavares Bastos, A Província, São Paulo, Companhia Editora Nacional, Coleção Brasiliana, nº 105, 1975. Sobre André Rebouças, ver de Maria Alice Rezende de Carvalho, André Rebouças: um Americanista do Império, texto apresentado no II Encontro Latino-Americano de Estudos Norte-Americanos, mimeo, México, 1992. Procurei estudar a presença do americanismo no debate brasileiro em "Americanistas e Iberistas: a Polêmica de Oliveira Vianna com Tavares Bastos", Dados, vol. 34, nº 2, Rio de Janeiro, Vértice, 1991.

Mas, se os valores americanos são universalizáveis em seu continente, não é questão pacífica a necessidade da sua internalização no contexto europeu. O tema se resolve no autor com muitas e tortuosas ambigüidades, opondo um Tocqueville — a América "ensina" a Europa — a um outro, em que somente a Europa pode realizar, sem prejuízo da liberdade, a América. O conceito de americanismo, que se procura construir aqui, depende do encaminhamento dessa questão. Ou a América apenas consiste num "bom" paradigma, irremediavelmente preso à sua radical singularidade histórica — um fundamentalismo puritano —, de cujo estudo se podem extrair lições úteis para a transição européia à nova era democrática que se impõe, ou implica uma nova expressividade para o mundo da igualdade, que tende à generalização, inclusive porque rompe com sua própria tradição.

O complicado na exploração do conceito de americanismo em Tocqueville está em que ele admite as duas interpretações anteriores. Na primeira, em que ele é francamente simpático, embora complacente, à República puritana, somente se pode falar de americanismo como algo singular à América, embora se tenha como necessária a difusão no Ocidente de algumas de suas instituições políticas fundamentais. Já na segunda, onde se acumulam suas reservas com a experiência americana, ora associada a uma forma nova de despotismo — o despotismo democrático5 5 Ver, de Arthur Schelesinger Jr., "Individualism and Apathy in Tocqueville's Democracy", in Reconsidering Tocqueville's Democracy in America, op. cit.; ver também, de Marcelo Jasmim, "Individualismo e Despotismo: a Atualidade de Tocqueville", Presença, nº 16, abril de 1991. —, ora à privatização perversa que desencanta a atividade pública, o americanismo se identifica com o caso mais avançado da nova sociabilidade que se afirma no mundo. Esta última interpretação, pretendemos demonstrar, com todas as ressalvas do autor, é a que triunfa na conclusão da sua obra americana.

Abrir esse problema, do qual depende a procedência do conceito de americanismo, importa retomar o significado no autor das suas duas clássicas disjuntivas: liberdade x igualdade; revolução x transformismo, reparando-se nas descontinuidades entre a"primeira" Democracia (1835) com a "segunda" (1840)6 6 Sobre o tema da descontinuidade entre as "duas" Democracias, ver de J.-C. Lamberti, Tocqueville et les Deux Dèmocraties, Paris, PUF, 1983; Arthur Schelesinger Jr., "Individualism and Apathy in Tocqueville's Democracy, Reconsidering Tocqueville's Democracy in America, op. cit. , sob o crivo da concepção geral de transição ao moderno que se institui em O Antigo Regime e a Revolução.

Tome-se o tema da igualdade na "primeira" Democracia. Em que pese ser essa categoria analiticamente estratégica para Tocqueville, o que se constata é que o autor deseja tratá-la como um mero suposto da sua exposição. Ele próprio desvenda a sua intenção: "educar" a democracia por meio de "uma nova ciência política em um mundo inteiramente novo".7 7 Tocqueville, A de. A Democracia na América, Livro I, Introdução, op. cit., p. 14. A explicação da emergência da igualdade extrairia força e substância ao argumento de que caberia à política estabelecer e preservar a liberdade sobre e contra a "fatalidade" do social. Neste sentido, a retórica do Livro I assume a aparência de apresentar a política em relação de primazia com a sociabilidade e se confronta com a idéia de determinação que provém da dimensão do social.

Pelo processo societal da igualdade, Tocqueville entende um movimento inexorável, independente da consciência dos homens, que obrigaria ao nivelamento e à homogeneização entre eles. A igualdade seria um histórico-universal, e que toma forma a partir da transição da feudalidade à sociedade mercantil-burguesa. À primeira vista, o autor parece compartilhar com o Huminismo a crença numa história em progresso.

O específico à América, a experiência que lhe seria irredutível "por uma circunstância natural", porque se originou como sociedade de uma revolução democrática "sem ter passado pela própria revolução"8 8 lbid. p. 18. , consistiria no seu ingresso no moderno — a igualdade — sem perda da liberdade. Não é a igualdade, então, o que singulariza a solução americana do moderno, mas a liberdade, com seus costumes, leis e instituições. Uma liberdade que é um contingente histórico e está em posição de antecedência quanto ao moderno, pois deriva da cultura política fundacional dos puritanos. Daí que o autor vai poder inverter a tradicional assimetria entre o Velho e o Novo Mundo: é a Europa, que não pode mais reiterar a experiência inglesa, uma vez que a aristocracia é uma categoria social extinta, quem deve aprender a democracia com a América a fim de conhecer a igualdade sem o despotismo e a servidão.9 9 Ibid, prefácio à 12ª edição, 1848, p. 8:

Embora Tocqueville tenha antecipado muito daquilo que vai consistir na teoria da modernização na sociologia contemporânea, mais do que descrente, ele sempre foi inteiramente contrário à noção de que o "desenvolvimento político" pudesse estar vinculado ao comportamento de variáveis societais. Para ele, a modernização, quando "guiada ao acaso", como na França, "o país mais avançado na revolução democrática", comprometeria a idéia da liberdade, cumprindo-se como um processo em que a democracia "não é educada" no propósito de "atenuar os seus vícios e fazer ressaltar suas vantagens naturais".10 10 Ibid, Livro I, Introdução, pp. 14-5.

Assim, em Tocqueville, como observa R. Nisbet, a afirmação da absoluta superioridade das forças morais sobre as materiais coexiste paradoxalmente com "uma espécie de processo dialético"11 11 Nisbet, R op. cit., p. 190. que conduz com mão de ferro ao "próximo advento, irresistível e universal da democracia no mundo".12 12 Tocqueville A. de. A Democracia na América, op. cit. prefácio à 12ª edição, 1848, p. 7. O social não explica o político, a igualdade não traz consigo a liberdade.

A PROVIDÊNCIA E O ATOR

Mobilizar a atenção para as causas conduz a uma depreciação do papel do ator como sujeito ativo na história. Um recurso para tratar com elas é o da metáfora: "O gradual desenvolvimento da igualdade é uma realidade providencial. Dessa realidade, tem ele as principais características: é universal, é durável, foge dia-a-dia à interferência humana; todos os acontecimentos, assim como todos os homens, servem ao seu desenvolvimento".13 13 Ibid, Livro I, Introdução, p. 13. O interesse de Tocqueville estaria no resultado.14 14 Eisenstadt, A.S. "Introduction", in Reconsidering Tocqueville's, Democracy in America, op. cit., p. 6.

Mas, se a história não é circular, e segue um movimento ascendente, ela pode estancar se não a sustenta o esforço diligente e continuado do homem. Tocqueville, na verdade, não acompanha de todo a convicção iluminista de um progressivo aperfeiçoamento da humanidade. A irreversibilidade do processo de democratização não se traduz necessariamente num caminho de afirmação do homem na história15 15 Para uma discussão magistral sobre os fundamentos da retórica tocquevilliana, ver H. White, Meta-História, A Imaginação Histórica ao Século XIX, São Paulo, EDUSP, 1992, Parte II, pp. 203 e ss. , e pode até importar o seu contrário. A aventura intelectual do Ocidente conhece a possibilidade de ser traída, se a igualdade se realiza em detrimento da liberdade. Mas sua filosofia da história não é imperativamente cética — o social pode ser "educado" pela política. Objeto das determinações da Providência, o sujeito tenso de Tocqueville deve estar permanentemente pronto para retrucá-las com o princípio da superioridade do moral sobre o material. Tal versão dramática da história encontra a sua expressão nas dicotomias tocquevillianas, categorias contrapostas, referidas, umas, aos princípios fundadores das sociedades democráticas emergentes e, outras, aos das sociedades aristocráticas, como nas oposições entre a igualdade e a liberdade, o privado e o público, o burguês e o cidadão, o interesse e a virtude, o útil e o honesto. A atividade do sujeito consistiria em apaziguar esta luta entre contrários, produzindo as condições da sua harmonização. Natural, segundo o autor, na via americana de realização do moderno. Desse estrito ângulo, inevitável a reivindicação do primado da ciência política, ponto privilegiado de onde o ator pode conciliar os princípios da sociedade que se vai com os da que se afirma, instituindo uma boa passagem para o moderno que preserve o que haveria de melhor em ambas.

O autor sabe, porém, que, no Ocidente moderno, o caminho de passagem de um tipo de sociedade para outro já foi percorrido na sua maior parte, e mais sob influência da idéia de revolução, como na França, do que da transição transformista, como na Inglaterra. Daí que o autor também saiba que sua proposta de intervenção política se defronta com uma circunstância em que as melhores oportunidades para ela foram perdidas, dado que, por toda parte, a sociedade aristocrática já foi substituída pela democrática, tal como o autor argumenta em O Antigo Regime e a Revolução. O estudo dos processos que levaram a essa perda, mais o conjunto de reflexões dedicadas à possibilidade da "educação" das sociedades democráticas efetivamente existentes, é que vão produzir o resultado que o autor não queria: explicar a Providência.

Tocqueville, como Marx, estava bem consciente da distinção do plano da investigação diante do plano da exposição, mas, à diferença deste, que as compreendia como organicamente articuladas, identificava uma armadilha entre esses dois momentos da análise: se em nossos atos pode ser necessário que "nos descartemos das regras da lógica, não poderíamos fazer o mesmo no discurso, e o homem encontra, para ser incoerente nas suas palavras, dificuldades quase tão grandes como as que, de ordinário, encontra para ser coerente em suas ações".16 16 Tocqueville, A. de. A Democracia na América, op. cit., Introdução, p. 21.

Com a metáfora da Providência, o autor visa se resguardar de um objeto que pode afastá-lo da sua intenção — a história da sociabilidade, o estudo das causas da mudança social. Sua motivação explícita é orientar uma práxis política que preserve a liberdade. O problema está em que a democratização é e não é um "círculo fatal", sendo-o na medida em que "as nações de hoje não poderiam impedir que as condições se tornem iguais em seu interior", e não o sendo porque "delas depende que a igualdade as conduza à servidão ou à liberdade, à s luzes ou à barbárie, à prosperidade ou à miséria".17 17 Ibid, Livro II, Quarta Parte, Cap. VIH, p. 542. Como, então, estudar as "causas" sem subsumir o ator nas determinações gerais, cancelando seu papel ativo e reduzindo-o a uma máscara social? Conscientemente, o discurso avança num terreno fugidio à preservação da sua coerência.

Admitir a existência de um sentido no movimento histórico e compreender o ator como livre para intervir sobre seu destino, como faz Tocqueville, pode sugerir uma concepção de articulação entre história e ator, em que a liberdade deste se limita a confirmar por meio dos seus atos o movimento daquela. Precisamente como teria feito a teoria sobre o social dos revolucionários franceses, designando a categoria povo como intérprete privilegiado da história18 18 O entendimento de Tocqueville sobre o papel dos intelectuais na revolução está desenvolvido nos capítulos 1 e II do Livro III de O Antigo Regime e a Revolução. , e como fará esse contemporâneo um pouco mais moço que Tocqueville, que foi Marx, ao atribuir esse papel ao proletariado. Assim, a simulação retórica do autor, ao confiar sua filosofia da história à Providência, é que vai lhe permitir afirmar e, ao mesmo tempo, apartar história e ator.

Por outro lado, o ator tocquevilliano não pode provir do mundo efetivamente existente, porque é a ele que cabe "corrigi-lo",recriando as relações entre o privado e o público, num contexto que se apresenta como desanimador para este último. Seu herói não poderia sair da sociabilidade moderna, uma vez que, aí, estariam os personagens prisioneiros da lógica do estado social da igualdade — o particularismo privatista. A postura e a perspectiva do seu ator não são liberatórios de forças emergentes entravadas, mas de "educação" de um processo histórico que, entregue à sua própria fortuna, tende a conspirar contra os valores e as instituições da liberdade.

A gênese da sociabilidade moderna encontraria explicação nos processos de formação da sociedade mercantil, de individuação e de constituição do interesse como matriz social dominante. O triunfo da sociedade mercantil é associado à passagem de uma época histórica a outra, a partir da conversão da terra em um valor de mercado, acabando com o monopólio da aristocracia sobre este bem, do qual ela extraía sua identidade e modo de ser. Em seqüência, "não houve descoberta nas artes nem aperfeiçoamento no comércio e na indústria que não viesse a criar outros tantos novos elementos de igualdade entre os homens"; então, ter-se-ia instituído um novo princípio de ordem, em que "cada processo novo que se descobria, cada necessidade que viesse a nascer, cada desejo que precisava ser satisfeito, eram progressos no sentido do nivelamento universal".19 19 Tocqueville, A. de. A Democracia na América, Livro I, Introdução, op. cit., p. 12. Sobre a importância do tema agrário em Tocqueville, ver S. Drescher, Tocqueville and England, Cambridge, Mas., 1964, cap. IV.

"Os exercícios da inteligência" se traduziriam em novos e mais eficazes instrumentos da democratização ao se porem a serviço da produção material: "Cada desenvolvimento da ciência, cada novo conhecimento, cada idéia nova [se apresenta] como um germe de poder posto ao alcance do povo".20 20 Ibid, p. 13. A história se mundializa e a igualdade exprime um processo histórico-universal — "para onde quer que voltemos o olhar, percebemos a mesma revolução em curso ininterrupto no universo cristão".21 21 Ibid.

A revolução da igualdade, como processo de longa duração, afirma, então, um elemento de positividade, que é social, em sua filosofia da história: "Quando se percorrem as páginas de nossa história, não se encontram, poder-se-ia dizer, grandes acontecimentos que, após 700 anos, não se tenham levantado em proveito da igualdade. As Cruzadas e as guerras inglesas dizimam os nobres e lhes dividem as terras; a instituição das comunas implanta a liberdade democrática no seio da monarquia feudal; a descoberta das armas de fogo iguala plebeu e nobre no campo de batalha; a imprensa oferece iguais recursos à inteligência deste e daquele; o correio vem trazer a luz à soleira da cabana do pobre, assim como à porta do palácio; o protestantismo afirma que todos os homens estão em condições de encontrar o caminho do céu. A América, ao ser descoberta, oferece à fortuna mil novos caminhos e põe ao alcance do aventureiro obscuro as riquezas e o poder".22 22 Ibid.

Mas boas "causas" não propiciam necessariamente bons resultados. O avanço inexorável do social pode reverter em má política — a generalização da igualdade se traduzir em perda da liberdade. As mesmas "causas gerais" produzem, segundo a diversidade dos contextos, resultados que podem ser radicalmente dessemelhantes, como o inglês e o francês; daí que elas expliquem pouco sem a intermediação das "causas secundárias", do papel do "acidente" na história e, sobretudo, da atividade do sujeito, afortunada ou não, sobre as suas circunstâncias.23 23 Tocqueville discute a natureza das causas em O Antigo Regime e a Revolução, Livro II, cap. VIII e seguintes, e no Livro III, cap. I; em Souvenirs, Paris, Gallimard, 1964, tem-se a mesma discussão à luz dos acontecimentos de 1848, como na Parte II, cap. I, pp. 83-4; nesse último texto, sarcasticamente, Tocqueville atribui aos "homens de letras" o gosto pela explicação dos fatos a partir de "causas gerais", e aos políticos, a partir dos "incidentes particulares", e manifesta sua recusa aos "sistemas absolutos" que fazem depender todos "os acontecimentos da história de grandes causas primeiras, que se articulam umas à s outras numa cadeia fatal e que suprimem, por assim dizer, os homens da história".

A positividade do social pode reverter em negatividade da política, a igualdade tendendo a atuar, na ausência de instituições que contrariem suas intrínsecas tendências a separar a esfera privada da pública, no sentido de reduzir o espaço de liberdade. Sem esta, interrompe-se o desenvolvimento do patrimônio cultural e de valores do Ocidente, a própria positividade do social pode ser cancelada, como Tocqueville vai argumentar na "segunda" Democracia. O movimento do social em flecha, desde a constituição da sociedade mercantil-burguesa, pode encontrar seu ponto de paralisia numa extremada "privatização do mundo", categoria assemelhada ao processo de racionalização em Weber, que ameaça extrair o alento da vida.24 24 A Democracia na América, Livro II, Parte III, cap. XXI, p. 494.

Caberia à política emancipar o social dos constrangimentos que lhe seriam próprios, as instituições da liberdade animando a igualdade, assim como o carisma, analogamente em Weber, impediria a sociedade de sucumbir à racionalização.25 25 Ver de Alessandro Dal Lago, L' Ordine Infranto, Max Weber e i Limiti del Razionalismo, Milão: Edizioni Unicopoli, 1983; G. Cohn, Crítica e Resignação, São Paulo: T.A. Queiroz, 1979; J.G. Merquior, Rousseau e Weber, Rio de Janeiro, Guanabara, 1990; e, principalmente, A. Mitzman, The Iron Cage: an Historical Interpretation of Max Weber, Nova York, Alfred Knopf, 1970. Crucial para isso a boa resolução das oposições dicotômicas em Tocqueville — privado x público, burguês x cidadão, interesse x virtude, útil x honesto —, sem o que os primeiros termos, que indicam a natureza da sociedade mercantil-burguesa, por-se-iam em relação de primazia com os segundos, quando, então, o avanço da igualdade repercutiria negativamente sobre a liberdade. O resultado da modernização, como o francês, por exemplo, em que a obra da Revolução teria importado a cristalização das oposições expressas naquelas categorias, teria como conseqüência o despotismo moderno, fruto de uma situação de alheamento entre o indivíduo e o seu Estado.

O INTERESSE BEM COMPREENDIDO

O liberal Tocqueville, como os não-liberais Hegel e Marx, é um anticontratualista. Historicista radical, recusa-se a admitir a solução Hobbes-Locke que, por meio de um pacto social, separe a sociedade civil do Estado e a razão do interesse da razão pública. Para ele, a expropriação política do indivíduo, em favor de um Estado sobreposto à sociedade a fim de exercer arbitragem nos conflitos de interesses, instala a igualdade num terreno impróprio à liberdade. Seu problema não é o de fundar a paz, como entre os contratualistas ingleses, mas o da virtude. Não a virtude da polis, mas uma própria à sociedade mercantil-burguesa e que somente pode encontrar sustentação e expressão na esfera do interesse. A doutrina do interesse se inscreve, portanto, no coração da teoria tocquevilliana, dominada pelo tema excruciante da dualidade moderna, cindida nas esferas contrapostas do público e do privado. Como enfrentar essa cisão, longe das tentações holísticas de submissão do indivíduo e do seu interesse a um Estado que encarne a vontade geral da sociedade? A resolução original de Tocqueville — que é de inspiração americana — assume o indivíduo e seu interesse como ponto de partida para a constituição de um certo tipo de "Estado ampliado", não porque seja invadido pela sociedade ou seja um invasor dela, e sim porque se "amplia" ao internalizar o público à praxis do interesse de cada indivíduo. A liberdade, como na América, é filha do imanente — costumes, história, instituições —, e não de uma razão transcendental personificada no Estado.

A irreparável cisão moderna entre o público e o privado não deve ser objeto de uma superação, como em Marx. Trata-se de conciliar essas duas esferas, recriando-se, onde inexistissem condições "naturais" para isso, pela intervenção da ciência política, uma sociabilidade que "eduque" o egoísmo. O interesse pode ser "correta" ou "equívocamente" compreendido, e esta é, na verdade, a distância que separa a liberdade do despotismo.

Mas a substancialização do interesse em sua forma positiva deve dispensar a ação coativa e normativa de um ente externo a ele a que o obrigue a solidarização com fins ético-morais — o interesse é livre e não deve ser domesticado ou reprimido por critérios de uma razão abstraía. Em Tocqueville, a doutrina do interesse corretamente compreendido se origina de uma boa passagem histórica da era da aristocracia para a da democracia, como na Inglaterra, ou de sociedades que nasceram sob o estado social da igualdade em uma conjunção favorável à liberdade, como na América. Não é o Estado, como em Hegel, quem eleva o interesse ao estatuto do "corretamente compreendido", mas os acontecimentos e as ações que tiveram curso na história, vista esta como o repositório de conquistas da liberdade no Ocidente. Necessariamente o argumento de Tocqueville vai recorrer a uma sociologia histórica comparada.

Na construção hegeliana, a possibilidade de conciliação entre o público e o privado, por meio de um interesse "corretamente compreendido", não está na história nem pode derivar de uma forma particular de sociedade civil e, menos ainda, de configurações "infantis" de Estado, como o inglês, expressão de vontades particulares e não da vontade geral.26 26 Hegel, Principios da Filosofia do Direito, tradução de Orlando Vitorino, Lisboa, Martins Fontes, Parte III, seção III, p. 216; ver os comentários sobre o ponto em F. Furet, Maix et la Révolution Française, Paris, Flammarion, 1986. Confundir o Estado como uma expressão do particular que se manifesta na sociedade civil é reduzir sua compreensão ao papel de mero guardião da propriedade e da liberdade do homo oeconomicus e do indivíduo egoísta. Mantida essa perspectiva, o dualismo do Estado moderno se apresentaria como insanável, dissociando-se a dimensão do interesse daquela da moralidade.

Em Hegel, a sociedade civil burguesa coincide com o estado de natureza hobbesiano, que se acharia sob o domínio das paixões, do medo e da barbárie.27 27 Ver, de R. Janine Ribeiro, Ao Leitor sem Medo, São Paulo, Brasiliense, 1984; de N. Bobbio, "Hegel e o Jusnaturalismo", Estudos sobre Hegel, São Paulo, UNESP e Brasiliense, 1989, e Tilomas Hobbes, Rio de Janeiro, Campus, 1991. Constitutivamente, a sociedade civil não poderia produzir o "esclarecimento" do interesse. O interesse "corretamente compreendido" não procede dos indivíduos singulares, mas de uma "totalidade ética" que se realiza no Estado28 28 Ver os comentários de N. Bobbio, "Hegel e o Jusnaturalismo", Estudos sobre Hegel, op. cit., p. 30. , através da mediação das corporações que, como a família, consiste numa "raiz moral do Estado", raiz que está implantada na sociedade civil e expressa os novos seres do mundo industrial orientados para o particular.29 29 Hegel, Princípio da Filosofia do Direito, op. cit., pp. 212-4. Tratando das corporações na moderna divisão social do trabalho, diz o autor: "Tem a classe agrícola em si mesma e imediatamente o seu universal concreto, na substancialidade da vida familiar e natural [...]. Medianeira entre as duas, a classe industrial está essencialmente orientada para o particular, e é por isso que a corporação lhe é própria", op. cit., p. 211.

Por meio das corporações, o indivíduo se evade da tendência do isolamento imposta pelo "aspecto egoísta da indústria", reconhecendo-se o seu pertencimento a um todo, "que ele próprio é um membro da sociedade em geral e que o seu interesse e esforço se orienta para fins não egoístas desta totalidade".30 30 Ibid. p. 213. O plano do interesse, sem nenhuma perda de autonomia e de força intrínseca, se eleva, então, ao da moralidade, uma vez que nas corporações "o chamado direito natural de exercer os talentos próprios e ganhar o que se possa só é limitado na medida em que tais talentos recebem um destino racional".31 31 Ibid. p. 214. Tal limite seria de natureza moral, cabendo à s corporações, a partir do pleno reconhecimento da dimensão do interesse — esta "matéria inorgânica da sociedade civil" —, elevá-lo à dignidade de atividade consciente para um fim coletivo.32 32 Ibid.

O esclarecimento do egoísmo constituir-se-ia, em Hegel, pelo trânsito do interesse nu até o Estado, sob a mediação das corporações, transcendendo-se o privatismo particularista da sociedade civil burguesa em direção a um universal — "o domínio da sociedade civil conduz, pois, ao Estado".33 33 Ibid. p. 215. Como o todo, porém, não se explica por suas partes, o verdadeiro fundamento do Estado real — em oposição à s suas formas históricas — pertence ao pensamento, fruto de uma vontade geral que não deriva da noção de contrato, na medida em que é no Estado que a consciência de si encontra a sua liberdade substancial.34 34 Ibid. p. 218. A tese central de N. Nobbio, "Hegel e o Jusnaturalismo", op. cit., é acompanhada por esta observação forte de F. Furet: "A hipótese de umestado de natureza anterior ao Estado, mesmo que a título teórico, é para Hegeltão aberrante quanto o foi para Aristóteles. O Estado é a polis dos modernos".In Marx et la Revolution Française, op. cit., p. 20.

Na sociedade moderna, o privado reconcilia-se com o público ao se elevar o interesse ao plano do universal: "O princípio dos Estados modernos tem esta imensa força e profundidade: permite que o espírito da subjetividade chegue até a extrema autonomia da particularidade pessoal, ao mesmo tempo em que o reconduz à unidade substancial, assim mantendo esta unicidade no seu princípio".35 35 Hegel, Princípios da Filosofia do Direito, op. cit., p. 225.

Nada mais estranho a Tocqueville do que pretender reconciliar o privado com o público em nome da realização da razão na história moderna, completando-se em uma teoria do Estado a obra frustrada da Revolução Francesa.36 36 Sobre Hegel e a Revolução Francesa, ver de G. Luckács, El Joven Hegel, México, Juan Grijalbo Editor, 1963; e F. Furet, Marx et la Révolution Française, ob. cit. O racionalismo jurídico sempre encontrou nele um critico implacável, defensor que foi de um direito enraizado nos costumes e na tradição, cujo melhor modelo seria a Common Law inglesa, expressão da primazia da sociedade sobre o Estado e do "natural" — o direito consuetudinário — sobre o "artificial" — o direito produzido pela razão do legislador.37 37 As análises de Tocqueville sobre o assunto estão em A Democracia na América, Livro I, Parte II, cap. VIII, e em O Antigo Regime e a Revolução, Livro III, Cap. III, Brasília: Ed. da Universidade de Brasília, 1979. Entre Hegel e Savigny, no debate jurídico que dominou as primeiras décadas do século XIX, opondo a escola racional à escola histórica do direito, Tocqueville ficaria, sem dúvida, com o segundo, embora nada tivesse em comum com o seu romantismo que identificava o direito com o "espírito do povo" (Volksgeist).38 38 Não tenho informações se Tocqueville conhecia de fato os termos da polêmica entre as escolas de Hegel e de Savigny, embora mantenha a suposição de que dificilmente seus ecos não lhe tivessem chegado, uma vez que o tema da constituição se tomara de alcance geral nos meios jurídicos da época. Sobre a polêmica, no contexto das universidades alemãs, ver A. Cornu, Karl Marx e Friedrich Engels, Livro I, Cap. III, Paris, PUF, 1955.

Decididamente, Tocqueville não é um romântico, e sim um realista plenamente consciente de que as antigas instituições européias não exprimem o "espírito do povo" em geral, mas a aristocracia e seu estilo de mando, como deixará evidente em O Antigo Regime e a Revolução. Para ele, no entanto, as antigas instituições, como teria ocorrido na Inglaterra, poderiam ser democratizadas, enquanto o racionalismo jurídico, se consagra a igualdade, seria incompatível com a liberdade, instituindo uma forma de servidão voluntária do indivíduo em relação ao Estado.39 39 Ver, de J.C. Lamberti, La Notion d'Individualisme cbez Tocqueville, Paris, PUF, especialmente Cap. III, Seção III, sobre a virtude nas democracias modernas; e Marcelo Jasmim. Tocqueville e as Conseqüências Despóticas da Democracia, tese de mestrado, mimeo, IUPERJ, 1988.

Tocqueville oporia ao racionalismo jurídico das correntes intelectuais tributárias ou sob a influência da Revolução Francesa, cujo ponto culminante se exprimiria em uma Constituição40 40 Ver a concepção constitucionalista de Hegel em Princípios da Filosofia do Direito, op. cit. p. 270. Em 1835, em sua segunda viagem à Inglaterra, Tocqueville pôde perceber a influência do constitucionalismo de Bentham, cujas idéias tinham inspirado em grande parte a elaboração da Poor Law de 1834. Ver de S. Drescher, Tocqueville and England, op. cit., p. 77. , o princípio da primazia da sociedade, entendida esta como o laboratório empírico, onde os costumes e valores se traduzem em instituições e normas do direito. Como em Tocqueville as possibilidades de reconciliação entre o público e o privado dependem do modo como se cumpriu o processo de modernização — por via transformista ou revolucionária —, sua filosofia política se materializa na sua pesquisa histórica.

O interesse, quer em sua forma "correta" ou "equívoca", estaria condicionado à s soluções históricas que se impuseram na hora estratégica da passagem da sociedade tradicional para a moderna. Na Europa, função do arranjo particular que as principais forças sócio-políticas estabeleceram entre si — rei, aristocracia e povo —, propiciando soluções felizes quando se operou uma aliança entre as partes fracas — aristocracia e povo —, contra a forte — a realeza —, caso da Inglaterra; e infelizes, como na França, em que o rei, este grande nivelador, conseguiu mobilizar o povo contra a aristocracia.41 41 Tocqueville, A. de. "Réflexions sur l'Histoire de l'Angleterre", Voyages en Angleteire et en Mande, Paris, Gallimard, 1957, 1958 e 1967, p. 40. Na América, seria uma função das suas próprias condições de nascimento, naturalmente favoráveis à liberdade.

Porque há um problema de tempo na relação da liberdade com a igualdade, aquela deve preceder a esta — na medida em que muda, a sociedade aristocrática se conserva, incorporando seletivamente os seres do emergente estado social democrático. A aceleração da igualdade, que inviabiliza o processo transformista, poderia comprometer a liberdade: "Existe, na realidade, uma passagem muito perigosa na vida dos povos democráticos. Quando o gosto pelos prazeres materiais se desenvolve num desses povos mais rapidamente que as luzes e os hábitos da liberdade, chega um momento em que os homens se acham enleados, e como que fora de si mesmos, tendo em vista os bens novos que estão prontos a colher. Preocupados apenas com o cuidado de fazer fortuna, não mais percebem o estreito laço que une a fortuna particular de cada um deles à prosperidade de todos. Não é necessário tirar de tais cidadãos os direitos que possuem; eles mesmos os deixam escapar voluntariamente" (grifo meu).42 42 Idem, A Democracia na América, Livro I, Parte II, cap. XIV, p. 412.

A igualdade, que avança em descompasso com as instituições da liberdade, perverte o interesse corretamente compreendido em equívocamente compreendido, o indivíduo em individualismo, o privado em privatismo, consolidando-se a fratura entre o público e o privado, origem do despotismo moderno: "Os que trabalham não desejam pensar na coisa pública e não existe mais a classe [a aristocracia] que poderia encarregar-se desse cuidado para encher os seus vagares; o lugar do governo fica como que vazio".43 43 Ibid, p. 413.

A lógica do estado social da igualdade traz em si a tendência à abdicação política da sociedade civil em nome da ordem e da preservação da paz: "É através da boa ordem que todos os povos chegaram à tirania [...]; uma nação que não pede ao seu governo senão a manutenção da ordem é já escrava, no fundo do coração; é escrava do seu bem-estar, e está prestes a surgir o homem que deve prendê-la com correntes".44 44 Ibid.

A tensão entre os planos da liberdade e da igualdade é permanente, nunca podendo ser inteiramente cancelada, pois os princípios organizadores deles procedem de tipos de sociedade radicalmente diferentes: a aristocrática e a democrática. Tem-se, então, que o interesse corretamente compreendido não pode ser plenamente homólogo ao estado social da igualdade. A liberdade é filha da tradição, quer das antigas instituições da feudalidade, quer do republicanismo puritano dos fundadores da township americana. A liberdade encontraria seu melhor caminho nas soluções transformistas, e não nas revoluções, estas inimigas dos costumes estabelecidos e cujo papel é o de estabelecer a idéia da descontinuidade na história.

A doutrina do interesse corretamente compreendido poderia ser generalizada onde ela não fosse conhecida — como na França —, pela intervenção da ciência política — o ator em Tocqueville é anônimo — e a partir do entendimento do papel das instituições nos casos históricos que a viram nascer, e não como fruto de uma razão especulativa.

A BOA PASSAGEM PARA O MODERNO

Foi dito anteriormente que Tocqueville não identifica o ator que, no processo geral da democratização, deva atuar como portador e recriador da idéia da liberdade. Isso é verdadeiro apenas quando se trata de um ator para o qual se espera um papel atino, tal como o intérprete inominado da "ciência política" que deve reformar as sociedades igualitárias que perderam o caminho da liberdade. O ator, porém, é identificado quando se espera dele um papel passivo, resistente à revolução da igualdade em nome dos seus valores — a aristocracia. A boa combinação entre liberdade e igualdade não resulta de um plano normativo e sistemático, concebido por um ator que domina racionalmente o seu tempo histórico, mas de um efeito inesperado de movimentos sócio-políticos contraditórios e que se efetivam na hora da passagem para o moderno.45 45 Os problemas metodológicos tocquevillianos desse tipo são estudados em R. Boudon, Efeitos Perversos e Ordem Social, Rio de Janeiro, Zahar, 1979; S.A. Hadari, Theory in Practice, Tocqueville's New Science of Politics, Stanford, Califórnia, Stanford University Press; e J. Elster, Psychologie Politique (Veyne, Zinoviev, Tocqueville), Paris, Les Editions de Minuit, 1990.

Assim, se em Tocqueville estão presentes o filósofo político e o moralista preocupado com a idéia de uma "boa sociedade", a ser conquistada pelo juízo livre do homem sobre sua própria natureza dividida entre o espírito e a natureza46 46 White, H. Meta-História — a Imaginação Histórica do Século XIX, op. cit., p.205. , a sua questão de fundo é remetida para o campo da história, muito especialmente para a da sociologia histórica comparada.

Na moderna sociologia histórica comparada, como na escola de B. Moore, o resultado democracia aparece vinculado a um movimento de ruptura entre novas e velhas elites no momento de desenlace da modernização.47 47 Moore, B. Social Origins of Dictatorship and Democracy, Boston, Beacon Press, 1966. Já em Tocqueville a possibilidade da liberdade nos contextos igualitários depende da resistência passiva da aristocracia, que, sem obstaculizar o processo emergente da democratização, ponha nele a marca dos seus valores e de suas instituições.

A avaliação de Tocqueville sobre seu tempo seria a de que a transição para o moderno vinha se cumprindo a partir do deslocamento da aristocracia: "Os homens estão sendo levados por uma força desconhecida, que temos a esperança de poder regular e abrandar, mas não de vencer, e que os impele, branda ou violentamente, a destruir a aristocracia".48 48 Tocqueville, A. de. O Antigo Regime e a Revolução, Prefácio, op. cit., p. 46. Fica a questão para ser investigada do porquê de a revolução societal da igualdade, no caso da Europa continental, especialmente na França, ter assumido uma lógica incompatível com a aristocracia.

Tocqueville não nega que os resíduos aristocráticos, sobreviventes à ultrapassagem do Antigo Regime, ainda poderiam jogar seu papel na institucionalização das sociedades igualitárias, mas deixa clara a irrepetibilidade da solução inglesa. Sem a aristocracia, a Europa não conheceria solução própria para a defesa da liberdade: "Em todas as sociedades do mundo aqueles que sempre encontrarão as maiores dificuldades em escapar por muito tempo ao governo absoluto serão precisamente estas sociedades onde não há mais e não pode mais haver uma aristocracia".49 49 Ibid.

É preciso aprender com o paradigma americano, que substituiu a aristocracia pelo seu correlato funcional — a magistratura, os corpos intermediários organizados em torno de interesses: "Creio que os simples cidadãos, ao se associarem, podem constituir seres muito opulentos, influentes, fortes, ou, numa palavra, pessoas aristocráticas [...]. Uma associação política, industrial, comercial ou mesmo científica e literária é um cidadão esclarecido e poderoso [...] e que ao defender seus direitos particulares contra as exigências do poder, salva as liberdades comuns".50 50 Idem, A Democracia na América, Livro II, Parte IV, Cap. Vil, p. 535.

Dado que a igualdade indicaria um processo geral, comum a todos e irreversível, a variação estaria na história da liberdade. Por que a igualdade na França foi conduzida "em nome dos direitos naturais da humanidade" e em ruptura com a tradição aristocrática, e na Inglaterra levou à atualização da "antiga lei comum da Europa"?51 51 Idem, O Antigo Regime e a Revolução, Livro I, Cap. III, p. 58. Respondendo ascríticas de Burke à Revolução Francesa, ao perguntar por que os franceses não se voltavam para as suas "antigas franquias", Tocqueville retruca: "Burke não percebe que a revolução que tem sob seus olhos é a revolução que deve precisamente abolir esta antiga lei comum da Europa; não entendeu que é distoe não de outra coisa que se trata". — O Antigo Regime e a Revolução, Livro I,Cap. V, p. 64, op. cit. A resposta se desloca do campo francês para o da história das liberdades no Ocidente: "Quem só viu e estudou a França nunca compreenderá nada da Revolução Francesa".52 52 Ibid. Livro I, Cap. IV, p. 62. A via francesa não se explicaria pela simples influência das teorias revolucionárias: antes, no século XV, intelectuais já tinham contestado os fundamentos da tradição em nome do direito natural e tinham visto suas tentativas revolucionárias fracassarem. Os homens de então seriam "tão diferentes uns dos outros que a idéia de uma lei aplicável a todos" ser-lhes-ia incompreensível.53 53 Ibid. Livro I, Cap. III, pp. 58-9.

Na França, o assemelhamento dos homens é obra tanto do avanço do estado social da igualdade, como da ação niveladora do rei que dividiu os homens "para governá-los mais absolutamente"54 54 Ibid. Livro II, Cap. XII, p. 131. ,ao introduzir o princípio da centralização política e da tutela administrativa sobre a vida municipal, vitimando as antigas liberdades — "a lei comum da Europa" — e dissociando a aristocracia da massa do povo.55 55 Ibid. Livro II, Cap. I, p. 69. Somente depois disso é que os franceses teriam estado prontos para a recepção das doutrinas revolucionárias do direito natural.

A perversa combinação da centralização política com a feudalidade teria dado origem a uma aristocracia expropriada politicamente, casta parasitária dotada de privilégios, sentidos como odiosos porque usufruídos sem a contrapartida do exercício de uma função pública.56 56 Ibid. Livro II, Cap. I, p. 71. Sem induzir solidariedade entre aristocracia e campesinato, esvaziado de qualquer tipo de obrigação política legítima, na França "o feudalismo continuou sendo a maior de todas as nossas instituições civis, mesmo quando deixou de ser uma instituição política".57 57 Ibid. Livro II, Cap. I, p. 72.

Como em Maquiavel e Montesquieu, a liberdade em Tocqueville nasce da institucionalização dos conflitos entre potências sociais que se antagonizam.58 58 Tocqueville converge quase literalmente com Maquiavel (Discursos, Livro I, Cap. II) sobre o papel dos conflitos na institucionalização da liberdade, embora negue existência empírica aos regimes mistos, uma vez que, numa sociedade qualquer, sempre se acaba por descobrir um princípio de ação que domina todos os outros ( A Democracia na América, Livro I, Parte II, Cap. VII, p. 194): "Os pequenos abalos que a liberdade pública provoca nas sociedades mais bem assentadas lembram diariamente a possibilidade de derrubamentos e obrigam a prudência pública à vigilância" .— O Antigo Regime e a Revolução, Livro III, Cap. I, p. 138. Sobre o mesmo assunto em Montesquieu, ver o excelente ensaio de L. Althusser, Montesquieu, la Politique e l'Histoire, Paris: PUF, s/d. A obra do Antigo Regime francês teria conspirado contra a idéia da liberdade ao fazer tábua rasa das instituições políticas originárias das lutas e conflitos da emergente sociedade mercantil no interior da ordem feudal, como no caso da perda dos direitos das cidades diante da administração real, por meio da criação da nova figura dos intendentes, delegados do monarca como gestores da vida municipal.59 59 Tocqueville, A. de. O Antigo Regime e a Revolução, Prefácio, Livro II, Cap. II, p. 75.

Com a redução política da aristocracia, esvaziam-se os corpos administrativos secundários, provinciais e municipais, que passam a gravitar em tomo da vontade do rei. A legislação deixaria de refletir a riqueza dos costumes e da vida do povo, tomando-se geral e uniformizadora, impelindo os franceses a correrem "em direção à centralização como atrás de si mesmos".60 60 Ibid. Livro II, Cap. V, p. 89 e Cap. VIII, p. 99.

O destino da liberdade se decide no momento da passagem do moderno: "Este empobrecimento gradual da nobreza não se observa unicamente na França, como também em todas as partes do continente onde o sistema feudal estava igualmente desaparecendo sem que uma nova forma de aristocracia o substituísse [...]. O contrário só se vê na Inglaterra. Lá, as antigas famílias nobres que ainda existiam não somente conservaram sua fortuna como a aumentaram muito: continuam sendo os primeiros tanto em riqueza quanto em poder...".61 61 Ibid. Livro II, Cap. VIII, p. 100.

A resistência passiva da aristocracia à revolução da igualdade estaria na dependência, de um lado, de ela permanecer a cabeça de um corpo intermediário, principalmente no campo, preservando-se como "instituição política" pelo exercício de uma jurisdição local, e, de outro, em se converter aos novos papéis econômicos da ordem emergente. Descentralização mais abertura da aristocracia à s "coisas novas" — a elevação da riqueza a um recurso de poder, a igualdade perante a lei, a publicidade dos debates políticos —, incorporação dos estratos altos da burguesia à s suas fileiras, é o que vai permitir à Inglaterra uma modernização a partir do "velho corpo das instituições políticas do feudalismo: a Inglaterra do século XVII já é uma nação toda moderna que preservou no seu seio, como se os embalsamasse, alguns resquícios da Idade Média".62 62 Ibid. Livro I, Cap. IV, p. 62.

Em oposição à solução equilibrada do trânsito inglês ao moderno, a via revolucionária francesa seria a do desenvolvimento desigual e combinado entre a igualdade e a liberdade. A primeira não só teria avançado mais rapidamente que a segunda, mas principalmente sem correspondência com ela, uma vez que a própria intervenção do poder real teria arruinado as antigas instituições. O derruimento das antigas instituições teria desprendido as concepções do mundo de suas referências tradicionais e imediatas, concedendo à razão a possibilidade de se reconhecer como uma entidade demiúrgica de recriação da vida social.

A revolução não teria surgido como uma exigência iniludível do social — o avanço da igualdade —, mas de uma história, num contexto de modernização, de desajustes e assimetrias entre sociedade e política, aproximando-se, como já foi bem notado, a perspectiva tocquevilliana da de Trotsky de A História da Revolução Russa.63 63 Ver, de A. Stinchcombe, Theoretical Methods in Social History, Nova York, Academic Press, Cap. II, 1978. Para Tocqueville, a revolução não consiste numa forma superior de mudança social, e sim o resultado catastrófico de uma política que, por ser inconsciente dos processos dominantes nas sociedades em trânsito para a modernização, mobiliza atores emergentes sem incorporá-los, favorece a sua autonomia numa situação de controle social repressivo, aproxima contrários sem induzir solidariedade entre eles, e que permite a própria difusão da idéia da necessidade da mudança ao mesmo tempo em que a bloqueia.64 64 Tocqueville, A. de. O Antigo Regime e a Revolução, Livro III, Cap. VIII, p. 173. E, em termos de resultados, acaba por confirmar o que queria negar, como a centralização francesa pós-revolucionária e seus efeitos despóticos sobre a vida política.

Transformismo inglês x Revolução Francesa, duas passagens ao moderno, duas soluções para a dicotomia igualdade e liberdade. Filha da volição e da filosofia política, a passagem francesa deveria resultar numa sociedade em que as virtudes públicas consistissem num padrão universal de conduta, mas importaram perversamente o fortalecimento da tendência à centralização, obra que vinha do Antigo Regime. Sob as condições da igualdade, a centralização produziria os indivíduos "semelhantes e isolados", cujos valores privatistas favoreceriam o despotismo moderno. Já a passagem inglesa, caracterizada pela resistência passiva da aristocracia no curso da revolução da igualdade, em que esse estrato social lutou pela conservação da sua identidade, interesses e instituições, teria propiciado o bem público de uma sociedade refratária ao despotismo. As duas formas de passagem ilustram uma tese geral de Tocqueville: as mesmas causas gerais — a democratização — podem produzir resultados diferentes.

DA AMÉRICA AO GÊNERO HUMANO

O ingresso no moderno pela via transformista dotaria as instituições políticas da sociedade de uma plasticidade que poderia se tornar permanente, capacitando-as para lidar com o fluxo ininterrupto das mudanças sociais. A internalização do transformismo à lógica das instituições poderia conceder condições permanentes de compatibilidade entre a revolução da igualdade e a preservação da liberdade. Assim, o mesmo movimento que teria presidido a passagem da Inglaterra do Antigo Regime para o moderno ter-se-ia renovado no começo do século XIX diante da emergência da questão operária e social. Em sua primeira viagem à Inglaterra, em 1833, antes de redigir a "primeira" Democracia, no auge das lutas por reformas sociais que vão levar à Poor Law de 1834, Tocqueville anota no seu caderno de viagens que sua primeira impressão era a de que o "país estava no limiar de ser precipitado nas desgraças de uma grande revolução".65 65 Idem, "Demières Impressions sur l'Angleterre", Voyages en Angleterre et en Mande, p. 107, op. cit.; no mesmo livro, ver a introdução de J.P. Mayer, de janeiro de 1982; informações sobre essa estada de Tocqueville na Inglaterra, podem ser obtidas na biografia de autoria de André Jardín, Alexis de Tocqueville, Paris: Hachette, 1984; para uma visão mais analítica ver, de S. Drescher, Tocqueville and England, Cambridge, Mas., 1964. Logo, no entanto, altera sua convicção, ao observar a aptidão da aristocracia inglesa para lidar com a mudança social e com suas próprias instituições: "Continuo a crer que, se a aristocracia conseguir estabelecer um corpo compacto com todas as classes que têm alguma esperança de dividir com ela seus privilégios, ela continuaria a resistir, pois nada é mais difícil ao povo do que fazer uma revolução como força isolada".66 66 Idem, "Carnet Alphabétique", Voyages..., op. cit., p. 98.

Uma década antes de O Antigo Regime e a Revolução67 67 O Antigo Regime e a Revolução, em suas linhas gerais de interpretação, foi antecipado pelo ensaio "L'État Social et Politique de la France Avant e Aprés 1789", de 1836, que J.S. Mill publicou no nº 8 de London and Westminster Review, anterior, conseqüentemente à redação da "segunda" Democracia. Ver, de André Jardin, Alexis de Tocqueville, cap. II, op. cit., especialmente p. 235. , as concepções tocquevillianas avant la lettre sobre transformismo se expressam com precisão conceituai, como um caminho de mudanças sem ruptura política, em que processos societais emergentes podem se realizar no interior de instituições previamente existentes: "Se se chama revolução a toda transformação capital produzida nas leis, a toda mudança social, a toda substituição de um princípio regulador por um outro, certamente que a Inglaterra vive em estado de revolução, pois o princípio que era o princípio vital de sua constituição perde força a cada dia; e é provável que, com o tempo, o princípio democrático tomará seu lugar. Mas, se se compreende por revolução uma alteração violenta e brusca, a Inglaterra não me parece madura para um acontecimento desse tipo, e tenho razões para pensar que ele jamais ocorrerá".68 68 Tocqueville, A. de. "Dernières Impressions sur l'Angleterre", Voyages en Angleterre et en Irlande, p. 107, op. cit.

Mas a liberdade à inglesa é prisioneira do seu próprio caso — por toda parte a revolução da igualdade deslocou a aristocracia e suas instituições. Tal restrição, porém, não perturba a convicção do autor de ser a solução inglesa a mais desejável: a aristocracia, com seu caráter de estrato social definido pela honra e por valores espirituais, "corrigiria" com sua cultura heróica — uma espécie de carisma institucionalizado — a cultura material que emerge com a igualdade de condições; a arte da associação, nos tempos democráticos, encontraria nela a herdeira natural dos poderes secundários que, na era aristocrática, separavam e protegiam os súditos do soberano.69 69 Idem, A Democracia na América, Livro II, Parte IV, Cap. VII, p. 535.

Na solução transformista inglesa, esses corpos intermediários, encouraçados pela tradição e peso social da aristocracia, não somente se reciclariam no curso do processo de democratização, como também serviriam de êmulo para a arte da associação a ser desenvolvida pelos atores naturais à nova ordem. A eles seriam devidas as funções estratégicas de moderar a própria democracia, cujos intrínsecos impulsos à centralização conduziriam a um Estado de tipo tutelar, malgrado a ilusão da liberdade provocada pela soberania do povo na escolha dos seus dirigentes políticos.70 70 "Nesse sistema [da soberania do povo], os cidadãos, por um momento, abandonam a dependência para indicar o seu senhor, e, depois, voltam a ela. Hoje em dia, há muitas pessoas que se acomodam muito facilmente a essa espécie de compromisso entre o despotismo administrativo e a soberania do povo, e que pensam ter garantido suficientemente a liberdade dos indivíduos, quando é ao poder nacional que a entregam" — A Democracia na América, Livro II, Parte IV, Cap. VI, p. 532.

Se a boa expressão à inglesa da dicotomia igualdade x liberdade foi encontrada primordialmente no terreno da política, na América, diversamente, a solução desse dilema moderno se resolveria a partir do campo infra-estrutural — do interesse. Por força de uma historicidade particular, os americanos se originariam de uma sociedade nascida sob o estado social da igualdade e orientada culturalmente por valores tradicionais e pré-capitalistas. Nesse contexto, o interesse se manifestaria naturalmente, sem intervenção da política como algo externo a si, como "corretamente compreendido", associando o útil ao honesto, internalizando o Estado em cada cidadão, dissolvendo-se a clássica oposição entre o público e o privado.71 71 Ver, de S. Drescher, "More than America: Comparison and Synthesis in Democracy in America", Reconsidering Tocqueville's Democracy in America, op. cit., p. 87.

A arte da associação seria constitutiva à doutrina do interesse bem-compreendido, comprometendo o interesse particular com o público e fazendo com que o "amor esclarecido" de cada indivíduo por si mesmo se realizasse como uma expressão de virtudes públicas: "Não teria receio de dizer que a doutrina do interesse bem-compreendido, de todas as teorias filosóficas, parece-me a mais apropriada às necessidades dos homens do nosso tempo, e que vejo nela a mais poderosa garantia que lhes resta contra si mesmos [...]. Não creio que haja mais egoísmo entre nós que na América, a única diferença é que lá o egoísmo é esclarecido e, aqui, de modo nenhum o é. Cada americano sabe sacrificar uma parte de seus interesses particulares para salvar o resto".72 72 Tocqueville, A. de. A Democracia na América, Livro II, Parte II, Cap. IX, op. cit, p. 42.

A Inglaterra consistiria num elo perdido na história da modernização européia. O que não mais pode provir da história — como na França — poderia resultar da intervenção humana que levasse em consideração o paradigma americano, um caso de transformismo natural — uma revolução sem revolução — que favoreceu um regime de conciliação entre liberdade e igualdade. A arte da associação americana é nova, porque nasce do mundo dos interesses e com independência da "lei comum da Europa", que é aristocrática, apesar de se comunicar com esta por meio da administração comunal das townships. Tal forma é paradigmática na medida em que seria adaptável a outros contextos de estado social da igualdade, como o francês, podendo até melhor medrar aí em razão das lutas passadas desfechadas em nome da liberdade. Então, se a igualdade é uma noção européia73 73 Ibid, Livro I, Introdução. , a solução da liberdade em termos modernos é americana, quer porque se realiza numa situação em que a aristocracia inexiste, quer porque se organiza em torno do interesse, novo princípio dominante na estruturação do mundo.

A arte da associação à inglesa conformaria uma singularidade absoluta. Tocqueville, repetindo o Maquiavel da fortuna e da virtù, diz que o legislador "pode dirigir o vaso que o conduz, mas não seria capaz de mudar a sua estrutura, criar os ventos, ou impedir o oceano de se revoltar sob seus pés".74 74 Ibid. Livro I, Parte I, Cap. VIII, p. 128. O legislador atento para a natureza nova do mundo, em que o interesse predomina nos negócios humanos, deve se voltar para o paradigma americano na arte da associação.

A América, porém, é mais que um simples paradigma. Ela pode "ensinar" à Europa porque somente ela realiza plenamente em si processos que são comuns a ambas, antecipando movimentos que tendem à universalização: "Desejei encontrar ali [na América] ensinamentos dos quais pudéssemos tirar proveito; [não] pretendi julgar se a revolução social, cuja marcha me parece irresistível, é vantajosa ou funesta à humanidade; admiti essa revolução como um fato consumado ou quase a se consumar e, entre os povos que a viram realizar-se em seu seio, procurei aquele onde atingiu o desenvolvimento mais completo e mais pacífico" (grifo meu).75 75 Ibid. Livro I, Introdução, p. 19. Nas últimas palavras da "primeira" Democracia, Tocqueville prevê que tal desenvolvimento da revolução social da igualdade, apoiando-se no interesse pessoal dos indivíduos, deverá conceder à América, "um dia, os destinos da metade do mundo". A outra metade, em sua previsão, deveria caber à Rússia. Idem, Parte II, cap. X, Conclusão, p. 316.

A América surge como o resultado da história dos séculos democráticos, sua madura, mais completa e melhor realização. A democratização não induz apenas aos indivíduos de uma mesma nação à semelhança, mas também a "que as próprias nações se assemelhem, e se constituam [...] como uma vasta democracia da qual cada cidadão é um povo".76 76 Ibid. Livro II, Parte I, Cap. XVIII, p. 368. A perspectiva da filosofia da história em Tocqueville o aproxima, como bem diz H. White, do "radicalismo em sua forma moderna, materialista"77 77 White, H. Meta-História — a Imaginação Histórica do Século XIX, op. cit., p. 205. : a universalização do gênero humano seria conseqüência da força expansiva da sociabilidade democrática, cujo caso mais desenvolvido seria o americano.78 78 Tocqueville, A. de. A Democracia na América, Livro II, Parte I, Cap. XVIII, p. 368. As lições americanas da "primeira" Democracia ensinariam a Europa continental a reconstituir suas instituições, depois de uma má passagem do Antigo Regime ao moderno. A importância da cultura política americana estaria na sua fusão entre o interesse — uma dimensão moderna, própria à s sociedades da igualdade — e valores tradicionais, favorecendo uma relação harmoniosa entre interesse e igualdade e o individualismo sob sua forma benigna.79 79 Drescher, S. "More than America: Comparison and Synthesis in Democracy in America', in Reconsidering Tocqueville's Democracy in America, op. cit., p. 87. O caso de transformismo "natural" americano configuraria uma espécie de réplica da solução inglesa, dado que, nos dois casos, o moderno se exprimiria como hipotecado ao passado.

Já as da "segunda" Democracia não consistem propriamente em "lições". André Jardín, em sua importante biografia de Tocqueville, constatou que no total de páginas das três primeiras partes do livro de 1840, apenas 20% faziam referências à América, as quais, na quarta parte, se reduziam a 2%.80 80 Jardin, André. Alexis de Tocqueville, op. cit., p. 240. O entendimento de que o caminho americano "obriga" a forma mais desenvolvida, antecipando o destino que será comum a todos, dispensaria a presença da experiência americana em sua especificidade — tratar do mundo moderno seria falar da América como a sua súmula geral.

Na verdade, na "segunda" Democracia, Tocqueville avança a hipótese de que os elementos que serviram de base para a experiência americana de participação no público a partir do interesse privado — a cultura política puritana — podem entrar em colapso na medida em que a racionalidade liberal e o utilitarismo ganhem posições e estabeleçam relações de homología com todas as esferas da vida social.

A emancipação do interesse dos costumes e instituições que deveriam lhe "corrigir os vícios" recriaria na América em ponto ampliado a mesma fratura entre público e privado observada na Europa, com idênticos efeitos para a autonomização do Estado diante da sociedade civil.81 81 Tocqueville, A. de. A Democracia na América, Livro II, Parte II, Cap. XIV, p. 412; ver, de D.T. Rodgers, "Of Prophets and Prophecy", in Reconsidering Tocqueville's Democracy in America, op. cit., p. 196. A América, interpreta H. White,consistiria numa configuração monstruosa de apenas uma dimensão da tradição européia — a igualdade —, implicando uma ameaça aos recursos espirituais humanos.82 82 White, H. Meta-História — a Imaginação Histórica do Século XIX, op. cit., p. 207.

Importaria pouco a existência de instituições políticas livres e a presença do princípio da soberania popular, porque a verdadeira liberdade é substantiva, vivenciada sem abdicações políticas em favor do Estado e no interior de grupos secundários, e não formal. Em nenhum outro lugar o par centralização/privatização poderia ser mais perverso que numa sociedade onde o triunfo da igualdade fosse tão pleno como na americana.

Haveria "traços novos" para a emergência do despotismo no mundo, os da servidão regulada: "Procuro descobrir sob que traços novos o despotismo poderia ser produzido no mundo: vejo uma multidão inumerável de homens semelhantes e iguais, que sem descanso se voltam sobre si mesmos, à procura de pequenos e vulgares prazeres, com os quais satisfazem a alma. Cada um deles, afastados dos demais, é como que estranho ao destino de todos os outros: seus filhos e amigos constituem para ele toda a espécie humana; quanto ao restante dos seus concidadãos, está ao lado deles, mas não os vê; toca-os e não os sente; existe apenas em si e para si mesmos, e, se ainda lhe resta uma família, pode-se ao menos dizer que não tem mais pátria".83 83 Tocqueville, A. de. A Democracia na América, Livro II, Parte IV, Cap. VI, p. 531.

O sentido da exposição parece sugerir uma negação do aforismo tocquevilliano de que a Europa deveria aprender com a América. Pelo mau exemplo da servidão regulada, numa sociedade democrática fortemente consensual, o caso americano seria a indicação do que a Europa deveria evitar.84 84 Ver a interpretação de H. White em Meta-História. .., op. cit. Inclusive porque, tendo desconhecido a aristocracia, a América não contaria com contra-tendêndas que pudessem se comportar como freios à privatização do mundo.

Tocqueville se refere a um processo geral ao "gênero humano", mas seu modelo é inequivocamente a América. A citação, de estilo weberiano, é bem conhecida: "Acredita-se que as sociedades novas estarão sempre a mudar de fisionomia, e receio que acabem sendo invariavelmente fixadas nas mesmas instituições,nos mesmos preconceitos, nos mesmos costumes; de tal sorte que o gênero humano se detenha e se limite; que o espírito se dobre e gire eternamente sobre si mesmo, sem que se produzam idéias novas; que o homem se esgote em pequenos movimentos solitários e estéreis e que, embora se agitando constantemente, a humanidade não mais avance".85 85 Tocqueville, A. de. A Democracia na América, Livro II, Parte III, Cap. XXII,p. 494. Cortados os vínculos da cultura ocidental com a sua tradição — a liberdade —, os efeitos da privatização podem aproximar o estado social democrático disso que poderia consistir numa reprodução da imobilidade chinesa.86 86 Ibid, Livro II, Parte I, cap. X, p. 349.

Na leitura revisionista da "segunda" Democracia, como a de H. White, sustenta-se faltar a experiência americana à complexidade da situação européia, em que a revolução social da igualdade se estabeleceu contra a oposição da aristocracia e contra um Estado centralizado, o qual, por sua vez, via como inimigas tanto a democracia como a aristocracia.87 87 White, H. Meta-História,.., op. cit., p. 221. Um destino monolíticamente democrático, como o americano, realizaria a herança cultural do Ocidente de modo unidimensional — a Europa, em razão da sua tradição revolucionária, seria um lugar mais apto à liberdade.88 88 Ibid. p. 224.

Trata-se de uma evidente radicalização das reservas de Tocqueville quanto à via americana. É no prefácio à 12ª edição de A Democracia na América, escrito logo em seguida à revolução de 1848, na maturidade do autor, que ele consagra suas observações no conhecido aforismo de que a Europa deve aprender com a América; em Souvenirs, elaborado depois do golpe bonapartista de 1851, expõe seu amargo desencanto com o futuro da liberdade na França.89 89 Passei os mais belos anos da minha juventude numa sociedade que parecia se tornar grande e próspera na medida em que se fazia livre; concebi a idéia de uma liberdade moderada, regular, contida pelas crenças, costumes e leis; os encantos dessa liberdade me tinham tocado e ela se tornou a paixão da minha vida. Sentia que jamais me consolaria com sua perda, mas, agora, compreendia que era preciso renunciar a ela." Souvenirs, op. cit., p. 86. Ademais, inverter o argumento de Tocqueville na relação da Europa com a América é não levar em conta a tese central de O Antigo Regime e a Revolução, que sustenta ser o caminho transformista mais favorável à liberdade que o da revolução.

O ÚTIL É HONESTO

A América, como o bom paradigma moderno para a conciliação entre o público e o privado, consistiria num particular e seria prisioneira, como a Inglaterra, de uma história singular e irrepetível. Neste limite, seu caso seria exemplar para urna feliz resolução de um problema herdado dos europeus, e que a eles deveria servir. Na "primeira" Democracia, a América é o sucedâneo para o transformismo inglês a que os europeus não podem mais recorrer pelo declínio ou extinção da aristocracia como categoria social relevante.

Contudo, nessa mesma "primeira" Democracia, Tocqueville percebe a natureza radicalmente distinta da revolução sem revolução americana: seu princípio ordenador se constitui no interesse. Por isso, o caso americano se manifesta como simplificado, facilitando a observação do analista externo a ele.90 90 Carta de Tocqueville ao Conde Molè, Oeuvres, n. VII, p. 134, Beaumont, citado por J.P. Mayer, Voyages en Angleterre et en Mande, Introduction, op. cit., p. 24. Decerto que, ainda aí, a "politização" do interesse — um interesse sob a influência de valores culturais que motivam os indivíduos à participação pública — aparece ao autor como marca americana. O sucedâneo, aparentemente simples, possui, porém, uma lógica própria que o conduz à evasão da sua particularidade. E é o movimento do princípio que a anima, que retira a América da situação de ser um caso excepcional do Velho Mundo no Novo, singularizando radicalmente a experiência americana como o resultado do desenvolvimento do gênero humano, com todos os riscos vistos acima.

Dominada pela matriz do interesse, a América aprofundaria seu processo de democratização, demandando muito pouco da atividade política e dos partidos: "Na América, a vida política é ativa, variada, agitada mesmo, mas raramente é perturbada por paixões profundas; é raro que estas se levantem quando os interesses materiais não se achem comprometidos e, nos Estados Unidos, tais interesses prosperam".91 91 Tocqueville, A. de. A Democracia na América, Livro I, Parte II, Cap. III, op. cit., p. 143.

O transformismo inglês, ao contrário, nascido à sombra das revoluções européias, das lutas de classes e do dissídio entre opiniões conflitantes, terá sido dominado pelo movimento da política. Daí, observaria Tocqueville, a extrema complexidade do caso inglês, em contraste com a simplicidade americana, dado que, no curso do seu processo, os principais atores reciclaram suas identidades — "os diferentes caminhos se cruzam" —, dificultando a formação de uma idéia clara do conjunto.92 92 Carta de Tocqueville ao Conde Molè, acima citada. Na Inglaterra, a matriz do interesse, poderosa o suficiente para converter a aristocracia num ator da sociedade mercantil e fazer do país a liderança industrial e comercial do mundo, estaria, no entanto, envolvida pela política — a arte da associação à inglesa seria preponderantemente expressiva dessa dimensão. A projeção da Inglaterra nos negócios do mundo não se constituiria como mera manifestação do seu vigor econômico: o Império seria sobretudo uma obra de arte política.93 93 Ver, do autor, "La Vocation Coloniale de la France. L'Esclavage dans les Vieilles Colonies", in Alexis de Tocqueville, Oeuvres Complètes, Tomo III, Paris: Gallimard, 1962. No mesmo tomo, ver a esclarecedora introdução de J.-J. Chevalier e André Jardin.

O interesse americano, desde as suas origens, vem à luz sob baixa jurisdição de agências externas a ele, como o Estado, e a própria política e os políticos, como se viu anteriormente, seriam mais expressivos dele que da opinião. Tocqueville entende a América como um caso de quase dissolução das fronteiras que separam o público do privado, e por isso é que poderia conceber — como efetivamente fez — uma supra-estrutura não oposta à sociedade civil, mas derivação espontânea dela na doutrina do interesse bem-compreendido.

Tal solução, que poderia particularizar a América como tributária da cultura da tradição puritana, estaria qualificada pela contradição: o interesse é moderno e corresponde à natureza do estado social da igualdade; os valores são pré-capitalistas. Mas essa contradição tenderia a se resolver: "Não há poder na terra que possa impedir que a igualdade crescente de condições leve o espírito humano à procura do útil e disponha cada cidadão a se encerrar em si mesmo; pois é preciso esperar que o interesse individual venha a se tornar, mais que nunca, o principal, senão o único móvel das ações dos homens".94 94 Tocqueville, A. de. A Democracia na América, Livro II, Parte II, Cap. VIII, p. 402. A doutrina do interesse bem-compreendido deve ceder lugar ao interesse sans phrase. O bem-estar material seria o móvel das paixões democráticas, próprio aos seres emergentes com o estado social da igualdade, "essencialmente uma paixão de classe média".95 95 Ibid. cap. XI, p. 406.

É verdade, como vimos, que esse diagnóstico se faz acompanhar pelos tons sombrios da privatização como desânimo do mundo. Más, desde a sua segunda viagem à Inglaterra, em 1835, antes da elaboração da "segunda" Democracia e já como o escritor consagrado da "primeira", Tocqueville observava que a riqueza podia exprimir "com espontaneidade a noção de felicidade".96 96 A. de Tocqueville, nota de diário de 7 de julho de 1835, Voyages en Angleterre et en Mande, op. cit., p. 204. Dessa vez, sua jornada nesse país é mais longa — cinco meses contra as cinco semanas da primeira viagem —, e seu objeto não é Londres, e sim as cidades industriais como Manchester, Birmingham e Liverpool, quando Tocqueville se dá conta das dimensões fáusticas do mundo urbano-industrial e dos problemas sociais do capitalismo.97 97 Ver, particularmente, S. Drescher, Tocqueville and England, op. cit.

Tocqueville visita fábricas, cortiços de operários, e suas descrições, tem-se observado com freqüência, evocam com dez anos de antecedência o clássico estudo de Engels sobre as condições de vida das classes trabalhadoras na Inglaterra, como nessa passagem sobre as relações entre o capital e o trabalho: "Aqui, está o escravo, ali, o senhor; lá, as forças organizadas de uma multidão produzem, em proveito de um só, bens que a sociedade ainda não tem condições de dar para todos; aqui, a fraqueza individual se mostra mais vulnerável que sob a inclemência dos desertos; aqui, os efeitos; lá, as causas".98 98 A. de Tocqueville, nota de diário de 2 de julho de 1835 ("Aspecto exterior deManchester"), Voyages en Angleterre et en Mande, op. cit., p. 190. Ou, nesta outra, também vazada na retórica da contradição, em que, depois de caracterizar Manchester como cloaca infecta, identifica-a com o "grande rio da indústria humana [que nela] tem a sua fonte [que] vai fecundar o universo. Desse esgoto imundo, jorra ouro puro. É aí que o espírito humano se aperfeiçoa e se embrutece; que a civilização produz suas maravilhas e em que o homem civilizado se torna quase um selvagem".99 99 Ibid. p. 191.

Sob o capitalismo industrial, a economia é uma potência dominante no mundo, e, se Tocqueville aspira pelo encontro do interesse com valores não-homólogos a ele, principalmente com os originários da aristocracia, admite como analista, que não somente esses, como igualmente os valores puritanos na América, estão sujeitos à influência de forças irresistíveis que apontam para sentido oposto. Para o autor, a política não deve nem pode contestar a sociabilidade, prescrevendo a forma justa da realização desta. Ela deve, sim, compreender o seu tempo a fim de saber preservar nele a liberdade. É imperativo ao ator tocquevilliano, a quem se designa tal objetivo, que ele não pertença inteiramente à sua história, para que melhor possa intervir sobre ela. Nenhuma determinação é propícia à idéia da liberdade, mesmo a que proviria do doux commerce, como tinha sustentado Montesquieu no Esprit des Lois, porque ela não seria filha deste, antes o inverso é que seria verdadeiro.100 100 Idem, nota de diário de 7 de julho de 1835, p. 205.

A concepção do cidadão moderno em Tocqueville não está referida anacronicamente à polis nem se encontra subsumida aos fins éticos de um Estado como construção racional. Tocqueville não reage contra o advento da sociedade democrática, que teria no interesse o seu princípio dominante. Seria desejável a existência de processos societais que estivessem sempre prontos a corrigir o útil pelo honesto, mas há algo de intrinsecamente honesto no útil, assim como da cloaca infecta que é Manchester acabe por jorrar ouro puro: "Quando considero atentamente o nível de grandeza a que chegou o povo inglês, certamente que vejo, entre as causas dessa grandeza, muitas de suas virtudes, embora reconheça os seus vícios como mais importantes ainda".101 101 Idem, p. 204. Sem paixão, Tocqueville adere resignadamente ao utilitarismo, e o que há de juvenil e impetuoso no novo tipo de indivíduo da democracia, tal como ele o reconheceu nas cidades industriais inglesas, deveria encontrar em solo americano a melhor possibilidade de sua realização.102 102 O melhor elogio que Tocqueville encontrou para Birmingham foi o de dizer que ali se vivia com "espírito americano". A. de Tocqueville, Journeys to England and Irland, New Haven, Yale University Press, 1958, citado por S. Drescher, Tocqueville and England, op. cit., p. 63.

A Inglaterra constituir-se-ia no caso paradigmático de uma democracia moderada por valores e instituições aristocráticos. A imoderação democrática acabaria por ser um atributo americano, resultado da emancipação do interesse da sua cultura política tradicional e da imposição da sua lógica a todas as dimensões da vida social. A sociabilidade domina a política e lhe impõe seus fins: o livre desenvolvimento da cultura do bem-estar material por meio do crescente avanço das artes práticas de submissão da natureza ao homem. Nesse mundo, diz Tocqueville, nada seria fixo, vista a sociedade como em progresso contínuo, onde "aquilo que, hoje, parece ser um bem, amanhã pode ser substituído pelo melhor que ainda está oculto".103 103 Idem, A Democracia na América, Livro I, Parte II, Cap. X, op. cit., p. 286.

Chamamos de americanismo ao processo em que a América se desprende do que é singular à sua história, constituindo-se como expressão genérica do movimento expansivo da revolução da igualdade. "Não vê o leitor", pergunta Tocqueville ainda na "primeira" Democracia, "que as religiões se enfraquecem e que a noção divina dos direitos desaparece? Não percebe, então, que os costumes se alteram e que se apaga com eles a noção moral dos direitos? Não se dão conta de que em toda parte as crenças substituem-se pelo raciocínio e os sentimentos pelo cálculo?"104 104 Ibid. Livro I, Parte II, Cap. V, p. 185. As descontinuidades entre as "duas" Democracias não negam o elo comum entre elas — a afirmação do interesse como única instância sobre a qual se pode estabelecer, na nova era democrática, a noção de moralidade e do direito. O público não pode existir em oposição ao interesse, salvo se se recorre ao medo para o governo do mundo: "Se, em meio a esse abalo universal, o leitor não conseguir ligar a idéia de direitos ao interesse pessoal, que se oferece como único ponto imóvel no coração humano, que lhe restará então para governar o mundo, a não ser o medo?"105 105 Ibid.

A secularização da doutrina do interesse bem-compreendido desloca as crenças e as virtudes tradicionais. O valor da dimensão do público não reside em si, enquanto portador de uma razão e de uma lógica próprias. Ele é o resultado da tradução dos interesses em direitos e está fortemente associado em Tocqueville à propriedade privada como um bem ao alcance de todos.106 106 "O governo da democracia faz com que a idéia de direitos políticos desça até o menor dos cidadãos, como a divisão dos bens põe a idéia do direito de propriedade em geral ao alcance de todos os homens", idem. Sob o império do interesse, as supra-estruturas devem se limitar a refletir a progressão contínua da sociabilidade democrática, tornando-se a liberdade constitutiva ao interesse quando este é capaz de se converter em termos de direitos. Não há instituições que, por definição, condicionem à liberdade, inclusive a da propriedade. "Em matéria de constituição social, o campo do possível é bem mais vasto do que os homens, datados e concretizados em suas sociedades, podem imaginar."107 107 Tocqueville, A. de. Souvenirs, op. cit., p. 97. Novos interesses, novos direitos, o transformismo em Tocqueville consiste numa via explícita de mudança social contínua, à americana.

O americanismo assume o caráter de uma revolução passiva permanente, que prescinde de rupturas políticas para conservar seu movimento progressivo, que teria a sua raiz no interesse como dimensão naturalmente homóloga ao estado social da igualdade.108 108 Johan Huizinga, conceituando o americanismo, um século depois de Tocqueville, e sem citá-lo, confirma o seu diagnóstico: "A América do Norte pensante se distancia com crescente aversão do ponto de vista ético-puritano para se inclinar a um ponto de vista ético-social". E, mais à frente: "O norteamericano tende a receber sem muita crítica [...] o que considera como resultado da ciência moderna. Mas, ao mesmo tempo, seu espírito está sempre disponível ao novo ou ao surpreendente. É mais falível e mais suscetível à mudança que nós. Move-se mais desembaraçadamente dentro da sua pele espiritual", "Espíritu Norteamericano", El Concepto de la Historia, México, Fundo de Cultura Econômica, 1946, segunda reimpressão, 1980, pp. 418 e 419. O paradoxo da construção está em que o ator perde contorno definido e, no limite, se dissipa — a história da liberdade passa a coincidir com a da igualdade, como, aliás, na moderna ciência social em que se procuram destronar os partidos políticos e as organizações sindicais em favor dos movimentos sociais e das suas lutas por direitos.

  • 1Outro, em oposição ao Gramsci nacional-popular. No estudo sobre americanismo, Gramsci teria abandonado a concepção jacobina de revolução para explorar as possibilidades da revolução passiva, "uma nova forma de mudança, em que as transformaçþes se operam na 'estrutura' (nas relaçþes sociais de produção), por meio de um processo molecular e nĂŁo necessariamente pela iniciativa das forças antagonĂsticas fundamentais". Giuseppe Vacca, "L'URSS Staliana nell'analisi dei Quaderni del Carcere", Critica Marxista, nÂş 34, maio-agosto, Roma, Riuniti, 1988, p. 130.
  • Ver tambĂŠm "Socialismo, Americanismo e ModemitĂ  in Gramsci", G. Baratta, Critica Marxista, nÂş 4, julho-agosto, Roma, Riuniti, 1990.
  • Uma excelente leitura do tema nacional-popular em Gramsci estĂĄ em Paulo Arantes "Uma Reforma Intelectual e Moral: Gramsci e as Origens do Idealismo AlemĂŁo", Presença, nÂş 17, Rio de Janeiro, CPDC, 1992.
  • 2 Tocqueville, A. de. A Democracia na AmĂŠrica, Belo Horizonte: Itatiaia, SĂŁo Paulo: EDUSP, 1977, Livro I, Cap. X, p. 310.
  • 3 Uma interessante discussĂŁo sobre o problema da filosofia da histĂłria em Tocqueville estĂĄ em R. Nisbet, 'Tocqueville's Ideal Types", A.S. Eisenstadt, (ed.), in Reconsidering Tocqueville's Democracy in America, New Brunswick, Rutgers University Press, 1988, p. 189.
  • 4 De Sarmiento, ver Facundo, Buenos Aires, Huemul, 1978;
  • de Alberdi, Bases, Buenos Aires, Editorial Plus Ultra, 1981;
  • de Tavares Bastos, A ProvĂncia, SĂŁo Paulo, Companhia Editora Nacional, Coleção Brasiliana, nÂş 105, 1975.
  • Sobre AndrĂŠ Rebouças, ver de Maria Alice Rezende de Carvalho, AndrĂŠ Rebouças: um Americanista do ImpĂŠrio, texto apresentado no II Encontro Latino-Americano de Estudos Norte-Americanos, mimeo, MĂŠxico, 1992.
  • Procurei estudar a presença do americanismo no debate brasileiro em "Americanistas e Iberistas: a PolĂŞmica de Oliveira Vianna com Tavares Bastos", Dados, vol. 34, nÂş 2, Rio de Janeiro, VĂŠrtice, 1991.
  • 5 Ver, de Arthur Schelesinger Jr., "Individualism and Apathy in Tocqueville's Democracy", in Reconsidering Tocqueville's Democracy in America,
  • op. cit.; ver tambĂŠm, de Marcelo Jasmim, "Individualismo e Despotismo: a Atualidade de Tocqueville", Presença, nÂş 16, abril de 1991.
  • 6 Sobre o tema da descontinuidade entre as "duas" Democracias, ver de J.-C. Lamberti, Tocqueville et les Deux Dèmocraties, Paris, PUF, 1983;
  • Arthur Schelesinger Jr., "Individualism and Apathy in Tocqueville's Democracy, Reconsidering Tocqueville's Democracy in America,
  • 7 Tocqueville, A de. A Democracia na AmĂŠrica, Livro I, Introdução, op. cit., p. 14.
  • 12 Tocqueville A. de. A Democracia na AmĂŠrica, op. cit. prefĂĄcio Ă  12ÂŞ edição, 1848, p. 7.
  • 14 Eisenstadt, A.S. "Introduction", in Reconsidering Tocqueville's, Democracy in America, op. cit., p. 6.
  • 15 Para uma discussĂŁo magistral sobre os fundamentos da retĂłrica tocquevilliana, ver H. White, Meta-HistĂłria, A Imaginação HistĂłrica ao SĂŠculo XIX, SĂŁo Paulo, EDUSP, 1992, Parte II, pp. 203 e ss.
  • 16 Tocqueville, A. de. A Democracia na AmĂŠrica, op. cit., Introdução, p. 21.
  • 18 O entendimento de Tocqueville sobre o papel dos intelectuais na revolução está desenvolvido nos capítulos 1 e II do Livro III de O Antigo Regime e a Revolução.
  • 19 Tocqueville, A. de. A Democracia na AmĂŠrica, Livro I, Introdução, op. cit., p. 12.
  • Sobre a importância do tema agrĂĄrio em Tocqueville, ver S. Drescher, Tocqueville and England, Cambridge, Mas., 1964, cap. IV.
  • 23
    23 Tocqueville discute a natureza das causas em O Antigo Regime e a Revolução, Livro II, cap. VIII e seguintes,
  • e no Livro III, cap. I; em Souvenirs, Paris, Gallimard, 1964,
  • 24A Democracia na América, Livro II, Parte III, cap. XXI, p. 494.
  • 25 Ver de Alessandro Dal Lago, L'Ordine Infranto, Max Weber e i Limiti del Razionalismo, MilĂŁo: Edizioni Unicopoli, 1983;
  • G. Cohn, CrĂtica e Resignação, SĂŁo Paulo: T.A. Queiroz, 1979;
  • J.G. Merquior, Rousseau e Weber, Rio de Janeiro, Guanabara, 1990;
  • e, principalmente, A. Mitzman, The Iron Cage: an Historical Interpretation of Max Weber, Nova York, Alfred Knopf, 1970.
  • 26 Hegel, Principios da Filosofia do Direito, tradução de Orlando Vitorino, Lisboa, Martins Fontes, Parte III, seção III, p. 216;
  • ver os comentĂĄrios sobre o ponto em F. Furet, Maix et la RĂŠvolution Française, Paris, Flammarion, 1986.
  • 27 Ver, de R. Janine Ribeiro, Ao Leitor sem Medo, SĂŁo Paulo, Brasiliense, 1984;
  • de N. Bobbio, "Hegel e o Jusnaturalismo", Estudos sobre Hegel, SĂŁo Paulo, UNESP e Brasiliense, 1989,
  • e Tilomas Hobbes, Rio de Janeiro, Campus, 1991.
  • 28 Ver os comentĂĄrios de N. Bobbio, "Hegel e o Jusnaturalismo", Estudos sobre Hegel, op. cit., p. 30.
  • 29 Hegel, PrincĂpio da Filosofia do Direito, op. cit., pp. 212-4.
  • 34 Ibid. p. 218. A tese central de N. Nobbio, "Hegel e o Jusnaturalismo",
  • op. cit., ĂŠ acompanhada por esta observação forte de F. Furet: "A hipĂłtese de umestado de natureza anterior ao Estado, mesmo que a tĂtulo teĂłrico, ĂŠ para HegeltĂŁo aberrante quanto o foi para AristĂłteles. O Estado ĂŠ a polis dos modernos".In Marx et la Revolution Française, op. cit., p. 20.
  • 35 Hegel, PrincĂpios da Filosofia do Direito, op. cit., p. 225.
  • 36 Sobre Hegel e a Revolução Francesa, ver de G. LuckĂĄcs, El Joven Hegel, MĂŠxico, Juan Grijalbo Editor, 1963;
  • e F. Furet, Marx et la RĂŠvolution Française, ob. cit.
  • 37 As anĂĄlises de Tocqueville sobre o assunto estĂŁo em A Democracia na AmĂŠrica, Livro I, Parte II, cap. VIII,
  • e em O Antigo Regime e a Revolução, Livro III, Cap. III, Brasília: Ed. da Universidade de Brasília, 1979.
  • 38 NĂŁo tenho informaçþes se Tocqueville conhecia de fato os termos da polĂŞmica entre as escolas de Hegel e de Savigny, embora mantenha a suposição de que dificilmente seus ecos nĂŁo lhe tivessem chegado, uma vez que o tema da constituição se tomara de alcance geral nos meios jurĂdicos da ĂŠpoca. Sobre a polĂŞmica, no contexto das universidades alemĂŁs, ver A. Cornu, Karl Marx e Friedrich Engels, Livro I, Cap. III, Paris, PUF, 1955.
  • 39 Ver, de J.C. Lamberti, La Notion d'Individualisme cbez Tocqueville, Paris, PUF, especialmente Cap. III, Seção III,
  • sobre a virtude nas democracias modernas; e Marcelo Jasmim. Tocqueville e as Conseqßências DespĂłticas da Democracia, tese de mestrado, mimeo, IUPERJ, 1988.
  • 40 Ver a concepção constitucionalista de Hegel em PrincĂpios da Filosofia do Direito, op. cit. p. 270.
  • Em 1835, em sua segunda viagem Ă  Inglaterra, Tocqueville pĂ´de perceber a influĂŞncia do constitucionalismo de Bentham, cujas idĂŠias tinham inspirado em grande parte a elaboração da Poor Law de 1834. Ver de S. Drescher, Tocqueville and England, op. cit., p. 77.
  • 41 Tocqueville, A. de. "RĂŠflexions sur l'Histoire de l'Angleterre", Voyages en Angleteire et en Mande, Paris, Gallimard, 1957, 1958 e 1967, p. 40.
  • 42 Idem, A Democracia na América, Livro I, Parte II, cap. XIV, p. 412.
  • 45 Os problemas metodolĂłgicos tocquevillianos desse tipo sĂŁo estudados em R. Boudon, Efeitos Perversos e Ordem Social, Rio de Janeiro, Zahar, 1979;
  • S.A. Hadari, Theory in Practice, Tocqueville's New Science of Politics, Stanford, CalifĂłrnia, Stanford University Press;
  • e J. Elster, Psychologie Politique (Veyne, Zinoviev, Tocqueville), Paris, Les Editions de Minuit, 1990.
  • 46 White, H. Meta-HistĂłria a Imaginação HistĂłrica do SĂŠculo XIX, op. cit., p.205.
  • 47 Moore, B. Social Origins of Dictatorship and Democracy, Boston, Beacon Press, 1966.
  • 48 Tocqueville, A. de. O Antigo Regime e a Revolução, PrefĂĄcio, op. cit., p. 46.
  • 69 Idem, A Democracia na América, Livro II, Parte IV, Cap. VII, p. 535.
  • 70 "Nesse sistema [da soberania do povo], os cidadãos, por um momento, abandonam a dependência para indicar o seu senhor, e, depois, voltam a ela. Hoje em dia, há muitas pessoas que se acomodam muito facilmente a essa espécie de compromisso entre o despotismo administrativo e a soberania do povo, e que pensam ter garantido suficientemente a liberdade dos indivíduos, quando é ao poder nacional que a entregam" — A Democracia na América, Livro II, Parte IV, Cap. VI, p. 532.
  • 71 Ver, de S. Drescher, "More than America: Comparison and Synthesis in Democracy in America", Reconsidering Tocqueville's Democracy in America, op. cit., p. 87.
  • 72 Tocqueville, A. de. A Democracia na AmĂŠrica, Livro II, Parte II, Cap. IX, op. cit, p. 42.
  • 77 White, H. Meta-HistĂłria a Imaginação HistĂłrica do SĂŠculo XIX, op. cit., p. 205.
  • 78 Tocqueville, A. de. A Democracia na AmĂŠrica, Livro II, Parte I, Cap. XVIII, p. 368.
  • 79 Drescher, S. "More than America: Comparison and Synthesis in Democracy in America', in Reconsidering Tocqueville's Democracy in America, op. cit., p. 87.
  • 80 Jardin, AndrĂŠ. Alexis de Tocqueville, op. cit., p. 240.
  • 81 Tocqueville, A. de. A Democracia na AmĂŠrica, Livro II, Parte II, Cap. XIV, p. 412;
  • ver, de D.T. Rodgers, "Of Prophets and Prophecy", in Reconsidering Tocqueville's Democracy in America, op. cit., p. 196.
  • 82 White, H. Meta-HistĂłria a Imaginação HistĂłrica do SĂŠculo XIX, op. cit., p. 207.
  • 83 Tocqueville, A. de. A Democracia na AmĂŠrica, Livro II, Parte IV, Cap. VI, p. 531.
  • 84 Ver a interpretação de H. White em Meta-HistĂłria.
  • 85 Tocqueville, A. de. A Democracia na AmĂŠrica, Livro II, Parte III, Cap. XXII,p. 494.
  • 87 White, H. Meta-HistĂłria,.., op. cit., p. 221.
  • 90 Carta de Tocqueville ao Conde Molè, Oeuvres, n. VII, p. 134, Beaumont,
  • citado por J.P. Mayer, Voyages en Angleterre et en Mande, Introduction, op. cit., p. 24.
  • 91 Tocqueville, A. de. A Democracia na AmĂŠrica, Livro I, Parte II, Cap. III, op. cit., p. 143.
  • 93 Ver, do autor, "La Vocation Coloniale de la France. L'Esclavage dans les Vieilles Colonies", in Alexis de Tocqueville, Oeuvres Complètes, Tomo III, Paris: Gallimard, 1962.
  • 94 Tocqueville, A. de. A Democracia na AmĂŠrica, Livro II, Parte II, Cap. VIII, p. 402.
  • 96 A. de Tocqueville, nota de diĂĄrio de 7 de julho de 1835, Voyages en Angleterre et en Mande, op. cit., p. 204.
  • 97 Ver, particularmente, S. Drescher, Tocqueville and England, op. cit.
  • 98 A. de Tocqueville, nota de diĂĄrio de 2 de julho de 1835 ("Aspecto exterior deManchester"), Voyages en Angleterre et en Mande, op. cit., p. 190.
  • 102 O melhor elogio que Tocqueville encontrou para Birmingham foi o de dizer que ali se vivia com "espĂrito americano". A. de Tocqueville, Journeys to England and Irland, New Haven, Yale University Press, 1958,
  • citado por S. Drescher, Tocqueville and England, op. cit., p. 63.
  • 103 Idem, A Democracia na América, Livro I, Parte II, Cap. X, op. cit., p. 286.
  • 107 Tocqueville, A. de. Souvenirs, op. cit., p. 97.
  • 108 Johan Huizinga, conceituando o americanismo, um sĂŠculo depois de Tocqueville, e sem citĂĄ-lo, confirma o seu diagnĂłstico: "A AmĂŠrica do Norte pensante se distancia com crescente aversĂŁo do ponto de vista ĂŠtico-puritano para se inclinar a um ponto de vista ĂŠtico-social". E, mais Ă  frente: "O norteamericano tende a receber sem muita crĂtica [...] o que considera como resultado da ciĂŞncia moderna. Mas, ao mesmo tempo, seu espĂrito estĂĄ sempre disponĂvel ao novo ou ao surpreendente. Ă mais falĂvel e mais suscetĂvel Ă  mudança que nĂłs. Move-se mais desembaraçadamente dentro da sua pele espiritual", "EspĂritu Norteamericano", El Concepto de la Historia, MĂŠxico, Fundo de Cultura EconĂ´mica, 1946, segunda reimpressĂŁo, 1980, pp. 418 e 419.
  • *
    Texto produzido ao interior do grupo de estudos sobre americanismo do IUPERJ.
  • 1
    Outro, em oposição ao Gramsci nacional-popular. No estudo sobre americanismo, Gramsci teria abandonado a concepção jacobina de revolução para explorar as possibilidades da revolução passiva, "uma nova forma de mudança, em que as transformações se operam na 'estrutura' (nas relações sociais de produção), por meio de um processo molecular e não necessariamente pela iniciativa das forças antagonísticas fundamentais". Giuseppe Vacca, "L'URSS Staliana nell'analisi dei
    Quaderni del Carcere", Critica Marxista, nº 34, maio-agosto, Roma, Riuniti, 1988, p. 130. Ver também "Socialismo, Americanismo e Modemità in Gramsci", G. Baratta,
    Critica Marxista, nº 4, julho-agosto, Roma, Riuniti, 1990. Uma excelente leitura do tema nacional-popular em Gramsci está em Paulo Arantes "Uma Reforma Intelectual e Moral: Gramsci e as Origens do Idealismo Alemão",
    Presença, nº 17, Rio de Janeiro, CPDC, 1992.
  • 2
    Tocqueville, A. de.
    A Democracia na América, Belo Horizonte: Itatiaia, São Paulo: EDUSP, 1977, Livro I, Cap. X, p. 310.
  • 3
    Uma interessante discussão sobre o problema da filosofia da história em Tocqueville está em R. Nisbet, 'Tocqueville's Ideal Types", A.S. Eisenstadt, (ed.), in
    Reconsidering Tocqueville's Democracy in America, New Brunswick, Rutgers University Press, 1988, p. 189.
  • 4
    De Sarmiento, ver
    Facundo, Buenos Aires, Huemul, 1978; de Alberdi,
    Bases, Buenos Aires, Editorial Plus Ultra, 1981; de Tavares Bastos,
    A Província, São Paulo, Companhia Editora Nacional, Coleção Brasiliana, nº 105, 1975. Sobre André Rebouças, ver de Maria Alice Rezende de Carvalho,
    André Rebouças: um Americanista do Império, texto apresentado no II Encontro Latino-Americano de Estudos Norte-Americanos,
    mimeo, México, 1992. Procurei estudar a presença do americanismo no debate brasileiro em "Americanistas e Iberistas: a Polêmica de Oliveira Vianna com Tavares Bastos",
    Dados, vol. 34, nº 2, Rio de Janeiro, Vértice, 1991.
  • 5
    Ver, de Arthur Schelesinger Jr., "Individualism and Apathy in Tocqueville's
    Democracy", in
    Reconsidering Tocqueville's Democracy in America, op. cit.; ver também, de Marcelo Jasmim, "Individualismo e Despotismo: a Atualidade de Tocqueville",
    Presença, nº 16, abril de 1991.
  • 6
    Sobre o tema da descontinuidade entre as "duas"
    Democracias, ver de J.-C. Lamberti,
    Tocqueville et les Deux Dèmocraties, Paris, PUF, 1983; Arthur Schelesinger Jr., "Individualism and Apathy in Tocqueville's
    Democracy, Reconsidering Tocqueville's Democracy in America, op. cit.
  • 7
    Tocqueville, A de.
    A Democracia na América, Livro I, Introdução,
    op. cit., p. 14.
  • 8
    lbid. p. 18.
  • 9
    Ibid, prefácio à 12ª edição, 1848, p. 8:
  • 10
    Ibid, Livro I, Introdução, pp. 14-5.
  • 11
    Nisbet, R
    op. cit., p. 190.
  • 12
    Tocqueville A. de.
    A Democracia na América, op. cit. prefácio à 12ª edição, 1848, p. 7.
  • 13
    Ibid, Livro I, Introdução, p. 13.
  • 14
    Eisenstadt, A.S. "Introduction", in
    Reconsidering Tocqueville's, Democracy in America, op. cit., p. 6.
  • 15
    Para uma discussão magistral sobre os fundamentos da retórica tocquevilliana, ver H. White,
    Meta-História, A Imaginação Histórica ao Século XIX, São Paulo, EDUSP, 1992, Parte II, pp. 203 e ss.
  • 16
    Tocqueville, A. de.
    A Democracia na América, op. cit., Introdução, p. 21.
  • 17
    Ibid, Livro II, Quarta Parte, Cap. VIH, p. 542.
  • 18
    O entendimento de Tocqueville sobre o papel dos intelectuais na revolução está desenvolvido nos capítulos 1 e II do Livro III de O
    Antigo Regime e a Revolução.
  • 19
    Tocqueville, A. de.
    A Democracia na América, Livro I, Introdução,
    op. cit., p. 12. Sobre a importância do tema agrário em Tocqueville, ver S. Drescher,
    Tocqueville and England, Cambridge, Mas., 1964, cap. IV.
  • 20
    Ibid, p. 13.
  • 21
    Ibid.
  • 22
    Ibid.
  • 23
    Tocqueville discute a natureza das causas em O
    Antigo Regime e a Revolução, Livro II, cap. VIII e seguintes, e no Livro III, cap. I; em
    Souvenirs, Paris, Gallimard, 1964, tem-se a mesma discussão à luz dos acontecimentos de 1848, como na Parte II, cap. I, pp. 83-4; nesse último texto, sarcasticamente, Tocqueville atribui aos "homens de letras" o gosto pela explicação dos fatos a partir de "causas gerais", e aos políticos, a partir dos "incidentes particulares", e manifesta sua recusa aos "sistemas absolutos" que fazem depender todos "os acontecimentos da história de grandes causas primeiras, que se articulam umas às outras numa cadeia fatal e que suprimem, por assim dizer, os homens da história".
  • 24
    A Democracia na América, Livro II, Parte III, cap. XXI, p. 494.
  • 25
    Ver de Alessandro Dal Lago, L'
    Ordine Infranto, Max Weber e i Limiti del Razionalismo, Milão: Edizioni Unicopoli, 1983; G. Cohn,
    Crítica e Resignação, São Paulo: T.A. Queiroz, 1979; J.G. Merquior,
    Rousseau e Weber, Rio de Janeiro, Guanabara, 1990;
    e, principalmente, A. Mitzman,
    The Iron Cage: an Historical Interpretation of Max Weber, Nova York, Alfred Knopf, 1970.
  • 26
    Hegel,
    Principios da Filosofia do Direito, tradução de Orlando Vitorino, Lisboa, Martins Fontes, Parte III, seção III, p. 216; ver os comentários sobre o ponto em F. Furet,
    Maix et la Révolution Française, Paris, Flammarion, 1986.
  • 27
    Ver, de R. Janine Ribeiro,
    Ao Leitor sem Medo, São Paulo, Brasiliense, 1984; de N. Bobbio, "Hegel e o Jusnaturalismo",
    Estudos sobre Hegel, São Paulo, UNESP e Brasiliense, 1989, e
    Tilomas Hobbes, Rio de Janeiro, Campus, 1991.
  • 28
    Ver os comentários de N. Bobbio, "Hegel e o Jusnaturalismo",
    Estudos sobre Hegel, op. cit., p. 30.
  • 29
    Hegel,
    Princípio da Filosofia do Direito, op. cit., pp. 212-4. Tratando das corporações na moderna divisão social do trabalho, diz o autor: "Tem a classe agrícola em si mesma e imediatamente o seu universal concreto, na substancialidade da vida familiar e natural [...]. Medianeira entre as duas, a classe industrial está essencialmente orientada para o particular, e é por isso que a corporação lhe é própria",
    op. cit., p. 211.
  • 30
    Ibid. p. 213.
  • 31
    Ibid. p. 214.
  • 32
    Ibid.
  • 33
    Ibid. p. 215.
  • 34
    Ibid. p. 218. A tese central de N. Nobbio, "Hegel e o Jusnaturalismo",
    op. cit., é acompanhada por esta observação forte de F. Furet: "A hipótese de umestado de natureza anterior ao Estado, mesmo que a título teórico, é para Hegeltão aberrante quanto o foi para Aristóteles. O Estado é a
    polis dos modernos".In
    Marx et la Revolution Française, op. cit., p. 20.
  • 35
    Hegel,
    Princípios da Filosofia do Direito, op. cit., p. 225.
  • 36
    Sobre Hegel e a Revolução Francesa, ver de G. Luckács,
    El Joven Hegel, México, Juan Grijalbo Editor, 1963; e F. Furet,
    Marx et la Révolution Française,
    ob. cit.
  • 37
    As análises de Tocqueville sobre o assunto estão em
    A Democracia na América, Livro I, Parte II, cap. VIII, e em O
    Antigo Regime e a Revolução, Livro III, Cap. III, Brasília: Ed. da Universidade de Brasília, 1979.
  • 38
    Não tenho informações se Tocqueville conhecia de fato os termos da polêmica entre as escolas de Hegel e de Savigny, embora mantenha a suposição de que dificilmente seus ecos não lhe tivessem chegado, uma vez que o tema da constituição se tomara de alcance geral nos meios jurídicos da época. Sobre a polêmica, no contexto das universidades alemãs, ver A. Cornu,
    Karl Marx e Friedrich Engels, Livro I, Cap. III, Paris, PUF, 1955.
  • 39
    Ver, de J.C. Lamberti,
    La Notion d'Individualisme cbez Tocqueville, Paris, PUF, especialmente Cap. III, Seção III, sobre a virtude nas democracias modernas; e Marcelo Jasmim.
    Tocqueville e as Conseqüências Despóticas da Democracia, tese de mestrado,
    mimeo, IUPERJ, 1988.
  • 40
    Ver a concepção constitucionalista de Hegel em
    Princípios da Filosofia do Direito, op. cit. p. 270. Em 1835, em sua segunda viagem à Inglaterra, Tocqueville pôde perceber a influência do constitucionalismo de Bentham, cujas idéias tinham inspirado em grande parte a elaboração da
    Poor Law de 1834. Ver de S. Drescher,
    Tocqueville and England, op. cit., p. 77.
  • 41
    Tocqueville, A. de. "Réflexions sur l'Histoire de l'Angleterre",
    Voyages en Angleteire et en Mande, Paris, Gallimard, 1957, 1958 e 1967, p. 40.
  • 42
    Idem,
    A Democracia na América, Livro I, Parte II, cap. XIV, p. 412.
  • 43
    Ibid, p. 413.
  • 44
    Ibid.
  • 45
    Os problemas metodológicos tocquevillianos desse tipo são estudados em R. Boudon,
    Efeitos Perversos e Ordem Social, Rio de Janeiro, Zahar, 1979; S.A. Hadari,
    Theory in Practice, Tocqueville's New Science of Politics, Stanford, Califórnia, Stanford University Press; e J. Elster,
    Psychologie Politique (Veyne, Zinoviev, Tocqueville), Paris, Les Editions de Minuit, 1990.
  • 46
    White, H.
    Meta-História —
    a Imaginação Histórica do Século XIX, op. cit., p.205.
  • 47
    Moore, B.
    Social Origins of Dictatorship and Democracy, Boston, Beacon Press, 1966.
  • 48
    Tocqueville, A. de. O
    Antigo Regime e a Revolução, Prefácio,
    op. cit., p. 46.
  • 49
    Ibid.
  • 50
    Idem, A Democracia na América, Livro II, Parte IV, Cap. Vil, p. 535.
  • 51
    Idem, O Antigo Regime e a Revolução, Livro I, Cap. III, p. 58. Respondendo ascríticas de Burke à Revolução Francesa, ao perguntar por que os franceses não se voltavam para as suas "antigas franquias", Tocqueville retruca: "Burke não percebe que a revolução que tem sob seus olhos é a revolução que deve precisamente abolir esta antiga lei comum da Europa; não entendeu que é distoe não de outra coisa que se trata". — O
    Antigo Regime e a Revolução, Livro I,Cap. V, p. 64,
    op. cit.
  • 52
    Ibid. Livro I, Cap. IV, p. 62.
  • 53
    Ibid. Livro I, Cap. III, pp. 58-9.
  • 54
    Ibid. Livro II, Cap. XII, p. 131.
  • 55
    Ibid. Livro II, Cap. I, p. 69.
  • 56
    Ibid. Livro II, Cap. I, p. 71.
  • 57
    Ibid. Livro II, Cap. I, p. 72.
  • 58
    Tocqueville converge quase literalmente com Maquiavel
    (Discursos, Livro I, Cap. II) sobre o papel dos conflitos na institucionalização da liberdade, embora negue existência empírica aos regimes mistos, uma vez que, numa sociedade qualquer, sempre se acaba por descobrir um princípio de ação que domina todos os outros (
    A Democracia na América, Livro I, Parte II, Cap. VII, p. 194): "Os pequenos abalos que a liberdade pública provoca nas sociedades mais bem assentadas lembram diariamente a possibilidade de derrubamentos e obrigam a prudência pública à vigilância" .—
    O Antigo Regime e a Revolução, Livro III, Cap. I, p. 138. Sobre o mesmo assunto em Montesquieu, ver o excelente ensaio de L. Althusser,
    Montesquieu, la Politique e l'Histoire, Paris: PUF, s/d.
  • 59
    Tocqueville, A. de.
    O Antigo Regime e a Revolução, Prefácio, Livro II, Cap. II, p. 75.
  • 60
    Ibid. Livro II, Cap. V, p. 89 e Cap. VIII, p. 99.
  • 61
    Ibid. Livro II, Cap. VIII, p. 100.
  • 62
    Ibid. Livro I, Cap. IV, p. 62.
  • 63
    Ver, de A. Stinchcombe,
    Theoretical Methods in Social History, Nova York, Academic Press, Cap. II, 1978.
  • 64
    Tocqueville, A. de.
    O Antigo Regime e a Revolução, Livro III, Cap. VIII, p. 173.
  • 65
    Idem, "Demières Impressions sur l'Angleterre",
    Voyages en Angleterre et en Mande, p. 107,
    op. cit.; no mesmo livro, ver a introdução de J.P. Mayer, de janeiro de 1982; informações sobre essa estada de Tocqueville na Inglaterra, podem ser obtidas na biografia de autoria de André Jardín,
    Alexis de Tocqueville, Paris: Hachette, 1984; para uma visão mais analítica ver, de S. Drescher,
    Tocqueville and England, Cambridge, Mas., 1964.
  • 66
    Idem, "Carnet Alphabétique",
    Voyages..., op. cit., p. 98.
  • 67
    O Antigo Regime e a Revolução, em suas linhas gerais de interpretação, foi antecipado pelo ensaio "L'État Social et Politique de la France Avant e Aprés 1789", de 1836, que J.S. Mill publicou no nº 8 de
    London and Westminster Review, anterior, conseqüentemente à redação da "segunda"
    Democracia. Ver, de André Jardin,
    Alexis de Tocqueville, cap. II,
    op. cit., especialmente p. 235.
  • 68
    Tocqueville, A. de. "Dernières Impressions sur l'Angleterre",
    Voyages en Angleterre et en Irlande, p. 107,
    op. cit.
  • 69
    Idem, A Democracia na América, Livro II, Parte IV, Cap. VII, p. 535.
  • 70
    "Nesse sistema [da soberania do povo], os cidadãos, por um momento, abandonam a dependência para indicar o seu senhor, e, depois, voltam a ela. Hoje em dia, há muitas pessoas que se acomodam muito facilmente a essa espécie de compromisso entre o despotismo administrativo e a soberania do povo, e que pensam ter garantido suficientemente a liberdade dos indivíduos, quando é ao poder nacional que a entregam" —
    A Democracia na América, Livro II, Parte IV, Cap. VI, p. 532.
  • 71
    Ver, de S. Drescher, "More than America: Comparison and Synthesis in
    Democracy in America", Reconsidering Tocqueville's Democracy in America, op. cit., p. 87.
  • 72
    Tocqueville, A. de.
    A Democracia na América, Livro II, Parte II, Cap. IX,
    op. cit, p. 42.
  • 73
    Ibid, Livro I, Introdução.
  • 74
    Ibid. Livro I, Parte I, Cap. VIII, p. 128.
  • 75
    Ibid. Livro I, Introdução, p. 19. Nas últimas palavras da "primeira"
    Democracia, Tocqueville prevê que tal desenvolvimento da revolução social da igualdade, apoiando-se no interesse pessoal dos indivíduos, deverá conceder à América, "um dia, os destinos da metade do mundo". A outra metade, em sua previsão, deveria caber à Rússia.
    Idem, Parte II, cap. X, Conclusão, p. 316.
  • 76
    Ibid. Livro II, Parte I, Cap. XVIII, p. 368.
  • 77
    White, H.
    Meta-História —
    a Imaginação Histórica do Século XIX, op. cit., p. 205.
  • 78
    Tocqueville, A. de.
    A Democracia na América, Livro II, Parte I, Cap. XVIII, p. 368.
  • 79
    Drescher, S. "More than America: Comparison and Synthesis in
    Democracy in America', in
    Reconsidering Tocqueville's Democracy in America, op. cit., p. 87.
  • 80
    Jardin, André.
    Alexis de Tocqueville, op. cit., p. 240.
  • 81
    Tocqueville, A. de.
    A Democracia na América, Livro II, Parte II, Cap. XIV, p. 412; ver, de D.T. Rodgers, "Of Prophets and Prophecy", in
    Reconsidering Tocqueville's Democracy in America, op. cit., p. 196.
  • 82
    White, H.
    Meta-História —
    a Imaginação Histórica do Século XIX, op. cit., p. 207.
  • 83
    Tocqueville, A. de.
    A Democracia na América, Livro II, Parte IV, Cap. VI, p. 531.
  • 84
    Ver a interpretação de H. White em
    Meta-História. .., op. cit.
  • 85
    Tocqueville, A. de.
    A Democracia na América, Livro II, Parte III, Cap. XXII,p. 494.
  • 86
    Ibid, Livro II, Parte I, cap. X, p. 349.
  • 87
    White, H.
    Meta-História,.., op. cit., p. 221.
  • 88
    Ibid. p. 224.
  • 89
    Passei os mais belos anos da minha juventude numa sociedade que parecia se tornar grande e próspera na medida em que se fazia livre; concebi a idéia de uma liberdade moderada, regular, contida pelas crenças, costumes e leis; os encantos dessa liberdade me tinham tocado e ela se tornou a paixão da minha vida. Sentia que jamais me consolaria com sua perda, mas, agora, compreendia que era preciso renunciar a ela."
    Souvenirs, op. cit., p. 86.
  • 90
    Carta de Tocqueville ao Conde Molè,
    Oeuvres, n. VII, p. 134, Beaumont, citado por J.P. Mayer,
    Voyages en Angleterre et en Mande, Introduction,
    op. cit., p. 24.
  • 91
    Tocqueville, A. de.
    A Democracia na América, Livro I, Parte II, Cap. III,
    op. cit., p. 143.
  • 92
    Carta de Tocqueville ao Conde Molè, acima citada.
  • 93
    Ver, do autor, "La Vocation Coloniale de la France. L'Esclavage dans les Vieilles Colonies",
    in Alexis de Tocqueville,
    Oeuvres Complètes, Tomo III, Paris: Gallimard, 1962. No mesmo tomo, ver a esclarecedora introdução de J.-J. Chevalier e André Jardin.
  • 94
    Tocqueville, A. de.
    A Democracia na América, Livro II, Parte II, Cap. VIII, p. 402.
  • 95
    Ibid. cap. XI, p. 406.
  • 96
    A. de Tocqueville, nota de diário de 7 de julho de 1835,
    Voyages en Angleterre et en Mande, op. cit., p. 204.
  • 97
    Ver, particularmente, S. Drescher,
    Tocqueville and England, op. cit.
  • 98
    A. de Tocqueville, nota de diário de 2 de julho de 1835 ("Aspecto exterior deManchester"),
    Voyages en Angleterre et en Mande, op. cit., p. 190.
  • 99
    Ibid. p. 191.
  • 100
    Idem, nota de diário de 7 de julho de 1835, p. 205.
  • 101
    Idem, p. 204.
  • 102
    O melhor elogio que Tocqueville encontrou para Birmingham foi o de dizer que ali se vivia com "espírito americano". A. de Tocqueville,
    Journeys to England and Irland, New Haven, Yale University Press, 1958, citado por S. Drescher,
    Tocqueville and England, op. cit., p. 63.
  • 103
    Idem, A Democracia na América, Livro I, Parte II, Cap. X,
    op. cit., p. 286.
  • 104
    Ibid. Livro I, Parte II, Cap. V, p. 185.
  • 105
    Ibid.
  • 106
    "O governo da democracia faz com que a idéia de direitos políticos desça até o menor dos cidadãos, como a divisão dos bens põe a idéia do direito de propriedade em geral ao alcance de todos os homens",
    idem.
  • 107
    Tocqueville, A. de.
    Souvenirs, op. cit., p. 97.
  • 108
    Johan Huizinga, conceituando o americanismo, um século depois de Tocqueville, e sem citá-lo, confirma o seu diagnóstico: "A América do Norte pensante se distancia com crescente aversão do ponto de vista ético-puritano para se inclinar a um ponto de vista ético-social". E, mais à frente: "O norteamericano tende a receber sem muita crítica [...] o que considera como resultado da ciência moderna. Mas, ao mesmo tempo, seu espírito está sempre disponível ao novo ou ao surpreendente. É mais falível e mais suscetível à mudança que nós. Move-se mais desembaraçadamente dentro da sua pele espiritual", "Espíritu Norteamericano",
    El Concepto de la Historia, México, Fundo de Cultura Econômica, 1946, segunda reimpressão, 1980, pp. 418 e 419.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      02 Fev 2011
    • Data do Fascículo
      Ago 1993
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