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Práticas educativas positivas favorecem o desenvolvimento da empatia em crianças

Positive parenting practices bring benefits to the development of empathy in children

Prácticas educativas positivas favorecen el desarrollo de la empatía en niños

Resumos

Esta pesquisa investiga a relação entre as práticas educativas e os níveis de empatia em 77 crianças, com idades entre 6 e 12 anos. Destas, 37 viviam em abrigos: oito, em um abrigo de longa permanência (Abrigo Pq); e 29 viviam em um abrigo de curta permanência (Abrigo Gr). As demais 40 crianças residiam com as próprias famílias (Lar). A empatia foi avaliada com a Escala de Empatia para Crianças e Adolescentes e mediante entrevistas baseadas em cenas de vídeo, selecionadas para eliciar raiva, tristeza, alegria e medo. As práticas educativas foram avaliadas através de entrevistas. As crianças do Abrigo Gr apresentaram escores inferiores aos das crianças do Abrigo Pq e do Lar tanto em termos de empatia quanto de práticas educativas. Este padrão de resultados sugere a existência de uma relação entre as práticas educativas adotadas pelos pais ou responsáveis e o desenvolvimento da empatia em crianças.

práticas educativas; empatia; crianças


This study aims at investigating the relationship between parenting practices and the empathy levels in 77 children with ages ranging from 6 to 12. Thirty seven of them lived in foster homes; eight lived in a shelter, which provided a long term residence (Small shelter) and 29 children lived in a short term residence shelter (Big shelter). The remaining 40 children lived at home with their own families (Home). Empathy was evaluated by using two instruments: An empathy scale for children and adolescents and interviews based on selected video clips showing scenes, which aimed at eliciting anger, sadness, happiness and fear. The parenting practices were evaluated through interviews. Big Shelter children presented lower scores both, in terms of empathy, as well as of parenting, when compared to Small Shelter and Home children, This pattern of results suggests that the practices adopted by parents or caregivers affect the development of empathy in children.

Parenting practices; empathy; children


Esta pesquisa investiga la relación entre las prácticas educativas y los niveles de empatía en 77 niños entre 6 y 12 años. De éstos, 37 vivían en abrigos: ocho en un abrigo de larga permanencia (Abrigo Pq); y 29 vivían en un abrigo de corta permanencia (Abrigo Gr). Los 40 niños restantes residían con las propias familias (Lar). La empatía fue evaluada con la Escala de Empatía a Niños y Adolescentes y de entrevistas basadas en escenas de vídeo, seleccionadas para expulsar: rabia, tristeza, alegría y miedo. Las prácticas educativas fueron evaluadas a través de entrevistas. Los niños del Abrigo Gr presentaron escores inferiores que los de los niños del Abrigo Pq y del Lar tanto en términos de empatía como de prácticas educativas. Este patrón de resultados sugiere la existencia de una relación entre las prácticas educativas adoptada por los padres o responsables y el desarrollo de la empatía en niños.

prácticas educativas; empatía; niños


DOSSIÊ- EDUCAÇÃO

Práticas educativas positivas favorecem o desenvolvimento da empatia em crianças

Positive parenting practices bring benefits to the development of empathy in children

Prácticas educativas positivas favorecen el desarrollo de la empatía en niños

Danielle da Cunha MottaI; Eliane Mary de Oliveira FalconeII; Cynthia ClarkIII; Alex C. ManhãesIV

IMestre em Psicologia

IIDoutora em Psicologia Clínica. Professora do Instituto de Psicologia e do Programa de Pós-graduação em Psicologia Social da UERJ

IIIDoutora em Psicologia Experimental. Professora do Instituto de Psicologia da UERJ

IVDoutor em Neurobiologia. Professor do Instituto de Biologia Roberto Alcântara Gomes da UERJ

Endereço para correspondência Endereço para correspondência Danielle da Cunha Motta. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rua São Francisco Xavier, 524, 2º andar, sala 60, bloco D, Maracanã, CEP 20550-900, Rio de Janeiro-RJ, Brasil. E-mail: daniellemottabr@yahoo.com.br

RESUMO

Esta pesquisa investiga a relação entre as práticas educativas e os níveis de empatia em 77 crianças, com idades entre 6 e 12 anos. Destas, 37 viviam em abrigos: oito, em um abrigo de longa permanência (Abrigo Pq); e 29 viviam em um abrigo de curta permanência (Abrigo Gr). As demais 40 crianças residiam com as próprias famílias (Lar). A empatia foi avaliada com a Escala de Empatia para Crianças e Adolescentes e mediante entrevistas baseadas em cenas de vídeo, selecionadas para eliciar raiva, tristeza, alegria e medo. As práticas educativas foram avaliadas através de entrevistas. As crianças do Abrigo Gr apresentaram escores inferiores aos das crianças do Abrigo Pq e do Lar tanto em termos de empatia quanto de práticas educativas. Este padrão de resultados sugere a existência de uma relação entre as práticas educativas adotadas pelos pais ou responsáveis e o desenvolvimento da empatia em crianças.

Palavras-chave: práticas educativas, empatia, crianças.

ABSTRACT

This study aims at investigating the relationship between parenting practices and the empathy levels in 77 children with ages ranging from 6 to 12. Thirty seven of them lived in foster homes; eight lived in a shelter, which provided a long term residence (Small shelter) and 29 children lived in a short term residence shelter (Big shelter). The remaining 40 children lived at home with their own families (Home). Empathy was evaluated by using two instruments: An empathy scale for children and adolescents and interviews based on selected video clips showing scenes, which aimed at eliciting anger, sadness, happiness and fear. The parenting practices were evaluated through interviews. Big Shelter children presented lower scores both, in terms of empathy, as well as of parenting, when compared to Small Shelter and Home children, This pattern of results suggests that the practices adopted by parents or caregivers affect the development of empathy in children.

Key words: Parenting practices, empathy, children.

RESUMEN

Esta pesquisa investiga la relación entre las prácticas educativas y los niveles de empatía en 77 niños entre 6 y 12 años. De éstos, 37 vivían en abrigos: ocho en un abrigo de larga permanencia (Abrigo Pq); y 29 vivían en un abrigo de corta permanencia (Abrigo Gr). Los 40 niños restantes residían con las propias familias (Lar). La empatía fue evaluada con la Escala de Empatía a Niños y Adolescentes y de entrevistas basadas en escenas de vídeo, seleccionadas para expulsar: rabia, tristeza, alegría y miedo. Las prácticas educativas fueron evaluadas a través de entrevistas. Los niños del Abrigo Gr presentaron escores inferiores que los de los niños del Abrigo Pq y del Lar tanto en términos de empatía como de prácticas educativas. Este patrón de resultados sugiere la existencia de una relación entre las prácticas educativas adoptada por los padres o responsables y el desarrollo de la empatía en niños.

Palabras-clave: prácticas educativas, empatía, niños.

Estudos sobre empatia em crianças têm se destacado, recentemente, em resposta a uma preocupação que se torna cada vez maior entre pais, professores e todos aqueles que, de alguma maneira, se ocupam da educação infantil: a crescente onda de violência entre crianças e adolescentes (Frey, Hirschstein & Guzzo, 2000; Massey, 1998; Weir, 2005). Porém, a relevância social deste tema é bastante abrangente e não se resume à prevenção de comportamentos violentos. Estudos atuais têm revelado que a empatia está relacionada a diversos aspectos cognitivos e afetivos da formação do ser humano, como, por exemplo, a aceitação pelos pares (Warden & Mackinnon, 2003), o ajustamento social (Crick, 1996; Strayer, 1992), o desempenho acadêmico (Cotton, s.d.) e a saúde mental (Beyers & Loeber, 2003; Blair, 1997), tornando-se, portanto, um elemento fundamental para o desenvolvimento sociocognitivo infantil.

Metaforicamente, experimentar empatia equivale a"calçar os sapatos" de alguém. De maneira mais completa, empatia pode ser definida como uma habilidade social constituída de três componentes: o cognitivo, o afetivo e o comportamental. O componente cognitivo consiste na capacidade de adotar a perspectiva dos demais e inferir seus pensamentos e sentimentos. O componente afetivo é caracterizado por uma predisposição para experimentar compaixão e preocupação com o bem-estar das outras pessoas. O componente comportamental traduz-se pela habilidade de expressar compreensão e reconhecimento para com os sentimentos e pensamentos de outrem (Falcone, 1998).

A empatia consiste em uma habilidade de comunicação intrinsecamente relacionada à formação de vínculos afetivos e à qualidade dos relacionamentos interpessoais (Falcone, 1998; Frey, Hirschstein & Guzzo, 2000; Stephan & Finlay, 1999). Os benefícios para a qualidade das interações sociais aparecem refletidos em diversos estudos (Falcone, 1998; Frey, Hirschstein & Guzzo, 2000; Stephan & Finlay, 1999). Por exemplo, os resultados do treinamento da empatia desenvolvido e implementado por Falcone (1998) indicam que o aumento do nível de empatia dos participantes (estudantes universitários) de sua pesquisa se reflete na redução de conflitos interpessoais e na melhoria qualitativa dos relacionamentos.

Por outro lado, deficiências nesta habilidade parecem promover efeitos ruins, tanto para o convívio social como para a saúde mental, gerando o acirramento de preconceitos sociais e violações dos direitos de outras pessoas (Beyers & Loeber, 2003; Blair, Colledge, Murray & Mitchell, 2001; Fernandez & Marshall, 2003; Hastings, Zahn-Waxler, Robonson, Usher & Bridges, 2000). Adicionalmente, deficiências de empatia estão presentes em padrões anti-sociais de comportamento, bem como em vários transtornos psicológicos (Blair, Colledge, Murray & Mitchell , 2001; Beyers & Loeber, 2003; Fernandez & Marshall, 2003; Hastings, Zahn-Waxler, Robinson, Usher & Bridges, 2000).

Sob uma perspectiva evolucionista, empatia expressa-se na capacidade de captar sinais emocionais nos outros, o que consiste em uma habilidade de base inata, que serve para fins de sobrevivência das espécies, com o propósito de facilitar a reprodução e a fuga de predadores, entre outros. Tomar uma atitude desfavorável para si, arriscando, por vezes, a própria vida, a fim de proteger os companheiros, por exemplo, é um comportamento comum entre animais que vivem em bandos. Os sentinelas alertam para a chegada de predadores e se expõem ao risco, mas contribuem assim para aumentar as chances de sobrevivência do seu grupo (Plutchik, 1992).

Embora a empatia não seja uma característica exclusiva da espécie humana, ela é mais desenvolvida em humanos do que em outros animais (Bjorklund, 1997; Plutchik, 1992) e, neste sentido, talvez seja realmente uma das nossas características mais especiais. Isto se justifica, em parte, pela demora dos bebês humanos em se tornarem independentes dos pais. Para garantir o cuidado de que as crianças necessitam, os adultos da espécie precisaram desenvolver cada vez mais suas qualidades de comunicação e cooperação. Em contrapartida, os bebês são predispostos, desde o nascimento, a captar e a responder a sinais socioemocionais. Tais comportamentos facilitam a vinculação afetiva com os adultos, despertando atenção e cuidados (Bjorklund, 1997). Além disto, a aprendizagem e a experiência social, na espécie humana, permitem o uso mais efetivo destas capacidades comunicativas inatas. Assim sendo, o desenvolvimento da empatia acurada em crianças depende das condições de socialização oferecidas pelo contexto em que elas crescem. Ambientes desfavoráveis, negligência e abuso podem resultar em déficits de empatia (Del Prette & Del Prette, 2003).

Em geral, as variáveis ambientais que favorecem o desenvolvimento da empatia se relacionam a um contexto que oferece à criança uma variedade de oportunidades para experimentar e expressar diferentes emoções e que satisfaz as suas necessidades físicas e emocionais, desestimulando a preocupação excessiva por si mesma. Dentre elas, têm sido destacadas as práticas educativas mais freqüentemente adotadas pelos pais ou cuidadores. Estudos (Barnett, 1992; Cotton, s.d.; Feshbach, 1992; Krevans & Gibbs, 1996; Strayer, 1992) apontam que algumas práticas favorecem, enquanto outras prejudicam o potencial empático das crianças. Por exemplo, a responsividade consistente às expressões de mal-estar da criança relaciona-se à vinculação segura, que é apontada como um suposto precursor da empatia, uma vez que desperta o interesse da criança por quem se ocupa dela. Por outro lado, a responsividade inconsistente às expressões de mal-estar e impotência da criança e a rejeição em resposta às suas necessidades relacionam-se negativamente à empatia infantil, já que promovem a preocupação autocentrada, ao invés de fortalecerem senso de segurança (Barnett, 1992).

Uma das práticas educativas mais citadas na literatura como reforçadoras das tendências empáticas da criança é a disciplina indutiva (Barnett, 1992; Cotton, s.d.; Krevans & Gibbs, 1996). Esta técnica consiste em dirigir a atenção da criança ao mal-estar da vítima, quando ela fere ou magoa outra pessoa, induzindo-a a se imaginar em seu lugar (Barnett, 1992). Como a disciplina indutiva leva a criança a refletir sobre como seu comportamento afeta os outros, seu uso tende a promover a compreensão e o sentimento empático, motivando o comportamento pró-social, em situações subseqüentes. Por outro lado, coerção e ameaça de punição, com o objetivo de melhorar o comportamento, podem promover a preocupação voltada para as conseqüências externas e prejudicar o comportamento pró-social. Do mesmo modo, o uso de castigo físico repetido parece estar relacionado a um padrão de comportamento agressivo da criança, como mostram diversas pesquisas revisadas por Feshbach (1992).

Um estudo desenvolvido por Barnett, Thompson e Pfeifer (citado por Barnett, 1992) sugere que oferecer à criança oportunidades para cuidar e ajudar os outros faz com que ela perceba a sua capacidade para aliviar o mal-estar compartilhado mutuamente e a torna mais inclinada a empatizar com os coleguinhas menos competentes. A atribuição de qualidades positivas é outra boa estratégia para promover o autoconceito pró-social. Afirmar para a criança que ela tem o poder de fazer os outros felizes, sendo gentil e generosa, e que o motivo para ela agir desta forma é que esta é a sua natureza (ex.,"aposto que você vai emprestar o seu brinquedo, porque você é um menino legal, que gosta de fazer os outros felizes") promove o autoconceito positivo e favorece o desenvolvimento da empatia (Cotton, s.d.).

Observa-se, ainda, que as crianças tendem a responder de maneira mais empática a pessoas percebidas como semelhantes a elas. Isto vale tanto para características físicas - tais como idade, gênero e etnia - quanto para experiências pessoais compartilhadas. Barnett (1992) cita um estudo realizado com pré-escolares, em que a empatia da criança com um companheiro infeliz aumentava quando ela havia tido uma experiência anterior desagradável similar, como perder num jogo, por exemplo. Neste sentido, estimular a criança a perceber os outros como semelhantes pode contribuir para o desenvolvimento e a expressão da empatia. Isto pode ser feito, proporcionando-se a ela oportunidades para ampliar suas bases de comparação, experimentando situações e emoções diferentes, a fim de favorecer sua sensibilidade diante do mal-estar dos outros. Também se pode promover a percepção de semelhança da criança com respeito às pessoas através das crenças e dos valores que se comunicam a elas e, neste caso, as crenças parentais sobre a relação entre as pessoas e grupos sociais são fundamentais (Barnett, 1992).

No Brasil, o número expressivo de crianças e adolescentes que vivem em abrigos, cerca de 20 mil (IPEA, 2003) justifica a necessidade da realização de estudos junto a essa população. Se forem considerados os fatores positivos e negativos para o desenvol-vimento da empatia relacionados anteriormente, é possível sugerir que essas crianças podem contar com algumas vantagens e outros prejuízos para o seu desenvolvimento. Por um lado, possuem uma base de comparação ampliada, a princípio, em função do número de sentimentos e situações adversas experimentados; e possuem o hábito de compartilhar, necessário para a sobrevivência nestas situações, o que contaria a seu favor. Mas, por outro, a maioria foi abandonada, negligenciada ou maltratada; e teve seus vínculos afetivos rompidos ou enfraquecidos, aspectos que abalam o senso de segurança infantil e prejudicam a capacidade empática das crianças (informações adicionais sobre abrigagem e institucionalização podem ser obtidas na Biblioteca Virtual de Psicologia: www.bvs-psi.org.br).

A literatura (Cotton, s.d; Crick, 1996; Del Prette & Del Prette, 2003) salienta a importância da empatia para o desenvolvimento infantil integrado e saudável, mas não fornece dados suficientes que indiquem a presença ou a ausência desta habilidade em crianças abrigadas. Além disso, a comparação da empatia e das práticas educativas das crianças abrigadas com as das crianças criadas em seus lares torna-se particularmente interessante quando se considera que os contextos são específicos e diferentes entre si. Os conhecimentos gerados neste estudo podem se transformar em subsídios para a implantação de programas de caráter preventivo, que contribuam para a melhoria da qualidade do atendimento prestado pelos abrigos, indicando a importância do tipo de práticas educativas adotado. Ao identificar o conjunto de práticas educativas relacionadas a indicadores de maior e menor empatia das crianças espera-se contribuir, também, para a educação oferecida para crianças que vivem em casa. As razões acima citadas justificam a realização desta pesquisa, que pretende avaliar em que contextos sociais e diante de que práticas educativas as crianças apresentam mais facilidades ou dificuldades para se tornarem empáticas. Considerando a empatia como um elemento fundamental para o desenvolvimento sociocognitivo infantil e levando em conta que fatores ambientais – práticas educativas, em particular – desempenham um papel importante no processo de desenvolvimento da empatia, este estudo compara níveis de empatia de crianças educadas pelas famílias e de crianças educadas por profissionais, em abrigos; e avalia, ainda, as práticas educativas que se adotam em cada grupo.

MÉTODO

A coleta de dados foi realizada em dois abrigos para crianças (Abrigo Pqe Abrigo Gr) e com crianças que viviam em suas casas e estudavam em uma escola municipal (este grupo é denominado neste estudo como Lar). Todas as instituições estão localizadas no mesmo bairro (Maracanã) do município do Rio de Janeiro. A faixa etária investigada obedeceu à distribuição de idades do grupo de crianças atendidas no Abrigo Pq, uma vez que este era o grupo com o menor número de indivíduos.

O Abrigo Pq funciona como um lar substituto, no qual um casal é contratado, na qualidade de pais substitutos, para assumir o cuidado das crianças. Trata-se de um abrigo misto, para meninos e meninas, com idades entre seis e 12 anos. A estrutura física é semelhante à de uma residência comum: dois quartos, sala, banheiros, cozinha, lavanderia, varanda, quintal e sala de recreação, com capacidade para atender até dez crianças; e de longa permanência (tempo médio de permanência de 18 meses).

O Abrigo Gr é uma casa de acolhida de grande porte. É composto de seis casas menores, que possuem a mesma estrutura física: alojamentos e banheiros coletivos, no andar superior; secretaria e área de lazer, no térreo. As seis casas possuem pátio, refeitório e espaço administrativo comuns. Cada uma delas tem capacidade para atender a 12 crianças, aproximadamente. Sua capacidade total é de cerca de 72 crianças. É considerado um abrigo de curta permanência (tempo médio de permanência de 6 meses). As meninas e os meninos, na faixa etária de seis a 12 anos, são distribuídos entre as seis casas menores, segundo o gênero e a idade.

A escola onde foram pesquisadas as crianças que residiam com as próprias famílias é uma instituição municipal de ensino fundamental.

Participantes

Setenta e sete crianças (29 meninas e 48 meninos) compuseram os três grupos (ver Tabela 1 para detalhes).

Material

Serão especificados e descritos, a seguir, os instrumentos utilizados para a avaliação dos participantes desta pesquisa: a) roteiro de entrevista semi-estruturada sobre práticas educativas; b) fita de vídeo com cenas de curta duração evocando raiva, tristeza, alegria e medo, as quatro emoções básicas, e roteiro de entrevista sobre elas; c) videocassete e aparelho de TV; d) Escala de Empatia para Crianças e Adolescentes - EECA (Bryant, 1982).

Constituída de 18 questões, a entrevista semi-estruturada sobre as práticas educativas, denominada aqui como Práticas, foi realizada com as crianças e procurou identificar as práticas educativas adotadas pelos principais responsáveis pela sua educação. Seu roteiro foi elaborado a partir de uma revisão bibliográfica, e procurou abranger os seguintes domínios da educação infantil: disponibilidade de apoio e calor humano; exigência e atribuição de tarefas; conseqüenciação de comportamentos inadequados; monitoração de atividades; e uso de prêmios ou subornos.

As cenas de curta duração sobre as quatro emoções básicas, denominada como Empatia/VIDEO, foram adaptadas a partir do Young Children’s Empathy Measure, desenvolvido por Poresky (1990). As cenas de vídeo foram utilizadas para avaliar a empatia em crianças de forma dinâmica, situando-as em contextos familiares para as crianças. A forma adaptada consiste em quatro cenas de curta duração (aproximadamente 0:1’30", cada uma), retiradas do filme Menino Maluquinho – O Filme (Gessy, Araújo, Ratton & Ziraldo, 1995) e gravadas em uma fita de vídeo padrão VHS. A seleção do filme para o recorte das cenas obedeceu aos seguintes critérios: idioma e contexto nacionais e a existência de cenas com princípio, meio e fim, que apresentassem contexto e emoções concordantes. A cada cena, as crianças respondem às seguintes perguntas: 1) Como você acha que o menino se sentiu nesta história? (tomada de perspectiva cognitiva: dada pela capacidade da criança de adotar a perspectiva do personagem, identificando seu sentimento); 2) Por que você acha que ele se sentiu assim? (acuidade perceptiva da emoção do personagem: aponta a compreensão que a criança é capaz de comunicar sobre a emoção do personagem); 3) E você, como se sentiu vendo isso? (tomada de perspectiva afetiva: dada pela inclinação da criança em compartilhar a emoção do personagem); 4) Por que você se sentiu assim? (acuidade perceptiva da própria emoção: aponta a capacidade da criança em comunicar a compreensão da sua própria emoção).

Por fim, a Escala de Empatia para Crianças e Adolescentes (Bryant, 1982), denominada como Empatia/EECA, consiste em um instrumento tipo ‘papel e lápis’, composto por 22 itens, que também abrangem os componentes cognitivo e afetivo da empatia. Este instrumento foi adaptado e validado para uso no Brasil, em um estudo realizado por Koller, Camino e Ribeiro (2001). Nesse estudo, a Empatia/EECA apresentou uma consistência interna satisfatória (alpha = 0,74), tendo sido recomendada a utilização da sua versão traduzida para o português.

Procedimentos

Inicialmente, os responsáveis receberam informações sobre os objetivos e os procedimentos da pesquisa e firmaram o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. Em seguida, todas as crianças também foram informadas sobre os objetivos e procedimentos da pesquisa, em linguagem apropriada, e a participação destas foi voluntária. Dentre as crianças selecionadas, apenas uma se recusou a participar.

Aplicação dos instrumentos

Todos os instrumentos foram aplicados individualmente e no mesmo dia, na seguinte seqüência: entrevista sobre as práticas educativas, Escala de Empatia/EECA e entrevista sobre a Empatia/VIDEO. A avaliação completa durava de 30 a 50 minutos.

Avaliação dos instrumentos

Para avaliar as práticas, as respostas das crianças foram categorizadas por similaridade e classificadas em positivas ou negativas, de acordo com a literatura sobre empatia (Barnett, 1992; Cotton, s.d.; Feshbach, 1992; Krevans & Gibbs, 1996) (Tabela 2). Foram atribuídos valores 0 e 1, para as práticas consideradas negativas e positivas, respectivamente, e calculada a pontuação total de cada entrevista (máximo = 18).

Tabela 2
. Critérios de Classificação das Práticas Educativas

não punitiva

educativa: conversar com a criança explicando o que ela pode e o que não pode fazer...

interessado/atencioso: demonstrar interesse pelos sentimentos e atividades da criança, estimulando-a a falar sobre eles...

caloroso: consolar; afagar, procurar alegrar...

confiável: inspirar confiança, manter segredo

oferece apoio: procurar ajudar a resolver os problemas, socorrer...

estimula a compartilhar: orienta a criança a compartilhar os brinquedos...

conta com o educador: elege o educador como pessoa a quem pedir ajuda

conta com alguém da famíla/abrigo, que não o educador: elege outra pessoa

da família para pedir ajuda (adulto)

conta com amigos (coetâneos)

atribui responsabilidade: atribui tarefas aos cuidados da criança

não usa prêmio

requer ajuda: solicitar favores ocasionais a criança

punitiva/castigo: castigar a criança com time of, ou retirando brinquedo,passeio...
punitiva/física: puxar pela orelha, lavar a boca com sabão, dar um tapa...
imperiosa: dar o brinquedo a outra criança, obrigar a dormir, mandar calar a boca...
displicente/indiferente/passiva: não tomar atitude diante de comportamentos negativos, ignorar os sentimentos e/ou atividades da criança...
não caloroso
não confiável
não estimula a compartilhar
não conta com o educador
não conta com ninguém
tem vergonha: a criança prefere não falar sobre os seus problemas porque se sente envergonhada
não atribui responsabilidade
usa prêmio: oferece prêmios para que a criança ajude, ou se comporte bem não requer ajuda

A avaliação da Empatia/EECA foi realizada de acordo com as instruções da sua padronização no Brasil: respostas empáticas pontuadas com 0; respostas não empáticas pontuadas com 1; e o escore total obtido através da soma dos pontos. Por sua vez, para avaliar a Empatia/VIDEO, foi estabelecido um critério para a pontuação das respostas baseado na combinação do afeto e na capacidade da criança para comunicar seus pensamentos e sentimentos (Tabela 3). As respostas foram avaliadas por dois juízes cegos para a situação das crianças (abrigadas ou do lar), já familiarizados com o tema empatia, que receberam informações sobre a pesquisa e foram treinados para esta tarefa. Dada a pontuação dos juízes, obteve-se um escore global (máximo = 48) e considerou-se tanto maior o nível de empatia quanto maior a pontuação.

Tabela 3
. Critérios de Pontuação das Respostas da Empatia/VÍDEO
3 - Combinação exata da emoção 3 – Expressa compreensão acurada da situação e dos sentimentos do
personagem 2 - Emoção similar, ou de igual valência 2 - Expressa compreensão coerente com a situação do personagem, apesar
de não acurada 1 - Ausência de emoção / Não sabe 1 - Expressa compreensão incoerente com a situação do personagem, ou não sabe 0 - Emoção de valência oposta

Componente afetivo

Tomada de perspectiva afetiva Acuidade perceptiva da própria emoção 3 - Combinação exata da emoção, ou preocupação e interesse manifestos pelo personagem em foco 3 - Expressa compreensão acurada da situação e dos sentimentos do
personagem em foco, considerando sua posição, ou colocando-se em seu
lugar 2 - Emoção similar, ou de igual valência 2 - Expressa compreensão coerente com a situação do personagem, apesar
de não acurada 1 - Ausência de emoção / Não sabe 1 - Expressa compreensão incoerente com a situação do personagem,
desconsiderando sua posição, ou expressando julgamento de valor, ou
não sabe 0 - Emoção de valência oposta

Análise estatística

Inicialmente, as distribuições das pontuações das variáveis utilizadas foram testadas através do teste de Kolmogorov-Smirnov para uma amostra, a fim de verificar se estas eram significativamente diferentes da normalidade. O nível de significância adotado para este teste estatístico, bem como para os demais, foi de 5%. Como não foram encontrados desvios significativos da normalidade, adotaram-se testes estatísticos paramétricos para as comparações de médias.

Para testar o efeito dos fatores local (Abrigo Gr, Abrigo Pq e Lar) e gênero (masculino e feminino) sobre as variáveis estudadas (Empatia/EECA, Empatia/Video e práticas) foi usada a análise de variância univariada (ANOVAs). Considerando-se que a literatura indica que a idade parece influenciar a empatia (Eisenberg, Murphy & Shepard, 1997; Mostow, Izard, Fine & Trentacosta, 2002; Thompson, 1992), a Idade (em anos) foi utilizada como co-variante em todas as ANOVAs. Nos casos em que o fator apresentou valor de prova significativo, análises post-hoc foram realizadas par a par, para cada item do fator, utilizando-se o teste t de Student para amostras independentes (Teste t). Todos os testes t foram precedidos pelo teste de Levene para igualdade das variâncias: nos casos em que as variâncias foram consideradas significativamente diferentes, o teste t heteroscedástico foi utilizado.

RESULTADOS

Normalidade

As distribuições das variáveis Empatia/EECA, Empatia/Vídeo e Práticas não foram consideradas significativamente diferentes da normalidade, em nenhum dos grupos pesquisados (Tabela 4).

Efeitos do local e do gênero

Verificou-se que o local promovia um efeito próximo da significância sobre a Empatia/EECA (ANOVA: F = 2,7, gl = 2; p = 0,078). O Lar atingiu a maior pontuação, seguido de perto pelo Abrigo Pq, e o Abrigo Gr obteve a menor pontuação (Tabela 5). Não foi encontrado efeito significativo do gênero sobre a Empatia/EECA (ANOVA: F = 1,0, gl = 1; p = 0,33).

A avaliação da Empatia/Vídeo foi feita por dois juízes. A concordância inicial entre eles foi de 87,6%, e a concordância final, após a conciliação, foi de 100%. A variável Empatia/Vídeo foi testada em função dos mesmos fatores: local e gênero. Observou-se que o efeito do local sobre a Empatia/Vídeo foi significativo (ANOVA: F = 25,1, gl = 2; p < 0,001). Novamente, o Abrigo Gr apresentou a menor pontuação (Tabela 5), sendo esta significativamente diferente da pontuação do Lar (Teste t:t = 5,0; p < 0,001). A diferença entre o Abrigo Gr e o Abrigo Pq aproximou-se da significância (Teste t:t = 1,8; p < 0,09). Não foi encontrada diferença significativa entre o Abrigo Pq e o Lar (Teste t:t = 1,5; p > 0,10). Também não se encontrou efeito do gênero sobre a Empatia/Vídeo (ANOVA: F = 1,0, gl = 1; p > 0,10).

As crianças do Lar mostraram-se mais hábeis do que as crianças dos demais grupos, para identificar a emoção do personagem (Tomada de Perspectiva Cognitiva - Abrigo Pq: Teste t:t = 2,8; p = 0.008. Abrigo Gr: Teste t:t = 3,4; p = 0.002). Neste sentido, os abrigos Pq e Gr não se diferenciaram entre si. As crianças do Abrigo Gr foram, ainda, menos refinadas que as do Lar, na hora de comunicar a compreensão da emoção do personagem (Acuidade Perceptiva da Emoção do Personagem - Teste t:t = 3,9; p < 0.001). Não houve diferença significativa nas outras comparações par a par para esta variável. As crianças do Abrigo Gr mostraram-se menos propensas que as crianças do Lar a compartilhar a emoção do personagem (Tomada de Perspectiva Afetiva - Teste t:t = 4,2; p < 0.001). A diferença entre as crianças do Abrigo Pq e as do Abrigo Gr aproximou-se da significância (Teste t:t = 1,9; p = 0.057). Não foi encontrada diferença significativa entre as crianças do Abrigo Pq e as do Lar. Além disto, as crianças do Lar também demonstraram mais habilidade que as crianças do Abrigo Gr para justificar o seu próprio sentimento (Acuidade Perceptiva da Própria Emoção - Teste t: t = 3,8; p < 0.001). Não houve diferença significativa nas outras comparações par a par para esta variável.

O efeito do local sobre as práticas também foi significativo (ANOVA: F = 23,4, gl = 2; p < 0,001). Foram mais positivas as práticas adotadas pelos cuidadores do Lar, seguidas pelas práticas do Abrigo Pq e, por fim, pelas do Abrigo Gr (Tabela 5). O Abrigo Gr diferiu significativamente dos outros dois grupos (Abrigo Pq: Teste t:t = 2,2; p 0,033; Lar: Teste t:t = 6,6; p = < 0,001), e a diferença entre o Abrigo Pq e Lar foi próxima da significância (Teste t:t = 2,0; p = 0,053). Neste nível de análise, não foi encontrado efeito do gênero das crianças sobre as práticas educativas adotadas pelos educadores.

Complementando as análises sobre a variável Práticas, investigou-se também o efeito do local sobre os seus cinco domínios componentes, e encontraram-se diferenças significativas em todos eles: Calor Humano (K-W: c2 = 12,77, gl = 2; p = 0,002); Atribuição de Tarefas (K-W: c2 = 7.08, gl = 2; p = 0,029); Conseqüenciação de Comportamentos Inadequados (K-W: c2 = 20,27, gl = 2; p < 0,001); Monitoramento (K-W: c2 = 15,71, gl = 2; p = 0,001); e Premiação (K-W: c2 = 9.30, gl = 2; p = 0,001).

Comparando-se os grupos dois a dois, encontrou-se o seguinte resultado: o Abrigo Pq difere do Abrigo Gr, nos domínios referentes à atribuição de tarefas (M-W: Z = 2,72; p = 0,017) e premiação (M-W: Z = 2,41; p = 0,043), e do Lar na conseqüenciação de comportamentos inadequados (M-W: Z = 2,54; p = 0,01) e na atribuição de tarefas, onde a diferença foi próxima da significância (M-W: Z = 2,24; p = 0,06); o Abrigo Gr e Lar diferem em quatro dos cinco domínios: Calor Humano (M-W: Z = 3,61; p < 0,001), Conseqüenciação (M-W: Z = 4,23; p < 0,001), Monitoramento (M-W: Z = 3,93; p < 0,001) e, finalmente, Premiação (M-W: Z = 2,65; p = 0,008). Com relação a Calor Humano, Conseqüenciação de comportamentos inadequados e Monitoramento de atividades, as práticas do Lar foram sempre mais positivas. Já o Abrigo Pq apresentou os melhores resultados quanto à Atribuição de tarefas e ao uso de prêmios para orientar o comportamento. O Abrigo Gr obteve, em todos os domínios, o menor indicador de práticas positivas.

Associação entre variáveis

Encontrou-se uma boa correlação entre as práticas e a Empatia/Video (r = 0,67; p < 0,001). A correlação entre a Empatia/EECA e as práticas foi fraca, apesar de significativa (r = 0,30; p = 0,008). Verificou-se o mesmo entre as duas medidas de empatia (EECA e Video): uma correlação fraca, porém significativa (r = 0,25; p = 0,03).

DISCUSSÃO

Quanto ao efeito do local, os resultados sugerem que, como indica a literatura revisada (Barnett, 1992; Del Prette & Del Prette, 2003; Lewis, 2002), contextos socializadores distintos realmente influenciam o nível de empatia das crianças. As duas medidas de empatia mostraram este resultado. Em ambas, as crianças educadas no Lar se revelaram mais empáticas. As maiores diferenças ocorreram entre o Lar e o Abrigo Gr, que obteve escores inferiores em todas as avaliações. As crianças do Abrigo Pq, que procura se assemelhar a uma família, obtiveram um desempenho mais próximo ao das crianças do Lar.

Em todos os itens da Empatia/Video, houve diferenças significativas entre os desempenhos dos três grupos. As crianças do Lar mostraram-se mais hábeis que as crianças dos abrigos Gr e Pq para identificar a emoção dos personagens. Além disto, as crianças do Abrigo Gr se mostraram menos propensas que as crianças do Lar a compartilhar as emoções observadas. Esta é, provavelmente, a diferença mais relevante, porque a empatia com os outros é gerada justamente por uma inclinação afetiva a compartilhar emoções (Strayer, 1992). As crianças do Abrigo Gr também se revelaram menos hábeis que as crianças do Lar para comunicar os seus sentimentos, assim como para comunicar a sua compreensão da emoção do personagem.

Com relação às Práticas, os resultados revelaram que, assim como ocorreu com a Empatia, os grupos investigados diferiram significativamente entre si: o Abrigo Pq e o Lar se assemelharam; e o Abrigo Gr, com escores mais baixos, diferiu significativamente dos outros dois. O Lar apresentou os melhores resultados nos seguintes domínios: Calor humano, Conseqüenciação de comportamentos inadequados e Monitoramento. O Abrigo Pq, por sua vez, atingiu os melhores resultados na Atribuição de tarefas e na Premiação. Novamente, as maiores diferenças ocorreram entre o Abrigo Gr e o Lar: os educadores do Lar, onde as crianças se mostraram mais empáticas, foram descritos como mais calorosos, menos punitivos, mais interessados nas atividades das crianças e menos propensos a oferecer prêmios para estimular comportamentos adequados. Estes resultados confirmam estudos anteriores que sugerem que a sensibilidade, a afetividade e a responsividade dos educadores favorecem o desenvolvimento da empatia (Barnett, 1992), enquanto as práticas punitivas e o uso de prêmios para orientar o comportamento infantil podem ser prejudiciais (Cotton, s.d.; Krevans & Gibbs, 1996).

Sem desconsiderar que outros fatores e sistemas interagem para o desenvolvimento da empatia e podem influenciar os resultados encontrados, observa-se que as variáveis Práticas e Empatia/VIDEO guardam entre si uma boa correlação: quanto mais positivamente foram relatadas as práticas educativas, mais empáticas as crianças se revelaram. Pode ser que as práticas educativas sejam determinantes para a empatia das crianças e pode ser também que a empatia da criança favoreça as práticas positivas. O mais provável é a conjunção das possibilidades. Assim, os resultados desse estudo sugerem que investir nas práticas educativas para torná-las mais positivas pode gerar oportunidades para que as crianças desenvolvam melhor o seu potencial empático.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma enorme tragédia encerrou o ano de 2004, com as ondas gigantes que devastaram a Ásia. Milhares de pessoas ao redor do mundo, sensibilizadas pela dor das vítimas das tsunamis, reuniram-se solidárias e contribuíram de alguma maneira para reconstruir as ilhas arrasadas. Esta onda do bem, movida pela compaixão, mostra como a empatia é importante para a civilização.

A empatia é fundamental para o convívio em sociedade, porque promove a compaixão, a benevolência e a tolerância, além de ser um elemento indispensável para o desenvolvimento infantil saudável e feliz. As pesquisas têm apontado diversos distúrbios socioemocionais associados a déficits em empatia, como o bullying (Gribbon & Vilaplana, 2001), a depressão (Beyers & Loeber, 2003) e a psicopatia (Blair, 1997). Juntos estes motivos parecem mais do que relevantes para que se invista no desenvolvimento empático das crianças e, como sugerem alguns autores, a infância é um período especialmente crítico para intervenções de caráter preventivo voltadas à promoção de competências sociais (Barnett, 1992; Matos, 1997).

A análise dos dados revelou que no Abrigo Gr as práticas educativas tendem a ser mais negativas que nos outros dois grupos investigados, o Abrigo Pq, e o Lar. Paralelamente, apareceu também uma tendência das crianças examinadas nos abrigos, em particular as que vivem na instituição de grande porte, a apresentarem uma desvantagem no desenvolvimento da empatia em comparação com as crianças do Lar. Embora não haja a intenção de se estabelecer uma relação de causa e efeito entre os dois fatos, verifica-se que há uma possibilidade de que uma afete o outro.

A conclusão mais evidente a que pode chegar um pesquisador, no convívio com crianças em um abrigo, é que o de que elas mais precisam é alguém que compreenda a natureza do seu sofrimento e se interesse sinceramente por elas. Esta pode não ser a consideração mais objetiva, porque se baseia apenas nas impressões do pesquisador, mas talvez seja a mais valiosa. Observa-se que os cuidadores desempenham um papel de destaque na educação das crianças nas instituições, sendo recomendável que se invista na capacitação destes profissionais para que eles possam oferecer às crianças o tratamento mais adequado ao seu desenvolvimento integrado. Vale lembrar que a missão dos educadores nos abrigos também não é das mais simples. São, em geral, dois adultos responsáveis por atender às necessidades de dez crianças que trazem na bagagem algum motivo bastante grave para terem sido abrigadas.

O treinamento em empatia realizado por Falcone (1998) mostrou resultados positivos na redução de conflitos interpessoais e na melhora qualitativa dos relacionamentos, e pode ajudar os educadores a lidar com as crianças nos abrigos. Cuidadores empáticos tendem a ser mais responsivos aos sentimentos das crianças, além de servirem como modelos de comportamento (Feshbach, 1992). Como sustenta Mann (s.d), o melhor jeito de ensinar a empatia é praticar a empatia; portanto, recomenda-se que na capacitação destes profissionais, o treinamento da empatia seja a pedra fundamental.

Finalmente, como os resultados mostram que as crianças do Abrigo Pq tiveram um desempenho mais próximo ao desempenho das crianças do Lar, recomenda-se então, em consonância com princípios do Estatuto da Criança e do Adolescente (Brasil, 1990), que os abrigos procurem prestar um cuidado personalizado e em pequenos grupos, promovendo um ambiente próximo de uma família, tanto no que tange à qualidade personalizada do atendimento quanto à sua estrutura física.

REFERÊNCIAS

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Recebido em 06/12/2005

Aceito em 02/03/2006

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  • Endereço para correspondência

    Danielle da Cunha Motta. Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rua São Francisco Xavier, 524, 2º andar, sala 60, bloco D, Maracanã, CEP 20550-900, Rio de Janeiro-RJ, Brasil.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      14 Mar 2007
    • Data do Fascículo
      Dez 2006

    Histórico

    • Recebido
      06 Dez 2005
    • Aceito
      02 Mar 2006
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