Resumos
Discutir-se-ão os anos iniciais de atuação da Associação Cultural do Negro, criada por antigos ativistas e intelectuais da imprensa negra paulistana. Naquele período, ela conseguiu promover ações, jornais, livros e atos públicos visando debater o papel do negro na formação da sociedade brasileira, situando-o num lugar alternativo ao da subalternidade imposta pelo fim da escravidão. Foi apoiada por intelectuais, escritores, sociólogos, ativistas (nacionais e estrangeiros) interessados pelos problemas do grupo negro no Brasil e no continente africano, como Florestan Fernandes, Sérgio Milliet, José Mindlin, Henrique Losinkas Alves, Léon Gontran Damas e os intelectuais da revista Présence Africaine, entre outros. O interesse do artigo é pensar os alcances e limites dessa associação e suas atividades, pouco refletida pela bibliografia conhecida sobre relações raciais e história de movimentos negros no Brasil.
Associação Cultural do Negro; Movimento negro; Relações raciais; São Paulo
It will be discussed the initials years of Associação Cultural do Negro, created by olders activists and intelectuals of black press in São Paulo. During that period, it was able to promote actions, newspapers, books and public events aimed at discussing the role of blacks in the Brazilian society formation, placing it in an alternative place of subordination imposed by the end of slavery. It was supported by intellectuals, writers, sociologists, activists interested in the problems of the black group in Brazil and Africa, as Florestan Fernandes, Sergio Millet, José Mindlin, Henrique Losinkas Alves, Léon Gontran Damas and intellectuals of the journal Présence Africaine, among others. The interest of the paper is to discuss the scope and limits of this association and its activities, not discussed by the literature on race relations and history of black movements in Brazil.
Associação Cultural do Negro; Black movement; Racials relations; São Paulo
DOSSIÊ QUESTÃO RACIAL NO BRASIL
Fazer História, Fazer Sentido: Associação Cultural do Negro (1954-1964)*
Make History, Make Sense: Associação Cultural do Negro (1954-1964)
Mário Augusto Medeiros da Silva
Doutor em Sociologia pela Unicamp
RESUMO
Discutir-se-ão os anos iniciais de atuação da Associação Cultural do Negro, criada por antigos ativistas e intelectuais da imprensa negra paulistana. Naquele período, ela conseguiu promover ações, jornais, livros e atos públicos visando debater o papel do negro na formação da sociedade brasileira, situando-o num lugar alternativo ao da subalternidade imposta pelo fim da escravidão. Foi apoiada por intelectuais, escritores, sociólogos, ativistas (nacionais e estrangeiros) interessados pelos problemas do grupo negro no Brasil e no continente africano, como Florestan Fernandes, Sérgio Milliet, José Mindlin, Henrique Losinkas Alves, Léon Gontran Damas e os intelectuais da revista Présence Africaine, entre outros. O interesse do artigo é pensar os alcances e limites dessa associação e suas atividades, pouco refletida pela bibliografia conhecida sobre relações raciais e história de movimentos negros no Brasil.
Palavras-chave: Associação Cultural do Negro; Movimento negro; Relações raciais; São Paulo.
ABSTRACT
It will be discussed the initials years of Associação Cultural do Negro, created by olders activists and intelectuals of black press in São Paulo. During that period, it was able to promote actions, newspapers, books and public events aimed at discussing the role of blacks in the Brazilian society formation, placing it in an alternative place of subordination imposed by the end of slavery. It was supported by intellectuals, writers, sociologists, activists interested in the problems of the black group in Brazil and Africa, as Florestan Fernandes, Sergio Millet, José Mindlin, Henrique Losinkas Alves, Léon Gontran Damas and intellectuals of the journal Présence Africaine, among others. The interest of the paper is to discuss the scope and limits of this association and its activities, not discussed by the literature on race relations and history of black movements in Brazil.
Keywords: Associação Cultural do Negro; Black movement; Racials relations; São Paulo.
As comemorações organizadas em torno da efeméride do IV Centenário da cidade de São Paulo, em 1954, engendraram diferentes eventos e ações, estudados em detalhe por extensa bibliografia (Abud, 1985; Arruda, 2001; Ferreira, 2002; Lofego, 2004) que, entre outros aspectos, se debruça sobre a construção do mito do progresso ou da construção da imagem do bandeirantismo paulista. Em síntese, esse evento central serviu para diferentes setores sociais ativarem ou criarem uma memória coletiva positiva capaz de justificar uma espécie de destino manifesto, numa trajetória linear e ininterrupta da vila São Paulo de Piratininga à metrópole que mais crescia no país e considerada locomotiva econômica da nação.
Acionados jesuítas, bandeirantes e, quando conveniente, frações imigrantes europeias, a construção da epopeia bandeirante situava a cidade - irradiando-se ao estado - como um ponto de inflexão, no momento das comemorações, de um ideal de modernidade, superação e distanciamento do atraso que grassava a história brasileira. Identificava-se a um só tempo um sujeito social (personagens históricos que forjassem a imagem positiva dos paulistas) selecionava-se um tema (a épica do destemor e da bravura bandeirante) e conferia-se um sentido (do progresso ilimitado, concretizado simbolicamente na escultura espiral ascendente do IV Centenário, projetada por Oscar Niemeyer para o Parque do Ibirapuera, que não chegou a ser construída).
Esses elementos formam um imaginário social, servindo aos interesses de quem os organizou: parcelas da intelectualidade, do empresariado, grupos financeiros, políticos, paulistas "tradicionais" de quatrocentos anos e profissionais liberais de classes médias (os últimos ligados ao setor de serviços interessados em lucrar ou ser subvencionados com os aportes das comissões organizadoras, criadas pelo poder público e responsáveis pelas comemorações) (Lofego, 2004, p. 11).
Entretanto, entre os grupos humanos que constituíram esse estado e cidade, deliberadamente se ocultaram, em meio aos processos comemorativos, negros e indígenas1. Identificados ao atraso, tiveram sua participação na construção de São Paulo questionada. No caso dos negros, isso não impediu que frações organizadas desse grupo - e que já vinham de experiências políticas anteriores, interrompidas pelo golpe do Estado Novo, rearticuladas após 19452 - procurassem reordenar projetos coletivos, colocando em xeque a posição subalterna que lhes fora relegada no pós-Abolição.
Simultaneamente, procuraram construir um ponto de referência que, no mesmo compasso, reavaliasse o passado e o positivasse, através de eventos e figuras históricas importantes para o grupo, tentando configurar assim uma identidade alternativa - focada na promoção da ideia de cultura - à servidão forçada, como forma de valorização do sujeito negro, lidando, desse modo, com os desafios da cidadania no presente de meados do século XX.
Pretende-se discutir aqui, em linhas breves e de forma não conclusiva, a atuação da Associação Cultural do Negro (ACN), organização que surge em 1954 e cessa atividades em 1976, cuja gênese é decorrente da reação de parte daquele grupo social às comemorações do quartocentenário paulistano; e cujos objetivos vão se ampliando em outras direções no período mais profícuo de sua existência, de sua fundação até o golpe de 1964. Importante dizer que se trata de uma organização negra pouco estudada pela bibliografia sobre relações raciais no Brasil, apesar de sua importância, sendo citada em parágrafos de poucos artigos e textos sobre o tema3.
Como foi discutido em Silva (2010, 2011), os caminhos da ACN e seus membros se cruzam também com os da sociologia uspiana, notadamente através de Roger Bastide e Florestan Fernandes, visto que esses cientistas sociais se valeram do contato com os ativistas negros, circulando em seus espaços e estabelecendo relações, que foram importantes para seus principais trabalhos sobre a questão racial: Brancos e negros em São Paulo e A integração do negro na sociedade de classes.
Uma associação cultural do negro em meados do século XX
Em atividades associativas e organizadas política e culturalmente, frações do grupo negro paulistano se encontravam, no pós-abolição, desde o começo do século XX. Os jornais da imprensa negra e grupos reivindicativos como a Frente Negra Brasileira (1931-1937), o Clarim d'Alvorada, entre muitos outros, desenvolviam atividades e ações efervescentes que seriam interrompidas, em 1937, reestruturando-se somente no fim dos anos 1940 (Bastide e Fernandes, 1955; Fernandes, 1978; Bastide, 1973; Moura, 1983; Ferrara, 1986; Leite e Cuti, 1992; Barbosa, 1998; Domingues, 2008).
Entre 1948 e 1953, em São Paulo e Rio de Janeiro, as atenções do grupo negro organizado estão voltadas ao Primeiro Congresso do Negro Brasileiro (transcrito quase integralmente em Nascimento, [1968] 1982), realizado em 1950 no Rio de Janeiro4, e à pesquisa Unesco (Maio, 1997), da qual participam como sujeitos pesquisados5, dentre outras ações menores, em função de suas atividades pregressas. O cotidiano da cidade paulistana se impõe aos sujeitos sociais de maneira impactante, dadas as transformações pelas quais a metrópole vinha passando, notando-se alterações arquitetônicas, intervenções no espaço público, mudanças na dinâmica das relações pessoais interferindo na vivência dos moradores das "várias 'cidades' que coexistiam lado a lado" (Fernandes, 1977, p. 144), que vinham se preparando, no mesmo período, para as comemorações do IV Centenário de São Paulo.
Essas se propunham a ser, simultaneamente, grandiosas e excludentes, tendo São Paulo como "uma espécie de resumo do Brasil ou seu ponto de convergência" (Lofego, 2004, p. 39), em que "o elã comemoracionista de São Paulo no IV Centenário é, a médio prazo, uma resposta à derrota política e à vitória econômica. Perdeu-se a batalha de 1932, mas não a guerra da industrialização e do desenvolvimento" (Arruda, 2001, p. 98).
Recorde-se que, entre alguns setores intelectuais paulistanos, o grupo negro e suas frações organizadas eram vistos com desconfiança, acusados de colaborar ou simpatizar com as ações e propostas getulistas, na ocasião do confronto de 1932, transformando-se, portanto, em inimigos dos paulistas, como sugerem os artigos escritos por Paulo Duarte, em 1947, para o jornal O Estado de S. Paulo, utilizando esse tópico para questionar a identidade nacional brasileira6. A visão de Duarte, no entanto, estava equivocada por, ao menos, três fatores: 1) o desmantelamento progressivo das organizações negras a partir de 1932, culminando em sua proibição em 1937; 2) a criação do destacamento militar denominado Legião Negra, em 1932, para lutar com os paulistas contra o governo Vargas; 3) o fim da principal organização negra do período, a Frente Negra Brasileira, depois de sucessivos ataques, por conta do golpe do Estado Novo (Leite e Cuti, 1992; Barbosa, 1998; Domingues, 2008).
Depreende-se também, em meio aos jogos de poder, a exclusão simbólica da participação do negro no processo social que culminara até ali; inclusive burocraticamente, pelas duas comissões organizadoras do evento em 1954 que recebeu:
entre as sugestões e propostas enviadas ao diretor do serviço de comemorações culturais, Roberto de Paiva Meira, havia a proposta da Comissão de Festejos para Ereção de um Monumento à Mãe Negra que, como o próprio nome diz, pretendia inaugurar um busto no Largo do Paissandu, em homenagem à mãe preta, inserindo-se no espaço da capital paulista como símbolo da cultura negra em São Paulo. [...] A proposta rejeitada por diversas ocasiões, somente foi aceita quando [essa] Comissão [...] entregou à [...] do IV Centenário um abaixo-assinado. Diante de tal apelo, além de tal homenagem integrar as comemorações do Quartocentenário, diversas autoridades estiveram presentes na inauguração, inclusive o governador do estado [...]. Entretanto é contrastante observar que a proposta encaminhada pelo Grupo de Industriais e Artistas, representados por Teodoro Procópio, para construção de um grandioso Museu de Cera na marquise do Ibirapuera foi aceita sem maiores restrições (Lofego, 2004, pp. 50-52).
Na dinâmica da comemoração, inventa-se uma tradição para o progresso e o "destino manifesto" de São Paulo; funda-se uma genealogia de bravura e uma história épica. Tenta-se forjar a imagem de uma metrópole moderna, mesmo que ela padeça de dilemas periféricos, como as favelas:
O território escolhido para ser símbolo das festas [o futuro Parque do Ibirapuera] estava ocupado por populações que, no entender dos poderes que estavam à frente daquele projeto, não integravam a grandeza de São Paulo, por isso era preciso removê-las e deixar o território ficar livre para a edificação dos marcos da "pauliceia" triunfante [...] consta que ao final das operações solicitadas e executadas pelo poder público, foram removidos 186 barracos, que abrigavam 204 famílias. [...] [Na documentação sobre a remoção] não encontramos qualquer menção à sorte dessa população (Lofego, 2004, pp. 83-84)7.
Vivendo os reflexos de golpes incompletos de modernização - notadamente a Abolição e a República - que lhes favoreceram lateral e insuficientemente e contra os quais reivindicam continuamente, em associações, jornais e órgãos políticos; compondo parcelas significativas da população pobre ou desprivilegiada da cidade, é significativo, portanto, que frações do grupo negro paulistano tivessem de quê reclamar e tentar arregimentar membros para suas reivindicações, através de seus jornais, clubes e organizações.
Ao criar, em 1954, a ACN, os antigos militantes do meio negro organizado em São Paulo afirmam que era necessário, novamente, tentar aglutinar interessados para a questão do negro, irresoluta; e, dado o apagamento no Quartocentenário, tornada uma questão menor. Um de seus principais líderes foi o militante José Correia Leite8. Ele e outros membros da nova associação, como Jayme de Aguiar, Raul Joviano do Amaral, Henrique Cunha, participaram ativamente, como informantes e sujeitos pesquisados, da pesquisa Unesco em São Paulo. Mantinham relações próximas com Roger Bastide e Florestan Fernandes, sendo que estes participavam das manifestações e associações daqueles. Forneceram-lhes dados, entrevistas, documentos, jornais etc. Há um encontro fecundo, nesse sentido, entre ativistas negros e sociólogos, especialmente em São Paulo9.
Se o começo dos anos 1950, havia se imposto aos cientistas sociais com o dilema sintetizado, de maneira precisa, em Villas-Bôas (2006)10, tomando a questão racial, entre outras, como laboratório de testes para se pensar o problema da mudança social no Brasil, para o grupo negro, cabe pensar que o dilema proposto, explicitado pela autora, permite criar, em paralelo, a seguinte ideia síntese: fazer história, fazer sentido. A proximidade e distanciamento simultâneos dos eventos abolicionistas (e de suas decorrências imediatas), bem como as ações que lograram realizar nas décadas seguintes (criar jornais, associações, organizações, editar livros etc.), colocam questões cruciais ao grupo e ao tempo histórico que vivem, nos quais investem em ações e propostas visando interferir e alterar positivamente a história do negro. Essas ações são analisadas em detalhe por Bastide e Fernandes (1955, 1964), bem como por Virgínia Leone Bicudo, em 1945, com seus estudos sobre as atitudes raciais de pretos e mulatos, entrevistando pioneiramente membros da Frente Negra Brasileira (Bicudo, 2010).
Esses investimentos num certo sentido da história social e cultural remetem a José Correia Leite que, em suas memórias, ao lembrar o surgimento da ACN, afirma o seguinte:
Em 1954, nas comemorações do Quartocentenário [...] houve muitas festas, mas o negro não se fez presente, isto porque naquele ano não havia uma entidade organizada para tratar do assunto [...] Quem construiu propriamente a cidade foi o negro [...] Com tudo isso, houve alguns negros interessados em fazer qualquer coisa [...] mas foram pedir auxílio pro governo e receberam uma recusa. Isso eu soube [...] Mas eu achei que esse negócio não estava certo e então nós tínhamos de fazer uma outra entidade mesmo. Por casualidade encontrei-me com o Borba [José de Assis Barbosa], que já tinha dado uma iniciativa sobre a ideia da fundação de uma entidade cultural [...] Achei que uma entidade cultural, de propaganda em defesa dos valores negros, isso era o suficiente para a presença do negro no movimento cultural e cívico da cidade (Leite e Cuti, 1992, p. 163).
Fundada formalmente em 28 de dezembro de 1954, a ACN11 situa-se inicialmente no centro da capital paulista, no terceiro andar de um edifício na praça Carlos Gomes, número 153. Em que pese a quantidade de entidades associativas de negros no estado de São Paulo, em meados do século XX, verificável em documento do acervo da ACN12, colocando em questão o ineditismo dessa associação, cabe destacar sua singularidade.
Sua localização espacial não é de importância menor: o centro da cidade é um lugar de passagem considerável, permitindo o encontro com sujeitos diversos da vida cultural e política, bem como a concentração de associados ou simpatizantes da ACN. O ponto inicial era bom, mas não o suficiente para atender as especificidades de suas atividades e frequentadores: era necessário que funcionasse à noite, para que seus membros pudessem, após o dia de trabalho e estudo, participar das atividades.
Nesse sentido, a organização muda-se, antes de julho de 1956, para a rua São Bento, no edifício Martinelli. Embora haja agora uma elasticidade no tempo das atividades noturnas, existe também algum receio inicial no aceite da mudança. A ACN era uma entidade com diferentes propósitos, dentre os quais os de não partidarizar a causa do negro (medo da desmobilização exterior, provocada pelo Estado Novo) e, também, criar uma aura de respeito à imagem pública do grupo que procurava representar. O Martinelli, apesar da importância histórica, localização privilegiada e horário propício, colocava em xeque, aparentemente, as duas coisas.
Quando ele [José de Assis Barbosa] conseguiu aquele espaço no prédio Martinelli, a gente ficou naquela dúvida de mudar ou não. Porque o prédio Martinelli era um lugar de má fama, um prédio em que famílias não gostavam de ir. Lá dentro havia marginais, viciados... Nós resolvemos, não havia outra saída. São Paulo só tinha aquele prédio que funcionava a noite inteira. Lá nós não tínhamos hora de fechar. O conjunto era no 16o andar. No 17o havia a sede do Clube 220, dos que chamavam a Associação Cultural do Negro de Associação Comunista dos Negros [...] Havia comunistas no nosso meio, mas não era permitido que se fizesse política dentro da entidade (Leite e Cuti, 1992, pp. 169-170).
Vencidas as desconfianças iniciais em relação à nova sede e ao nome, a ACN dá prosseguimento às suas atividades, havendo um intervalo de ano e meio para sua primeira grande atuação pública13. No ano de 1956, realiza uma Quinzena 13 de Maio, junto com o Teatro Experimental do Negro de São Paulo (TEN-SP, dirigido por Geraldo Campos de Oliveira, também membro da ACN). A Quinzena se aliou à preparação da Primeira Convenção Paulista do Negro, que era executada desde abril daquele ano. Entre os diferentes teores de moções apresentadas à Convenção Paulista, distinguiu-se a de Henrique Losinskas Alves, intelectual filho de migrantes lituanos e colaborador da ACN (Angelo e Reipert, 1989; Leite e Cuti, 1992), propondo a realização de uma Semana Nina Rodrigues, em comemoração ao antropólogo e médico nordestino, pioneiro do estudo negro e/ou africanista no Brasil.
Não foi bem aceita inicialmente14. Entretanto, a Semana ocorreu de 17 a 24 de julho de 1956, segundo a contracapa de Alves (1963). No primeiro dia, Losinkas Alves pronunciou a conferência "A realidade de Nina Rodrigues", no auditório da Biblioteca Mário de Andrade. No terceiro dia, na antiga sede da ACN, o antropólogo baiano Édison Carneiro fez nova conferência sobre Nina Rodrigues. No penúltimo dia, Ironides Rodrigues, intelectual negro do TEN, realizou outra conferência no auditório da Biblioteca Municipal.
É interessante notar, embora não se saiba exatamente o que foi enunciado (com exceção o texto de Alves, publicado posteriormente pela ACN), a importância simbólica dos lugares das conferências e de seus palestrantes. De acordo com a documentação coligida no acervo da ACN, os diretores da associação tinham plena consciência disso. A preparação da Primeira Convenção Paulista do Negro era executada desde abril de 1956, tendo sido elaborado regimento com vinte artigos dispondo sobre a organização do evento. A diretoria da ACN enviou cartas-convite para, dentre outros, o então governador do estado, José Porphyrio da Paz que, em telegrama a Geraldo Campos de Oliveira, agradece pelo convite, mas afirma que não pode comparecer15.
Há aí uma estratégia de visibilidade e reconhecimento, que se repetiria ao longo da curta existência da associação. É possível encontrar, em outras ocasiões, respostas dos governadores Jânio Quadros, José Porphyrio ou Carlos Alberto Carvalho Pinto a solenidades e comemorações promovidas pela ACN16. Todos eles agradecem e não aceitam os convites feitos. Então, cabe perguntar: visibilidade e reconhecimento almejados para qual público? Além da diretoria, composta de sujeitos ungidos em experiências políticas e culturais anteriores, e da trupe do TEN-SP, com seus atores e escritores, quem mais frequentava a ACN? De acordo com Oswaldo de Camargo17, à ocasião em que convivia e participava da associação, já no edifício Martinelli (entre julho de 1956 e meados dos anos 1960, portanto):
Negros que têm uma casa boa mesmo, são dois, três. Contam-se nos dedos. Não há um negro em política militando. Militando não: não há um negro em cargo político, de verdade. A história recente do negro é uma história de domésticas. Aquelas meninas lindas estão ali, quase todas são domésticas. Trabalham em casa de família, raras professoras. De vez em quando uma professorinha, muito difícil [...] Uma boa parte de negros trabalham em empregos [de] funcionário público [...] Você tem que levar em conta que a Associação ela tem um impasse tremendo. A intelectualidade, o grupo de intelectuais, era um grupo minoritário. O grupo mais forte da Associação era o grupo que me levou à Associação, que é o grupo do convescote, do piquenique, do esporte, que era mais forte que a Literatura [...] A Associação tinha crise de aluguel, os sócios não pagavam a tempo. Era assim. Era uma associação pobre, eram dois cômodos, no décimo sexto andar18.
Todavia, embora o grupo literário/intelectual fosse minoritário e apesar das limitações monetárias dos associados, a ACN se organiza para o ano de 1958, quando se comemora o 70o. aniversário da Abolição da Escravatura. E será nessa ocasião que muitos eventos relevantes para a discussão empreendida aqui se realizarão.
O Ano 70 da Abolição
Apesar das dificuldades internas, entre fins de 1956 e início de 1958, a diretoria da ACN se organiza para e faz saber das comemorações em torno do que ficou simbolicamente batizado como o Ano 70 da Abolição. Se o quinquagésimo aniversário da data não pôde ser comemorado e utilizado publicamente, em razão da ditadura varguista; e o sexagésimo não suscitou tantas agitações conhecidas, sendo sublimado por outras atividades, é curioso observar o porquê 1958 se tornar uma data tão importante para frações do grupo negro. Ao que parece, do que é possível deduzir das fontes, não há força maior que o próprio contexto. Uma brecha democrática, um conjunto de associações disponíveis, grupos e sujeitos interessados, alguma receptividade interna e externa àqueles grupos em relação ao assunto. E, em particular à ACN, tinha-se em mãos a possibilidade de estratégia de visibilidade maior aos seus feitos.
Ocorre a criação de um movimento cívico-cultural comemorativo do aniversário da abolição do trabalho escravo no Brasil19, com um conjunto de entidades e sujeitos organizados, nem todos diretamente tocados pela questão negra. Os procedimentos adotados vão desde dar ciência à sociedade, de maneira ampla, de que se pretendia e o quê iria ocorrer, até os pedidos de doação financeira (a bancos, entidades etc.) para o evento efetivamente acontecer20. A organização atinge o ponto alto almejado distribuindo o manifesto lançado em São Paulo, em janeiro de 1958. O documento, reproduzido em Camargo (1972, p. 95), afirmava que:
Neste ano de 1958 em que comemoramos o 70 aniversário da abolição da escravatura no Brasil, as organizações culturais, esportivas, recreativas e as pessoas que a este subscrevem, uniram-se para homenagear os grandes vultos que, no passado, batalharam nas tribunas, na imprensa, nos parlamentos, nos eitos, nas senzalas e nos quilombos por causa tão justa e humana. [...] Tais vultos merecem a homenagem e o respeito de todo o povo brasileiro, e, os ideais de liberdade e independência que nortearam suas grandes ações, elevam e enobrecem os sentimentos de humanidade de nossa gente. [...] No momento em que se exaltam no Brasil os sentimentos de nacionalidade, independência e liberdade, adquire ainda maior oportunidade a comemoração do grande feito de 1888 [...] Através de sessões cívicas, conferências culturais, representações de teatro, festejos populares, atividades esportivas e recreativas, desejamos que todos os brasileiros participem das festividades comemorativas do "O Ano 70 da Abolição", contribuindo dessa maneira para elevar ainda mais alto a chama democrática da igualdade jurídica e social das raças.
Salve o Ano 70 da Abolição
São Paulo, janeiro de 195821
Trata-se de uma carta de tom conciliador e agregador. Informa e convida, menos que denuncia e propõe. Mas tal modulação discursiva foi eficaz em congregar elementos tão díspares a um fato, considerado por aqueles ativistas negros, de importância maior. Para José Correia Leite, numa síntese, o saldo parece ser positivo de toda a articulação em torno do "Ano 70", pois
Dentro daquele ano dos festejos do Ano 70 da Abolição, a Associação conseguiu do governador do Estado, o Jânio Quadros, uma colaboração. Ele não deu dinheiro, mas pôs a gráfica do Estado à disposição da nossa entidade para que fossem confeccionados os impressos para divulgação. Nós tínhamos entrado em contato com vários intelectuais para fazerem conferências, como o Sérgio Milliet, Artur Neves e outros. Numa dessas conferências, feita na Biblioteca Municipal, quem falou foi o Prof. Carlos Burlamáqui Köpke. Ele discursou sobre André Rebouças, um negro pouco falado, pouco conhecido [...] Quantos às publicações, depois que terminaram as comemorações do Ano 70 da Abolição, foi publicado o primeiro Caderno da série Cultura Negra, contendo uma espécie de anais dos trabalhos apresentados em 1958 (Leite e Cuti, 1992, p. 171, 173-174).
É também nesse ano que se declama o poema "Protesto"22 de Carlos Assumpção que, em memórias diversas, é considerado uma espécie de síntese daquele momento para uma fração cultural organizada do meio negro paulista.
O [Carlos] Assumpção se tornou uma espécie de porta-voz de reivindicações que estavam escondidas dentro da Associação Cultural do Negro, descontentamentos: com o Treze de Maio, a tentativa de uma visão crítica de datas históricas... Tudo você vai encontrar no Protesto. E, subjacente, aquela coisa: "Eu quero respeito, eu não quero piedade". Na verdade, ele começa já a trazer a modernidade que vai aparecer na Literatura Negra. Que o Cuti vai trabalhar muito isso. Cuti, Paulo Colina, Abelardo Rodrigues [poetas dos anos 1970-1980]23.
A modulação discursiva dos versos de Protesto estará formatada aos seus diferentes públicos, ao final dos anos 1950: a) intelectuais que buscavam alguma autenticidade e especificidade da literatura negra no Brasil, como Sergio Milliet (1966); b) sociólogos que estão tentando observar alguma potência organizativa positiva nesse grupo social, como Florestan Fernandes; c) a própria ACN, cujo um dos pilares é a afirmação de uma respeitabilidade pública do grupo que representa; d) e, efetivamente, por fim, homens e mulheres negros, funcionários públicos, professoras, empregadas domésticas, balconistas dos comércios ou revisores de jornal, circulando por eventos da ACN e outras organizações24.
Entre o assistencialismo e a autodeterminação, o tema da integração do negro
Encravada no centro da capital paulistana, a ACN assume, então, progressivamente, grau de importância, capaz de chamar atenção de uma parcela específica de intelectuais paulistas, com interesses circunstanciais ou mais duradouros.
No seu apogeu, [a ACN] chegou a ter mais de 700 sócios. Tinha entre seus afiliados membros hoje conhecidos, como o bibliófilo José Mindlin, os sociólogos Florestan Fernandes e Otávio [sic] Ianni. O penúltimo, inclusive, tornou-se o representante da entidade para fins culturais (Domingues, 2007).
Além disso, Oswaldo de Camargo se recorda que
De repente, eu por pertencer à Associação Cultural do Negro, que foi um momento importante, e lá estavam alguns autores: o Sérgio Milliet era um frequentador. O Affonso Schimidt, velhinho, já pouco antes de morrer, conheceu. [...] Aí eu conheço a Colombina [Yde Scholembach Blumenschein] na Associação Cultural do Negro. Ela frequentava quando havia efemérides, quando havia acontecimentos. Noite Luiz Gama, Noite Cruz e Sousa, Noite Auta de Souza [...] o Florestan Fernandes frequentava a Associação Cultural do Negro [...] estava sempre lá vendo tudo isso: Noite Cruz e Sousa, Noite Luiz Gama, Noite Nina Rodrigues [...] o prefácio [de 15 Poemas Negros] saiu porque o Florestan frequentava a Associação [...] Léon Damas veio ao Brasil e fez uma coletânea, uma antologia de poetas. Quer saber onde estão os poetas? Vá à Associação. [...] A Associação era o grande tambor que repercutia tudo. Era muito respeitada! Nenhum estudioso de questões negras deixava de ir à Associação [...] Basta dizer o seguinte. Não é muito difícil entender não. Correia Leite estava lá25.
Todavia, não foi apenas a eles que a ACN despertava curiosidade. Léon Gontran Damas, para organizar com poetas brasileiros a sua Nouvelle somme de poésie du monde noir, editada em francês, inglês, português e espanhol pela Présence Africaine (Damas, 1967), recorre àquele conglomerado de ativistas. Ali, segundo Camargo, toma conhecimento e recolhe os poemas de Natanel Dantas, Eduardo de Oliveira, Carlos de Assumpção, Luiz Paiva de Castro, Marta Botelho e do próprio entrevistado. Quase uma década antes, o poeta cubano Nicolas Guillén, a quem Solano Trindade dedicou um poema em Cantares ao meu povo, também já havia travado contato com alguns dos frequentadores da agora ACN - em particular Correia Leite. A centralidade desse ativista é algo que merece ser estudado, em outra ocasião.
Contudo, não apenas por intelectuais e escritores a ACN ou seus membros eram procurados. Criada como um fato político e cultural, por mais que seus mentores quisessem minimizar o primeiro adjetivo, ela se torna uma referência do ativismo negro, sendo chamada a emitir opinião ou se posicionar sobre os mais diversos assuntos, em diferentes momentos, acerca de questões que nem sempre pôde dar a resposta esperada.
Foi o que pensou, por exemplo, a Associação Beneficente Pio XII - entidade beneficente, fundada em 1956, que visava a "integração social e cultural da coletividade negra do Brasil" - ligada à igreja católica. Entre 1956 e 1959 (datação imprecisa, infelizmente, do documento disponível), ela envia correspondência à ACN, no sentido que essa seja uma das benfeitoras para aquisição de um Canal de Rádio e TV, bem como da organização de uma "Universidade Afro-Brasileira"26. A Associação Beneficente Pio XII chega a formular um Plano de Integração Social e Cultural da Coletividade Negra do Brasil, com doze pontos visando o assistencialismo ao grupo negro27.
Não há notícia de que ele tenha sido levado a cabo. Entretanto, na entrada dos anos 1960, o tema da integração social e cultural do negro se torna, destarte, candente. É possível afirmar que existe, portanto, uma ambiência social para o que Florestan Fernandes desenvolveria naqueles anos, publicando mais tarde A integração social do negro na sociedade de classes, em 1964 (evidentemente, com sentidos e interesses diferentes, no âmbito sociológico, do assistencialismo religioso; ou mesmo do associativismo negro).
Tal ambiência pode ser pensada em chave tripla: I) do ponto de vista social mais abrangente, o interesse de setores da igreja católica com a questão racial e do negro marginal no pós-abolição; II) o debate, no âmbito das Ciências Sociais, acerca das temáticas de marginalidade e mudança social; III) a apropriação e discussão interna dos ativistas do grupo negro. Nos estatutos de fundação da ACN, de acordo com Petrônio Domingues, o tema da integração já aparece, aliado ao problema da marginalidade social. Os presentes à reunião criaram os estatutos para, entre outras razões, agregar pessoas naquela associação "que tivesse por finalidade fundamental a desmarginalização e recuperação social de todos os elementos que vivem em situação marginal, principalmente o negro" (Domingues, 2007).
Fragmentos da correspondência passiva e ativa da ACN revelam ainda que há articulações de entidades negras, local e internacionalmente, organizando-se num movimento pendular entre o assistencialismo e autodeterminação da figura do negro enquanto sujeito social, que se discutirá a seguir.
África e cidadania como problemas (1960-1962)
Como e por quê aparece a imagem do continente africano no imaginário dos ativistas e escritores negros em São Paulo, nos anos 1950 e 1960? Trata-se de um tema nebuloso. Um dos primeiros jornais da imprensa negra paulista, em 1915, se intitulava O Menelik, em homenagem ao rei etíope Menelik II em sua guerra contra a Itália (Bastide, 1973; Ferrara, 1986). Igualmente nesses jornais, de acordo com Ferrara e Correia Leite, aparecem referências esparsas sobre aqueles temas africanos, dada a dificuldade de acesso à informação. Nos anos 1950, Luiz de Aguiar Costa Pinto (1998, p. 257) afirma ter ouvido, durante o Primeiro Congresso do Negro Brasileiro, relato sobre a penetração da ideia de negritude entre os intelectuais negros responsáveis pelo TEN (Abdias do Nascimento, Ironides Rodrigues). Todavia, carece de maior pesquisa a circulação de imagens, ideias, literatura, cultura e situação política dos países africanos entre os intelectuais e ativistas negros brasileiros até a metade do século XX. No período posterior, a partir dos anos 1970, já é melhor documentada e compreensível (Alberti e Pereira, 2008; Silva, 2011).
No que diz respeito à ACN, seu acervo documental e depoimentos de seus integrantes permitem suscitar algumas rotas de entrada. Por ocasião do Segundo Congresso Mundial dos Escritores e Artistas Negros, que se realizaria em Roma, de 28 de março a 2 de abril de 1959, organizado pela Société Africaine de Culture (responsável pela Présence Africaine), a ACN formula carta para jornais, cujos excertos dizem o seguinte:
A "Société Africaine de Culture", ciente da importância da contribuição dada pelo elemento africano à cultura do Brasil, acolheria com imensa satisfação uma representação de nosso país. Por isto, solicitou à Associação Cultural do Negro [...] para que [se] tornasse intérprete de tal desejo, pedindo outrossim divulgar as notícias referentes ao conclave e possivelmente tomar contato com o ambiente cultural do país, assinalando as figuras que dele desejam participar. Solicitamos então aos intelectuais negros e aos estudiosos eventualmente interessados no assunto, o envio de sua adesão, para que a ACN possa transmiti-la à "Société Africaine de Culture", recolhendo outrossim, os pormenores sobre a viagem para conhecimento daqueles que desejam participar do Congresso. [...] A "S.A.C", com a qual a Associação Cultural do Negro deseja estabelecer laços de amizade e de profícua colaboração, sugeriu também a criação no Brasil de uma associação "Amis de Présence Africaine", com membros brancos e negros, objetivando estudar os problemas ligados à cultura afro-brasileira e a divulgação de todas as manifestações relativas a ela [...] A Associação Cultural do Negro, aproveita então esta oportunidade para lançar o seu apelo aos intelectuais brasileiros, negros e brancos, para que seja fundado em São Paulo um centro filiado à "S.A.C" digno de representar no estrangeiro a cultura africana no Brasil. Com este objetivo a A.C.N fará realizar dia 27 de fevereiro próximo, em sua sede social, uma reunião para tratar do assunto, estando desde já convidados todos os interessados [...] Finalmente, o senhor Alioune Diop, Secretário Geral da "Société Africaine de Culture", solicita o apoio e a solidariedade da intelectualidade brasileira, das associações culturais e das entidades que congregam o elemento negro, traduzidos no envio de mensagens por ocasião do congresso28.
Sarah Frioux-Salgas (2009, p. 12) esclarece que o projeto de Alioune Diop e do grupo da Présence Africaine, explicitado na carta acima, tinha ambições maiores, articuladas com notáveis em outras partes do mundo, o que torna muito significativo o contato com a ACN no Brasil, legitimando-a como sua interlocutora autorizada:
A rede de trocas e difusão de ideias imaginadas por Alioune Diop assume forma institucional depois de 1956, com a criação da Sociedade Africana de Cultura (SAC). Esta organização permitiria realizar certos objetivos postos aos agentes do Primeiro Congresso de escritores e artistas negros [...] Tratava-se de reunir os intelectuais e artistas negros do mundo todo engajados no combate pelo reconhecimento das culturas negras e da luta antirracista e anticolonial [...] Sua direção foi confiada ao etnólogo haitiano Jean Price-Mars. Josephine Baker pertencia ao grupo de vice-presidentes. Encontram-se ainda no conselho executivo [...] muitas personalidade intelectuais e artísticas negras de diferentes gerações: os norte-americanos, com o músico Louis Armstrong, o sociólogo W. E. B du Bois, o cantor Paul Robenson, o poeta Langston Hughes, o escritor Richard Wright, a dançarina Catherine Dunham; os africanos: o ator Habib Benglia, os escritores Alexandre Biyndi (Mongo Beti), Amos Tutuola, Hampâthe Bâ, o cientista Cheikh Anta Diop; os antilhanos: o filósofo Frantz Fanon, os poetas Édouard Glissant e Aimé Césaire, o escritor René Maran, o ativista George Padmore; entre os malgaxes, o poeta Jacques Rabemananjara.
Consoante as memórias de Correia Leite, o então presidente da ACN "Geraldo Campos de Oliveira [...] tinha ido ao Segundo Congresso de Escritores e Artistas Negros realizado em Roma. Foi como observador. [...] [Ele] trouxe de lá uma porção de documentos, teses e outras coisas" (Leite e Cuti, 1992, p. 177). Para viajar, Oliveira teve de fazer pedidos de concessão de passagens, em cortesia, à Panair do Brasil e Alitália29. Sendo a SAC responsável pela realização desse segundo congresso, deve-se notar que o esforço de Oliveira em viajar teve resultados.
No caminho da autoafirmação e determinação desses sujeitos sociais há também uma espécie de descoberta do continente africano, dentro da ACN, pela via cultural e política. O manifesto de 25 de março de 1960, quatro dias após o Massacre de Shaperville30, assinado por diferentes entidades em São Paulo, criticando as ações da União Sul-Africana faz com que haja um posicionamento da associação face ao que ocorria naquele continente e nos EUA. O documento dos ativistas deixa claro que:
As entidades e pessoas reunidas no memorável ato público promovido pela Associação Cultural do Negro, na sede da Associação Paulista de Imprensa, na noite de 25 de abril [sic] do corrente ano, e que subscrevem o presente manifesto, entendem que ninguém pode ficar indiferente aos clamores por liberdade, justiça e democracia, partidos das vítimas de massacre determinado pelo governo da União Sul-Africana [...] Os acontecimentos sangrentos de Shaperville, Langa e Carte Manor, representam o ressurgimento de tudo aquilo contra o que a Humanidade lutou duramente no último conflito mundial. O Mundo se encontra diante de uma absurda tentativa de restauração dos fundamentos ideológicos do nazifascismo, que são os fundamentos do "apartheid", com sua violenta negação do direito à liberdade, à igualdade, à justiça e à vida aos homens, mulheres e crianças negras sul-africanas. [...] A ONU não pode continuar permitindo [que] permaneça em seu seio, uma nação que pratica o genocídio e intranquiliza o Mundo, estarrecido diante de manifestações obscurantistas, características da Idade da Pedra Lascada [...] Aceitar de braços cruzados os atentados contra a Humanidade, cometidos na pessoa dos povos da África do Sul, é aceitar a regressão à barbárie [...] Por isso, com base nas convenções internacionais que o Brasil honradamente subscreveu [...] entendemos de apelar para o governo brasileiro, no sentido de que rompa definitivamente as relações diplomáticas e comerciais com a União Sul-Africana, em defesa da Humanidade31.
Se, como afirma Correia Leite, "1960 foi considerado o Ano Africano [...] Aquela manifestação deixou os negros aqui entusiasmados" (Leite e Cuti, 1992, p. 177)32, é importante observar as ligações que se vão criando entre a ACN e outros organismos com igual interesse. A 9 de fevereiro de 1960, por exemplo, a União dos Caboverdeanos Livres, sediada em São Paulo, remete correspondência de agradecimento à Associação por seu pronunciamento contra a situação dos presos políticos das colônias portuguesas. Além disso,
vinha juntar as edições já publicadas do jornal "Portugal Livre", órgão da oposição ao Governo de Salazar, em cujas colunas combatemos a tirania salazarista e procuramos mostrar ao Mundo Civilizado quanto esse governo representa de pernicioso para a Dignidade Humana33.
Internacionalmente, portanto, a questão africana e segregação estadunidense se tornam um tema de interesse para uma fração dos negros associados, naquele momento. Inclusive, um tópico chamativo até mesmo literário, apreciado como uma grande novidade pelo ilustre desconhecido - embora muito falado - continente africano, como afirma Oswaldo de Camargo:
Naquele tempo, não. Você não conhecia a África. A África que você tinha era a África literária. Que foi traduzida por "Navio negreiro" [...] [no] meu poema, "Meu grito", eu pergunto: "Oh, África! Oh, África!"34. É um desconhecimento. A África que nós temos é uma África mítica. É uma África de gravuras. [...] De repente que começam [...] Vamos situar em 1960. Este jornal... [Níger] eu sou o editor-chefe dele. [...] Então, a capa do Níger aqui é o Patrice Lumumba. Então, a África começa a se agitar. Começa a começar o movimento de independência na África. Esse movimento de independência da África, vai colocar a África, dar uma visibilidade maior, desperta o interesse por gente... Aí chegam de Angola alguns rapazes que chegam refugiados, vieram refugiados da África, de Angola, falando português. Tanto que nos espantava o sotaque lusitano deles. Eram dois, pelo menos. Um deles era o, me lembro muito bem, Paulo Matoso. Eles vêm com alguns livros africanos. Primeira vez que nós vimos alguns livros vindos da África! Primeira vez, pelo menos para mim, que eu deparo, que eu topo um africano. Um homem negro africano. Para mim, o início de conhecer a África foi aí. E foi mediante o Paulo Matoso, que me deu um livro da Noêmia [Carolina Abranches de Souza Soares] - deu não; emprestou um livro da Noêmia, que era uma poetisa de Moçambique ou Angola, não vem ao caso agora - eu talvez seja um dos primeiros autores que escreveu sobre um poeta africano, no Novo Horizonte. [...] Porque daí começam também Angola, movimento em Moçambique, Angola... Isso repercute aqui. Até pela leitura dos jornais em geral. Os jornais em geral começam a falar sobre isso. Porque, na verdade, o que nós conhecemos melhor, nesse momento, são os autores americanos. É natural. Por que? O cinema americano trata do negro. As traduções que chegam: Filho nativo [de Richard Wright], Langston Hughes... Richard Wright, Langston Hughes, chegam aqui. A gente vai lendo o pouco que chega. A Rua [Ann Petry], Donos do orvalho [Jacques Roumain], que está lá, do René Maran... São livros que todo mundo, todo negro que se preza como intelectual procura ler esses livros. É aquela leitura que é leitura de turma. Você tem que ler, senão não é da turma. Duvido que algum negro candidato a escrever, na época, não tivesse lido, não tenha lido o Filho nativo35.
Além de se pronunciar politicamente, a ACN, cujos principais líderes e mentores se opunham à exclusividade de uma associação negra ser meramente festiva ou de convescote, decide dar prosseguimento à organização de sua Série de Cultura Negra, iniciada em 1958, após a comemoração do Ano 70. Na sequência da publicação de 15 poemas negros, saem dois livros de Henrique Losinkas Alves (Cruz e Souza: o Dante negro e Nina Rodrigues e o negro no Brasil, publicados, respectivamente, em 1961 e 1963) e um de Nestor Gonçalves (Fatores determinantes da cultura afro-brasileira, lançado em 1962). A tentativa de se fazer uma série se estanca, contudo, no quinto número. Observa Camargo que "A Associação não tinha dinheiro para isso. Mal conseguia pagar aluguel, essa é a realidade. Quem bancava isso era o próprio autor, geralmente. A não ser que ele achasse alguém que bancasse no lugar dele"36.
A dificuldade das condições de manutenção dos projetos da ACN não obstou, entretanto, a intenção de realizá-los ou as demandas que lhe chegavam até os primeiros anos da década de 1960. As comemorações do centenário de Cruz e Sousa são um exemplo disso. No relato de José Correia Leite sobre o assunto, percebe-se, duplamente, o esforço coletivo empreendido por membros da associação preocupados com a questão cultural (não raro, sintetizada pela literatura) bem como a importância que a ACN conferia aos grandes feitos e aos grandes nomes.
Mas o mais importante deste ano foi quando nós estudamos fazer o medalhão de Cruz e Sousa e colocar em praça pública. Conseguimos um escultor que não cobrou nada para fazer o medalhão, só cobrou o material. [...] Acabamos escolhendo uma pedra bruta, barata. Daí foi a hora de saber da prefeitura como é que a gente devia proceder para colocar em praça pública. O Henrique L. Alves [...] Foi falar com o doutor Freitas Nobre, então vice-prefeito [...][que] foi à Associação e começou a fazer uma porção de objeções, achando que o medalhão era muito pobre, dizendo que por ele o medalhão estava desaprovado. Mas ele não podia dar a última palavra [...]. O prefeito era o Prestes Maia. Nós conseguimos descobrir um oficial de gabinete do prefeito, um tal de doutor Galo. Falamos com ele e ele, com a melhor boa vontade, resolveu o assunto e o local escolhido ficou sendo a Praça Dom José Gaspar, ao lado da biblioteca municipal [...] O Henrique L. Alves se incumbiu de levar a matriz em gesso do medalhão para a Academia Brasileira de Letras e, nesse ensejo, convidou o doutor Austregésilo de Athayde para vir a São Paulo inaugurar o medalhão, embora muita gente do meio intelectual não acreditasse que ele viesse. Mas ele aceitou o convite. [...] O medalhão ficou pronto para ser inaugurado à tarde, como de fato aconteceu. A boa vontade do presidente da Academia Brasileira de Letras foi demonstrada pela maneira como ele veio, de trem, com sua senhora [...] E ele foi à Associação e viu a simplicidade da nossa sede. [...] Na Praça Dom José Gaspar estava um número pequeno de negros e brancos, inclusive o Florestan Fernandes, que tinha sabido do evento na véspera, e o diretor da biblioteca que é ali do lado [...] Eu comecei a sentir que o doutor Austregésilo de Athayde estava constrangido. Porque uma festa daquela ninguém vai olhar quem está promovendo, se é uma entidade de alto nível cultural ou uma entidade de classe mais baixa. [...] Mas, é de se lamentar que não tenha comparecido ninguém da Academia Paulista de Letras, da União Brasileira de Escritores ou do Instituto Histórico e Geográfico. Todas essas entidades receberam convites da Associação Cultural do Negro [...] A nossa sorte é que a sessão da Banda da Força Pública estourou num toque de continência e desceu dum carro o vice-governador Porfírio da Paz, que foi assistir à inauguração. Aquilo deu uma nova alma ao presidente da Academia, que fez um discurso muito inflamado [em que afirma que] se tratava de uma entidade de gente pobre, sem a importância de letrados, mas pondo em brios os intelectuais do Brasil que iam deixar passar em brancas nuvens um evento tão importante como aquele. Depois ele [...] pediu desculpas em nome da Academia Brasileira de Letras, pelo erro de não ter sido o Cruz e Sousa colocado no rol dos fundadores da academia (Leite e Cuti, 1992, pp. 188-189).
Esse último longo relato de Correia Leite sobre como se dá a inauguração do monumento a Cruz e Souza (hoje destruído ou desaparecido)37, na praça Dom José Gaspar, ladeando a Biblioteca Mário de Andrade com os bustos de Camões e Dante, é exemplar na síntese do esforço coletivo empreendido por uma fração cultural negra em São Paulo. A rememoração desse evento por Correia Leite denota a preocupação de setores da ACN em positivar imagens e figuras do passado, cristalizando suas memórias e demonstrando as contribuições do grupo negros em variados setores. Isso foi feito com o monumento à Mãe Preta, com o Poeta do Desterro, o abolicionista Luiz Gama e com Carolina Maria de Jesus, autora de Quarto de despejo, um sucesso de vendas lançado em 1960.
O Ano Cruz e Souza também demarca outras iniciativas para as quais a ACN é acionada, evidenciado alguma efervescência no biênio 1960-1961. Por exemplo: em 1961, a agente viagens (tour manager) Estela Grunebaum envia correspondência à associação afirmando que:
Temos recebido de nosso correspondente dos Estados Unidos várias cartas, com referência consulta sobre vindas ao Brasil de grupos e pessoas individuais de homens de cor dos Estados Unidos [...]O desejo destas pessoas é vir ao Brasil para intercâmbio de ideias e confraternização com os associados daqui, e portanto, gostaríamos de saber quais os programas que poderiam oferecer aos vossos irmãos do Norte, a fim de que possamos recepcioná-los bem [...]38.
O estado das fontes só permite supor qual o grau de excitação e apreensão causou semelhante missiva. "Era uma associação pobre, constituída majoritariamente de funcionários e empregadas, raramente de professores", já havia dito Oswaldo de Camargo. A fração cultural interna era minoritária. Não há notícia, nas memórias de Correia Leite ou nas fontes pesquisadas em arquivo que, no caso de terem vindo, os "irmãos de cor do norte" tenham efetivamente passado pela ACN e sido "recepcionados bem". Todavia, o conjunto de ações empreendidas anteriormente por aqueles homens e mulheres os colocou num ponto significativo de um mapa de visibilidade e importância social, vistos como um ponto de referência, aos olhos de outros sujeitos interessados em aspectos da vida do negro, ao menos em São Paulo. No rodapé da carta, alguém da associação escreveu um esboço de resposta a Grunebaum, que deveria conter um programa social, cultural e profissional da ACN. Não há menção, nos arquivos, sobre o envio da mesma.
Até 1964, portanto, um conjunto de ações e intenções de destaque vão conformando o caminho da ACN e de outras organizações negras em São Paulo, que podem ser descritas através da documentação. Em 1961, por exemplo, a Irmandade de Nossa Senhora do Rosário dos Homens Pretos39, através de seu então presidente, Raul Joviano do Amaral, anuncia que no dia 15 de outubro daquele ano,
O Departamento Hospitalar da Irmandade de Nossa Senhora do Rosário tem a satisfação de convidar Vv. Ss.[...] a fim de prestigiarem com Vv. honrosas presenças o lançamento da pedra fundamental do futuro "HOSPITAL NOSSA SENHORA DO ROSÁRIO", a ser realizado às 11h20, no dia 15 de outubro, no terreno situado à av. Marginal Esquerda, junto à Ponte da Vila Maria [...] Na oportunidade será consagrado e inaugurado valioso "CRUZEIRO", confeccionado em madeira de lei, testemunhando as melhores esperanças na conclusão de obra destinada a bem servir a coletividade e a enriquecer o sistema médico hospitalar do país40.
Embora haja atualmente um Hospital Nossa Senhora do Rosário, na Vila Maria, em São Paulo, não há informação sobre sua ligação com a Irmandade do Rosário dos Homens Pretos. Talvez o hospital tenha sido erigido e essa ligação se perdeu, por diferentes motivos. O fato importante é a intenção presente na ação. Uma irmandade beneficente, de corte étnico, existente desde 1711, e que se ocupa de tentar criar um hospital direcionado ao grupo negro - assim como ocorreu a outros grupos migrantes: portugueses, sírios-libaneses, italianos, israelitas, nipônicos. É um passo ousado, em que as dificuldades seriam grandes, certamente (arrecadar fundos interna e externamente, médicos e enfermeiros, manutenção do hospital, escapar da acusação de racismo às avessas etc.).
Mas possuiria fundamentos mais concretos e imediatos, para alguns militantes como José Correia Leite, por exemplo, que a tentativa de ser organizado um Congresso Mundial da Cultura Negra em São Paulo, como se daria no ano seguinte. Em maio de 1962, a Comissão organizadora dessa iniciativa enviou comunicação à ACN. Estava associada à Associação Beneficente Pio XII e fazia saber que
Temos a elevada honra de apresentar a V. Excia. o anexo, programa das solenidades comemorativas do dia 13 de maio, no Parque São Domingos, Lapa, às 8,30 [...] e no Teatro Municipal às 20 horas[...] primeiro número oficial com que a Comissão Organizadora do 1o Congresso Mundial da Cultura Negra e a Associação Beneficente Pio XII festejam o lançamento simbólico do "Encontro Estadual", da instalação da Rádio Educadora Popular e a visita à Exposição da Maquete da Universidade Afro-Brasileira, tendo em vista o aludido Certame Cultural pretendendo porem-se em contato com a sociedade paulistana, para a evolução de seu programa beneficente da coletividade negra do Brasil41.
Era do interesse dos organizadores que as cerimônias de Treze de Maio preparassem um "'Encontro Nacional' que se dará em novembro deste ano, tendo em vista o 1o Congresso Mundial da Cultura Negra, pondo diante dos novos olhos a realidade da situação". A "realidade da situação" seria a precariedade das condições de vida do grupo negro em São Paulo e a necessidade urgente de setores da sociedade fazerem algo. Lembre-se que dois anos antes, no entanto, Quarto de despejo: diário de uma favelada, de Carolina M. de Jesus (1960), já havia colocado semelhantes temas no centro das discussões. Todavia, os organizadores da solenidade, independentemente disso, estabeleceram o seguinte programa do Congresso, datado de 13 de maio de 1962 e anexado ao convite acima, se iniciava com:
6h30 - Missa de ação de graça oficiada pelo Monsenhor Rafael Arcanjo Coelho, diretor e fundador da Associação Beneficente Pio XII. [...] 8h45 - No Parque São Domingos, Lapa, ao lado dos terrenos da futura Universidade Afro-Brasileira, recepção às autoridades: Dr. Tancredo Neves, 1o Ministro, Dr. Carvalho Pinto, Governador do Estado, Dom Carlos Carmelo de Vasconcellos Motta Cardeal Arcebispo Metropolitano de S. Paulo, e outras personalidades ilustres [...] Palavras de Saudação pelo Snr. Eduardo de Oliveira, às autoridades e aos presentes em geral [...] Palavras do Snr. Paulo dos Santos Matoso Netto em nome dos Bolsistas Africanos. Srta. Ana Florença de Jesus, agradecendo os que cooperam para a realização do 1o Congresso [...] 20h30 - No Teatro Municipal, realização de um Concerto pela Banda Sinfônica da Força Pública do Estado, precedido de uma Conferência a cargo do Prof. Dr. Florestan Fernandes, da USP, cujos convites se encontram na bilheteria do Teatro.
"O orador oficial dessa solenidade foi o professor Florestan Fernandes. Ele fez uma conferência sobre o Movimento Negro em São Paulo e, por várias vezes, citou o meu nome. Eu não estava presente porque não fui convidado" (Leite e Cuti, 1992, p. 191), conclui José Correia Leite irritado com o fato, já que não concordava com a realização do congresso, por achá-lo dispersivo e fora de propósito aos interesses que julgava importantes ao grupo negro em São Paulo.
Alcances e limites do associativismo negro: os testes da realidade social, 1962-1964
Os passos dados até aqui, exemplificados nas ações anteriores, haviam sido extremamente largos. Apenas palavras não seriam mais o bastante para a concretude das intenções. Algum lastro mais efetivo que os simbolismos dos atos, discursos, convites, pessoas envolvidas etc. deveria apoiar as ações da fração organizada negra em São Paulo. Poetas, jornalistas e ativistas negros, orbitando a ACN, com suas intenções mais progressistas e suas exposições de uma visão social de mundo objetivando integração, equidade e respeito teriam que passar por alguma espécie de "teste da realidade", em sua faceta mais dura: das possibilidades concretas, nos termos almejados, de inclusão e reconhecimento plenos na sociedade envolvente, capazes de efetivar a emancipação e o ideal de uma Segunda Abolição.
Relações com intelectuais negros africanos, europeus ou estadunidenses; ligações com ativistas e intelectuais da metrópole paulistana não negros; um hospital beneficente; Série Cultura Negra; Ano 70 da Abolição, Congresso Mundial de Escritores Negros, Ano Cruz e Souza, Congresso Mundial da Cultura Negra etc.: aonde tudo isso iria levar o grupo negro organizado paulista? Estaria ele já pronto para o teste da realidade social, da mudez e obstaculização provocados pelo racismo e marginalidade aos seus objetivos? E essa, a realidade, estaria pronta para reconhecê-lo da maneira que era inquirida nas ações, poemas, ideias gestadas e proferidas em sessões solenes, reuniões, atos, cartas, ofícios, posicionamentos?
Os anos subsequentes demonstraram que não. Se o protesto e a revolta são enunciados por uma fração organizada negra - e bem recebidos, igualmente, por uma fração cultural não negra - com força em quase uma década de atuação político cultural, o desafio de conferir alguma concretude maior aos feitos caminhava justamente para alcançar círculos cada vez mais amplos. Entretanto, isso demandaria um esforço de realização e compreensão do objetivo cada vez maiores, por negros e não negros, sensibilizados por aqueles ideais. Todavia, o fim da ACN se mostrou problemático, bem como daquele tipo de organização negra em São Paulo. José Correia Leite e Oswaldo de Camargo o enunciam claramente, demonstrando os alcances e limites que foram possíveis àquela fração político cultural organizada almejar.
houve um litígio entre a Associação e o proprietário do conjunto. Mas antes de terminar, houve um esforço de um grupo de moços. Um era professor de inglês, outro formado em agrimensura e ótimo em matemática, e apareceu também uma alemã, Dona Dóris, que se propôs a dar aulas de inglês, no sentido dela poder aprender melhor o português, mas infelizmente os alunos não puderam devolver a ela o que ela queria receber em troca. Ela acabou desistindo depois de ter tentado também fazer uma ópera de Mozart adaptada para artistas negros [...] Teve uma ocasião em que apareceu um pianista. Queria fazer um recital e demonstrou para nós que tipo de espetáculo que seria [...] Mas ele só deu aquela demonstração e, como viu que nós não tínhamos condições de fazer o espetáculo como ele queria, não voltou mais. Não tínhamos realmente condições de empresariar espetáculos [...] Quando eu dei pela coisa já era mil novecentos e sessenta e cinco. Eu tinha completado meu tempo de serviço na prefeitura e entrei com meu pedido de aposentadoria. Aí resolvi me aposentar também da minha militância e acabei me afastado da associação. [...] Não passou muito tempo eu soube que a Associação tinha fechado. Soube também que um grupo, tendo uma senhora advogada [...] o Eduardo de Oliveira e Oliveira e outros, tinha levado a Associação para o bairro da Casa Verde [...] Na Casa Verde a Associação tentou funcionar, mas não conseguiu (Leite e Cuti, 1992, pp. 192-194)42.
Para além dos problemas internos (dificuldade para pagar contas e falta de apoio dos associados), o teste mais duro da realidade envolvente é o golpe civil militar de 1964: desmobiliza o que já era precário, amedronta os que tinham dúvidas, inviabiliza os tênues amparos que a ACN conseguiu estabelecer com intelectuais e pessoas, notadamente progressistas e, algumas, de esquerda. Exemplo disso, é a trajetória que assumirá Florestan Fernandes, o intelectual mais próximo da associação, pós-golpe: cassado, exilado, incapaz de ajudar pouco além de si mesmo (Sereza, 2005). Outro é angolano Paulo dos Santos Matoso (Santos, 2010). De acordo com Márcio Moreira Alves,
Após o golpe militar do 1o de abril de 1964, no País, todos os estudantes africanos das colônias portuguesas, aqui residentes, foram presos. A maior parte desses estudantes, o Ministério das Relações Exteriores havia assegurado permanência no País como bolsistas. A 1o de agosto de 1964 era preso outro nacionalista angolano, Paulo dos Santos Matoso, que era trazido de São Paulo para depor no Inquérito Policial Militar (IPM do Grupo Angolano), nome atribuído pelos militares ao processo com que pretenderam condenar os patriotas angolanos (Alves, 1996, pp.183-184).
Após o biênio 1962-1963, não há registros interessantes referentes à ACN para essa fase. Seu momento áureo, concordam Clóvis Moura e Petrônio Domingues, se encerra no pré-1964, com crises financeiras cada vez mais agudas. O primeiro afirma que, na busca de se criar uma ideologia para o grupo negro paulista, surgiram contradições e embates internos, que culminariam em desordem financeira (Moura, 1983, p. 158). Refere-se a confrontos entre grupos que pensavam a ACN com diferentes inclinações face à ideia de cultura: política de afirmação e reconhecimento ou divertimento e assistencialismo. O primeiro grupo era minoritário, como reafirma Oswaldo de Camargo, numa ilustração amarga:
O piano que lá estava [na sede] era um piano emprestado, por uma moça chamada Marta. Quando a Marta ofereceu [...] para nós ficarmos com o piano, a um preço baixíssimo, e não pudemos ficar, aí foi que eu saí da Associação. De revolta. Em lugar do pessoal pegar o dinheiro para comprar o piano, pegaram o dinheiro para o esporte. Me deu um desalento muito grande. O piano era importante ali. Então, a Associação passava por percalços bem humanos, de falta de dinheiro, deserção de gente que não via aquilo como ideal etc.43
O outro teste da realidade pode ser atribuído à crise do associativismo negro no século XX, fazendo surgir e desaparecer rapidamente distintas organizações, de importâncias consideráveis. Nas memórias de José Correia Leite são enunciadas várias delas, algumas das quais ele próprio ajudou a criar. Entretanto, ao depender do impulso e carisma de alguns sujeitos, a comunhão do ideal se prejudica, obstando assim a perenidade das ações e organizações, mesmo em situações adversas.
Um prospecto, nos arquivos da ACN em São Carlos, mostra o desenho feito por Clóvis Graciano para o primeiro número da Série Cultura Negra (1958), referente ao Ano 70. Acima dele está escrito "Mês da Abolição". Na contra página, o imperativo "DIGA QUE A ACN É UMA FORTALEZA". Entre o dito e o fato, existe uma distância considerável, como concluiu Domingues: "Sem recursos para saldar as várias dívidas, a entidade foi obrigada a fechar suas portas em 1967. Quase dois anos depois, foi reaberta, mas sem o mesmo perfil e poder de articulação. Nessa nova fase foi presidida por Glicéria Oliveira e passou a desenvolver ações de cunho assistencialista, com cursos de alfabetização e madureza" (Domingues, 2007, p. 6).
Auxiliada pelo sociólogo Eduardo de Oliveira e Oliveira44, Glicéria conduz a ACN numa fase crítica, em que, após o despejo do edifício Martinelli, ocorre a mudança para a Casa Verde, em 1975. Um ano depois, a associação fecha as portas, doando móveis e documentações para terceiros, como atestam os "Instrumentos particulares de doação e transferência" assinados pela presidente da entidade, em 5 de julho de 1976. No mesmo dia, Glicéria Oliveira enviou carta notificando os membros remanescentes da ACN acerca do encerramento das atividades da associação. A ela respondeu o bibliófilo e empresário José Mindlin, em papel timbrado de sua indústria, a Metal Leve, na missiva citada abaixo, digna de nota e perguntas: ele e outros membros poderiam ter ajudado, ao menos, na crise financeira? Ou o projeto já tinha se esboroado, a ponto de não contemplar mais apoios? Que grau de vinculação ou de alcance colaborativo, de fato, possuíam os membros não negros da associação? Nessa nova fase, que identificação haveria, entre os membros negros e não negros, com os projetos atuais da ACN?
Prezada Senhora [...] Recebi sua carta de 5 do corrente comunicando-me o encerramento das atividades da Associação Cultural do Negro, e só posso dizer que lamento profundamente que os amigos tenham sido levados a uma tal decisão, pois a Associação vinha fazendo um trabalho extremamente útil e meritório. [...] Se as dificuldades que vocês atravessaram não lhes tirarem totalmente o ânimo e vocês decidirem partir para alguma outra iniciativa semelhante, podem contar com a colaboração que esteja ao meu alcance45.
José Correia Leite tem razão em afirmar que, até aquele momento, "a ACN foi a que teve vida mais longa entre as entidades que existiram com a finalidade de realizar uma obra de levantamento histórico e social do negro" (Leite e Cuti, 1992, p. 195). Longeva, porém esquecida. Tratou-se de um empreendimento coletivo surgido, simultaneamente, da adversidade e necessidade históricas (o IV Centenário e a necessidade do "elevamento" do negro, da crítica e posicionamento contra sua marginalidade), capaz de engajar num curto intervalo um conjunto de homens e mulheres, suas ideias e energias, em torno de uma missão comum. Depois da Frente Negra Brasileira, é o empreendimento político cultural mais notável, sem fim religioso ou apenas recreativo, do negro em São Paulo, até meados da década de 1970, antecedendo a reorganização do Movimento Negro, a partir de 1978. Dela surgiu, por exemplo, o Cecan em 1976 e, através de alguns de ex-membros da ACN, se daria a contribuição para a fundação dos Cadernos Negros (publicação literária editada desde 1978 até os dias correntes). Os novos agentes do Movimento Negro Brasileiro, em São Paulo, em alguma medida recorreram à experiência pregressa das antigas organizações, mesmo que para tentar não repetir seus equívocos, dentre as quais, a ACN.
Na tensa relação de fazer história e fazer sentido, a ACN procurou marcar um lugar importante para o grupo negro paulistano, tentando se por em compasso com o andamento das transformações da sociedade, abrindo uma brecha, às suas custas e às expensas de poucos apoios de alguns intelectuais não negros, para cravar no cenário da modernidade precária emergente de São Paulo, uma imagem do negro alternativa à da escravidão, que fosse reivindicativa, crítica, propositiva e combativa. Os condicionamentos sociais para sua produção foram determinantes para reafirmar a marginalidade da iniciativa cultural negra, embora tenha sido capaz de, fato raro, alçar um público não endógeno, num momento favorável, em aberto, com disposições democráticas.
Correndo por fora e forçando a sua visualização num lugar diferente do secundário e marginal, os ativistas, intelectuais e escritores negros estavam em pugilo, em diferentes patamares, com a realidade social. Ela os desafia e os testa, na mesma medida em que eles executam ação semelhante. Nesse movimento, se desenvolve uma luta social, composta de ações práticas (atos, eventos, comemorações) e gestações de ideias-força (negritude, descoberta do continente africano, poemas etc.) que explicitam a tensa situação do grupo negro paulistano em meados do século passado. Embora beire à teleologia frente a uma história de rastros e escombros, não se pode furtar a inquirir aonde tudo teria levado, com sucesso, o grupo negro organizado. Se não conseguiram ir além, pelos diversos motivos apontados anteriormente, não pode ser desprezado o que se logrou fazer e se ousou propor.
Recebido: 16/05/2011
Aprovado: 31/10/2011
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Datas de Publicação
-
Publicação nesta coleção
10 Maio 2012 -
Data do Fascículo
2012
Histórico
-
Recebido
16 Maio 2011 -
Aceito
31 Out 2011