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EDITORIAL

Este ano estamos comemorando 50 anos de regulamentação da profissão de psicólogo no Brasil. Meio século nos conduz a várias reflexões, frutos da maturidade. Tal como um bebê que vem ao mundo e precisa do apoio da mãe ou de um adulto que o acolha e lhe mostre os primeiros caminhos, demos os primeiros passos, no âmbito educacional, vinculados à medicina e à psicometria, assim como estivemos presente nas primeiras Escolas Normais.

Nossa função inicial foi classificar e selecionar alunos que não estavam aprendendo na escola e, durante os nossos primeiros anos de infância, cumprimos muito bem tal tarefa, contribuindo, em muitas situações, para a disseminação do preconceito em relação aos filhos das classes trabalhadoras. No entanto, as contradições presentes na realidade nos levaram a questionar esse modelo de atendimento e então percebemos o quanto a instituição escolar reproduz a ideologia dominante, podendo contribuir para a alienação e a perpetuação da divisão de classes. Konder (1983) assinala que os homens adotam, em suas vidas, determinadas formas de representação da realidade e que, a partir "dessas maneiras de avaliar as coisas, os seres humanos criam suas escalas de valores: convencem-se do que devem esperar da vida, de como devem viver e de quais são os objetivos que devem perseguir com prioridade em suas respectivas existências" (p. 68). A Psicologia estava bem intencionada, mas não se dava conta de que a ideologia estava guiando sua forma de compreensão e intervenção na realidade.

Na transição da adolescência para a vida adulta, em uma sociedade brasileira que começou a deixar de se calar depois da repressão sentida após a revolução de 1964, o trabalho de Maria Helena de Souza Patto (1987) "Psicologia e ideologia: uma introdução crítica à psicologia escolar" trouxe elementos para que pudéssemos compreender a escola e os problemas de escolarização a partir das condições histórico-sociais que os produzem. Na década de 1980-90, já mais experiente e com um número maior de pesquisas e consolidação de intervenções em uma perspectiva crítica, a Psicologia nos brindou com a possibilidade de pensar-se como Ciência para além da vertente tradicional que individualiza e patologiza problemas de ordem social. Chegamos, finalmente, à maturidade, cujas conquistas ainda precisam ser melhor incorporadas, tanto pelos próprios profissionais como pela população em geral. Teimamos algumas vezes em repetir práticas já questionadas - como, por exemplo, a medicalização de supostos distúrbios de aprendizagem, o atendimento clínico na escola, a culpabilização da criança, família ou professor pelo fracasso escolar -, que atendem aos ditames do capital e, como afirma Mészaros (2001/2006), reafirmam a ideologia das conquistas e responsabilidades individuais pelo fracasso ou o êxito na escola. Mas, por outro lado, vislumbramos a possibilidade de desenvolver práticas e produzir textos que caminham na contramão de tais posturas, buscando apoiar iniciativas e trabalhos na escola que primam pela emancipação humana.

O momento agora é de reflexão, de pesar na balança os avanços e os recuos presentes na área. Nesse sentido, o presente volume da Revista Psicologia Escolar e Educacional aborda temáticas tais como as queixas escolares, Bullying, preconceito, violência, formação e trabalho de professores, assim como a atuação do psicólogo escolar. Na seção História, as autoras também fazem uma discussão sobre a história do campo de conhecimento e prática de Psicologia em sua relação com a educação, pontos fundamentais a serem abordados na maturidade.

Nestes anos de maturidade, além das problemáticas já apresentadas, frutos de um modelo de gestão toyotista, temos um novo embate na produção teórica: a contraposição ao produtivismo que está sendo constantemente exposto quando se trata da publicação das pesquisas. A cobrança e ânsia de produzir cada vez mais, a rapidez exigida em um modelo calcado pela flexibilização e o excesso de trabalho em contradição com o desemprego estão na agenda da Psicologia para continuar a explicar o sofrimento e o processo de alienação que vêm acometendo o trabalhador desde a divisão do trabalho. Sofrimento que circula entre os alunos que não aprendem e professores que não conseguem ensinar. Dilemas antigos a serem enfrentados nos próximos anos.

Peço desculpas aos leitores por fazer um editorial mais reflexivo, mas quando estamos fazendo 50 anos (eu e a profissão), é impossível não pensar no passado e vislumbrar o futuro. O sentimento que tenho agora é de grandes conquistas para a área e de uma avalanche de questionamentos que nossa ciência terá que responder, nesse processo de transformação da realidade que os homens estão realizando por meio do trabalho. Convido, portanto, todos a refletir, com os autores deste número da Revista, sobre o homem, em seu processo de sobrevivência e busca de uma sociedade mais igualitária.

Boa leitura.

Marilda Gonçalves Dias Facci

Editora Responsável

  • Konder, L. (1983). Marx: vida e obra (6 Ş ed.). São Paulo: Paz e Terra.
  • Mészáros, I. (2006). O Século XXI: socialismo ou barbárie? (P. C. Castanheira, Trad.) São Paulo: Boitempo. (Trabalho original publicado em 2001)
  • Patto, M. H. S. (1987). Psicologia e ideologia: uma introdução crítica à psicologia escolar São Paulo: T. A. Queiroz.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    26 Jul 2012
  • Data do Fascículo
    Jun 2012
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