Acessibilidade / Reportar erro

FORMAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA E A QUESTÃO DA DIFERENÇA: UM OLHAR A PARTIR DA RESOLUÇÃO 06/2018

FORMATION IN PHYSICAL EDUCATION AND THE DIFFERENCE ISSUE: A LOOK FROM RESOLUTION 06/2018

FORMACIÓN EN EDUCACIÓN FÍSICA Y EL TEMA DE LA DIFERENCIA: UNA MIRADA DESDE LA RESOLUCIÓN 06/2018

Resumo

O objetivo desta pesquisa é problematizar a constituição da diferença nas legislações que orientam os currículos de formação em Educação Física. As lentes teórico-metodológicas que guiaram a pesquisa têm o aporte dos Estudos Foucaultianos, operando com a ferramenta da governamentalidade, sob uma inspiração genealógica. Foram realizados dois movimentos: a análise dos saberes que constituíram a formação de professores em Educação Física e a análise da atual resolução para a formação em Educação Física do Brasil. As análises indicam que os saberes que se direcionam para a formação em Educação Física tiveram ênfases médicas, disciplinares, biológicas e normalizadoras em relação ao outro, sem considerar a diferença. Também mostram que as orientações atuais, embora tragam políticas de inclusão, não são suficientes para abarcar a discussão sobre diferença, reforçando práticas anteriores. É possível compreender que algumas pautas foram esmaecidas ou silenciadas, não indicando a composição e a compreensão da diferença nas formações.

Palavras-chave:
Educação Física; Currículo; Diferença; Docência.

Abstract

The aim of this research is to problematize the constitution of difference in laws that guide the curricula of undergraduate courses in Physical Education. The theoretical-methodological lenses guiding the research are grounded on the Foucauldian Studies, by operating with the tool of governmentality, under a genealogical inspiration. Two actions were performed: the analysis of the knowledge constituting the education of teachers of Physical Education and the analysis of the present resolution intended for undergraduate courses in Physical Education in Brazil. The analyses have pointed out that the knowledge directed to undergraduate courses in Physical Education have medical, disciplinary, biological and normalizing emphases in relation to the other, without regard to difference. They have also shown that the current guidelines, despite bringing up inclusion policies, are not enough to embrace the discussion about difference, and they reinforce previous practices. It is possible to understand that some agendas have been either weakened or silenced, thus showing the inexistence of composition and understanding of difference in undergraduate courses.

Keywords:
Physical Education; Curriculum; Difference; Teaching.

Resumen

El objetivo de esta investigación es problematizar la constitución de la diferencia en las legislaciones que orientan los planes de estudio de formación en Educación Física. Las lentes teórico-metodológicas que guiaron la investigación cuentan con el aporte de los Estudios Foucaultianos, operando con la herramienta de la gubernamentalidad, bajo una inspiración genealógica de investigación. Se realizaron dos movimientos: el análisis de los conocimientos que constituyeron la formación de profesores en Educación Física y el análisis de la resolución actual para la formación en Educación Física en Brasil. Los análisis indican que los conocimientos que se direccionan hacia la formación en Educación Física tuvieron énfasis médico, disciplinar, biológico y normalizador en relación al otro, sin considerar la diferencia. También muestran que las orientación actuales, si bien incluyen políticas de inclusión, no son suficientes para abarcar la discusión sobre la diferencia, reforzando prácticas anteriores. Es posible comprender que algunas pautas se desvanecieron o silenciaron, sin indicar la composición y la comprensión de la diferencia en las formaciones.

Palabras clave:
Educación Física; Plan de estudio; Diferencia; Enseñanza.

1 OLHARES

As problematizações sobre formação de professores estão presentes em diversas agendas. A cada publicação de novas diretrizes para a constituição dos cursos, o tema se amplia e centraliza os debates no interior das universidades. Em que pesem necessidades de diferentes discussões, esta análise está proposta em colocar no centro do debate da constituição da formação de professores de Educação Física o tema acerca da diferença. Trata-se de uma preocupação contingente e atual, que tem tomado a cena educacional e social nos últimos anos, mas que, por vezes, é tangenciada no cerne do estabelecimento dos currículos de formação docente.

As políticas de inclusão, que ganharam visibilidade no Brasil a partir da década de 90, podem ser potentes aliadas no debate sobre diferença, contudo não significa que sejam capazes de pautar as construções curriculares. Alguns autores consideravam o movimento de inclusão como um imperativo de Estado dentro da política brasileira (LOPES, 2009LOPES, Maura Corcini. Políticas de inclusão e governamentalidade. Educação e Realidade, v. 34, n. 2, mai./ago. 2009. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/8297. Acesso em: 15 abr. 2021.
https://seer.ufrgs.br/index.php/educacao...
), ou seja, como uma verdade, algo inquestionável, que não se discute. Uma concepção reforçada a partir da proliferação de leis e de ações que tinham o intuito de implantar políticas inclusivas nos mais distintos espaços.

Entretanto, hoje, é notável um esmaecimento dessas políticas, deixando espaço para práticas que remetem a uma exclusão e desvalorização de certos grupos, voltando a práticas de segregação. Um exemplo disso foi a publicação do decreto nº 10.502, de 30 de setembro de 2020, que instituiu a Política Nacional de Educação Especial Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida - a qual recebeu críticas de diferentes instituições, foi vista como um retrocesso e considerada inconstitucional -, sendo revogada pelo Supremo Tribunal Federal. Ao analisar a contingência deste tempo, Lockmann (2020)LOCKMANN, Kamila. Governamentalidade neoliberal fascista e o direito à escolarização. Práxis Educativa, v. 15, e2015408, 2020 Disponível em: https://www.revistas2.uepg.br/index.php/praxiseducativa/article/view/15408. Acesso em: 30 mar. 2021.
https://www.revistas2.uepg.br/index.php/...
expõe que estamos vivendo uma governamentalidade neoliberal fascista, a qual ficou mais evidente com pandemia do novo coronavírus, expondo o viés fascista de um Estado cuja primazia da economia desvaloriza algumas vidas, materializando práticas de exclusão de grupos que não respondem a um modelo instituído de vida e de ordem (LOCKMANN, 2020LOCKMANN, Kamila. Governamentalidade neoliberal fascista e o direito à escolarização. Práxis Educativa, v. 15, e2015408, 2020 Disponível em: https://www.revistas2.uepg.br/index.php/praxiseducativa/article/view/15408. Acesso em: 30 mar. 2021.
https://www.revistas2.uepg.br/index.php/...
). Ou seja, parece que o movimento de inclusão está sendo esmaecido por discursos de vontade de exclusão.

Em meio a essa situação, são anunciadas novas Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Educação Física, a partir da publicação da Resolução 06/2018 (BRASIL, 2018BRASIL. Resolução CNE/ CES 6, de 18 de dezembro de 2018. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Educação Física. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo. Seção 1, pág. 33, Brasília, DF, 17 de dezembro de 2018.). Nessa resolução, em um olhar inicial, é possível ver apontamentos oriundos de políticas de inclusão. Contudo, cabe analisar, com mais detalhe, quais indicativos são trazidos, quais escapam e quais são seus sentidos.

2 CAMINHOS DE PESQUISA E SUPORTES TEÓRICOS INVESTIGATIVOS

O objetivo desta pesquisa é o de problematizar a constituição da diferença nas legislações que orientam os currículos de formação em Educação Física. Trata-se de uma pesquisa com suporte pós-crítico para pensar o currículo (SILVA, 2001SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de identidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2001.). Para tanto, se debruça na análise da recente Resolução 06/2018 (BRASIL, 2018BRASIL. Resolução CNE/ CES 6, de 18 de dezembro de 2018. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Educação Física. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo. Seção 1, pág. 33, Brasília, DF, 17 de dezembro de 2018.), na busca pelas pistas que dialoguem com a diferença, mas também propõe um recuo genealógico, na perspectiva dos Estudos Foucaultianos, olhando para os modos como temos nos constituído enquanto formação inicial em Educação Física no debate sobre diferença. Nessa medida, outras resoluções que constituíram a formação em Educação Física foram trazidas à análise: Resolução nº 69, de 6 de dezembro de 1969 (BRASIL, 1969BRASIL. Conselho Federal de Educação. Resolução nº. 69, de 06 de dezembro de 1969. Fixa os mínimos de conteúdo e duração a serem observados na organização dos cursos de educação física. São Paulo: SE/CENP, 1985.), a Resolução n° 3 de 1987 (BRASIL, 1987BRASIL. Resolução nº. 3, de 16 de junho de 1987. Fixa os mínimos de conteúdos e duração a serem observados nos cursos de graduação em Educação Física (Bacharelado e/ ou Licenciatura Plena). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo. Seção I, p. 9635-9636, Brasília, DF, 22 jun. 1987.) e a Resolução nº 07 de 2004 (BRASIL, 2004BRASIL. Resolução CNE/ CES 7, de 31 de abril de 2004. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Educação Física, em nível superior de graduação plena. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo. Seção 1, p. 18-19, Brasília, DF, 5 abr. 2004.). Além dessas resoluções foram analisados outros documentos que poderiam indicar pistas da formação inicial em Educação Física no Brasil, tal como a Reforma do Ensino Primário e Várias Instituições Complementares da Instrução Pública, organizada por Rui Barbosa e o decreto 1.212, de 17 de abril de 1939 (BRASIL, 1939BRASIL. Decreto-Lei n° 1.212, de 17 de abril de 1939. Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-1212-17-abril-1939-349332-publicacaooriginal-1-pe.html. Acesso em: 20 maio de 2021.
http://www2.camara.leg.br/legin/fed/decl...
). Tal escolha, que parte de uma opção de pesquisa de inspiração genealógica como “um conjunto de procedimentos úteis não só para conhecer o passado, como também, e muitas vezes principalmente, para nos rebelarmos contra o presente” (VEIGA-NETO, 2007VEIGA-NETO, Alfredo. Foucault e a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2007., p. 58), se dá por compreender esses momentos como a priori histórico da Educação Física no cenário educacional brasileiro. Entender o modo como a Educação Física foi se constituindo nessa cena é considerado um fator importante para entendermos o que é essa área hoje e como se posiciona em relação à diferença. Também foi subsídio para esse diálogo e compreensão o exame de trabalhos de pesquisadores da área.

Os materiais supracitados foram analisados pelas lentes teórico-metodológicas dos Estudos Foucaultianos, lançando mão do conceito de governamentalidade e, como já destacado, por um viés genealógico de pesquisa. Na obra de Michel Foucault, o conceito-ferramenta de governamentalidade aparece como uma grade para podermos analisar e enxergar as diferentes formas de governar, incluídas as práticas exercidas sobre os outros e sobre si. Para Foucault (2008)FOUCAULT, Michel. Nascimento da biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008., ao problematizar as racionalidades políticas no liberalismo e em suas formas de neoliberalismo, o autor afirma: “o que propus chamar de governamentalidade não é mais que uma proposta de grade de análise para essas relações de poder” (FOUCAULT, 2008FOUCAULT, Michel. Nascimento da biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008., p. 258). Fimyar (2009)FIMYAR, Olena. Governamentalidade como ferramenta conceitual na pesquisa de políticas educacionais. Educação e Realidade, v. 34, n. 2, p. 35-56, mai./ago., 2009. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/8308. Acesso em: 15 abr. 2021.
https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade...
traz que a governamentalidade está relacionada com os modos de se pensar sobre o Estado e a as diferentes mentalidades de governamento ali presentes, sendo que a “analítica da governamentalidade examina as práticas de governamento em suas complexas relações com as várias formas pelas quais a verdade é produzida nas esferas social, cultural e política” (FIMYAR, 2009FIMYAR, Olena. Governamentalidade como ferramenta conceitual na pesquisa de políticas educacionais. Educação e Realidade, v. 34, n. 2, p. 35-56, mai./ago., 2009. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/8308. Acesso em: 15 abr. 2021.
https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade...
, p.35).

Analisar as orientações para a formação inicial em Educação Física pelo viés da governamentalidade é compreendê-las como modos de exercício de condução dos outros, de governamento, oriundas, neste caso, de práticas de Governo, mas que respondem aos desejos de múltiplos sujeitos, inscritas numa racionalidade. Consubstanciar esse olhar com uma ferramenta genealógica eleva a perspectiva analítica, pois “a parte genealógica da análise se detém, em contrapartida, nas séries da formação efetiva do discurso: procura apreendê-lo em seu poder de afirmação” (FOUCAULT, 2008FOUCAULT, Michel. Nascimento da biopolítica. São Paulo: Martins Fontes, 2008., p. 69-70). Para Veiga-Neto e Lopes (2010)VEIGA-NETO, Alfredo; LOPES, Maura Corcini. Para pensar de outros modos a modernidade pedagógica. ETD - Educação Temática Digital, Campinas, v. 12, n. 1, p. 147-166, 2010., uma pesquisa de inspiração genealógica “não nega os objetos estudados; ela ‘apenas’ revela o que eles tiveram e têm de contingentes, bem como a serviço do que eles foram inventados ou a serviço do que eles se colocaram depois de inventados” (VEIGA-NETO; LOPES, 2010, p.158). Nessa opção está possibilidade de analisar as condições de possibilidade para a constituição das resoluções de formação inicial em Educação Física e suas afinidades com políticas de inclusão e diferença, enxergando as relações de poder nesses discursos.

Importa destacar qual a noção de diferença e de políticas de inclusão em uso nesta pesquisa. O apoio para abordar a noção de diferença está na compreensão das invenções sociais e categóricas que temos estabelecido ao longo dos tempos. Se analisarmos a constituição da Modernidade, por exemplo, é possível notar as operações de classificação, ordenamento, hierarquização e separação construídas no bojo da ordem social moderna. Bauman (2001)BAUMAN, Zigmunt. Modernidade e Ambivalência. Rio de Janeiro: Zahar, 2001. destaca que a busca pela ordem é a principal tarefa que a Modernidade se atribuiu e o que fizeram dela. O autor destaca que se a Modernidade tem relação com a busca e a produção da ordem, a ambivalência seria o “refugo da Modernidade” (BAUMAN, p. 23), um inimigo que cresce, escapa à ordem. Silva (2002)SILVA, Tomaz Tadeu. Identidade e Diferença: impertinências. Educação e Sociedade, v. 23, n. 79, 2002. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-73302002000300005&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 30 mar. 2021.
https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S01...
, em alguns apontamentos sobre diferença, a partir de Deleuze, expõe:

A diferença não tem nada a ver com o diferente. A redução da diferença ao diferente equivale a uma redução da diferença à identidade. A multiplicidade não tem nada a ver com a variedade ou a diversidade. A multiplicidade é a capacidade que a diferença tem de (se) multiplicar. Não é verdade que só pode diferir aquilo que é semelhante. É justamente o contrário: só é semelhante aquilo que difere. A identidade é predicativa, propositiva: x é isso. A diferença é experimental: o que fazer com x. A identidade é da ordem da representação e da recognição: x representa y, x é y. A diferença é da ordem da proliferação; ela repete, ela replica: x e y e z... A diferença não é uma relação entre o um e o outro. Ela é simplesmente um devir-outro. A questão não consiste em reconhecer a multiplicidade, mas em ligar-se com ela, em fazer conexões, composições com ela. A diferença é mais da ordem da anomalia que da anormalidade: mais do que um desvio da norma, a diferença é um movimento sem lei. Quando falamos de diferença, não estamos perguntando sobre uma relação entre x e y, mas, antes, sobre como x devém outra coisa. A diferença não pede tolerância, respeito ou boa-vontade. A diferença, desrespeitosamente, simplesmente difere. A identidade tem negócios com o artigo definido: o, a. A diferença, em troca, está amasiada com o artigo indefinido: um, uma. A diferença não tem a ver com a diferença entre x e y, mas com o que se passa entre x e y. A identidade joga pelas pontas; a diferença, pelo meio. A identidade é. A diferença devém (SILVA, 2002SILVA, Tomaz Tadeu. Identidade e Diferença: impertinências. Educação e Sociedade, v. 23, n. 79, 2002. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-73302002000300005&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 30 mar. 2021.
https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S01...
, p. 66).

Essa é a compreensão de diferença em diálogo nesta pesquisa, evidenciando que o estabelecimento da diferença, a partir da marcação do outro, está dentro da lógica do ordenamento e da hierarquização, que produz efeitos de discriminação negativa (LOPES; FABRIS, 2013LOPES, Maura Corcini; FABRIS, Elí Henn. Inclusão & Educação. Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.). Esse entendimento é fundamental para analisar a constituição social que hoje traz os movimentos de inclusão. Os movimentos de inclusão podem ser percebidos como essa busca para trazer - a um lugar, posição social, condição econômica - aquele que foi excluído na história da constituição dos processos de estabelecimentos de determinada sociedade. Estamos incluindo porque criamos os excluídos na busca pela ordem moderna, a qual classificou e hierarquizou a partir do estabelecimento de diferenças, sempre em caráter negativo.

Lopes (2009)LOPES, Maura Corcini. Políticas de inclusão e governamentalidade. Educação e Realidade, v. 34, n. 2, mai./ago. 2009. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/8297. Acesso em: 15 abr. 2021.
https://seer.ufrgs.br/index.php/educacao...
, ao discutir como se constituem as políticas de inclusão, refere algumas modificações que foram ocorrendo com as maneiras de lidar com as diferenças, os indesejados, que escapam. Para a autora, no século XVIII, há a reclusão como prática que visava à limpeza pela exclusão; já no século XIX, ocorre uma reclusão-includente, ou seja, há uma oposição entre as duas práticas. Tal oposição também é vista entre as práticas de inclusão do século XIX e as de integração e inclusão do século XX e início do século XXI. No século XX os interesses do Estado sobre cada indivíduo se modificam. No neoliberalismo, não mais interessa excluir do sistema os diferentes, o que se deseja é que todos estejam inclusos na lógica do consumo, embora em diferentes gradientes de inclusão.

Compreender tais noções é fundamental para pensar o currículo, que nesta pesquisa é visto como um artefato cultural inventado no processo de ordenamento da Modernidade (VEIGA-NETO, 2006VEIGA-NETO, Alfredo. Dominação, violência, poder e educação escolar em tempos de Império. In: RAGO, Margareth; VEIGA-NETO, Alfredo (orgs.). Figuras de Foucault. Belo Horizonte: Autêntica, 2006, p.13-38.). De acordo com Veiga-Neto (2020)VEIGA-NETO, Alfredo. Mais uma lição: sindemia covídica e educação. Educação & Realidade, v. 45, n. 4, e109337, 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S2175-62362020000400203&script=sci_arttext. Acesso em: 15 abr. 2021.
https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S21...
, o currículo possui duas dimensões: a gnosiológica e a formativa. Na primeira estão os conteúdos curriculares, as informações e conhecimentos a serem ensinados e aprendidos. Na segunda temos a possibilidade de aprender “o exercício de condutas éticas segundo princípios e códigos sociais historicamente estabelecidos por uma dada cultura e partilhados no seu interior, de modo a promover uma vida coletiva, includente, respeitosa ao outro e à diferença e, por isso mesmo, atenta ao comum” (VEIGA-NETO, 2020VEIGA-NETO, Alfredo. Mais uma lição: sindemia covídica e educação. Educação & Realidade, v. 45, n. 4, e109337, 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S2175-62362020000400203&script=sci_arttext. Acesso em: 15 abr. 2021.
https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S21...
, p. 12). Observar as orientações para a formação em Educação Física requer pensar nessas duas dimensões, destacando as possibilidades de uma dimensão formativa que traga o debate da diferença.

3 UM OLHAR DE INSPIRAÇÃO GENEALÓGICA PARA A FORMAÇÃO EM EDUCAÇÃO FÍSICA NO BRASIL

O propósito desta seção é apresentar um breve recuo genealógico na observância de saberes que constituíram a formação de professores em Educação Física, considerando, como traz Foucault (1995)FOUCAULT, Michel. O sujeito e o poder. In: RABINOW, Paul; RABINOW, Hubert. Michel Foucault: uma trajetória filosófica (para além do estruturalismo e da hermenêutica). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. p. 231-249., que “necessitamos de uma consciência histórica da situação presente” (p. 232). O recuo proposto encontra suporte no momento em que a Educação Física começa a ser colocada em orientações gerais para a educação brasileira, entendendo que, a partir de tal engendramento, também foi preciso constituir sujeitos que fossem capazes de conduzir esse componente nas escolas. Portanto, vamos até as reformas de ensino propostas por Rui Barbosa, nas quais entra em cena a Ginástica. Em a Reforma do Ensino Secundário e Superior - Tomo I (1882) e na Reforma do Ensino Primário e Várias Instituições Complementares da Instrução Pública - Tomo II (1883), Rui Barbosa trata da Educação Física como algo a ser implantado e valorizado no Brasil. Dentre suas colocações, também expõe a ideia de uma conexão com disciplina e fortalecimento do corpo.

A opção pela construção de uma pesquisa de caráter genealógico coloca em debate os engendramentos e as condições de possibilidade que constituem as práticas, comprometendo-se em olhar as práticas atuais e antigas como modo de entender as rupturas e as alianças, as condições de proveniência e de emergência de tais práticas, não é uma opção linear, mas uma escolha que destaca pontos de rupturas. Para Veiga-Neto (2007)VEIGA-NETO, Alfredo. Foucault e a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2007., ao operarmos desse modo, estamos mapeando “as ascendências (Herkunft), na forma de condições de possibilidade para a emergência (Entestehung) do que hoje é dito, pensado e feito” (VEIGA-NETO, 2007VEIGA-NETO, Alfredo. Foucault e a Educação. Belo Horizonte: Autêntica, 2007., p. 59).

Ao tratar da Educação Física e de sua importância nos países europeus, descreve quem são e como são os sujeitos responsáveis por tais práticas:

Ao chegar a um salão de ginástica, o professor entra seguro de si, com o sorriso nos lábios, dilatando com ufania o olhar por essa juventude, em quem reside o futuro, e que nesses inofensivos jogos vai beber incientemente as forças e a elasticidade, que lhe hão-de ser mister para as lutas da vida. Ao aceno do professor todos esses moços ocupam os seus lugares; e, à voz máscula e sonora do mestre, o que, pouco antes, era apenas um passatempo, converte-se em exercícios sérios, escutando-se e executando-se com tanto acatamento quanto atenção as instruções e vozes de comando. (BARBOSA, 1883BARBOSA, Rui. Reforma do ensino primário e várias instituições complementares da instrução pública. Obras completas. vol. X, tomo I ao IV. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1883., p. 87).

Nesse excerto, destacam-se três passagens. A primeira delas é a ênfase dada à disciplina e ao vínculo entre professor e aluno. O professor, homem, com sua voz - “máscula e sonora” -, deve manter e promover a disciplina para que “ao seu aceno todos ocupem os seus lugares”, estabelecendo o que, talvez, fosse “a melhor relação” entre eles. Tal passagem já mostra que tipo de sujeito deveria ser professor, enfatizando o gênero masculino. As propostas são direcionadas a isso, há um discurso que se constitui desse modo em relação a gênero. O segundo destaque refere-se à condição moral do professor. Ele é descrito como alguém que está feliz, sorrindo, seguro de si, cheio de conhecimentos para serem transmitidos e olhando orgulhoso para o futuro que está à sua frente. Há um reforço sobre a condição prazerosa e satisfatória de ministrar aquela aula, pois o professor sabia dos benefícios que traria a todos. A última passagem é sobre a suavidade com que Rui Barbosa descreve os exercícios, dizendo que são “inofensivos” e um modo de “passatempo”, mas que, bem coordenados pelo professor, se tornam “sérios”.

A publicação do decreto 1.212, de 17 de abril de 1939, estabeleceu questões importantes na formação em Educação Física no Brasil. A partir dele há o estabelecimento de uma escola considerada civil de Educação Física, mas tendo como diretor o Major Ignácio de Freitas Rolim; tratava-se da Escola Nacional de Educação Física e Desportos (ENEFD) do Rio de Janeiro. Médicos eram chamados para a docência das disciplinas teóricas e as disciplinas que compunham as cadeiras práticas ficavam a cargo dos que tivessem destaque desportivo. De acordo com Souza-Neto et al. (2004)SOUZA-NETO, Samuel de et. al. A formação do profissional de Educação Física no Brasil: uma história sob a perspectiva da legislação federal no século XX. In: Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 25, n. 2, p. 113-128, jan. 2004. Disponível em: http://revista.cbce.org.br/index.php/RBCE/article/view/230. Acesso em: 30 mar. 2021.
http://revista.cbce.org.br/index.php/RBC...
, em 1939, o Curso Superior de Educação Física tinha em seu programa: Estudos da vida humana em seus aspectos celular, anatômico, funcional, mecânico e preventivo; dos exercícios físicos da infância à idade madura; dos exercícios lúdicos e agonísticos; dos exercícios motores artísticos; do processo pedagógico; da administração do trabalho humano em instituições e dos fatos e costumes relacionados às tradições dos povos na área dos exercícios físicos e motores.

O Decreto 1.212 também institui a obrigatoriedade de formação em Educação Física. Em seu artigo 35°, determina que, a partir de 1° de janeiro de 1941, seria exigida, para o exercício das funções de professor de Educação Física nos estabelecimentos oficiais de ensino superior, secundário, normal e profissional, em toda a República, a apresentação de diploma de licenciado em Educação Física. Além disso, o Decreto regula a contratação de professores, ressaltando que as cadeiras de Ginástica Rítmica, de Educação Física Geral e de Desportos seriam providas sempre mediante contrato, não podendo o professor catedrático ser admitido com idade superior a 35 anos, nem permanecer no exercício da função depois dos 40 anos de idade. Exige também que o professor catedrático da 2ª cadeira de Educação Física Geral e o professor de Ginástica Rítmica, sejam do sexo feminino.

O foco das formações - dirigidas e coordenadas por militares, com as aulas também sob seu encargo - enfatizava conhecimentos anátomo-fisiológicos, higiênicos e psicológicos, refletindo uma Educação Física pensada para a higiene, aptidão, disciplina e melhoramento do corpo. A escolha de professores que não ultrapassassem os 40 anos para as disciplinas práticas reforça a ideia do caráter de aptidão física; já o fato de as mulheres serem responsáveis por determinadas disciplinas e não por outras marca o lugar da mulher como capaz de assumir certos temas, mas incapaz de lidar com outros. Há uma normatização que escolhe, seleciona e controla corpos dos professores que passavam pelas escolas. Mais uma vez temos uma separação em relação ao que podem os homens e o que podem as mulheres, marcas que posicionam e exaltam diferenças em caráter discriminatório em relação a gênero.

Nessa relação, é preciso dizer, não há condição para um debate amplo sobre diferença no interior dos currículos. No momento em que temos processos de normalização dos corpos acontecendo, temos o estabelecimento de currículos que não abriam espaço para a diferença. Ademais como aponta Lopes (2009)LOPES, Maura Corcini. Políticas de inclusão e governamentalidade. Educação e Realidade, v. 34, n. 2, mai./ago. 2009. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/8297. Acesso em: 15 abr. 2021.
https://seer.ufrgs.br/index.php/educacao...
, vivíamos numa racionalidade que apontava a uma inclusão como reclusão dos sujeitos. Os que escapavam às normas não estavam nessas instituições, mas reclusos ou excluídos. O conceito de normalização neste estudo está apoiado nos trabalhos de Foucault, quando o autor detalha a ação de poder disciplinar sobre os corpos:

A normalização disciplinar consiste em primeiro colocar um modelo, um modelo ótimo que é construído em função de certo resultado, e a operação de normalização disciplinar consiste em procurar tornar as pessoas, os gestos, os atos, conformes a esse modelo, sendo normal, precisamente, quem é capaz de se conformar a essa norma e anormal quem não é capaz (FOUCAULT, 2008aFOUCAULT, Michel. Segurança, território, população. São Paulo: Martins Fontes, 2008a., p. 75).

Os corpos de professores e alunos eram normalizados. Percebe-se um investimento da ordem do biopoder nos professores, manifestando-se em ações anátomo-política e biopolítica. Para Foucault (1988)FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988., o biopoder foi indispensável ao desenvolvimento do capitalismo mediante o controle dos corpos e o ajuste dos fenômenos da população. Para tanto, o capitalismo precisou do crescimento da utilidade e da docilidade dos corpos, lançando mão de técnicas que majorassem as forças e as aptidões em geral. “O investimento sobre o corpo vivo, sua valorização e a gestão distributiva de suas forças foram indispensáveis naquele momento” (FOUCAULT, 1988FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988., p. 133). O professor não era apenas aquele que tornava os corpos úteis, dóceis, disciplinados, controlados e aptos, mas também aquele sobre o qual todas essas intervenções também incidiam.

Para Souza-Neto (2004)SOUZA-NETO, Samuel de et. al. A formação do profissional de Educação Física no Brasil: uma história sob a perspectiva da legislação federal no século XX. In: Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 25, n. 2, p. 113-128, jan. 2004. Disponível em: http://revista.cbce.org.br/index.php/RBCE/article/view/230. Acesso em: 30 mar. 2021.
http://revista.cbce.org.br/index.php/RBC...
, após a década de 1960 no Brasil, num contexto que envolvia a internacionalização do mercado, o advento do esporte e o governo militar, é realizada a Reforma Universitária de 1968, propondo novos currículos. Embalado por essa reforma, o Conselho Federal de Educação (CFE) promulga a Resolução nº 69, de 6 de dezembro de 1969, que estabelece um currículo mínimo, duração e estrutura dos cursos superiores de graduação em Educação Física, dividia a formação do professor de Educação Física em licenciatura plena e formação do técnico esportivo. Traz disciplinas obrigatórias em três núcleos de formação: básica, de cunho biológico; profissional, de cunho técnico; e pedagógica. O núcleo de formação básico incluiria Biologia, Anatomia, Fisiologia, Cinesiologia, Biometria e Higiene. O núcleo de formação profissional incluiria Socorros Urgentes, Ginástica Rítmica, Natação, Atletismo e Recreação. Já o núcleo de formação pedagógica incluiria Psicologia da Educação, abordando aspectos da Adolescência e Aprendizagem, Didática, Estrutura e Funcionamento do Ensino de 2º Grau e Prática de Ensino.

Com o processo de abertura política e deslocamentos no modo de exercício de controle pelos órgãos governamentais, foi aprovada a Resolução n° 3 de 1987, regulando a estruturação dos cursos de graduação plena em Educação Física e fixando conteúdos e duração dos cursos. No artigo 1°, estabelece que “a formação dos profissionais de Educação Física será feita em curso de graduação que conferirá o titulo de Bacharel e/ou Licenciado em Educação Física”. No seu artigo 3º, dispõe que os currículos dos cursos de formação plena terão duas partes: formação geral (humanística e técnica), compondo 80% do curso, e aprofundamento de conhecimentos em 20% do curso. Amplia-se a carga horária dos cursos, que passa de 1.800 horas para 2.800 horas, devendo ser cumpridas no tempo mínimo de quatro anos. Destaca-se o deslocamento na responsabilidade pela elaboração das grades curriculares, que fica a cargo das instituições. Há uma ideia de liberdade na escolha da composição curricular dos cursos. Uma pretensa liberdade de escolha ancora-se nas bases de uma racionalidade liberal em deslocamento de ênfase para uma forma neoliberal de governar, que estava em plena ascensão no Brasil.

Os contingentes debates sobre essa resolução conduzem, nos anos 2000, a outras propostas para a formação em Educação Física. A Resolução nº 07 de 2004, que instituiu Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Educação Física, em nível superior de graduação plena, diferencia, em seu artigo 4°, os objetivos para o graduado em Educação Física e para o professor de Educação Básica. É esperado que o graduado em Educação Física seja capaz de: dominar os conhecimentos conceituais, procedimentais e atitudinais específicos da Educação Física e aqueles advindos das ciências afins; intervir para aumentar as possibilidades de adoção de um estilo de vida fisicamente ativo e saudável; intervir nos campos da prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde; participar, assessorar, coordenar, liderar e gerenciar equipes multiprofissionais de discussão, de definição e de operacionalização de políticas públicas; diagnosticar os interesses, as expectativas e as necessidades das pessoas, de modo a planejar e prescrever atividades físicas, nas perspectivas da prevenção, promoção, proteção e reabilitação da saúde, da formação cultural, da educação e reeducação motora, do rendimento físico-esportivo, do lazer e de outros campos; acompanhar as transformações acadêmico-científicas da Educação Física e de áreas afins. Para o Curso de Formação de Professores da Educação Básica, licenciatura plena em Educação Física, as unidades de conhecimento específico que constituem o objeto de ensino do componente curricular Educação Física serão aquelas que tratam das dimensões biológicas, sociais, culturais, didático-pedagógicas e técnico-instrumentais do movimento humano (BRASIL, 2004BRASIL. Resolução CNE/ CES 7, de 31 de abril de 2004. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Educação Física, em nível superior de graduação plena. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo. Seção 1, p. 18-19, Brasília, DF, 5 abr. 2004.).

Aproximando esses documentos dos intuitos desta pesquisa entende-se, por exemplo, que é apenas na Resolução de 2004 que saberes que se afinam às prerrogativas inclusivas são exaltados. Sobre aspectos de um viés inclusivo que podem ser destacados está a necessidade de que o graduado em Educação Física intervenha no campo da promoção, prevenção, proteção e reabilitação da saúde, participe e gerencie equipes multiprofissionais, diagnosticando os interesses e necessidades dos vários grupos, incluindo os chamados portadores de deficiência. Nesses moldes, as diferentes instituições, pautadas pelas resoluções e diretrizes que balizam a área, vão organizando e estruturando os seus cursos. A entrada da inclusão na cena das resoluções dos cursos de Educação Física afina-se com o movimento de inclusão que se constituía no Ocidente e no Brasil. Em um âmbito geral, as duas Declarações que impulsionaram a ascensão de Políticas de Inclusão foram a Declaração Mundial sobre Educação Para Todos, de 1990, e a Declaração de Salamanca sobre Princípios, Política e Práticas na Área das Necessidades Educativas Especiais, de 1994, as quais se desdobraram e se materializaram em legislações diversas no Brasil. A ascensão dessas políticas não aconteceu isoladamente. O crescente interesse pela vontade de colocar todos na mesma rede e na mesma lógica e a iniciativa de sensibilização de alguns países em relação às condições de vida e aos direitos das pessoas com deficiência estão ancorados dentro de uma forma de economia política neoliberal. De acordo com Lopes (2009)LOPES, Maura Corcini. Políticas de inclusão e governamentalidade. Educação e Realidade, v. 34, n. 2, mai./ago. 2009. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/8297. Acesso em: 15 abr. 2021.
https://seer.ufrgs.br/index.php/educacao...
, no neoliberalismo, certas normas são instituídas para posicionar os sujeitos numa rede de saberes, bem como para criar ou conservar o interesse de cada um em permanecer nas redes sociais e de mercado. Na medida em que somos pautados por uma racionalidade inclusiva, considera-se que suas bases estejam espalhadas por todo o tecido social. A formação de professores de Educação Física é parte desse movimento, as resoluções não escapam dessas vontades inscritas em racionalidades específicas. Na Resolução de 2004 termos indicações de prevenção, promoção e inclusão de grupos diversos, não é um fato isolado, mas um movimento que se afina ao que indicava esse tempo. Todavia, embora haja tal indicativo de um movimento de inclusão, como traz Lopes (2009)LOPES, Maura Corcini. Políticas de inclusão e governamentalidade. Educação e Realidade, v. 34, n. 2, mai./ago. 2009. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/8297. Acesso em: 15 abr. 2021.
https://seer.ufrgs.br/index.php/educacao...
, isso acontece em níveis diferentes de participação.

4 UM OLHAR PARA A RESOLUÇÃO DE 2018

Como foco deste estudo está um olhar para a constituição da diferença nas legislações que orientam os currículos de formação em Educação Física. Para tanto foi feita a escolha de analisar a presença da diferença desde o momento em que a Educação Física começou a ser parte discursiva em orientações para as escolas brasileiras nas reformas propostas por Rui Barbosa.

No momento presente estamos vivendo sob a égide da Resolução 06/2018, de 18 de dezembro de 2018, que trata de instituir as Diretrizes Curriculares Nacionais dos Cursos de Graduação em Educação Física. A resolução traz: “a formação do graduado em Educação Física terá ingresso único, destinado tanto ao bacharelado quanto à licenciatura, e desdobrar-se-á em duas etapas” (BRASIL, 2018BRASIL. Resolução CNE/ CES 6, de 18 de dezembro de 2018. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Educação Física. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo. Seção 1, pág. 33, Brasília, DF, 17 de dezembro de 2018., artigo 5°). Nessa resolução o objeto de estudos e os campos de atuação da área estão assim determinados:

A Educação Física é uma área de conhecimento e de intervenção profissional que tem como objeto de estudo e de aplicação a motricidade ou movimento humano, a cultura do movimento corporal, com foco nas diferentes formas e modalidades do exercício físico, da ginástica, do jogo, do esporte, das lutas e da dança, visando atender às necessidades sociais no campo da saúde, da educação e da formação, da cultura, do alto rendimento esportivo e do lazer (BRASIL, 2018BRASIL. Resolução CNE/ CES 6, de 18 de dezembro de 2018. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Educação Física. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo. Seção 1, pág. 33, Brasília, DF, 17 de dezembro de 2018., artigo 3°).

Há a permanência de elementos sinalizados em resoluções anteriores. Todavia, há uma proposta de mudança: a entrada em um único curso, desdobrado em jornadas distintas para Bacharelado e Licenciatura. Com isso há uma indicação de etapa de formação comum, em quatro semestres, a qual seria base para as duas formações. A partir do 5° semestre, após uma escolha, os alunos seguiriam para uma etapa de formação específica, cursando disciplinas que promoveriam formação em Bacharelado ou em Licenciatura.

Ao focar o olhar para a discussão sobre diferença no currículo, destaca-se o que está posto como um dos parágrafos do artigo 5°. O parágrafo 2° traz: “§ 2º A formação para intervenção profissional à pessoa com deficiência deve ser contemplada nas duas etapas e nas formações tanto do bacharelado, quanto da licenciatura”. Pode-se dizer que há uma marca potente e que corrobora a compreensão da presença das políticas de inclusão na Contemporaneidade, perpassando a formação docente, fato pouco estabelecido em outras formações, mas que havia iniciado na Resolução de 2004, a partir da contingência de políticas de inclusão que se constituíam no Brasil.

Em termos de conhecimentos a serem trabalhados na etapa de formação comum, a resolução 06/2018, em seu artigo 6° sinaliza quatro campos: I - Conhecimentos biológicos, psicológicos e socioculturais do ser humano; II - Conhecimentos das dimensões e implicações biológicas, psicológicas e socioculturais da motricidade humana/movimento humano/cultura do movimento corporal/atividade física; III - Conhecimento instrumental e tecnológico e IV - Conhecimentos procedimentais e éticos da intervenção profissional em Educação Física. A resolução aponta que conhecimentos, oriundos de distintos campos, devem compor a formação em Educação Física, nesta etapa de formação comum. Uma mudança em relação ao que outras resoluções trouxeram, pois abre a outros campos, mas, ainda, com predominância de conhecimentos oriundos de áreas de origem médica ou biológica. Os termos “biológicos, psicológicos, fisiológico, biomecânico, anatômico-funcional, bioquímico, genético, psicológico, fisiologia do exercício, biomecânica do esporte, aprendizagem e controle motor, psicologia do esporte” sobressaem ao aparecimento dos termos “socioculturais, antropológico, histórico, social, cultural”. Ao finalizar a etapa de formação comum, o prosseguimento dos cursos em Bacharelado ou Licenciatura retoma a ênfase em determinados conhecimentos.

Sobre a continuidade na Licenciatura, o artigo 9° traz que devem ser considerados, dentre outros, os seguintes aspectos: o pluralismo de ideias e de concepções pedagógicas; apreço à tolerância; o respeito e a valorização da diversidade étnico-racial e que a formação inicial e continuada de professoras e professores de Educação Física deverá qualificar esses profissionais para que sejam capazes de contextualizar, problematizar e sistematizar conhecimentos teóricos e práticos sobre motricidade humana/movimento humano/cultura do movimento corporal/atividade física nas suas diversas manifestações - jogo, esporte, exercício, ginástica, lutas e dança -, no âmbito do Ensino Básico.

No artigo 15, que traz os saberes, destacam-se dois temas na análise da resolução: “i) Educação Física Escolar Especial/Inclusiva” e “k) Educação Física Escolar em ambientes não urbanos e em comunidades e agrupamentos étnicos distintos”. Também se destaca uma passagem do artigo 16 que afirma que os cursos de Licenciatura em Educação Física, “deverão, ainda, incluir as seguintes atividades: c) pesquisa e estudo das relações entre educação e trabalho, educação e diversidade, direitos humanos, cidadania, educação ambiental, entre outras temáticas centrais da sociedade contemporânea”. Nos excertos destacados é possível perceber uma ênfase no caráter que aponta para uma democratização do ensino, igualdade de condições para o acesso e a permanência na escola, liberdade, pluralismo de ideias, apreço à tolerância e valorização da diversidade. Em relação aos saberes, expressos como conteúdos no artigo 15, a resolução parece apontar para uma matriz de conhecimentos de cunho pedagógico, a qual transita pela organização dos sistemas de educação, pelo aporte didático metodológico e pelo conhecimento dos níveis e modalidades da Educação Básica.

Na etapa de formação Licenciatura está presente alguns saberes de ordem das políticas de inclusão, tais como o conhecimento das modalidades de ensino Educação Especial e Educação Inclusiva e o destaque para o tema educação e diversidade. Um ponto que chama a atenção é a expressão ‘apreço pela tolerância’. Na concepção pós-crítica de currículo e da diferença, compreende-se que um viés para uma abordagem tolerante remete a uma ideia de superioridade por parte de quem mostra essa tolerância. Ao mesmo tempo, pregar uma noção de respeito, vai ao encontro de um essencialismo cultural, como se as diferenças culturais fossem fixas e estabelecidas, sendo preciso apenas respeitá-las, tolerá-las. Para Silva (2001)SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de identidade. Belo Horizonte: Autêntica, 2001. é preciso avançar para um currículo que não se limita a ensinar e compreender a tolerância e o respeito, mas que analise os processos pelos quais as diferenças são produzidas. Nesse sentido, é necessário considerar que para haver esse avanço, diferentes conhecimentos devem constituir o currículo a fim de propiciar uma discussão ampla.

Sobre a continuidade no Bacharelado, o artigo 18 traz que esse sujeito deverá ter qualificação para intervenção profissional em treinamento esportivo, atividades físicas, preparação física, recreação, lazer, cultura em atividades físicas, avaliação física, avaliação postural, avaliação funcional, gestão relacionada com a área de Educação Física. Para isso, deve dominar os conhecimentos conceituais, procedimentais e atitudinais específicos da Educação Física e aqueles advindos das ciências afins, sendo capaz de intervir na realidade social, acadêmica e profissionalmente, por meio das manifestações e expressões da motricidade humana e movimento humano, cultura do movimento corporal, atividades físicas, tematizadas, com foco nas diferentes formas e modalidades do exercício físico, da ginástica, do jogo, do esporte, das lutas, da dança, visando à formação, à ampliação e enriquecimento cultural da sociedade para a adoção de um estilo de vida fisicamente ativo e saudável; diagnosticar os interesses, as expectativas e as necessidades das pessoas - em destaque crianças, jovens, adultos, idosos, pessoas com deficiência, grupos e comunidades especiais - planejando, prescrevendo, orientando, assessorando, supervisionando, controlando e avaliando projetos e programas de atividades físicas, esportivas, de cultura e de lazer.

Há uma construção de conhecimento que enfatiza a área de origem médica e biológica. Há um viés no modelo biodinâmico, se afinando a parâmetros médicos de concepção do outro, com raízes em modelos anteriores de formação em Educação Física. Ou seja, próximo a modelos de correção, de intervenção, de melhoramento, de normalização, esmaecendo a compreensão da multiplicidade social e cultural do outro e da diferença. Compreende-se que privilegiar, na formação, diferentes modos de olhar para o corpo - biológico, cultural, social, antropológico - pode contribuir para construir um debate sobre diferença.

No interior da produção sobre deficiência e que se estende a outras dimensões, temos dois modelos para compreender o outro, um modelo médico e um modelo social. Sobre a ideia de um modelo médico, Skliar (2013)SKLIAR, Carlos (org.). Educação & Exclusão: abordagens socioantropológicas em educação. 7. ed. Porto Alegre: Mediação, 2013 considera como modelo clínico-terapêutico “toda opinião e toda prática que anteponha valores e determinações acerca do tipo e nível da deficiência acima da ideia da construção do sujeito como pessoa integral, com sua deficiência específica” (SKLIAR, 2013SKLIAR, Carlos (org.). Educação & Exclusão: abordagens socioantropológicas em educação. 7. ed. Porto Alegre: Mediação, 2013, p. 8). Já o modelo social compreende, segundo Diniz (2003)DINIZ, Débora. Modelo social da deficiência: a crítica feminista. Série Anis 28, Brasília, Letras Livres, 1-8, julho, 2003. Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/15250?locale=pt_BR. Acesso em: 30 mar. 2021.
https://repositorio.unb.br/handle/10482/...
, que, sendo a deficiência um fenômeno sociológico e não determinado pela natureza, a solução não deveria se centrar na terapêutica, mas na política.

Pode-se dizer que o modelo médico seria aquele pautado na correção, na normalização, na medicalização do outro a fim de colocá-lo no lugar em que deveria estar, na norma. O modelo social está afinado a compreender o outro dentro da ótica da diferença, como produzido, como uma relação que não prescinde de correção, mas que possa estar compondo com o outro e que, além disso, tensione as distintas instâncias sociais. Nesse sentido, pensar e estabelecer um debate sobre a diferença no interior dos currículos de formação pressupõe um olhar que compreenda concepções epistemológicas e pedagógicas que abarquem áreas que colaborem para a compreensão social da diferença. Ao privilegiar um campo de conhecimento nessas formações, é possível que estejamos constituindo sujeitos que venham a ter um olhar normalizador e correcional sobre os outros e isso esteja afinado com a racionalidade vigente.

Também é preciso destacar que, embora a Resolução 06/2018 indique pressupostos que abarcam o debate sobre inclusão de pessoas com deficiências e as relações étnicas, há um silenciamento a respeito de questões de sexo, gênero e de sexualidade. Uma discussão necessária dentro das formações contemporâneas, mas que não recebe menção nas atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de Educação Física.

Ademais é preciso dizer que tais conhecimentos, nos documentos norteadores das práticas de professores de Educação Física na escola, não estão bem delineados. Em pesquisa recente, Machado et.al. (2021)MACHADO, Roseli Belmonte; FERNANDES, Nicolas; MEDEIROS, Francine. Políticas de inclusão em documentos que orientam a Educação Física escolar. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, 22; CONGRESSO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, 9., 2021, Belo Horizonte. Anais [...]. 2021. Disponível em: http://congressos.cbce.org.br/index.php/conbrace2021/9conice/paper/viewFile/15272/8214. Acesso em: 25 fev. 2022.
http://congressos.cbce.org.br/index.php/...
mostram que há disparidades entre as orientações curriculares em relação às políticas de inclusão no tocante a gênero, pessoas com deficiência e relações étnico-raciais. Para os autores as Diretrizes Curriculares Nacionais (BRASIL, 2013BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica. Brasília: MEC, SEB, 2013.) são as orientações em que mais são encontrados aportes de políticas inclusivas, isso tanto em suas referências, quanto nos discursos que a compõe, incluindo aportes sobre gênero, pessoas com deficiência e relações étnico-raciais. Já na Base Nacional Comum Curricular (BRASIL, 2015BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC, 2015.) há referências em menor textualidade que as DCN´s, além de poucos apontamentos no recorte da Educação Física. Ainda que apareçam situações que remetem a uma preocupação com as relações étnico-raciais e pessoas com deficiência, há um apagamento sobre gênero. Os autores destacam ainda que “tais situações podem corroborar para a não efetivação da compreensão da diferença nas escolas e para produção de mecanismos excludentes” (MACHADO, et.al, 2021MACHADO, Roseli Belmonte; FERNANDES, Nicolas; MEDEIROS, Francine. Políticas de inclusão em documentos que orientam a Educação Física escolar. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, 22; CONGRESSO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, 9., 2021, Belo Horizonte. Anais [...]. 2021. Disponível em: http://congressos.cbce.org.br/index.php/conbrace2021/9conice/paper/viewFile/15272/8214. Acesso em: 25 fev. 2022.
http://congressos.cbce.org.br/index.php/...
, p. 5).

Ao relacionar tais situações sublinha-se que são conhecimentos que estão sendo abordado de modos semelhantes, tanto nas legislações que regulam as práticas da Educação Física na escola, quanto nas resoluções de formação docente de professores de Educação Física. Uma retroalimentação, uma circulação de mesmos conhecimentos como legítimos, de verdades que, ao fim e ao cabo, operam na condução das condutas, no governamento dos sujeitos, na constituição de subjetividades. Não problematizar gênero, por exemplo, pode ser um dado importante para que se perceba uma vontade de silenciar a discussão ou de permanecer posicionando sujeitos em lugares e identidades anteriormente fixadas.

5 ENFRENTAMENTOS CURRICULARES

Como citado, o objetivo desta discussão era o de problematizar a constituição da diferença nas legislações que orientam os currículos de formação em Educação Física. Para isso foram necessários dois movimentos. O primeiro, que se debruçou a compreender os saberes que se estabeleceram na constituição das formações em Educação Física no Brasil, mostrou uma ênfase normalizadora, disciplinar, médica e biológica na constituição das formações, sem passar por conhecimentos que contribuam para a compreensão da diferença ou para políticas de inclusão - as quais entram a partir dos anos 2000, ainda de forma incipiente. O segundo, que olha para o tempo presente, tendo por base a materialidade da Resolução 06/2018, destaca que seu texto não é suficiente para abarcar as discussões necessárias sobre inclusão e diferença e que há a predominância de um modelo médico-biológico no estabelecimento dos saberes das formações.

As políticas de inclusão não são pontos que garantem o debate da diferença. No tocante à inclusão de pessoas com deficiência, o texto retoma a marca entre Educação Inclusiva e Educação Especial, já amplamente debatida. Sobre as questões étnico-raciais há um indicativo para esse debate na parte da resolução da formação em Licenciatura, mas não no Bacharelado. Em relação aos aspectos sobre sexo, gênero e sexualidade, não há indicativos na resolução. Tais escolhas, talvez, possam ser compreendidas a partir do entendimento que estamos vivendo, no Brasil, o que Lockmann (2020)LOCKMANN, Kamila. Governamentalidade neoliberal fascista e o direito à escolarização. Práxis Educativa, v. 15, e2015408, 2020 Disponível em: https://www.revistas2.uepg.br/index.php/praxiseducativa/article/view/15408. Acesso em: 30 mar. 2021.
https://www.revistas2.uepg.br/index.php/...
chamou de uma governamentalidade neoliberal fascista. Uma racionalidade que, além de materializar práticas de exclusão de certos grupos, também silencia pautas de inclusão.

No que diz respeito aos saberes que estão postos para a formação em Educação Física, cabe uma reflexão sobre a dimensão formativa do currículo. Para Veiga-Neto (2020)VEIGA-NETO, Alfredo. Mais uma lição: sindemia covídica e educação. Educação & Realidade, v. 45, n. 4, e109337, 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S2175-62362020000400203&script=sci_arttext. Acesso em: 15 abr. 2021.
https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S21...
essa dimensão é imanente à governamentalidade e mantêm, entre si, uma relação de causalidade, do tipo que Deleuze (1992)DELEUZE, Gilles. Conversações. RJ: Editora. 34, 1992. qualificou de imanente, ou seja, elas se alimentam como causa e efeito. As escolhas dos saberes estão entrelaçadas com concepções de mundo e de sociedade que se deseja, incluindo modos de se governar e de governar os outros. O caso em tela, a resolução atual, parece estar mergulhado em trajetórias já vividas na formação de professores de Educação Física, arraigadas em modelos que acabam por excluir. É preciso que, na dimensão formativa dos currículos tenhamos condições de trazer a diferença para o debate. Se pautarmos a formação em saberes de outras racionalidades - que excluíam sujeitos - não avançaremos em nossas práticas e permaneceremos reproduzindo exclusões. Precisamos trazer novos saberes, tanto nas dimensões gnosiológicas quanto formativas do currículo, para compor e poder avançar enquanto formação docente.

Um ponto importante a ser desdobrado a partir desta investigação é a reflexão sobre os efeitos desse processo na construção das subjetividades. É preciso refletir sobre quais professores de Educação Física estamos constituindo e quais os desdobramentos na dinâmica social. Espera-se que possamos construir uma sociedade pautada no viver a diferença - para além de marcá-la, tolerá-la ou normalizá-la - e que a perceba como um “devir-outro” (SILVA, 2002SILVA, Tomaz Tadeu. Identidade e Diferença: impertinências. Educação e Sociedade, v. 23, n. 79, 2002. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-73302002000300005&script=sci_abstract&tlng=pt. Acesso em: 30 mar. 2021.
https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S01...
). Para isso importa pensar que os currículos são constituídos por nossas escolhas e nos cabe o dever de defender as possibilidades da diferença no interior das formações.

  • FINANCIAMENTO
    O presente trabalho foi realizado sem o apoio de fontes financiadoras.

RESPONSABILIDADE EDITORIAL

Alex Branco Fraga *, Elisandro Schultz Wittizorecki *, Mauro Myskiw *, Raquel da Silveira *

* Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Escola de Educação Física, Fisioterapia e Dança, Porto Alegre, RS, Brasil.

REFERÊNCIAS

  • BARBOSA, Rui. Reforma do ensino primário e várias instituições complementares da instrução pública Obras completas. vol. X, tomo I ao IV. Rio de Janeiro: Ministério da Educação e Saúde, 1883.
  • BAUMAN, Zigmunt. Modernidade e Ambivalência Rio de Janeiro: Zahar, 2001.
  • BRASIL. Conselho Federal de Educação. Resolução nº. 69, de 06 de dezembro de 1969 Fixa os mínimos de conteúdo e duração a serem observados na organização dos cursos de educação física. São Paulo: SE/CENP, 1985.
  • BRASIL. Decreto-Lei n° 1.212, de 17 de abril de 1939 Disponível em: http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-1212-17-abril-1939-349332-publicacaooriginal-1-pe.html Acesso em: 20 maio de 2021.
    » http://www2.camara.leg.br/legin/fed/declei/1930-1939/decreto-lei-1212-17-abril-1939-349332-publicacaooriginal-1-pe.html
  • BRASIL. Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica Brasília: MEC, SEB, 2013.
  • BRASIL. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular Brasília: MEC, 2015.
  • BRASIL. Resolução nº. 3, de 16 de junho de 1987. Fixa os mínimos de conteúdos e duração a serem observados nos cursos de graduação em Educação Física (Bacharelado e/ ou Licenciatura Plena). Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo. Seção I, p. 9635-9636, Brasília, DF, 22 jun. 1987.
  • BRASIL. Resolução CNE/ CES 7, de 31 de abril de 2004. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Educação Física, em nível superior de graduação plena. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo. Seção 1, p. 18-19, Brasília, DF, 5 abr. 2004.
  • BRASIL. Resolução CNE/ CES 6, de 18 de dezembro de 2018. Institui as Diretrizes Curriculares Nacionais para os cursos de graduação em Educação Física. Diário Oficial [da] República Federativa do Brasil, Poder Executivo. Seção 1, pág. 33, Brasília, DF, 17 de dezembro de 2018.
  • DELEUZE, Gilles. Conversações RJ: Editora. 34, 1992.
  • DINIZ, Débora. Modelo social da deficiência: a crítica feminista. Série Anis 28, Brasília, Letras Livres, 1-8, julho, 2003. Disponível em: https://repositorio.unb.br/handle/10482/15250?locale=pt_BR Acesso em: 30 mar. 2021.
    » https://repositorio.unb.br/handle/10482/15250?locale=pt_BR
  • FIMYAR, Olena. Governamentalidade como ferramenta conceitual na pesquisa de políticas educacionais. Educação e Realidade, v. 34, n. 2, p. 35-56, mai./ago., 2009. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/8308 Acesso em: 15 abr. 2021.
    » https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/8308
  • FOUCAULT, Michel. História da Sexualidade I: a vontade de saber. Rio de Janeiro: Graal, 1988.
  • FOUCAULT, Michel. Nascimento da biopolítica São Paulo: Martins Fontes, 2008.
  • FOUCAULT, Michel. O sujeito e o poder. In: RABINOW, Paul; RABINOW, Hubert. Michel Foucault: uma trajetória filosófica (para além do estruturalismo e da hermenêutica). Rio de Janeiro: Forense Universitária, 1995. p. 231-249.
  • FOUCAULT, Michel. Segurança, território, população São Paulo: Martins Fontes, 2008a.
  • LOCKMANN, Kamila. Governamentalidade neoliberal fascista e o direito à escolarização. Práxis Educativa, v. 15, e2015408, 2020 Disponível em: https://www.revistas2.uepg.br/index.php/praxiseducativa/article/view/15408 Acesso em: 30 mar. 2021.
    » https://www.revistas2.uepg.br/index.php/praxiseducativa/article/view/15408
  • LOPES, Maura Corcini. Políticas de inclusão e governamentalidade. Educação e Realidade, v. 34, n. 2, mai./ago. 2009. Disponível em: https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/8297 Acesso em: 15 abr. 2021.
    » https://seer.ufrgs.br/index.php/educacaoerealidade/article/view/8297
  • LOPES, Maura Corcini; FABRIS, Elí Henn. Inclusão & Educação Belo Horizonte: Autêntica Editora, 2013.
  • MACHADO, Roseli Belmonte; FERNANDES, Nicolas; MEDEIROS, Francine. Políticas de inclusão em documentos que orientam a Educação Física escolar. In: CONGRESSO BRASILEIRO DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, 22; CONGRESSO INTERNACIONAL DE CIÊNCIAS DO ESPORTE, 9., 2021, Belo Horizonte. Anais [...]. 2021. Disponível em: http://congressos.cbce.org.br/index.php/conbrace2021/9conice/paper/viewFile/15272/8214 Acesso em: 25 fev. 2022.
    » http://congressos.cbce.org.br/index.php/conbrace2021/9conice/paper/viewFile/15272/8214
  • SILVA, Tomaz Tadeu. Documentos de identidade Belo Horizonte: Autêntica, 2001.
  • SILVA, Tomaz Tadeu. Identidade e Diferença: impertinências. Educação e Sociedade, v. 23, n. 79, 2002. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-73302002000300005&script=sci_abstract&tlng=pt Acesso em: 30 mar. 2021.
    » https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S0101-73302002000300005&script=sci_abstract&tlng=pt
  • SKLIAR, Carlos (org.). Educação & Exclusão: abordagens socioantropológicas em educação. 7. ed. Porto Alegre: Mediação, 2013
  • SOUZA-NETO, Samuel de et. al A formação do profissional de Educação Física no Brasil: uma história sob a perspectiva da legislação federal no século XX. In: Revista Brasileira de Ciências do Esporte, v. 25, n. 2, p. 113-128, jan. 2004. Disponível em: http://revista.cbce.org.br/index.php/RBCE/article/view/230 Acesso em: 30 mar. 2021.
    » http://revista.cbce.org.br/index.php/RBCE/article/view/230
  • VEIGA-NETO, Alfredo. Dominação, violência, poder e educação escolar em tempos de Império. In: RAGO, Margareth; VEIGA-NETO, Alfredo (orgs.). Figuras de Foucault. Belo Horizonte: Autêntica, 2006, p.13-38.
  • VEIGA-NETO, Alfredo. Foucault e a Educação Belo Horizonte: Autêntica, 2007.
  • VEIGA-NETO, Alfredo. Mais uma lição: sindemia covídica e educação. Educação & Realidade, v. 45, n. 4, e109337, 2020. Disponível em: https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S2175-62362020000400203&script=sci_arttext Acesso em: 15 abr. 2021.
    » https://www.scielo.br/scielo.php?pid=S2175-62362020000400203&script=sci_arttext
  • VEIGA-NETO, Alfredo; LOPES, Maura Corcini. Para pensar de outros modos a modernidade pedagógica. ETD - Educação Temática Digital, Campinas, v. 12, n. 1, p. 147-166, 2010.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    28 Jun 2021
  • Aceito
    14 Abr 2022
Universidade Federal do Rio Grande do Sul Rua Felizardo, 750 Jardim Botânico, CEP: 90690-200, RS - Porto Alegre, (51) 3308 5814 - Porto Alegre - RS - Brazil
E-mail: movimento@ufrgs.br