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Concepções de desenvolvimento e de aprendizagem no trabalho do professor

Concepciones de desarrollo y de aprendizaje en el trabajo del profesor

Development and learning conceptions regarding teacher’s work

Resumos

Esta pesquisa teve por objetivo identificar, explicitar e analisar as concepções de desenvolvimento/aprendizagem presentes no trabalho de profissionais de uma escola pública, visando à construção de conhecimentos que permitissem transformar a prática educativa. Elaboraram-se roteiros de entrevista para os professores, o coordenador pedagógico e a direção, um roteiro de observação de aulas e um para consulta ao projeto pedagógico. Os dados foram organizados em categorias que relacionam as concepções de desenvolvimento/aprendizagem apresentadas pela Teoria Histórico-Cultural àquelas encontradas nos dados obtidos na escola. Verificou-se que o trabalho desses profissionais não é fundamentado em uma única concepção de desenvolvimento/aprendizagem, o que pôde ser demonstrado pela coexistência de várias teorias, entre as quais se destacam a de Piaget e a de Vigotski. Constatou-se que as abordagens dos profissionais da escola são permeadas pela cotidianidade, discutindo-se, a partir da Teoria do Cotidiano, de Heller, a invasão de um espaço de produção do conhecimento por ações/reflexões cotidianas.

concepções de desenvolvimento e de aprendizagem; trabalho do professor; Teoria do Cotidiano


Esta investigación tuvo el objetivo de identificar, explicitar y analizar las concepciones de desarrollo / aprendizaje presentes en el trabajo de profesionales de una escuela pública, visando la construcción de conocimientos que permitieran transformar la práctica educativa. Se elaboraron guías de entrevista a los profesores, al coordinador pedagógico y a la dirección, una guía de observación de clases y otra para la consulta al proyecto pedagógico. Los datos fueron organizados en categorías que relacionan las concepciones de desarrollo / aprendizaje presentadas por la Teoría Histórico-cultural a aquellas encontradas en los datos obtenidos en la escuela. Se verificó que el trabajo de esos profesionales no es fundamentado en una única concepción de desarrollo / aprendizaje, lo que puede ser demostrado por la coexistencia de varias teorías, entre las cuales se destacan la de Piaget y la de Vygotsky. Se constató que los enfoques de los profesionales de la escuela son permeadas por la cotidianidad, discutiéndose, a partir de la Teoría del Cotidiano, de Heller, la invasión de un espacio de producción del conocimiento por acciones/ reflexiones cotidianas.

concepciones de desarrollo y de aprendizaje; trabajo del profesor; Teoría del Cotidiano


The purpose of this research was to identify, explain and analyze, the conceptions of development and learning that are present in the work of professionals working for a public school, aiming at constructing a type of knowledge able to transform educational practices. Besides a class observation itinerary and norms to consult the pedagogical project, norms in relation to interviews - to be applied to the teachers, the pedagogical coordinator and the principal - were elaborated. The data were organized into categories, connecting the development and learning conceptions - presented by the Historical-cultural-theory - to the theories, emerging in the data obtained in the school analyzed. It was verified that the work of those professionals is based, not only in one development or learning theoretical conception. In fact, it was observed the coexistence of many theories, such as the ones conceived by Piaget and Vigotski. The results show that, the school professional approaches are permeated by everyday life, and the invasion of a space for knowledge production is discussed based on actions and reflections related to everyday life.

Development and learning conceptions; teacher’s work; everyday-life theory


DOSSIÊ- EDUCAÇÃO

Concepções de desenvolvimento e de aprendizagem no trabalho do professor

Development and learning conceptions regarding teacher’s work

Concepciones de desarrollo y de aprendizaje en el trabajo del profesor

Aline Frollini Lunardelli LaraI; Elenita de Ricio TanamachiII; Jair Lopes JuniorIII

IPsicóloga. Mestre em Psicologia. Professora da Universidade de Mogi da Cruzes-UMC, Mogi das Cruzes

IIDoutora em Educação, Professora aposentada do Departamento de Psicología da Universidade Estadual Paulista-UNESP-Bauru

IIIDoutor em Psicologia Experimental. Professor do Departamento de Psicología da Universidade Estadual Paulista-UNESP-Bauru

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Aline Frollini Lunardelli Lara. Av. Otacílio Tomanik, nº 1054, ap. 64, Jardim Bonfiglioli, CEP 05363-101, São Paulo-SP, Brasil. E-mail: alineflunardelli@uol.com.br

RESUMO

Esta pesquisa teve por objetivo identificar, explicitar e analisar as concepções de desenvolvimento/aprendizagem presentes no trabalho de profissionais de uma escola pública, visando à construção de conhecimentos que permitissem transformar a prática educativa. Elaboraram-se roteiros de entrevista para os professores, o coordenador pedagógico e a direção, um roteiro de observação de aulas e um para consulta ao projeto pedagógico. Os dados foram organizados em categorias que relacionam as concepções de desenvolvimento/aprendizagem apresentadas pela Teoria Histórico-Cultural àquelas encontradas nos dados obtidos na escola. Verificou-se que o trabalho desses profissionais não é fundamentado em uma única concepção de desenvolvimento/aprendizagem, o que pôde ser demonstrado pela coexistência de várias teorias, entre as quais se destacam a de Piaget e a de Vigotski. Constatou-se que as abordagens dos profissionais da escola são permeadas pela cotidianidade, discutindo-se, a partir da Teoria do Cotidiano, de Heller, a invasão de um espaço de produção do conhecimento por ações/reflexões cotidianas.

Palavras-chave: concepções de desenvolvimento e de aprendizagem, trabalho do professor, Teoria do Cotidiano

ABSTRACT

The purpose of this research was to identify, explain and analyze, the conceptions of development and learning that are present in the work of professionals working for a public school, aiming at constructing a type of knowledge able to transform educational practices. Besides a class observation itinerary and norms to consult the pedagogical project, norms in relation to interviews - to be applied to the teachers, the pedagogical coordinator and the principal - were elaborated. The data were organized into categories, connecting the development and learning conceptions - presented by the Historical-cultural-theory - to the theories, emerging in the data obtained in the school analyzed. It was verified that the work of those professionals is based, not only in one development or learning theoretical conception. In fact, it was observed the coexistence of many theories, such as the ones conceived by Piaget and Vigotski. The results show that, the school professional approaches are permeated by everyday life, and the invasion of a space for knowledge production is discussed based on actions and reflections related to everyday life.

Key words: Development and learning conceptions, teacher’s work, everyday-life theory.

RESUMEN

Esta investigación tuvo el objetivo de identificar, explicitar y analizar las concepciones de desarrollo / aprendizaje presentes en el trabajo de profesionales de una escuela pública, visando la construcción de conocimientos que permitieran transformar la práctica educativa. Se elaboraron guías de entrevista a los profesores, al coordinador pedagógico y a la dirección, una guía de observación de clases y otra para la consulta al proyecto pedagógico. Los datos fueron organizados en categorías que relacionan las concepciones de desarrollo / aprendizaje presentadas por la Teoría Histórico-cultural a aquellas encontradas en los datos obtenidos en la escuela. Se verificó que el trabajo de esos profesionales no es fundamentado en una única concepción de desarrollo / aprendizaje, lo que puede ser demostrado por la coexistencia de varias teorías, entre las cuales se destacan la de Piaget y la de Vygotsky. Se constató que los enfoques de los profesionales de la escuela son permeadas por la cotidianidad, discutiéndose, a partir de la Teoría del Cotidiano, de Heller, la invasión de un espacio de producción del conocimiento por acciones/ reflexiones cotidianas.

Palabras-clave: concepciones de desarrollo y de aprendizaje, trabajo del profesor, Teoría del Cotidiano.

A reflexão sobre a importância da transformação das bases teórico-filosóficas que subsidiam a prática do profissional da Psicologia na Educação assume uma dimensão crítica, no Brasil, com os estudos realizados ao final da década de 1970 por Maria Helena Souza Patto (Patto, 1984).

Fazendo uma revisão crítica da trajetória da Psicologia Educacional/Escolar, por meio da análise da produção de conhecimentos e das práticas profissionais de psicólogos e de professores, essa autora questiona as concepções de Educação e de Psicologia e propõe como objetivo para a Psicologia Escolar a delimitação do lugar da Psicologia no contexto de um efetivo processo de democratização educacional e social, de modo a colocá-la diante das finalidades da Educação e diante de si mesma, enquanto ciência.

No que compete à Psicologia, no interior de um conjunto de finalidades educacionais, um dos temas enfocados por alguns estudos desenvolvidos a partir das teses defendidas nesse período (Tanamachi, 1992, 2002) refere-se às concepções de desenvolvimento e de aprendizagem presentes no trabalho de educadores e de psicólogos.

Para discutir as concepções de desenvolvimento e de aprendizagem que subsidiam as explicações sobre o fracasso escolar, Patto (1990) relaciona o movimento teórico-político que caracteriza os vários momentos de constituição da sociedade brasileira no século XX, as concepções teóricas e as abordagens que os referendam e os justificam do ponto de vista da ciência psicológica, concluindo que, embora por caminhos teórico-práticos diferentes, a Psicologia na Educação tem sido conduzida a finalidades semelhantes. Assim, referenda o status quo da Educação e da Psicologia como ciências, por meio da ênfase em aspectos particulares dos indivíduos, das famílias ou do meio sociocultural que caracteriza muitas de suas explicações.

A autora faz referência a uma pesquisa realizada em uma escola municipal de São Paulo, na qual investigou os fatores responsáveis pelo fracasso escolar dos alunos na visão de diretores, assistentes, orientadores e professores, e identificou tanto concepções de desenvolvimento e de aprendizagem do senso comum quanto concepções embasadas em teorias e explicações tradicionais de Educação e de Psicologia.

As concepções de desenvolvimento e de aprendizagem também já se constituíram em objeto de estudo feito por Vygotsky (1977)1 1 Esse estudo encontra-se em versão ampliada no livro "A Construção do Pensamento e da Linguagem", do mesmo autor, especialmente no item III do capítulo 6 (pp. 295-338), publicado em 2000, pela editora Martins Fontes. , quando propõe uma análise das teorias que enfocam as relações entre essas concepções, investigando quais são as implicações educativas de determinados princípios teórico-práticos que dão sustentação a essas teorias.

Segundo Vygotsky (1977, p. 31),"as teorias mais importantes referentes à relação entre desenvolvimento e aprendizagem na criança, podem agrupar-se esquematicamente em três categorias fundamentais". A primeira pressupõe a independência entre os processos de desenvolvimento e de aprendizagem (enfocada principalmente por Piaget); a segunda categoria afirma que aprendizagem é desenvolvimento (proposta, entre outros, por William James); e a terceira é uma teoria dualista, segundo o autor, pois pressupõe que o processo de desenvolvimento é independente do de aprendizagem e ao mesmo tempo afirma que, em determinadas formas de comportamento, os dois processos são coincidentes (tendo Koffka como um de seus representantes, conforme Vygotsky, 1977).

O autor oferece outra perspectiva para a compreensão da relação entre aprendizagem e desenvolvimento. Compartilha daquilo que denomina de fato incontroverso presente nas outras teorias acima, afirmando que"existe uma relação entre determinado nível de desenvolvimento e a capacidade potencial de aprendizagem" (Vygotsky, 1977, p. 42). Considera tanto aquilo que uma criança é capaz de realizar sozinha quanto o que é capaz de fazer com a ajuda de outras pessoas como elementos importantes para a compreensão de seu desenvolvimento e para o planejamento de situações novas de ensino.

Assim, o autor propõe, a partir do conceito de Zona de Desenvolvimento Próximo, uma nova maneira de conceber o desenvolvimento e a aprendizagem, além de estabelecer relações diferentes daquelas possíveis para as teorias anteriormente citadas. Para ele:

a aprendizagem não é em si mesma desenvolvimento, mas uma correcta organização da aprendizagem da criança conduz ao desenvolvimento mental, activa todo um grupo de processos de desenvolvimento, e esta activação não poderia produzir-se sem a aprendizagem. Por isso, a aprendizagem é um momento intrinsecamente necessário e universal para que se desenvolvam na criança essas características humanas não naturais, mas formadas historicamente (Vygotsky, 1977, p. 47).

A concepção proposta por Vygotsky (1977, p. 49), na qual o"processo de desenvolvimento não coincide com o da aprendizagem, o processo de desenvolvimento segue o da aprendizagem, que cria a área de desenvolvimento potencial", tem implicações teórico-práticas que superam as concepções anteriores, porque exigem um novo posicionamento da Psicologia como ciência e como área de atuação, lembrando que uma nova forma de se compreender o processo de aquisição de conhecimento exige a reestruturação do processo de ensino.

Analisando as apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria de Vigotski, Duarte (2000) aponta que concepções de desenvolvimento e de aprendizagem estão presentes inclusive nos documentos oficiais relativos à área de educação no país, e analisa as implicações, para o processo educativo, da adoção acrítica destas concepções, defendendo a necessidade de uma leitura das teorias da Psicologia a partir dos pressupostos epistemológicos que lhes dão sustentação.

A partir das referências apresentadas, a pesquisa em foco nesse texto assume a hipótese de que há um conjunto de conhecimentos da Psicologia, no que se refere às teorias de desenvolvimento e de aprendizagem, a ser ainda apreendido por profissionais da Psicologia e da Educação, de modo a permitir a transformação da ação profissional.

A Teoria do Cotidiano de Heller (1989) revela-nos, não obstante, que a apropriação deste conjunto de conhecimentos não pode acontecer de forma superficial, fragmentada e espontânea. O trabalho pedagógico precisa ser conscientemente orientado e dirigido, por se tratar de uma esfera da realidade humana capaz de proporcionar aos homens o desenvolvimento das características humanas produzidas ao longo da história.

Desta maneira, o trabalho educativo realizado pela educação escolar formal deve fazer parte da vida não cotidiana dos indivíduos. A cotidianidade, definida por Heller (1989), contém elementos que não possibilitam o pleno desenvolvimento dos homens, no sentido de se apropriarem das objetivações humano-genéricas produzidas pela cultura humana.

Os espaços, por excelência, de não-cotidianidade, segundo a autora, são a arte e a ciência. Esses espaços fazem parte da educação escolar, seja porque seu conteúdo foi produzido pela arte ou pela ciência, seja porque o próprio fazer pedagógico e a relação que o educador estabelece com o educando necessitam de conhecimentos científicos para que se constituam como um espaço de educação.

Logo, a educação deve ser mediada por reflexões teóricas que subsidiem a prática dos profissionais nela envolvidos. Reflexão e discussão pressupõem uma relação com a maneira não cotidiana de se viver. Na estrutura da vida cotidiana, as análises que os indivíduos realizam são espontâneas, pragmáticas, econômicas, ultrageneralizadas, feitas a partir de juízos provisórios e de conhecimentos prévios. Nas esferas não cotidianas, o pensamento deve ser homogêneo, concentrando a energia em uma atividade específica, de forma consciente, intencional e não espontânea.

Por fazerem parte da esfera científica, as concepções de desenvolvimento e de aprendizagem que orientam o trabalho do educador devem ser apropriadas e dirigidas por elementos diferentes daqueles que orientam a vida cotidiana. Assim, para compreender as relações estabelecidas entre os conhecimentos produzidos pela Psicologia e sua apropriação pelos educadores, é importante considerar as esferas cotidianas e não cotidianas de relação do homem com o mundo.

O presente trabalho considera que o processo de apropriação referido só poderá ocorrer quando tais profissionais puderem se colocar diante das questões levantadas, tanto no que se refere às teorias de desenvolvimento e de aprendizagem produzidas pelos autores acima citados, quanto no que diz respeito à sua possibilidade de humanização por meio da apropriação reflexiva e não espontânea deste conhecimento.

A partir destes pressupostos, no que se refere especificamente à Psicologia, esta pesquisa teve como finalidade identificar, explicitar e analisar as concepções de desenvolvimento e de aprendizagem presentes no trabalho desenvolvido em uma escola pública de ensino fundamental localizada no interior do Estado de São Paulo, visando à construção de conhecimentos sobre esta realidade escolar que auxiliassem os professores, a direção e a coordenação pedagógica em suas reflexões sobre suas respectivas práticas educativas.

A análise feita por Vygotsky (1977) sobre as teorias de desenvolvimento e de aprendizagem foi utilizada como a principal referência, tanto para a proposição das questões pertinentes à problematização da prática educativa, quanto para a análise dos dados obtidos, uma vez que esse autor desenvolve sua investigação a partir do pressuposto teórico, filosófico e metodológico do Materialismo Histórico-Dialético, que se configura como um enfoque epistemológico importante para a compreensão dessas teorias e oferece condições para o esboço de uma explicação que supera as concepções psicológicas tradicionalmente presentes no interior do trabalho educativo.

A Teoria do Cotidiano de Heller (1989) também se constituiu como subsídio importante para a análise das concepções encontradas na escola, uma vez que permitiu compreender como se dá a invasão de elementos da estrutura da vida cotidiana a esferas não cotidianas, como a instituição escolar.

Ressalte-se que esta pesquisa se insere no conjunto de estudos realizados em uma escola pública, e tem por finalidade problematizar e instrumentalizar a relação do trabalho pedagógico para a elaboração de projetos a curto, médio e longo prazos, com vista a permitir a organização, no interior da escola, de efetivos núcleos de resistência favoráveis ao compromisso com a função de ensinar e aprender, naqueles aspectos circunscritos à Psicologia.

METODOLOGIA

A pesquisa envolveu procedimentos que objetivaram a identificação, a explicitação e a análise das concepções de desenvolvimento e de aprendizagem presentes na escola em questão.

Foram utilizados os seguintes instrumentos: a) um roteiro de entrevista semi-estruturada, empregado na interação com os professores; b) um roteiro de entrevista adaptado, utilizado nas interações com a direção e a coordenação pedagógica; c) um roteiro de observação de aula; d) um roteiro de consulta ao projeto pedagógico. Utilizou-se, ainda, como referência para a construção destes instrumentos, o texto"Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar" (Vygotsky, 1977).

A partir da descrição detalhada feita pelo autor, contemplando quatro concepções de desenvolvimento e de aprendizagem por ele propostas - entre as quais a sua própria - foram destacados os principais indicadores que caracterizavam cada uma destas concepções, utilizados na construção de cada instrumento de coleta de dados. Neste sentido, as concepções puderam ser verificadas a partir dos seguintes itens:

· formação do entrevistado;

· definição de desenvolvimento e de aprendizagem dada pelo entrevistado ou escrita no documento referente ao projeto pedagógico da instituição;

· prática docente;

· sistema utilizado para a avaliação;

· projeto pedagógico da escola.

Os dados obtidos nas entrevistas, nas observações de aulas e na consulta ao projeto pedagógico da escola, assim como aqueles obtidos por meio do texto de Vygotsky (1997), foram organizados em quadros, contendo as seguintes categorias de análise:

· como as pessoas aprendem;

· como as pessoas se desenvolvem;

· o que é necessário para que ocorra a aprendizagem;

· qual é o papel do professor no processo de desenvolvimento e de aprendizagem do aluno;

· qual é o papel do aluno neste processo;

· como ocorrem as avaliações (o que é avaliado e por quê);

· como deve ser uma aula;

· Referência a autores ou teorias.

Assim organizados, os dados permitiram aproximar o levantamento feito na escola daquele obtido por meio do texto utilizado como referência para a análise das concepções de desenvolvimento e de aprendizagem presentes no trabalho da instituição.

Ainda foi possível organizar, no caso do levantamento feito na escola, um único quadro contendo as respostas para todas as instâncias consultadas, uma vez que o objetivo da investigação foi tratar das concepções de profissionais do ensino vinculados a uma determinada instituição. Esta estratégia viabilizou o estabelecimento de relações entre os dados mencionados nesse quadro e as análises expressas em Vygotsky (1977). Outrossim, a Teoria do Cotidiano de Heller (1989) tornou-se subsídio teórico importante para a discussão dos principais resultados encontrados por meio dos instrumentos utilizados e das análises efetuadas.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Foram realizadas quatro entrevistas - duas com professoras, uma com a coordenadora pedagógica e uma com a vice-diretora -, todas na própria escola. Foram realizadas duas sessões de observação de aulas ministradas pelas duas professoras entrevistadas. Além disso, o projeto pedagógico da escola foi consultado e analisado. Realizou-se, ainda, uma reunião com os professores, a coordenação pedagógica e a vice-direção da escola, com o objetivo de apresentar os dados encontrados na pesquisa e discutir as implicações, para a prática educativa, de se conhecerem as concepções de desenvolvimento e de aprendizagem.

A análise dos dados foi feita com base nas quatro concepções apresentadas por Vygotsky (1977). A leitura parcial e depois conjunta dos dados revelou, de modo generalizado, a presença de fragmentos de todas as concepções descritas pelo autor. No entanto, foram identificados conteúdos reincidentes que, em termos interpretativos, mostraram-se consistentes com o Construtivismo, cuja matriz teórica fundamental é a Epistemologia Genética de Piaget.

O dado que aparece mais freqüentemente diz respeito à maturação das funções intelectuais como condição para a aprendizagem. Há também menção à noção de ritmo relacionada ao momento e/ou condição de cada indivíduo para aprender. Além disso, a influência do meio é vista como fundamental para o processo de aprendizagem. O professor, enquanto participante do ambiente do aluno, do ambiente social no qual a aprendizagem se efetiva, é compreendido como o facilitador deste processo.

Um aspecto relevante é o fato de Piaget ter sido citado como referência do trabalho de apenas duas pessoas entrevistadas. Contudo, fragmentos de seu modelo epistemológico podem ser encontrados em todas as entrevistas, nas oito categorias de análise.

Com relação às aulas observadas, novamente existiram elementos da teoria de Piaget. Estes apareceram na importância dada ao meio como facilitador da aprendizagem, tendo o professor como responsável por conduzir, dirigir e orientar as atividades educativas.

O mesmo ocorreu no projeto pedagógico. Houve inclusive citações do autor que explicitam a relação entre o desenvolvimento biológico-maturacional dos indivíduos e a aprendizagem. Mais uma vez, o professor foi visto como o coordenador deste processo, tendo como função construir conhecimentos com o aluno, proporcionando-lhe a participação nesta construção.

Destarte, nos três momentos de coleta de dados foi possível verificar esses elementos da concepção de desenvolvimento e de aprendizagem de Piaget, o que suscitou a necessidade de identificar se o material encontrado na escola poderia ser categorizado como fundamentado exclusivamente neste modelo. Pode-se constatar, entretanto, que o conteúdo do material consultado, por vezes entrecortado de elementos de outras orientações teóricas, revela uma concepção fragmentada não só sobre Piaget, mas principalmente sobre o tema em foco neste estudo – as concepções de desenvolvimento e de aprendizagem em geral.

Por outro lado, não obstante as recorrentes referências a Piaget nas ações registradas (entrevistas e atividades de ensino e de avaliação nas aulas observadas) e na proposta pedagógica da instituição, existem evidências de que as concepções de desenvolvimento e de aprendizagem dos profissionais participantes, bem como do projeto pedagógico da respectiva escola, não se encontram fundamentadas exclusivamente na abordagem desse autor.

A apropriação das concepções de Piaget pelos profissionais da escola parece se embasar no senso comum, e não no conhecimento científico, uma vez que, mesmo no caso de menção ao autor, muitos pressupostos de sua teoria são desconsiderados, e o que é apresentado pela instituição, em algumas ocasiões, mostra-se contraditório à sua abordagem, assemelhando-se às concepções de outros autores, como é o caso de aproximações entre as teorias de Piaget e de Vigotski, bastante comuns nos dados encontrados na escola.

A pesquisa desenvolvida por Duarte (2000) sobre o mesmo tema corrobora os dados aqui encontrados, apontando que o ecletismo presente pode ser revelador de um conhecimento parcial das teorias desses autores. Isso demonstra o modo como os temas da Psicologia são tratados pela Educação e pelo próprio contexto da Psicologia presente na formação docente. Este fato também ocorreu quando foram identificados fragmentos da concepção de desenvolvimento e de aprendizagem de Vigotski no conteúdo das entrevistas, do projeto pedagógico e das aulas, conforme se pode observar nos trechos extraídos da pesquisa:

"O homem se desenvolve transformando o mundo ao mesmo tempo em que é transformado por ele".

"O professor faz a mediação entre o que o aluno já sabe e o que deve saber. Deve ter competência teórica, conhecer a realidade com a qual trabalha e comprometer-se politicamente com sua atividade".

"O aluno deve ser um sujeito ativo, que participa da construção do conhecimento. Deve reorganizar sua cultura espontânea para se apropriar da cultura elaborada".

Embora não se constituam como expressões da proposta do autor, é possível estabelecer algumas aproximações entre os trechos acima citados e a proposta de Vigotski. No entanto, para que se pudesse afirmar que a escola efetivamente se fundamenta em alguma das concepções por ela citadas, seria necessário que a apropriação, pelos profissionais, das teorias de desenvolvimento e de aprendizagem ocorresse por meio da mediação do conhecimento produzido na esfera da ciência. Como se verá mais adiante, a partir da análise do conjunto dos dados obtidos na pesquisa, pode-se inferir que a esfera cotidiana invade o espaço de produção e apropriação do saber, permitindo este conhecimento fragmentado da escola sobre as concepções de diversos autores.

Quanto à presença acentuada de elementos da teoria de Piaget, seguida pela concepção de Vigotski, as duas concepções aparecem como complementares, como é o caso de um item do projeto pedagógico que trata do papel do professor no processo de aprendizagem:

"Ajudar o aluno a aprender a aprender, adaptando-se às modificações do ambiente. Tornar viável o processo de construção do conhecimento, no qual o aluno tenha espaço para agir, criar, inventar, operar, falar, reproduzir e escrever. O professor deve apoiar os alunos também nas dimensões afetiva e espiritual. O professor é aquele que ensina, mas que também aprende. Ele deve exercer a mediação entre o universal da sociedade e o particular do aluno, dando direção ao processo ensino-aprendizagem. Para exercer adequadamente seu papel, o professor deve conhecer a realidade com a qual trabalha, comprometer-se politicamente, além de possuir competência teórica no que se refere a sua área de atuação. O professor deve criar condições para que o aluno aprenda e se desenvolva. Não deve transmitir conhecimentos, e sim, possibilitar que o conhecimento seja gerado. Além disso, é papel do professor desenvolver no aluno uma posição de engajamento, compromisso e participação. Ele deve provocar, induzir e assistir a aprendizagem do aluno" (grifos dos autores).

Aqui, tornou-se possível identificar tanto a origem da fragmentação do discurso que respalda o trabalho do docente, quanto a superficialidade da apresentação das teorias de Piaget e de Vygotsky, quando o próprio projeto pedagógico, como organizador do trabalho da escola, mostra as duas teorias como complementares para estabelecer a função do professor na instituição.

De acordo com Rossler (2003), a apropriação descontextualizada e fragmentada de teorias faz com que o trabalho dos educadores seja marcado pelas distorções que isto produz. A assimilação das teorias pelo público-alvo pode se dar de forma superficial, parcial, fragmentada, pouco consistente e, assim, impregnada de distorções. Aspectos isolados da teoria, circunstancialmente mencionados à exaustão em diferentes canais ou veículos de comunicação, geralmente assumem uma propagação descontextualizada e passam a ter um uso indiscriminado e pouco preciso. Seus conceitos fundamentais passam a ser incorporados nas reflexões e práticas desse mesmo público, sem o devido suporte da teoria da qual provêm, ou mesmo sem que se tenha clareza sobre eles.

Dada a sua ampla difusão, grande aceitação e forte repercussão, é comum que, em alguns casos, a teoria que esteja na moda passe a ser assimilada por (e a assimilar) outros conceitos e teorias não necessariamente afins, configurando uma teia de interfaces ou diálogos que podem ou não ser coerentes entre si (Rossler, 2003, p. 8-9).

Os trabalhos de Rossler (2003) e Duarte (1996, 2000) discutindo respectivamente os processos de adesão ao construtivismo (embasado pela teoria de Piaget) e as aproximações neoliberais e pós-modernas entre as teorias de Piaget e Vigotski, podem permitir uma melhor compreensão dos dados encontrados.

De acordo com Rossler (2003), é preciso considerar que o ideário construtivista teve grande repercussão entre educadores porque, tendo sido produzido no interior de um determinado contexto sócio-histórico, contém necessariamente elementos deste contexto em seus princípios. Assim, a difusão do construtivismo insere-se no modo de produção capitalista, que produz e reproduz processos de alienação.

Nesse espaço de alienação, algumas teorias - como é o caso do construtivismo - oferecem o respaldo científico para explicar o processo de ensinar/aprender na escola atual, tornando-se teorias "da moda", ao mesmo tempo em que são apropriadas de forma fragmentada pelos educadores. Então, para o autor

a maciça difusão do construtivismo em nossa educação, insere-se no processo mais amplo de expansão, reprodução e manutenção, em nossa sociedade, da hegemonia de uma determinada ideologia – a ideologia que sustenta o sistema capitalista de produção (Rossler, 2003, p. 280).

Além disso, devido à forma cotidiana de relação do homem com as objetivações produzidas em sua cultura, os educadores estabelecem uma relação imediata, espontânea e acrítica com o ideário construtivista. Isso explica a intensa difusão do construtivismo e traz conseqüências para a educação escolar atual. Sua instalação na educação compromete, segundo o autor, uma reflexão teórica consistente, crítica e radical por parte dos educadores.

Considerando-se que as bases teóricas e conceituais do construtivismo são fornecidas pela teoria de Piaget, tornam-se compreensíveis as referências feitas ao autor pelos entrevistados. Mais do que isso, as aproximações entre autores como Piaget e Vigotski revelam uma relação alienada dos educadores com o conhecimento elaborado pela Psicologia.

Segundo Dante (1996), são inúmeros os equívocos presentes nas aproximações entre esses autores, os quais os educadores deveriam conhecer. Em primeiro lugar, o termo social possui, na obra de Piaget, significado muito diferente daquele da obra de Vigotski. Para o primeiro, existe uma relação interacionista do indivíduo com o ambiente externo a ele; já para o segundo, o contexto social refere-se primordialmente à condição histórica do desenvolvimento do psiquismo. Isto só pode ser compreendido se fundamentado nos pressupostos teórico-filosóficos da obra dos autores. A aproximação entre o meio imediato dos indivíduos (de que fala Piaget) e o contexto histórico-cultural (proposto por Vigotski) deve-se, segundo Duarte (1996), à supressão dos fundamentos marxistas da obra de Vigotski, e isso é uma apropriação neoliberal e pós-moderna do autor, uma vez que são afastados de sua obra os elementos que permitiriam explicar o desenvolvimento pleno dos indivíduos, como uma condição para a superação da alienação.

Há equívoco, inclusive, na terminologia utilizada para definir a concepção dos autores. O construtivismo remete ao interacionismo, presente, de fato, na obra de Piaget; porém, não é possível compreender a obra de Vigotski sem referir-se à Concepção Histórico-Cultural, ou Sócio-Histórica.

Nota-se, por meio dos estudos de Rossler (2003) e de Duarte (1996), que o conteúdo e a forma como os participantes da pesquisa com ele se relacionam comprometem seu trabalho educativo. No que se refere ao conteúdo, isso fica evidente quando se verificam os parcos conhecimentos de Piaget e de Vigotski presentes nas respostas às entrevistas, nas aulas e nos documentos da escola. Quanto à forma como os profissionais se relacionam com tais conhecimentos, essa se caracteriza pela alienação, no lugar da relação consciente que caracterizaria o processo de apropriação do saber.

Conforme Heller (1989), as ações da escola, no que se refere aos conhecimentos da Psicologia, podem estar pautadas - ou mesmo encontrar-se mediadas - por uma forma cotidiana da realidade de trabalho. A partir da Teoria do Cotidiano, por ela proposta, foi possível identificar e compreender por que os dados acima apresentam diversos elementos do senso comum entremeados de alguns fragmentos de teorias. Assim, o que se observa é que nenhuma teoria aparece de forma estruturada no trabalho realizado pela escola. Apenas alguns aspectos de cada uma delas constituem o discurso do entrevistado, sua prática e o projeto pedagógico da escola. As falas de duas entrevistadas (na primeira citação há referência à teoria de Piaget e na segunda, ao construtivismo) evidenciam novos elementos das concepções presentes entre os dados encontrados:

"Acho que as pessoas aprendem de acordo com a concepção de Piaget. Existem algumas etapas que a criança e o adolescente devem passar e que aprendem de acordo com estas etapas que estão vivenciando e isto é articulado à motivação. A criança que está motivada a aprender, que vê na aprendizagem algo de seu interesse, com este estímulo terá mais condições de aprender. O professor vê o aluno que é motivado na aula e aquele que está desinteressado. O aluno motivado caminha, vai em frente, tem sucesso. A aprendizagem tem muito a ver com motivação e depois, com as etapas de maturidade que a criança passa, de acordo com as fases que o Piaget especifica".

"Gostei muito da época do Construtivismo porque o professor só dá um ‘empurrãozinho’ para o aluno, extrai aquilo que ele já tem. Utilizava muito recurso visual, material. Pesquisava muito. O trabalho era de uma forma diferente. Com o aluno era pouco. O aluno trabalhava. O professor dizia ‘pesquisa aí’, dava um monte de livros e o aluno ia procurar. Vinha do aluno a resposta. Apesar do professor correr para saber como iria trabalhar uma coisa nova, diferente. O Construtivismo foi uma experiência muito boa, é a melhor teoria. O professor constrói o aprendizado com o aluno, ao invés de passar para ele. O aluno tem muito para acrescentar, tem muita criatividade. O professor vai incentivar esta criatividade".

Compreender a relação estabelecida entre as concepções apresentadas pela escola e os elementos da cotidianidade implica reconhecer que os dados foram revelando a ausência de conhecimentos da Psicologia sobre desenvolvimento e aprendizagem importantes para a sistematização de um trabalho pedagógico conscientemente dirigido pelo saber científico produzido e acumulado ao longo da história de desenvolvimento da Psicologia em sua relação com a Educação.

Dessa forma, é importante destacar que a dimensão cotidiana faz parte da vida de todos os homens, sendo intrinsecamente necessária para que eles sobrevivam. O problema da vida cotidiana reside no fato de ser a esfera da realidade que mais se presta à alienação, devido aos elementos que a compõem. Vale ressaltar que a cotidianidade não é necessariamente alienada, porém, quando invade outras esferas da realidade, ela o faz por já se ter tornado um espaço de alienação (Heller, 1989).

A seguir, dois momentos da fala de uma entrevistada exemplificam a relação espontaneísta que estabelece no planejamento de suas aulas e nos conhecimentos por ela apropriados, demonstrando a invasão da cotidianidade - portanto, da alienação - à esfera educativa:

"Dou uma olhada na matéria, se for um texto, dou uma lida no texto, elaboro umas perguntas e aí pratico depois na classe. Se forem exercícios, dou uma olhada nos exercícios, faço um esquema. Incluo na aula uma oração [religiosa], um trabalho para exposição. Faço um esque-ma do que vai ser trabalhado e na hora complemento".

"Uso muito a música porque gosto muito. Utilizo a Psicologia também. Existem momentos em que é preciso conversar com o aluno, ‘ir com jeitinho’, saber o problema dele, saber até sobre a família dele, para entendê-lo melhor. Utilizo muito a Música. O aluno que é indisciplinado geralmente gosta de Música. Porque com a Música eles se interessam, sonham. Quando eles participam da Música, os alunos melhoram em sala de aula, percebem que lá se está ensinando uma coisa bem diferente daquilo que se ensina em sala de aula. E o professor pode ser muito amigo e liberal quando ensina a Música e também sério quando ensina Português, Inglês. A Música dá resultados. Desde que formei um Coral, fiz grupos de música, os alunos melhoraram. Falta Música na escola e Psicologia".

A alienação da cotidianidade impede o movimento e a possibilidade de sua própria explicitação. Ela está relacionada à alienação produzida pela estrutura econômica de uma dada sociedade. De acordo com Heller (1989), o capitalismo aprofundou o abismo existente entre o desenvolvimento humano-genérico e as possibilidades de humanização dos indivíduos, ao mesmo tempo em que ampliou essas possibilidades de desenvolvimento.

Em virtude da estrutura econômica, social e política criada pelo capitalismo, permeada pela alienação, os elementos da vida cotidiana invadiram outras esferas não cotidianas de pensamento e ação do homem. Este é o caso da educação escolar em geral e da instituição pesquisada em particular, que está inserida neste contexto educacional mais amplo e, por isso, não pode ser compreendida fora dele.

A invasão da cotidianidade na esfera da educação impossibilita o desenvolvimento pleno dos indivíduos, uma vez que não é possível que isto ocorra somente na esfera cotidiana. Assim, não há desenvolvimento do professor e ele não propicia o desenvolvimento do aluno. Nas atividades não cotidianas acontece a reprodução de formas de comportamento e pensamento da cotidianidade que não deveriam acontecer na escola.

As esferas da realidade que mais possibilitam a apropriação das objetivações humano-genéricas, de acordo com Heller (1989), são a arte e a ciência. Teoricamente, são duas esferas que deveriam constituir a vida escolar e os conteúdos ensinados na escola. Como compreender que a escola, espaço por excelência de produção de objetivações humano-genéricas - portanto, espaço da arte e da ciência - seja ocupado pela alienação e, conseqüentemente, pela esfera da vida cotidiana?

Fundamentada na Teoria do Cotidiano (Heller, 1989), a análise do material produzido constata que os elementos presentes na estrutura da cotidianidade (espontaneidade, pragmatismo, economicismo, analogia, precedentes, juízo provisório e ultrageneralização) também se encontram na prática educativa da instituição. Isto pode explicar os motivos pelos quais apenas fragmentos de teorias foram encontrados nas entrevistas, nas aulas e no projeto pedagógico da escola. Verificou-se, assim, que o pensamento e a ação dos profissionais envolvidos com a educação nesta escola não são conscientemente dirigidos e orientados por conhecimentos científicos, típicos desta esfera da realidade.

Considerando-se que cabe à escola mediar, de forma intencional e dirigida, o processo de apropriação do máximo potencial humano historicamente construído e transmitido por gerações, e que cabe ao professor mediar a elaboração e o desenvolvimento de todas as ações necessárias para se alcançar este objetivo, é fundamental que este último seja o responsável pelo planejamento intencional dos conteúdos escolares necessários para que ocorra a humanização de todos os seus alunos . Esta é também a condição de sua humanização.

Neste contexto, verifica-se que, na instituição pesquisada, a não-compreensão das teorias que podem orientar e dirigir claramente o fazer pedagógico, no que se refere aos temas da Psicologia aqui em estudo, além da absoluta influência dos elementos cotidianos no espaço do saber, têm implicações profundas no processo de apropriação dos conhecimentos, tanto por parte dos alunos como de seus educadores, o que impossibilita a humanização de todas as pessoas envolvidas neste processo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

De acordo com o objetivo inicial deste trabalho, foi possível identificar, por meio de elementos representativos de uma dada realidade escolar (apontados por professores, coordenação pedagógica, vice-direção e projeto pedagógico da escola) o modo como, na concepção dessa instituição, as pessoas aprendem e se desenvolvem. Nota-se que a compreensão dos conceitos de aprendizagem e de desenvolvimento está prejudicada e se reflete nas ações educativas da escola.

Mesmo eles possuindo formação em Psicologia2 2 A maioria dos entrevistados teve acesso a esta área do conhecimento em algum momento de sua formação. , o trabalho destes profissionais expressa como a cotidianidade invadiu um espaço específico de construção do saber. Isto levanta questões importantes sobre o modo como a Psicologia – aqui representada por meio do conhecimento científico – é trabalhada nos cursos de formação de professores.

Assim, apesar de vários elementos constitutivos, principalmente, da teoria de Piaget e de Vigotski terem sido encontrados em momentos distintos da coleta de dados, não é possível afirmar que estas concepções sejam utilizadas como referencial teórico que fundamenta as práticas educativas dessa escola. Embora estes elementos estejam presentes na proposta pedagógica e na fala dos entrevistados, não existe uma única concepção que norteie o trabalho pedagógico da escola. O que existe é uma combinação de aspectos de várias teorias, sempre permeada pela experiência imediata e não reflexiva de cada profissional.

As conclusões deste trabalho, a respeito da fragmentação do saber psicológico sobre desenvolvimento e aprendizagem e a influência do senso comum no espaço de elaboração do conhecimento científico, devem ser compartilhadas com a escola foco de investigação, dado que a finalidade desta pesquisa é proporcionar discussões/reflexões tanto sobre as implicações destas constatações para a ação de educadores e de educandos quanto sobre alternativas que possibilitem à instituição chegar à máxima possibilidade de humanização de todos os seus indivíduos.

Neste sentido, a partir dos elementos encontrados na escola e analisados por esta pesquisa, torna-se fundamental desenvolver ações que possibilitem a superação da realidade posta, uma vez que:

O homem que não se apropriou das esferas não cotidianas da vida social humana, não pode conduzir sua vida, quando assim se fizer necessário, guiado pela razão, pelo espírito crítico da lógica e da reflexão filosófica, pelos conhecimentos filosóficos e científicos produzidos e acumulados ao longo da história [...] Em suma, o homem alienado daquilo que há de mais desenvolvido nas produções do gênero humano, na cultura humana, é um homem privado de parte de sua humanidade, ou pior, desprovido daquilo que há de mais elevado no ser humano. Inclusive, de seu próprio potencial de transformação: de sua capacidade de transformar, de acordo com sua vontade e intenção, tanto a natureza como a própria sociedade que ajuda construir. Por outro lado, aquele indivíduo que se eleva acima da cotidianidade, que mantém uma relação consciente para com as esferas não cotidianas das produções humanas, tende a romper, ainda que de forma conflituosa e em apenas determinados momentos de sua vida, com essas formas de alienação. Pois a superação plena da alienação só é possível a partir da superação da forma de organização social que determina essa mesma alienação (Rossler, 2003, p. 42).

Para tanto, uma sólida formação teórica, pautada na apropriação das bases filosóficas e metodológicas dos conhecimentos da Psicologia, pode permitir a superação do ecletismo presente na união de teorias cujos pressupostos são inconciliáveis, garantindo aos profissionais da educação uma relação consciente com o que é específico de seu trabalho.

Recebido em 22/06/2005

Aceito em 04/07/2006

  • Duarte, N. (1996). Educação escolar, teoria do cotidiano e a escola de Vigotski. Campinas: Autores Associados.
  • Duarte, N. (2000). Vigotski e o "aprender a aprender": crítica às apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana Campinas: Autores Associados.
  • Heller, A. (1989). O cotidiano e a história Rio de Janeiro: Paz e Terra.
  • Patto, M. H. S. (1984). Psicologia e ideologia: uma introdução crítica à psicologia escolar São Paulo: T. A. Queiroz.
  • Patto, M. H. S. (1990). A produção do fracasso escolar: histórias de submissão e rebeldia São Paulo: T. A. Queiroz.
  • Rossler, J. H. (2003). Sedução e modismo na educação: processos de alienação na difusão do ideário construtivista Tese de Doutorado Não-Publicada, Curso de Pós-Graduação em Educação Escolar, Universidade Estadual Paulista, Araraquara, São Paulo.
  • Tanamachi, E. R. (1992). Psicologia escolar: tendências e avanços da psicologia na educação escolar Dissertação de Mestrado Não-Publicada, Curso de Pós-Graduação em Educação, Universidade Estadual Paulista, Marília, São Paulo.
  • Tanamachi, E. R. (2002, 2ª. ed). Mediações teórico-práticas de uma visão crítica em psicologia escolar. Em E. R. Tanamachi, M. Proença, & M. L. Rocha (Orgs.), Psicologia e educação: desafios teórico-práticos (pp. 73-103). São Paulo: Casa do Psicólogo.
  • Vigotski, L. S. (2000). Estudo do desenvolvimento dos conceitos científicos na infância. Em L. S. Vigotski. A construção do pensamento e da linguagem (pp. 241-394). (P. Bezerra, Trad.). São Paulo: Martins Fontes.
  • Vygotsky, L. S. (1977). Aprendizagem e desenvolvimento intelectual na idade escolar. Em  A. R. Luria, L. S. Vygotsky, & A. N. Leontiev. Psicologia e pedagogia I: bases psicológicas da aprendizagem e do desenvolvimento (pp. 31-50). (A. Rabaça, Trad.). Lisboa: Estampa.
  • Endereço para correspondência

    Aline Frollini Lunardelli Lara. Av. Otacílio Tomanik, nº 1054, ap. 64, Jardim Bonfiglioli, CEP 05363-101, São Paulo-SP, Brasil.
    E-mail:
  • 1
    Esse estudo encontra-se em versão ampliada no livro "A Construção do Pensamento e da Linguagem", do mesmo autor, especialmente no item III do capítulo 6 (pp. 295-338), publicado em 2000, pela editora Martins Fontes.
  • 2
    A maioria dos entrevistados teve acesso a esta área do conhecimento em algum momento de sua formação.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Aceito
      04 Jul 2006
    • Recebido
      22 Jun 2005
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