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A RADICALIZAÇÃO POLÍTICA DE ANTONIO CANDIDO NOS ANOS 1970

ANTONIO CANDIDO’S POLITICAL RADICAL SHIFT IN THE 1970s

Resumo

O objetivo do artigo é situar e examinar a suposta inflexão de maior radicalização política na trajetória intelectual de Antonio Candido ocorrida na passagem da década de 1960 para 1970. Busca-se explicar a gênese e compreender o significado dessa radicalização, que teria se manifestado na produção intelectual do crítico no período, como, por exemplo, nos ensaios “Dialética da malandragem” (1970), “Literatura e subdesenvolvimento” (1970) e “De cortiço a cortiço” (1973). Nesse sentido, o artigo reconstrói brevemente a trajetória global de Candido, discute os principais condicionantes das suas ideias na época e sugere uma interpretação sobre o significado “radical” dessas ideias, tal como aparecem nos ensaios acima mencionados.

Palavras-chave:
Antonio Candido; Intelectuais; Política; Radicalismo; Socialismo

Abstract

This essay contextualizes and examines a supposed more politically radical shift in Antonio Candido’s intellectual trajectory in the transition from the 1960s to the 1970s. It seeks to explain the origins and understand the meaning of this radicalization that manifested itself in the critic’s intellectual production of the period, such as the essays “Dialética da malandragem” (1970), “Literatura e subdesenvolvimento” (1970) and “De cortiço a cortiço” (1973). In this regard, the article briefly reconstructs Antonio Candido’s global trajectory, discussing the main conditioning factors of his ideas in the period and suggesting an interpretation of their ‘radical’ meaning, as they appear in the aforementioned essays.

Keywords:
Antonio Candido; Intellectuals; Politics; Radicalism; Socialism

Em “Radicais de ocasião”, ensaio dedicado à reflexão sobre o radicalismo ocasional e que se aprofunda no caso do escritor João do Rio, Antonio Candido estabelece dois tipos ideais de intelectuais “do contra”: o “revolucionário profissional” e o “radical de ocasião”, que dá título ao texto. Para ele há, por um lado, “o militante inteiramente consagrado à atividade política, materialmente sustentado por uma organização partidária, a que em princípio deve dar adesão completa, obediência sem reservas, todo o seu pensamento e a sua ação, não devendo, como um clérigo, ter outro compromisso” (Candido, 2007CANDIDO, Antonio. 2007. Radicais de ocasião. In: CANDIDO, Antonio. Teresina etc. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul . pp. 77-87. DOI: 10.11606/issn.2318-8863.discurso.1978.37853.
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, p. 77). Por outro, há “o homem sem qualquer compromisso com a revolução, que frequentemente até é contra ela, e no entanto nalgum período ou apenas nalgum instante da vida fez alguma coisa por ela: uma palavra, um ato, um artigo, uma contribuição, uma assinatura, o auxílio a um perseguido” (Candido, 2007CANDIDO, Antonio. 2007. Radicais de ocasião. In: CANDIDO, Antonio. Teresina etc. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul . pp. 77-87. DOI: 10.11606/issn.2318-8863.discurso.1978.37853.
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, p. 77). Em sua visão, cada um, a seu modo, contribuiria para o acúmulo de forças e para as transformações sociais necessárias à emancipação humana e à construção de uma sociedade mais igualitária.

Candido, contudo, não parece ele mesmo se enquadrar em nenhum desses dois tipos. Para que seja possível situá-lo em sua própria espécie de “sociologia dos intelectuais”, faz-se necessário alargar essa primeira tipologia dual recorrendo a um de seus trabalhos posteriores sobre o tema. Em “Radicalismos”, o crítico avança na reflexão relacionando, por exemplo, ideias e classes sociais. Nessa palestra, depois publicada como artigo, aparece também, além do “radical de ocasião”, a figura do “radical permanente”. O radicalismo é, então, definido por ele como um fenômeno essencialmente das “classes médias”, posição social que, para o autor, tem como característica certa ambiguidade entre o pensar e o agir: “Mesmo que o pensamento chegue a um teor de ousadia equivalente à do pensamento revolucionário, em geral ele não produz um comportamento revolucionário” (Candido, 2011bCANDIDO, Antonio. 2011b. Radicalismos. In: CANDIDO, Antonio. Vários escritos. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul . pp. 195-216. DOI: 10.1590/S0103-40141990000100002.
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, p. 196, grifo do autor).

“Tenho temperamento conservador, atitudes liberais e ideias socialistas”, costumava reconhecer Candido (2011cCANDIDO, Antonio. 2011c. O socialismo é uma doutrina triunfante. [Entrevista cedida a] Joana Tavares. Brasil de Fato, São Paulo, n. 435, 12 jul. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3QoNIiW . Acesso em: 25 maio 2020.
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), evidenciando, com isso, as ambiguidades do “radical de classe média” que se expressavam em seu próprio caso. Em suas reflexões já citadas sobre o tema, a realização desse radicalismo potencial se vincula a uma “ocorrência marcante” exterior à vida do próprio indivíduo considerado. É isso o que, para Candido, estimula o desencadeamento dos períodos de radicalidade dos “radicais de ocasião” ou “temporários” - como João do Rio ou Joaquim Nabuco, que aparece em “Radicalismos”. Mas talvez seja possível estender a noção de “ocorrências marcantes” para a trajetória de “radicais permanentes”, como Candido, ou ainda Manoel Bomfim e Sérgio Buarque de Holanda, que também são citados na referida palestra. Nesse caso, porém, as “ocorrências marcantes” deixariam de servir à distinção entre períodos de não radicalidade e radicalidade, passando a marcar as inflexões entre momentos de maior ou menor radicalização.

Situar e examinar uma dessas inflexões de maior radicalização, no caso particular de um intelectual brasileiro admitido como um radical permanente, é o objetivo do presente artigo. Mais especificamente, trata-se de explicar a gênese e compreender o significado da radicalização que teria ocorrido com Antonio Candido na passagem entre as décadas de 1960 e 1970, a qual se manifestaria em seu trabalho crítico do período. Nas próximas seções, buscaremos então: primeiramente, justificar a inflexão observada, a partir de uma breve reconstrução da trajetória global de Candido; em um segundo momento, expor os quadros sociais identificados como possíveis condicionantes da gênese das ideias do crítico no período; e, por fim, sugerir uma interpretação sobre o significado supostamente radical dessas ideias, tal como elas se manifestam nos principais ensaios do autor escritos ou publicados na primeira metade dos anos 1970.

A trajetória de Antonio Candido

Supor que houve uma radicalização na trajetória de Candido entre os anos 1960 e 1970 implica, naturalmente, assumir um outro pressuposto: que o momento imediatamente anterior à virada entre essas décadas era, para ele, de menor radicalização. A validade da hipótese de uma maior radicalização de Candido nos anos 1970, bem como de seus possíveis condicionantes sociais e significados, poderá ser melhor avaliada ao final do artigo. Por ora, cabe apenas justificar o pressuposto assumido, situando, na trajetória global do crítico, o período estabelecido para análise.

É possível reconstruir sumariamente a trajetória do autor adotando uma periodização em três fases. Não aquela sugerida em entrevista pelo próprio Candido (1974CANDIDO, Antonio. 1974. Sobre o trabalho teórico. Comissão de redação. Trans/form/ação, n. 1. DOI: 10.1590/S0101-31731974000100001.
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), tendo em vista seu trabalho como crítico literário nas décadas anteriores - 1940, 1950 e 1960 -, mas uma periodização global que toma como eixo justamente a relação de Candido com a política, conforme sugestão de uma interpretação recente (Gimenes, 2021GIMENES, Max Luiz. 2021. Afeto e convicção política na trajetória de Antonio Candido. In: MELLO E SOUZA, Laura de et al. Antonio Candido: afeto e convicção. São Paulo: Edições Sesc. pp. 31-46.). De acordo com essa proposta, teríamos: a fase de “juventude”, ou de formação das convicções e primeiras tentativas de participação política - até 1954 -; a fase de “amadurecimento”, ou de suspensão da participação política e especialização profissional - 1954-1973 -; e a fase de “maturidade”, ou de retomada da participação política - após 1973. Nesse sentido, o recorte temporal que nos interessa aqui é precisamente o momento de inflexão entre o relativo distanciamento da política, característico da fase de “amadurecimento” - de meados da década de 1950 à de 1960 -, e o progressivo retorno de sua preocupação política - entre as décadas de 1960 e 1970 -, que culminará na retomada, inclusive, de seu engajamento propriamente dito a partir de 1973, conforme mostraremos a seguir.

A fase de “juventude” de Candido - até 1954 - é marcada pelo abandono da visão tradicional da família de classe dominante e um crescente interesse pelo socialismo, a partir de vários encontros, entre os quais se destaca aquele com Teresina Carini Rocchi, imigrante italiana amiga de sua mãe e anarcossocialista que teria, com a convivência e a indicação de leituras, contribuído para despertar nele uma “afetividade socialista” aberta. Desse interesse político resultou seu ingresso em Ciências Sociais na então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras da Universidade de São Paulo (FFCL-USP), em 1939. Nesse período, teve início sua intervenção na imprensa como crítico literário, primeiramente na revista Clima, entre 1941 e 1944, e, depois, no rodapé de grandes jornais da época, como a Folha da Manhã, entre 1943 e 1945, e o Diário de São Paulo, entre 1945 e 1947. Além disso, começou sua atividade docente, em 1942, como professor assistente da cadeira de Sociologia II na FFCL-USP, a convite do catedrático Fernando de Azevedo, e se organizou como militante político, a partir de 1943, em sucessivas agremiações de tendência socialista democrática, tais como, respectivamente, o Grupo Radical de Ação Popular (GRAP), a União Democrática Socialista (UDS) e a Esquerda Democrática (ED), que, em 1947, mudou de nome para Partido Socialista Brasileiro (PSB). Candido, embora não tivesse pretensão política profissional, era muito ativo em todas essas organizações, tendo permanecido no PSB mesmo depois do afastamento de seu mentor político no período, Paulo Emílio Salles Gomes, que foi para a França estudar cinema em 1946. Candido chegou a dirigir o periódico do PSB-SP, a Folha Socialista, de 1947 a 1950, além de ter escrito, entre o final da década de 1940 e o início da de 1950, um “Ensaio sobre o socialismo democrático”, manuscrito inédito em que busca refletir sobre a referida doutrina política bem como sobre sua adequação ao Brasil de meados do século XX.1 1 Esse documento consta do Acervo Antonio Candido e Gilda de Mello e Souza do Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP).

Nessa fase, os escritos de Candido têm natureza bastante diversificada, dividindo-se entre a crítica regular na imprensa, a colaboração ativa com o jornal partidário Folha Socialista e os trabalhos mais propriamente acadêmicos, tanto nos estudos literários como na sociologia.2 2 Em relação às publicações de Candido, baseamo-nos sobretudo no levantamento bibliográfico realizado por Vinicius Dantas (2002). Essa primeira fase da trajetória de Candido chega ao fim em 1954, com seu progressivo distanciamento da sociologia, após a defesa da sua tese de doutorado e a nomeação de Florestan Fernandes para a vaga de Roger Bastide na cadeira de Sociologia I, e com seu desligamento da participação política, após balanço do insucesso de seu antigo PSB. Esse duplo afastamento, tanto da sociologia quanto da militância partidária, encontra um desfecho definitivo em 1958 com a transferência de Candido para o interior de São Paulo, a fim de lecionar literatura brasileira na então Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Assis, fundada nesse mesmo ano.

Na sequência da periodização adotada, viria a fase de “amadurecimento” de Candido, entre 1954 e 1973, marcada por contingências acadêmicas e históricas - as históricas, como a situação política brasileira e os eventos políticos internacionais, serão abordadas em detalhe na próxima seção. Entre as acadêmicas, destaca-se a necessidade de definição profissional após insucessos durante a fase anterior, como a tentativa frustrada de migração institucional para a área de letras, em 1945, e a preterição por Florestan Fernandes como catedrático substituto de Roger Bastide, em 1954 - informação da qual ele já dispunha desde 1953 e que, provavelmente, o influenciou na decisão de mudar o tema da sua tese.3 3 Sobre a mudança no tema da tese, ver Santos, Gimenes e Jackson (2019). Quanto ao trabalho sobre a temática anterior, o cururu, ver Jackson (no prelo). E sobre os escritos sociológicos de Candido em geral, ver Jackson (2002).

Não por acaso, concentram-se nesse período os principais escritos de Candido em sua área de especialização, os estudos literários, como o livro Formação da literatura brasileira: momentos decisivos (1959) e os ensaios que serão objeto de análise mais adiante: “Literatura e subdesenvolvimento” (1970), “Dialética da malandragem” (1970) e “De cortiço a cortiço” (1973). Com o convite para lecionar literatura brasileira em Assis, em 1958, a indefinição profissional, enfim, resolvia-se, no sentido pretendido desde pelo menos 1945. Contudo, a migração tardia demandaria, naturalmente, certo foco para consagração nesse outro domínio especializado, do qual dependia sua autoridade enquanto intelectual profissional. Como afirma o próprio autor:

Eu nesse período [passagem da década de 1950 para 1960], pessoalmente, não posso falar muito porque eu estava completamente desinteressado da política. Eu estava em lua-de-mel com a literatura. Finalmente, eu estava em Assis, fui para lá em agosto de 58 e fiquei lá até dezembro de 60. Voltei para São Paulo com a tarefa de construir aquele ensino de teoria literária. Só pensava nisso. (Candido, 2002CANDIDO, Antonio. 2002. Antonio Candido e a palavra. [Entrevista cedida a] Marcello Rollemberg. Arquivo do IEB-USP., p. 153)

Esse foco na “nova” área de especialização acadêmica profissional marcaria a escrita de Candido do período de um modo geral. Aos poucos, vão deixando de existir não apenas os textos de intervenção política e os trabalhos acadêmicos em ciências sociais como, também, a crítica regular na imprensa. Sobressaem, como já sugerido, os trabalhos mais densos na área de estudos literários. O fim dessa fase coincide justamente com o ápice da radicalização política de Candido, que, após aparecer indiretamente nos textos do começo da década de 1970, irrompe da atividade puramente intelectual e reconduz o autor à participação política que marcará a fase seguinte.

Por fim, ainda segundo a periodização adotada, haveria a fase de “maturidade” de Candido - após 1973. Essa fase é marcada, como já dito, pela retomada da participação política do autor, o que inclui uma ampla gama de atividades. Houve o seu engajamento na revista Argumento, publicada entre 1973 e 1974 e interrompida pela censura governamental, e a sua participação na Associação dos Docentes da USP (ADUSP), criada em 1976, bem como a colaboração com a criação de associações sindicais semelhantes por todo o país, além da sua militância pela integração regional latino-americana, iniciada oficialmente em 1974 com a participação na Biblioteca Ayacucho - primeira de outras parcerias com o crítico uruguaio Ángel Rama, como posteriormente no projeto de uma história coletiva da literatura latino-americana, organizada pela crítica chilena Ana Pizarro, a partir de 1979. Paralelamente a esses projetos, Candido visitou países da região, entre os quais se destaca Cuba, que o crítico visitou em 1979 para participar da comissão julgadora do prêmio literário Casa das Américas. Além disso, participou das articulações para a fundação de um novo partido socialista no Brasil, que começaram já em 1976 e, enfim, convergiram para a fundação do Partido dos Trabalhadores (PT) em 1980. Essa é a fase da consagração de Candido e da sua aposentadoria da universidade, em 1978.

Em contexto de maior liberdade em relação às antigas contingências, Candido pôde, além de voltar a se organizar politicamente, dedicar-se ao cuidado com sua memória, concedendo entrevistas sobre a própria trajetória, escrevendo perfis de conhecidos e buscando organizar sua experiência e valores.4 4 Sobre o memorialismo de Candido, ver Cerqueira (2019). Nessa fase surgiram, por exemplo, seus livros considerados mais explicitamente “políticos”, como Teresina etc., de 1980, e a terceira edição de Vários escritos, de 1995, além das variadas tentativas relativamente dispersas de ponderar sobre o significado do “radicalismo das classes médias” no Brasil, das quais partimos no início deste artigo. Tentativas que, elas próprias, dão testemunho do renovado interesse do autor pelo tema geral da participação política dos intelectuais.

Os anos 1960

O primeiro fator a se considerar no âmbito do que estamos chamando de processo de radicalização de Antonio Candido - e que se refletiu mais tarde na assunção de determinadas posições implícitas ou explícitas em textos críticos - é, evidentemente, o início de um regime autoritário no Brasil em 1964. Por meio de um golpe militar, pôs-se um ponto final na breve experiência democrática brasileira existente desde 1945, assim como em um governo identificado com as causas populares e que despertava a simpatia das esquerdas. O próprio Candido situa os primórdios da renovação de seu interesse pela política nos momentos finais do governo Goulart:

Só fui pensar de novo no país e na política em 63, quando eu me entusiasmei pelos programas do João Goulart. Eu sempre tive muita desconfiança com Getúlio, aquele velho ranço de 45, antigetulista, que eu tinha. Mas quando eu vi o João Goulart dizer aquelas coisas, foi tudo no comício da Central. Em março [de 1964]. Quando eu vi aquele comício e li o discurso dele, aí eu caí em mim e fiquei entusiasmado. Isto é a plataforma do Brasil futuro. Aí, inclusive, houve um manifesto intelectual de apoio que eu assinei. (Candido, 2002CANDIDO, Antonio. 2002. Antonio Candido e a palavra. [Entrevista cedida a] Marcello Rollemberg. Arquivo do IEB-USP., p. 154)

Apesar do interesse renovado pela política do país, o significado do golpe demoraria a ser entendido, não apenas por Candido, mas também pelos opositores do novo regime como um todo. Para isso, talvez contribuísse o relativo otimismo de boa parte do campo democrático e progressista de então, para a qual a derrota do regime instaurado em 1964 e a redemocratização do país seriam questões de tempo.5 5 Em um célebre artigo sobre o assunto, Walnice Nogueira Galvão discutiu como o cancioneiro popular do período - 1964-1968 -, notadamente obras de Chico Buarque e Tom Jobim, tinha por topos literário a ideia de um dia por vir, no qual a sociedade brasileira se reconciliaria. Para ela, tais canções tinham “a função de absolver o ouvinte de qualquer responsabilidade no processo histórico” (Galvão, 1976, p. 95). Não seria preciso concordar integralmente com a crítica para admitir que parte da esquerda assumia, então, uma postura de otimismo. Zuenir Ventura, em seu clássico livro de reconstrução jornalística, vai no mesmo sentido: “Algo se tinha movido em 67, ainda que parecesse que se movera para continuar igual. De qualquer maneira, a ditadura havia trocado de ditador, a legislação revolucionária fora substituída por uma Constituição - tudo bem, mas já era uma Constituição -, um presidente bonachão se dizia preocupado com a ‘normalização democrática’ e uma nova geração parecia disposta a deixar a marca de sua presença em todos os campos da História. Muitas vezes, o ano iria dar a impressão, repetindo Millôr Fernandes, de que o país corria o risco de cair numa democracia” (Ventura, 2008, p. 25, grifo do autor). Contudo, a promulgação do Ato Institucional número 5 (AI-5) em dezembro de 1968 - que, entre outras coisas, suspendeu o habeas corpus e deu poder ao chefe do executivo para dissolver os poderes legislativos, intervir nos Estados e municípios e suspender os direitos políticos de qualquer cidadão - mostrou a face mais autoritária do regime. Nesse novo contexto, com todas as ilusões definitivamente desfeitas, o engajamento seria efetivo, pois, como jocosamente lembra Roberto Schwarz, “Candido dizia de si mesmo que em momentos de ditadura ele se considerava marxista a 90%, mas que, em momentos de luta de classe menos acirrada, o seu marxismo descia a 50%” (Schwarz, 2018SCHWARZ, Roberto. 2018. Antonio Candido. In: FONSECA, Maria Augusta; SCHWARZ, Roberto (org.). Antonio Candido: 100 Anos. São Paulo: Editora 34 . pp. 72-77., p. 75).

É mister, em todo caso, investigar alguns elementos específicos nesse processo de guinada radical. Um deles, pouco conhecido e muito inusitado, é a ida como professor visitante, a convite do historiador estadunidense Richard Morse, para Yale (EUA) no primeiro semestre de 1968 - isto é, antes ainda do AI-5. Passagem quase desconhecida da biografia de Candido, seria lembrada por ele como de grande importância:

No primeiro semestre de 1968 eu fui professor visitante na Universidade de Yale, e isso influiu na minha disposição de voltar à atividade política, porque pude ver o empenho com que os colegas americanos e estrangeiros lá radicados participavam de causas como a luta contra a guerra do Vietnã ou a luta pelos direitos dos negros. (Candido, 1988CANDIDO, Antonio. 1988. Antonio Candido: a militância por dever de consciência. [Entrevista cedida a] Eugênio Bucci e Eder Sader. Teoria e Debate, n. 2. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3xrw5qc . Acesso em: 25 maio 2020.
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)

Como se sabe, àquela altura, a sociedade estadunidense encontrava-se no auge dos movimentos pelos direitos civis, notadamente pela igualdade racial, que encontrara em Martin Luther King Jr. uma liderança histórica. O próprio King fora, em 1964, agraciado por Yale com um título honorário de doutor em direito, cuja repercussão entre os setores conservadores da universidade foi a pior possível. Tratava-se, portanto, de um momento de intensa polarização ideológica, à qual se somava o ápice das organizações armadas de autodefesa negra, como os Panteras Negras.

Não obstante, o crítico se inteirou da existência de protestos estudantis, senão em Yale - pois os mais significativos dentre esses só atingiriam a universidade na década de 1970 -, pelo menos em Berkeley (Candido, 2002CANDIDO, Antonio. 2002. Antonio Candido e a palavra. [Entrevista cedida a] Marcello Rollemberg. Arquivo do IEB-USP., p. 158), reconhecendo-os como a origem das agitações da “mocidade” de 1968 (Candido, 2004CANDIDO, Antonio. 2004. Recortes. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul., p. 275). Sem falar do empenho militante de outros professores - fossem eles liberais-democratas anti-Johnson ou assumidamente comunistas - contra a guerra estadunidense na Indochina.6 6 Vale lembrar que o fenômeno de radicalização de intelectuais nesse contexto, como nota Michael Löwy em seu estudo sobre a trajetória política de Lukács, era relativamente generalizado e tinha na repulsa político-moral à Guerra do Vietnã um de seus fatores determinantes. Segundo ele: “O significado da guerra norte-americana na Indochina para os intelectuais decorre do fato de que jamais, na história do capitalismo moderno, foi tão enorme a distância entre os valores humanistas da ideologia liberal e a realidade. Nos anos 30, o fascismo produziu uma reação parecida […] A diferença é que a barbárie nazista podia passar por um fenômeno excepcional, uma aberração passageira condenada pelo ‘mundo civilizado’ (burguês); as atrocidades americanas no Vietnã, ao contrário, aparecem como a expressão orgânica da civilização capitalista em seu apogeu, gozando implícita ou explicitamente da aprovação da burguesia de quase todos os países” (Löwy, 1979, p. 259). Assim, faz sentido supor que esse ambiente conflagrado tenha recobrado em Candido o espírito cívico, quiçá propriamente anti-imperialista, que se tornará evidente no ensaio “Literatura e Subdesenvolvimento”.

Como se não bastasse, voltando ao Brasil ao sabor desses ventos, o crítico se deparou com a enorme efervescência do período pós-1964. Como celebremente registraria Schwarz (2008SCHWARZ, Roberto. 2008. Cultura e Política, 1964-1969. In: SCHWARZ, Roberto. O Pai de Família e Outros Escritos. São Paulo: Companhia das Letras. pp. 70-111.), o país vivia uma hegemonia cultural e intelectual de esquerda a despeito do regime autoritário de direita. O movimento estudantil, por exemplo, pulsava, sobretudo no Rio de Janeiro, pelo menos desde março, quando houve o assassinato de um estudante pela repressão policial, ao qual se seguiram o cortejo do seu corpo e sua missa de sétimo dia, que reuniram milhares de pessoas - movimento que culminaria na famosa Marcha dos 100 Mil, no fim de junho de 1968. Não menos importantes foram os eventos em torno da chamada “Sexta-feira Sangrenta”, em 21 de junho: uma insurreição popular contra a repressão policial a estudantes ocorrida durante uma assembleia geral convocada pela União Nacional dos Estudantes (UNE) na véspera. Entre as centenas de estudantes agredidos e humilhados nessa assembleia, como registra Zuenir Ventura (2008VENTURA, Zuenir. 2008. 1968: o ano que não terminou. São Paulo: Planeta.), estava a filha mais velha de Candido, Ana Luísa Escorel, que se mudara ao Rio de Janeiro para estudar design na Escola Superior de Design Industrial (ESDI), em 1964. É possível, inclusive, que o envolvimento da própria filha nesses movimentos tenha contribuído para abreviar a estadia do crítico nos Estados Unidos, onde havia recebido convite para ficar por mais tempo, como contaria em entrevista (Candido, 2002CANDIDO, Antonio. 2002. Antonio Candido e a palavra. [Entrevista cedida a] Marcello Rollemberg. Arquivo do IEB-USP., p. 158).

Na FFCL-USP, onde o progressismo era dominante e os eventos estudantis daquele ano haviam ecoado, de dentro e fora do país, seria criada uma Comissão Paritária Central, como desdobramento da ocupação do prédio da Faculdade por estudantes. Dessa comissão participaram professores e alunos com o intuito de elaborar propostas a um novo estatuto. Candido tomou parte no órgão como representante eleito, ajudando a formular um texto que previa uma “universidade crítica de si mesma e da sociedade”, que concebia “o desenvolvimento da ciência e da técnica como instrumentos capazes de acelerar novas relações econômicas e sociais referidas aos interesses da maioria do país” (Candido, 1988CANDIDO, Antonio. 1988. Antonio Candido: a militância por dever de consciência. [Entrevista cedida a] Eugênio Bucci e Eder Sader. Teoria e Debate, n. 2. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3xrw5qc . Acesso em: 25 maio 2020.
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).

Não menos decisivos seriam os episódios de 2 e 3 de outubro de 1968, na Rua Maria Antônia, quando um estudante secundarista foi morto durante o confronto com alunos da Universidade Mackenzie, que receberam o respaldo da sua instituição. Apesar de não ter participado do embate - afinal se tratava de um conflito estudantil -, Candido o presenciou, tomando partido em favor de seus alunos, os quais, em sua visão, buscavam apenas defender o próprio prédio da depredação promovida pelos mackenzistas, o que não conseguiram, tendo em vista a disparidade de organização e de meios, e o apoio tácito das forças policiais do Estado ao ataque à Faculdade. Assim, ele também sofreu o impacto da subsequente transferência da antiga FFCL-USP para o já existente campus Butantã, a pretexto de evitar novos conflitos - o que, por sua vez, contribuiria com a desarticulação do movimento estudantil. Tudo isso seria recordado mais tarde em entrevista:

De volta ao Brasil encontrei a faculdade em polvorosa e fui eleito para a Comissão Paritária Central, que trabalhou intensamente dia e noite durante meses numa atmosfera de grande entendimento entre professores e alunos. Passávamos o tempo todo em reuniões, debates, seminários experimentais, passeatas, defesa da faculdade e, afinal, o conflito que nos expulsou da Maria Antonia a partir da Universidade Mackenzie, com o apoio da polícia e grupos reacionários. (Candido, 1988CANDIDO, Antonio. 1988. Antonio Candido: a militância por dever de consciência. [Entrevista cedida a] Eugênio Bucci e Eder Sader. Teoria e Debate, n. 2. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3xrw5qc . Acesso em: 25 maio 2020.
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)

Candido acrescenta, apesar dos pesares, que: “Foi uma extraordinária experiência democrática e a oportunidade de participar na virada do mundo, com as novas maneiras de entender o ensino” (Candido, 1988CANDIDO, Antonio. 1988. Antonio Candido: a militância por dever de consciência. [Entrevista cedida a] Eugênio Bucci e Eder Sader. Teoria e Debate, n. 2. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3xrw5qc . Acesso em: 25 maio 2020.
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). Tão envolvido estava Candido com essa “extraordinária experiência” precocemente interrompida, que se engajou na iniciativa oficial da FFCL-USP de produzir um “livro branco” sobre os dois dias do conflito que expulsou a Faculdade da rua Maria Antônia. Isso depois de já ter sido responsável, no próprio dia 3 de outubro, por escrever a nota com o posicionamento dos professores em relação ao ocorrido, conforme conta em depoimento (Candido, 2018CANDIDO, Antonio. 2018. Antonio Candido de Mello e Souza [depoimento]. In: TAVARES, Abílio; CARDOSO, Irene. (org.). Livro branco sobre os acontecimentos da rua Maria Antonia (2 e 3 de outubro de 1968). São Paulo: FFLCH-USP. pp. 73-78., p. 77). Ele não apenas fez parte da comissão responsável pela elaboração do “livro branco”, junto a nomes como Carlos Alberto Barbosa Dantas, Carlos Benjamin de Lyra, Eunice Durham, Ruth Cardoso e Simão Mathias, como foi seu relator, guardando cópia do material entregue para a Universidade - o que se mostrou providencial, afinal, o documento “sumiu” nas mãos da instituição e só veio a público vinte anos depois, após edição da Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas (FFLCH-USP) em 1988, reeditada recentemente, a partir do arquivo de Candido.

Mas se essa volta à política é por si só relevante, não menos dignas de nota seriam certas posições firmadas pelo crítico que parecem pesar sobre ensaios posteriores, como “Dialética da malandragem”. Entre elas, podemos destacar o distanciamento quanto à ortodoxia comunista, que nos anos 1960 ainda propugnava o alinhamento automático aos interesses da União Soviética, cujas atrocidades do período stalinista já vinham sendo reveladas por Khruschov desde 1956. A postura crítica de Candido em relação à União Soviética remonta à influência do círculo social da já mencionada Teresina, ligada ao Partido Socialista Italiano (PSI),7 7 Diferentemente do Partido Comunista Italiano (PCI), o PSI não era vinculado à Terceira Internacional, nem se inspirava no modelo soviético de socialismo. e se consolidou com a interlocução de Candido com Paulo Emílio. Palavras do crítico:

em 1968 eu e meus velhos companheiros vimos que se tornaram banais certas posições que tínhamos assumido desde o começo dos anos 40 e nos valeram ataques e marginalização. Assim é que foi superada a ideia de partido monolítico, de fidelidade mecânica aos interesses russos, de marxismo como dogma intangível. Ali nasceram os germes de novas concepções dos agrupamentos políticos, que no futuro se tornariam atuantes. Concepções segundo as quais o partido deixa de ser uma camisa-de-força para tentar definir uma organização humana e aberta. (Candido, 1988CANDIDO, Antonio. 1988. Antonio Candido: a militância por dever de consciência. [Entrevista cedida a] Eugênio Bucci e Eder Sader. Teoria e Debate, n. 2. Disponível em: Disponível em: https://bit.ly/3xrw5qc . Acesso em: 25 maio 2020.
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)

Sem dúvida seria possível vincular essa “superação” da ortodoxia comunista em nível internacional ao já mencionado contexto político que Candido vivenciou em Yale. À época, eram recentes a Independência da Argélia, a Guerra de Independência de Angola e a Guerra do Vietnã, que mobilizara os colegas da universidade estadunidense em oposição à intervenção na Indochina. Além disso, havia a Revolução Cubana, que despertara no crítico uma simpatia “imediata e extraordinária” (Candido, 2002CANDIDO, Antonio. 2002. Antonio Candido e a palavra. [Entrevista cedida a] Marcello Rollemberg. Arquivo do IEB-USP., p. 141), suscitando maiores interesses e conhecimento após sua interlocução com intelectuais cubanos no encontro Terzo Mondo e Comunità Mondiale, realizado em Gênova, em 1965.8 8 Sobre a participação de Candido nesse encontro e os possíveis impactos em seu método crítico, ver Barbosa (2020). Sobre a posição de Candido em relação a Cuba, ver os textos “Em (e por) Cuba” (1979), “Discurso em Havana” (1981) e “Cuba e o socialismo” (1991), publicados no livro Recortes (2004). Começava, então, a se estabelecer internacionalmente uma alternativa de esquerda às doutrinas rígidas e etapistas difundidas pela União Soviética, arejando o ambiente político brasileiro e abrindo caminhos para organizações socialistas antistalinistas. Um quadro particularmente relevante para Candido, que se inclinava a um caminho alternativo à polarização da Guerra Fria, pelo menos desde sua época de militância no PSB. Se, naquele tempo, o crítico enxergava essa busca pela superação da ortodoxia na Iugoslávia governada pelo Marechal Tito, pela qual tinha simpatia como conta em entrevista (Candido, 2002CANDIDO, Antonio. 2002. Antonio Candido e a palavra. [Entrevista cedida a] Marcello Rollemberg. Arquivo do IEB-USP., p. 138), agora, as alternativas se apresentavam em maior número.

Poderíamos então dizer que, em torno da resistência democrática à ditadura brasileira, da vivência nos Estados Unidos em um ano decisivo, da Batalha da Maria Antônia e da emergência de uma série de conflitos relevantes para a causa terceiro-mundista, formaram-se as condições propícias do que chamamos de uma “radicalização”. Assim sendo, seria o caso de nos perguntarmos: teria a politização antistalinista - em um panorama onde adquiriam projeção mundial os nomes terceiro-mundistas de lideranças como Fidel Castro, Ho Chi Mihn e Frantz Fanon - cumprido um papel crucial na volta da busca pelo socialismo democrático e de características tipicamente brasileiras, móvel de “Radicalismos”? Teria essa busca pesado no interesse pela nossa “maleabilidade lídima” como fator a propiciar inserção em um mundo “eventualmente mais aberto”, como se verá no estudo sobre as Memórias de um Sargento de Milícias? Estariam aí as razões dos elogios explícitos ao regime castrista em “Literatura e subdesenvolvimento”, no qual o termo “terceiro mundo” é mencionado pela primeira vez em toda a obra candidiana?

Como argumentaremos a seguir, é possível supor que sim.

A radicalização em três ensaios

Não obstante o processo de politização que descrevemos até aqui, o período de Candido em Yale foi também relevante para alguns de seus interesses de pesquisa. Segundo o testemunho de Francisco de Assis Barbosa, que o encontrou à época na cidade de Madison, Wisconsin, o crítico demonstrava grande interesse pelo romance Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antonio de Almeida, tendo conduzido, como parte de um curso organizado por Jorge de Sena, um “estudo magistral sobre o malandro e a malandragem” (Barbosa, 1979BARBOSA, Francisco de Assis. 1979. Madison, Ws. 1968. In: LAFER, Celso (org.). Esboço de figura. São Paulo: Livraria Duas Cidades. pp. 59-61., p. 59).9 9 Como se sabe, o interesse de Candido pela obra é mais antigo: havia dedicado a ela uma seção em Formação da literatura brasileira (2009), livro publicado pela primeira vez em 1959, e, também, um curso de literatura brasileira em Assis, em 1960, de acordo com o depoimento da sua ex-aluna Teresa de Jesus Pires Vara (1999). Em Yale, Candido foi responsável por uma disciplina de pós-graduação, ministrada em francês, chamada “Le milieu et la réprésentation dans le roman naturaliste” (Ramassote, 2010RAMASSOTE, Rodrigo Martins. 2010. A formação dos desconfiados: Antonio Candido e a crítica literária acadêmica (1961-1970). Cadernos de Campo, n. 19, pp. 13-34., p. 22). Essas atividades acadêmicas ajudam a explicar por que dois de seus ensaios do início dos anos 1970 - “Dialética da malandragem” e “De cortiço a cortiço” - têm por temas, respectivamente, a malandragem em Manuel Antonio e o naturalismo brasileiro.

Como gostaríamos de demonstrar, ambos os textos - assim como “Literatura e Subdesenvolvimento” - são bastante representativos da politização do crítico e de determinadas posições assumidas por ele no período. Podemos começar, cronologicamente, por “Dialética da malandragem”.

Originalmente escrito para fazer parte de um volume em homenagem ao professor João Cruz Costa, da FFCL-USP, o texto apareceu pela primeira vez em 1970, na Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, pois o referido livro jamais veio a público. Não seria possível repassar, aqui, todos os tópicos de interesse do ensaio. Sumariamente, poderíamos apenas dizer que, para Candido, Memórias de um Sargento de Milícias se caracteriza por uma atitude neutra de “tolerância corrosiva”, observada na construção da trama e na posição do narrador que sempre absolviam o protagonista Leonardinho, um trickster brasileiro que se vale da sua astúcia para enganar e sabotar outros personagens. Com efeito, o malandro, abandonado à própria sorte por pai e mãe, logo é apadrinhado por quem lhe sustente, ao final se ajeitando enquanto sargento de milícias, bem-casado e, ainda por cima, beneficiário da herança da sua mulher, Luisinha. Suas trapaças contra o Major Vidigal - a encarnação da ordem instituída que, por vezes, cede, ele próprio, ao universo da malandragem - são enfim recompensadas.

No entender de Candido, essa licenciosidade, que estrutura a obra e perpassa a constituição de todos os personagens, poderia ser entendida como uma “dialética de ordem e desordem”, representativa da vida dos homens livres pobres do período joanino, os quais, não sendo escravos nem proprietários, muito menos membros da corte, seriam habitués dos trambiques como meio de subsistência. Essa particularidade de ordem sociológica era elevada pelo crítico a uma espécie de traço da sociedade brasileira, capaz de servir como contraponto a tendências autoritárias e fanáticas. Daí a comparação das Memórias de um Sargento de Milícias com The Scarlet Letter (1850), de Hawthorne: se o estadunidense figurava a cosmovisão puritana, com seu característico punitivismo que marcara a vida nos Estados Unidos do século XIX, Manuel Antonio cristalizaria uma suposta e característica permissividade brasileira.

No que nos interessa, cumpre observar a ênfase positiva que o crítico dá a esse presumido aspecto da vida brasileira, contemplada com particular clareza na seção do texto intitulada “Mundo sem Culpa”. Para ele, a dialética da malandragem favoreceria “nossa inserção em um mundo eventualmente mais aberto” (Candido, 2010CANDIDO, Antonio. 2010. O discurso e a cidade. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul ., p. 46). No fraseado candidiano, é bastante evidente o caráter democrático que esse acento positivador adquire enquanto aposta contra a arbitrariedade da ditadura militar, notadamente no contexto pós-promulgação do AI-5.10 10 Essa hipótese foi mais profundamente trabalhada e discutida em outro artigo (Santos Lima, 2020).

No entanto, sendo a busca por um socialismo tipicamente brasileiro uma de suas preocupações a partir do final dos anos 1960 - e, na verdade, desde os anos 1940 -, pode-se discutir se o referido “mundo mais aberto” não seria mais do que uma simples ordem democrática capitalista. Assim, é possível especular se sua contraposição ao arbítrio puritano não configurava, mais amplamente, um distanciamento do autoritarismo em geral, fosse ele de corte pró-imperialista ou stalinista. Em suma, dado todo o quadro de “radicalização” descrito, poderíamos pensar se não se trata de uma aposta na malandragem como traço nacional favorável à construção de um socialismo democrático.

O fundo político dessa radicalização, com nuances diversas, evidencia-se ainda mais em “Literatura e subdesenvolvimento”.11 11 O tema foi mais bem discutido na tese de doutorado Romance modernista e consciência da catástrofe: relendo “Literatura e subdesenvolvimento”, de Antonio Candido (Santos Lima, 2021). Aqui, o método de Candido é outro: não se trata mais de estudar uma obra em específico, mas de descrever panoramicamente certas características do percurso da literatura latino-americana, desde as Cartas de Colombo até o romance de autores como Vargas Llosa e Guimarães Rosa. Se o assunto parece remoto, logo percebemos sua contemporaneidade.

Grosso modo, digamos que, para o crítico, os primeiros séculos literários de nosso continente se caracterizam por uma “consciência de país novo”, que movia o anseio dos escritores por fundar o imaginário nacional através da hiperbolização das paisagens locais bem como da fauna e da flora, dos guerreiros indígenas, e assim por diante. Essa seria a marca da produção narrativa e poética desde as crônicas da conquista até, pelo menos, o romantismo oitocentista brasileiro.

No entender de Candido, porém, tal estilização seria abandonada por vários escritores ao longo do século XX, entre eles Machado de Assis e Jorge Luis Borges, mas sobretudo os regionalistas brasileiros de 1930 - José Lins do Rego, Rachel de Queiroz e Graciliano Ramos -, os quais prefigurariam uma “consciência do atraso”, centrada na descrição referencial da “miséria pasmosa de nossas populações”, dos “nossos solos pobres” e da nossa “incultura paralisante” (Candido, 2011aCANDIDO, Antonio. 2011a. Literatura e subdesenvolvimento. In: CANDIDO, Antonio. A educação pela noite. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul . pp. 169-196., p. 171). Essa veia crítica também estaria presente no chamado romance “super-regionalista” dos anos 1960, de Vargas Llosa, Juan Rulfo e Guimarães Rosa, misturada aos expedientes modernistas da última hora - monólogo interior, indireto livre, visão simultânea -, em um ponto de vista que “é agônico e leva à decisão de lutar” - pois, dizia-se, “o traumatismo causado na consciência pela verificação de quanto o atraso é catastrófico suscita reformulações políticas” (Candido, 2011aCANDIDO, Antonio. 2011a. Literatura e subdesenvolvimento. In: CANDIDO, Antonio. A educação pela noite. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul . pp. 169-196., p. 171).

De fato, se o crítico valorizava o caráter de denúncia desses romances bem como seu potencial heurístico de sondagem social, não seria menos importante o programa expressamente político entrevisto em “Literatura e Subdesenvolvimento”. De acordo com Candido, a América Latina era um ambiente hostil à grande ficção, dado o óbice do analfabetismo, ao qual se vinculariam outras “manifestações de debilidade cultural”. A saber:

falta de meios de comunicação e difusão (editoras, bibliotecas, revistas, jornais); inexistência, dispersão e fraqueza dos públicos disponíveis para a literatura, devido ao pequeno número de leitores reais (muito menor que o número já reduzido de alfabetizados); impossibilidade de especialização dos escritores em suas tarefas literárias, geralmente realizadas como tarefas marginais ou mesmo amadorísticas […]. (Candido, 2011aCANDIDO, Antonio. 2011a. Literatura e subdesenvolvimento. In: CANDIDO, Antonio. A educação pela noite. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul . pp. 169-196., p. 172)

Para o crítico, seria preciso alterar esse quadro no terreno da luta concreta, combatendo “os níveis insuficientes de remuneração e a anarquia financeira dos governos, articulados com políticas educacionais ineptas ou criminosamente desinteressadas” (Candido 2011aCANDIDO, Antonio. 2011a. Literatura e subdesenvolvimento. In: CANDIDO, Antonio. A educação pela noite. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul . pp. 169-196., p. 172). Caso contrário, a influência deletéria da cultura de massa, em um ambiente sem formação educacional nem pensamento crítico, poderia atirar o continente à era “da propaganda e do imperialismo total” (Candido, 2011aCANDIDO, Antonio. 2011a. Literatura e subdesenvolvimento. In: CANDIDO, Antonio. A educação pela noite. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul . pp. 169-196., p. 176). E concluía, demonstrando seu radicalismo: “Salvo no tocante aos três países meridionais que formam a ‘América branca’ (no dizer dos europeus), tem sido preciso fazer revoluções para alterar as condições de analfabetismo predominante, como foi o caso lento e incompleto do México e o caso rápido de Cuba” (Candido, 2011aCANDIDO, Antonio. 2011a. Literatura e subdesenvolvimento. In: CANDIDO, Antonio. A educação pela noite. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul . pp. 169-196., p. 172-173).

Isto é, de maneira ambivalente, “Literatura e subdesenvolvimento” formulava uma estratégia estética e política, na qual a literatura, com sua consciência dilacerada, impulsionaria o combate contra a dependência econômica e seus sintomas, o que, por sua vez, contribuiria com a transformação revolucionária da sociedade, permitindo a todos ler aquela literatura de excelência. Em outras palavras: o bom romance atuaria em favor da sociedade e vice-versa.

Se isso bastaria para demarcar uma posição radical - em alguma medida, novidade em relação à situação anterior -, vale ainda dizer que o crítico se refere a Cuba como uma “admirável vanguarda da América na luta contra o subdesenvolvimento” (Candido, 2011aCANDIDO, Antonio. 2011a. Literatura e subdesenvolvimento. In: CANDIDO, Antonio. A educação pela noite. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul . pp. 169-196., p. 188) e utiliza a expressão “Terceiro Mundo” pela primeira vez em sua obra. Tudo em “Literatura e Subdesenvolvimento” concorre à caracterização da politização terceiro-mundista e anti-imperialista que delineamos até aqui.

Por fim, menos explicitamente, há a radicalização presente em “De cortiço a cortiço”. Em artigo recente, Ana Paula Pacheco considera o ensaio um “ponto de culminação da crítica radical de Antonio Candido” (Pacheco, 2018PACHECO, Ana Paula. 2018. O radicalismo do radical de classe média: “De cortiço a cortiço”. In: FONSECA, Maria Augusta; SCHWARZ, Roberto (org.). Antonio Candido: 100 Anos. São Paulo: Editora 34. pp. 107-121., p. 114). Para ela, o radicalismo do crítico, após o período de intensa militância socialista entre as décadas de 1940 e 1950, teria se concentrado na crítica literária e, em alguns momentos, como nesse texto, ultrapassaria o simples “radicalismo de classe média”, cujo ponto de vista costuma adotar a escala da nação como um todo e não a das classes sociais em luta. Ou seja, empregando termos do próprio Candido já citados no início deste texto, haveria momentos em que seu pensamento adquiriu um “teor de ousadia equivalente à do pensamento revolucionário”.

No ensaio em questão, o crítico enfrenta o que chamou de “problema de filiação de textos e de fidelidade aos contextos” (Candido, 2010CANDIDO, Antonio. 2010. O discurso e a cidade. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul ., p. 108), considerando o caso concreto de O cortiço, romance de Aluísio Azevedo. Para ele, a obra representa um “encontro feliz” entre dois procedimentos de criação, o que seria indispensável em países periféricos como o Brasil, uma vez que, nesses casos, as referências intelectuais têm por base o meio social dos países centrais, de formação histórica diversa. Por um lado, o romance de Azevedo se filia a outro texto da tradição literária, L’Assommoir (1877), de Émile Zola, que influenciou a montagem da narrativa. Por outro, o escritor procurou filtrar o meio social brasileiro para a construção da obra, ainda que com as lentes tomadas de empréstimo da referência francesa. Segundo o crítico, este último procedimento atendia à demanda do meio intelectual brasileiro por autoconhecimento nacional, que ganhara relevo desde a Independência. Com isso, não obstante a inspiração em Zola, Azevedo pôde compor uma obra original, em que o cortiço do “português ganhador de dinheiro”, João Romão, funciona como “alegoria do Brasil, com a sua mistura de raças, o choque entre elas, a natureza fascinadora e difícil, o capitalista estrangeiro postado na entrada, vigiando, extorquindo, mandando, desprezando e participando” (Candido, 2010CANDIDO, Antonio. 2010. O discurso e a cidade. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul ., p. 119).

Do mesmo modo que fizera ao analisar o romance de Manuel Antonio, Candido vai encontrar na obra de Azevedo uma fórmula de estruturação narrativa “segundo a qual a realidade do mundo ou do espírito foi reordenada, transformada, desfigurada ou até posta de lado, para dar nascimento ao outro mundo” (Candido, 2010CANDIDO, Antonio. 2010. O discurso e a cidade. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul ., p. 107). Trata-se, nesse caso, da “dialética do espontâneo e do dirigido”. “Espontâneo”, segundo ele, “à maneira da sociabilidade inicial do cortiço, fortemente marcada pelo espírito livre do grupo”, e “dirigido”, pela “atuação de um projeto racional”, que “moderniza” o cortiço de cima para baixo e concentra renda na mão do capitalista estrangeiro por meio de diversas formas de espoliação do país e de seu povo pobre, tomados como “matéria-prima de lucro” (Candido, 2010CANDIDO, Antonio. 2010. O discurso e a cidade. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul ., p. 130-131). Como se costuma admitir, o romance de Azevedo seria a primeira representação literária da acumulação primitiva de capital no país.

É curiosa, nesse sentido, a opção do crítico por analisar especificamente essa obra. Ana Paula Pacheco sugere, a nosso ver acertadamente, que essa escolha teve “dimensão política” (Pacheco, 2018PACHECO, Ana Paula. 2018. O radicalismo do radical de classe média: “De cortiço a cortiço”. In: FONSECA, Maria Augusta; SCHWARZ, Roberto (org.). Antonio Candido: 100 Anos. São Paulo: Editora 34. pp. 107-121., p. 114-115). Embora o interesse de pesquisa de Candido pelo romance naturalista já existisse, como dissemos, quando de sua passagem por Yale em 1968, não é exagero supor que a escolha dessa obra estivesse diretamente relacionada ao contexto do Brasil nos anos imediatamente seguintes à estadia do crítico nos EUA. Entre 1969 e 1973, o país atravessou o governo Médici, conhecido pela combinação entre o crescimento do chamado “milagre econômico” e a repressão dos “anos de chumbo”. Nesse cenário de modernização autoritária e crescimento econômico, com concentração de renda e alinhamento subserviente aos interesses do imperialismo estadunidense, não é difícil perceber como a alegoria do país criada por Azevedo se mostrava ao crítico de modo lamentavelmente atual e, portanto, digna do maior interesse.

Por fim, outro aspecto interessante de ser assinalado é como o crítico explora as contradições de Azevedo, que para ele são as contradições do próprio movimento naturalista brasileiro. Ao mesmo tempo em que considerava o meio brasileiro dissolvente da ordem e da disciplina da civilização europeia, expressando no foco narrativo a ideologia naturalista do tempo - com sua consideração de meio e raça como fatores determinantes de explicação do comportamento humano - e certa visão pejorativa que hoje chamaríamos de “colonialista” - com a inferiorização do meio e da raça brasileiros -, Azevedo também pinta a natureza do país com cores positivas. O crítico dá exemplos, como o episódio da menstruação da personagem Pombinha, em que essa natureza aparece como “força de vida” (Candido, 2010CANDIDO, Antonio. 2010. O discurso e a cidade. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul ., p. 130).

Do mesmo modo, embora muito menos explícito que no ensaio sobre Memórias de um sargento de milícias, o crítico parece apostar na malandragem do brasileiro livre e pobre - identificado com o “mestiço” - como traço capaz de se opor ao que, no romance, é uma racionalização de tipo capitalista e autoritário. Até mesmo porque o “mestiço” aparece no livro como figura igualmente dissolvente e incompatível com essa ordem imposta de fora. Se considerarmos que esta, no romance, é sinônimo de espoliação - afinal “aquilo que é condição de esmagamento para o brasileiro seria condição de realização para o explorador de fora” (Candido, 2010CANDIDO, Antonio. 2010. O discurso e a cidade. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul ., p. 121) -, o ponto de vista implícito de Candido se evidencia. Assim, o crítico mantém como estrutura significativa da sua reflexão a visão que aposta na possibilidade de a formação social brasileira conter elementos que favoreçam outro tipo de ordem social, com uma racionalização fruto da livre associação destinada a atender os interesses da coletividade. Reencontramos, dessa forma, o socialismo democrático do autor, como alternativa política ao regime de então, que pusera fim à breve experiência democrática brasileira e, com isso, acabara aproximando o crítico - entre outros intelectuais afeitos à mesma visão de mundo - de uma perspectiva “revolucionária”, a exemplo de Cuba, vista como possibilidade de concretização desses valores.

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  • SANTOS, William Santana; GIMENES, Max Luiz; JACKSON, Luiz Carlos. 2019. Antonio Candido, Roger Bastide e a tese interrompida sobre o cururu. Revista Estudos Históricos CPDOC-FGV, n. 67, pp. 368-388. DOI: 10.1590/S2178-14942019000200003.
    » https://doi.org/10.1590/S2178-14942019000200003
  • SCHWARZ, Roberto. 2018. Antonio Candido. In: FONSECA, Maria Augusta; SCHWARZ, Roberto (org.). Antonio Candido: 100 Anos. São Paulo: Editora 34 . pp. 72-77.
  • SCHWARZ, Roberto. 2008. Cultura e Política, 1964-1969. In: SCHWARZ, Roberto. O Pai de Família e Outros Escritos. São Paulo: Companhia das Letras. pp. 70-111.
  • VARA, Teresa de Jesus Pires. Esboço de figurino. In: AGUIAR, Flávio (org.). 1999. Antonio Candido: pensamento e militância. São Paulo: Fundação Perseu Abramo: Humanitas.
  • VENTURA, Zuenir. 2008. 1968: o ano que não terminou. São Paulo: Planeta.
  • 1
    Esse documento consta do Acervo Antonio Candido e Gilda de Mello e Souza do Arquivo do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade de São Paulo (IEB-USP).
  • 2
    Em relação às publicações de Candido, baseamo-nos sobretudo no levantamento bibliográfico realizado por Vinicius Dantas (2002DANTAS, Vinicius. 2002. Bibliografia de Antonio Candido. São Paulo: Duas Cidades.).
  • 3
    Sobre a mudança no tema da tese, ver Santos, Gimenes e Jackson (2019SANTOS, William Santana; GIMENES, Max Luiz; JACKSON, Luiz Carlos. 2019. Antonio Candido, Roger Bastide e a tese interrompida sobre o cururu. Revista Estudos Históricos CPDOC-FGV, n. 67, pp. 368-388. DOI: 10.1590/S2178-14942019000200003.
    https://doi.org/10.1590/S2178-1494201900...
    ). Quanto ao trabalho sobre a temática anterior, o cururu, ver Jackson (no preloJACKSON, Luiz Carlos (org.). No prelo. Outra vertente. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul . ). E sobre os escritos sociológicos de Candido em geral, ver Jackson (2002JACKSON, Luiz Carlos. 2002. A tradição esquecida: Os parceiros do Rio Bonito e a sociologia de Antonio Candido. Belo Horizonte: UFMG.).
  • 4
    Sobre o memorialismo de Candido, ver Cerqueira (2019CERQUEIRA, Rodrigo Soares de. 2019. Crítica e memória: um estudo dos textos memorialísticos de Antonio Candido. São Paulo: Editora Unifesp.).
  • 5
    Em um célebre artigo sobre o assunto, Walnice Nogueira Galvão discutiu como o cancioneiro popular do período - 1964-1968 -, notadamente obras de Chico Buarque e Tom Jobim, tinha por topos literário a ideia de um dia por vir, no qual a sociedade brasileira se reconciliaria. Para ela, tais canções tinham “a função de absolver o ouvinte de qualquer responsabilidade no processo histórico” (Galvão, 1976GALVÃO, Walnice Nogueira. 1976. MPB: uma análise ideológica. In: GALVÃO, Walnice Nogueira. Saco de gatos: ensaios críticos. São Paulo: Duas Cidades . pp. 93-119., p. 95). Não seria preciso concordar integralmente com a crítica para admitir que parte da esquerda assumia, então, uma postura de otimismo. Zuenir Ventura, em seu clássico livro de reconstrução jornalística, vai no mesmo sentido: “Algo se tinha movido em 67, ainda que parecesse que se movera para continuar igual. De qualquer maneira, a ditadura havia trocado de ditador, a legislação revolucionária fora substituída por uma Constituição - tudo bem, mas já era uma Constituição -, um presidente bonachão se dizia preocupado com a ‘normalização democrática’ e uma nova geração parecia disposta a deixar a marca de sua presença em todos os campos da História. Muitas vezes, o ano iria dar a impressão, repetindo Millôr Fernandes, de que o país corria o risco de cair numa democracia” (Ventura, 2008VENTURA, Zuenir. 2008. 1968: o ano que não terminou. São Paulo: Planeta., p. 25, grifo do autor).
  • 6
    Vale lembrar que o fenômeno de radicalização de intelectuais nesse contexto, como nota Michael Löwy em seu estudo sobre a trajetória política de Lukács, era relativamente generalizado e tinha na repulsa político-moral à Guerra do Vietnã um de seus fatores determinantes. Segundo ele: “O significado da guerra norte-americana na Indochina para os intelectuais decorre do fato de que jamais, na história do capitalismo moderno, foi tão enorme a distância entre os valores humanistas da ideologia liberal e a realidade. Nos anos 30, o fascismo produziu uma reação parecida […] A diferença é que a barbárie nazista podia passar por um fenômeno excepcional, uma aberração passageira condenada pelo ‘mundo civilizado’ (burguês); as atrocidades americanas no Vietnã, ao contrário, aparecem como a expressão orgânica da civilização capitalista em seu apogeu, gozando implícita ou explicitamente da aprovação da burguesia de quase todos os países” (Löwy, 1979LÖWY, Michael. 1979. Para uma sociologia dos intelectuais revolucionários: a evolução política de Lukács (1909-1929). São Paulo: Hucitec., p. 259).
  • 7
    Diferentemente do Partido Comunista Italiano (PCI), o PSI não era vinculado à Terceira Internacional, nem se inspirava no modelo soviético de socialismo.
  • 8
    Sobre a participação de Candido nesse encontro e os possíveis impactos em seu método crítico, ver Barbosa (2020BARBOSA, Cairo de Souza. 2020. “Terzo Mondo” em transe: Antonio Candido em Gênova e depois. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros, n. 76, pp. 105-125, jul. DOI: 10.11606/issn.2316-901X.v1i76p105-125.
    https://doi.org/10.11606/issn.2316-901X....
    ). Sobre a posição de Candido em relação a Cuba, ver os textos “Em (e por) Cuba” (1979), “Discurso em Havana” (1981) e “Cuba e o socialismo” (1991), publicados no livro Recortes (2004).
  • 9
    Como se sabe, o interesse de Candido pela obra é mais antigo: havia dedicado a ela uma seção em Formação da literatura brasileira (2009CANDIDO, Antonio. 2009. Formação da literatura brasileira: momentos decisivos 1750-1880. Rio de Janeiro: Ouro sobre Azul .), livro publicado pela primeira vez em 1959, e, também, um curso de literatura brasileira em Assis, em 1960, de acordo com o depoimento da sua ex-aluna Teresa de Jesus Pires Vara (1999VARA, Teresa de Jesus Pires. Esboço de figurino. In: AGUIAR, Flávio (org.). 1999. Antonio Candido: pensamento e militância. São Paulo: Fundação Perseu Abramo: Humanitas.).
  • 10
    Essa hipótese foi mais profundamente trabalhada e discutida em outro artigo (Santos Lima, 2020SANTOS LIMA, Gabriel dos. 2020. Cordialidade, malandragem e autoritarismo: aspectos do Brasil por Sérgio Buarque de Holanda, Antonio Candido e Roberto Schwarz. Revista do Instituto de Estudos Brasileiros , n. 76, pp. 93-104. DOI: 10.11606/issn.2316-901X.v1i76p93-104.
    https://doi.org/10.11606/issn.2316-901X....
    ).
  • 11
    O tema foi mais bem discutido na tese de doutorado Romance modernista e consciência da catástrofe: relendo “Literatura e subdesenvolvimento”, de Antonio Candido (Santos Lima, 2021SANTOS LIMA, Gabriel dos. 2021. Romance modernista e consciência catastrófica: relendo “Literatura e Subdesenvolvimento”, de Antonio Candido. Tese (Doutorado em Teoria Literária e Literatura Comparada) - Universidade de São Paulo, São Paulo. DOI: 10.11606/T.8.2021.tde-19052022-112412.
    https://doi.org/10.11606/T.8.2021.tde-19...
    ).

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Set 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    13 Dez 2020
  • Aceito
    09 Abr 2022
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