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PROFESSORES DE ADOLESCENTES EM CONFLITO COM A LEI: RECURSOS, DIFICULDADES E PERCEPÇÕES

Profesores de adolescentes en conflicto con la ley: recursos, dificultades y percepciones

RESUMO

Adolescentes que cumprem medida socioeducativa de liberdade assistida têm a frequência escolar como uma obrigação. Nesse cenário, o professor tem papel central na promoção de relações proximais que auxiliem esses alunos. Objetivou-se caracterizar os recursos e as dificuldades relatadas por professores quanto ao processo de ensino-aprendizagem de adolescentes em liberdade assistida. Participaram 10 professores de alunos em liberdade assistida, de escolas públicas de uma cidade do interior paulista, os quais responderam a uma entrevista semiestruturada. As análises foram pautadas na técnica do Discurso do Sujeito Coletivo, apontando os recursos dos professores quanto ao planejamento, à didática e ao estabelecimento de vínculos; como dificuldades foram relatadas a ausência da família na escola, as lacunas de aprendizado e a não valorização da educação. Conclui-se como importantes intervenções que potencializem as habilidades sociais educativas de professores e promovam relações entre os microssistemas família e escola do alunado em liberdade assistida.

Palavras-chave:
professor; adolescente em liberdade assistida; ensino e aprendizagem

RESUMEN

Los adolescentes que cumplen medida socioeducativa de libertad asistida tienen la frecuencia escuela como obligación. En este escenario, el profesor desempeña un papel central en la promoción de relaciones proximales que ayuden a estos alumnos. se ha objetivado caracterizar los recursos y las dificultades señaladas por los profesores en relación con el proceso de enseñanza-aprendizaje de los adolescentes en libertad asistida. Participaron diez profesores de alumnos en libertad asistida, de escuelas públicas de una ciudad del interior de São Paulo, que respondieron a una entrevista semiestructurada. Los análisis se basaron en la técnica del Discurso del Sujeto Colectivo, señalando los recursos de los profesores para planificar, enseñar y establecer vínculos; se señalaron como dificultades la ausencia de la familia de la escuela, las lagunas en el aprendizaje y la no valoración de la educación. Se llega a la conclusión de la importancia de las intervenciones que potencien las habilidades sociales educativas de los profesores y fomenten las relaciones entre los microsistemas familiar y escolar de los alumnos en libertad asistida.

Palabras-clave:
profesor; adolescentes en libertad asistida; enseñanza y aprendizaje

ABSTRACT

Adolescents who comply with a socio-educational measure of probation have to attend school as an obligation. In this scenario, the teacher has a central role in promoting close relationships that help these students. The objective was to characterize the resources and difficulties reported by teachers regarding the teaching-learning process of adolescents on probation. Ten teachers of students on probation participated, from public schools in a city in the countryside of the state of São Paulo, who provided answers to a semi-structured interview. The analyzes were based on the Collective Subject Discourse technique, pointing out the teachers’ resources regarding planning, teaching, and establishing bonds; as the difficulties reported were the family’s absence at school, learning gaps and the lack of value for education. It is concluded that interventions that enhance the teachers’ social educational skills and promote relationships between the family and school microsystems of students on probation are important.

Keywords:
teacher; adolescent on probation; teaching and learning

INTRODUÇÃO

O desenvolvimento humano é um fenômeno biopsicossocial, caracterizado por estar em constante mudança, influenciando e sendo influenciado pelo meio e pelo tempo sócio-histórico (Bronfenbrenner, 2012Bronfenbrenner, U. (2012). Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed.; Bronfenbrenner & Morris, 2006Carminatti, B., & Del Pino, J. (2019). Afetividade e relação professor-aluno: contribuições destas nos processos de ensino e de aprendizagem em ciências no ensino médio. Investigações Em Ensino De Ciências, 24(1), 122-138. https://doi.org/10.22600/1518-8795.ienci2019v24n1p122
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), abarcando os componentes pessoa, processo, contexto e tempo, ou seja, as diferentes fases do ciclo vital são compreendidas de maneira sistêmica. A adolescência, situada entre 12 e 18 anos, é marcada por mudanças físicas (puberdade), sociais e afetivas; a busca pela independência afetiva em relação aos familiares, diferenciação e aproximação dos pares, aquisição de novas habilidades e comportamentos, emoções intensas são apenas algumas características (Steinberg & Morris, 2001Steinberg, L., & Morris, A. S. (2001). Adolescent development. Annual Review of Psychology, 52, 83-110. https://doi.org/10.1146/annurev.psych.52.1.83
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; World Health Organization [WHO] 2018World Health Organization(WHO). (2018). Coming of age: adolescent health. Disponível em: http://www.who.int/health-topics/adolescents/coming-of-age-adolescent-health
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;). Os adolescentes são produtos e produtores de sua trajetória de desenvolvimento (Senna & Dessen, 2012Senna, S. R., & Dessen, M. A. (2012). Contribuições das Teorias do Desenvolvimento Humano para a Concepção Contemporânea da Adolescência.Psicologia: Teoria E Pesquisa,28(1), 101-108. Recuperado dehttps://periodicos.unb.br/index.php/revistaptp/article/view/17558
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); ressalta-se assim a importância de identificar e fortalecer recursos e relações entre esses e os contextos de que participam (Senna & Dessen, 2012Senna, S. R., & Dessen, M. A. (2012). Contribuições das Teorias do Desenvolvimento Humano para a Concepção Contemporânea da Adolescência.Psicologia: Teoria E Pesquisa,28(1), 101-108. Recuperado dehttps://periodicos.unb.br/index.php/revistaptp/article/view/17558
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).

Dentre os contextos dos quais o adolescente participa, o microssistema familiar é o primeiro no qual se espera que o indivíduo receba suporte condizente com suas necessidades, estabeleça relações afetivas e vínculos sólidos (Dessen & Polonia, 2007Dessen, M. A., & Polonia, A. C. (2007). A família e a escola como contextos de desenvolvimento humano. Paidéia(Ribeirão Preto ), 17(36), 21-32. https://doi.org/10.1590/S0103-863X2007000100003
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; Wang & Sheikh-Khalil, 2014Wang M. & Sheikh-Khalil, S. (2014). Does parental involvement matter for student achievement and mental health in high school?Child Development 85(2), 610-625. https://doi.org/10.1111/cdev.12153
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), que através de relações proximais, contribuam para desfechos positivos no desenvolvimento (Elias & Marturano, 2018Elias, L.C.S. & Marturano, E.M(2016). Promovendo Habilidade de Soluções de Problemas Interpessoais em crianças. Interação em Psicologia. Curitiba, 20(1), 91-100. http://dx.doi.org/10.5380/psi.v20i1.35544
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). No que concerne ao ambiente familiar dos adolescentes em conflito com a lei, estudos têm sinalizado fragilidades importantes como a falta de apoio e investimento afetivo, monitoramento falho, dificuldades socioeconômicas severas, que atuam como fatores de risco potenciais ao desenvolvimento (Farrington, Loeber, & Ttofi; 2012Farrington, D. P., Loeber, R., & Ttofi, M. M. (2012). Risk and Protective Factors for Offending. The Oxford Handbook of Crime Prevention. Oxford: UK.; Feijó & Assis, 2004Feijó, M. C., & Assis, S. G. (2004). O contexto de exclusão social e de vulnerabilidade de jovens infratores e suas famílias. Estudos em Psicologia, 9(1), 157-166. https://doi.org/10.1590/S1413-294X2004000100017
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; Komatsu & Bazon, 2018Komatsu, A. V., & Bazon, M. R. (2018). Fatores de risco e de proteção para emitir delitos violentos: Revisão Sistemática da Literatura. Perspectivas Em Psicologia, 22(1). https://doi.org/10.14393/PPv22n1a2018-13
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).

Um segundo microssistema do qual o adolescente participa, ou deveria participar, que tem suma importância em seu desenvolvimento é a escola; esta pode atuar como um fator de proteção quando cumpre seu papel educativo e oportuniza relações proximais benéficas ao desenvolvimento (Casali-Robalinho, Del Prette, & Del Prette, 2015Casali-Robalinho, I. G., Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2015). Habilidades Sociais como Preditoras de Problemas de Comportamento em Escolares. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 31(3), 321-330. https://doi.org/10.1590/0102-37722015032110321330
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) ou como fator de risco quando não cumpre esse papel (Dessen & Polonia, 2007Dessen, M. A., & Polonia, A. C. (2007). A família e a escola como contextos de desenvolvimento humano. Paidéia(Ribeirão Preto ), 17(36), 21-32. https://doi.org/10.1590/S0103-863X2007000100003
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; Poletto & Koller, 2008Poletto, M., & Koller, S. H. (2008). Contextos ecológicos: promotores de resiliência, fatores de risco e de proteção. Estudos de Psicologia (Campinas), 25(3), 405-416. https://doi.org/10.1590/S0103-166X2008000300009
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), tornando-se um ambiente de ocorrência de conflitos interpessoais frequentes, vivências de menos valia e reprodução de estigmas sociais (Marturano & Elias, 2006Marturano, E. M. & Elias, L. C. S. (2006). O atendimento psicológico a crianças com dificuldades escolares. In: Silvares, E. F. M. (Org.). Atendimento psicológico em clínicas-escola(pp. 75-90). Campinas: Alínea.). As vivências escolares negativas como baixo desempenho, sensação de fracasso e de falta de apoio contribuem para a evasão escolar precoce e podem facilitar a aproximação do adolescente a comportamentos de risco e a condutas infracionais (Le Blanc, 2003Le Blanc, M. (2003). Trajetórias de delinquência comum, transitória e persistente: uma estratégia de prevenção diferencial. In: I., Alberto(Ed.), Comportamento Antissocial: Escola e Família(Vol. 1, pp 31-80). Coimbra: Centro de Psicopedagogia da Universidade de Coimbra.), o que se mostra frequente em adolescentes que cumprem medida socioeducativa de liberdade assistida (Silva & Bazon, 2015Silva, J. L., & Bazon, M. R. (2015). Educação escolar e conduta infracional em adolescentes: Revisão integrativa da literatura. Estudos de Psicologia, 19(4), 278-287. https://doi.org/10.1590/S1413-294X2014000400005
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).

Condutas infracionais e condutas desaprovadas socialmente (divergentes) podem ser consideradas comportamentos de experimentação, apropriação e exploração dos contextos e instituições dos quais o adolescente faz parte, em geral cessando durante a própria adolescência, de forma natural (Le Blanc, 2010Le Blanc, M. (2010). Un paradigme développemental pour la criminologie: développement et autorégulation de laconduite déviante. Criminologie, 43(2), 401-428. https://doi.org/10.7202/1001783ar
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; Komatsu & Bazon, 2015Komatsu, A. V., & Bazon, M. R. (2015) Caracterização de adolescentes do sexo masculino em relação a comportamentos antissociais. Revista Latinoamericana de Ciencias Sociales, Niñez y Juventud, 13(2),725-735. https://doi.org/10.14393/PPv24n2a2020-46620
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). Por outro lado, a depender das características dos contextos, dos processos estabelecidos, das características das pessoas envolvidas e do tempo, isso pode não cessar e como consequência, provavelmente o adolescente responderá socialmente e legalmente por isso. Nesse sentido, uma das possibilidades é a imposição de medida socioeducativa de liberdade assistida, a qual se caracteriza como uma medida pedagógica de responsabilização, sem privação de liberdade, aplicada judicialmente ao adolescente (entre 12 e 18 anos) que praticou conduta infracional. Imposta ao adolescente nos casos em que se mostra como a escolha mais adequada para sua reintegração à sociedade, a medida socioeducativa de liberdade assistida visa a redução da prática infracional pelo adolescente, o restabelecimento de vínculos familiares, além do retorno e permanência na escola (Brasil, 1990Brasil. (1990). Lei nº 8.069. Dispõe sobre o Estatuto da Criança e do Adolescente e dá outras providências. Brasília: Diário Oficial da União. Disponível em:https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm.
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).

A escola mais uma vez é posta em destaque quanto ao seu papel de promotora do desenvolvimento; no entanto, a literatura da área tem apontado para dificuldades nessa reinserção. Rocha (2014Rocha, M. F. J. (2014). Conflito, diálogo e permanência: o professor mediador, o adolescente que cometeu ato infracional e a escola (Dissertação de Mestrado), Universidade Federal de São Carlos. São Carlos- SP. Recuperado de https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/6891
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) aponta que adolescentes autores de ato infracional são vistos de maneira estigmatizada na sociedade, como estudantes que sempre apresentam baixo rendimento escolar, desrespeitam as normas e regras estabelecidas pela instituição, provocam conflitos, desestruturação e tumulto dentro da escola e ameaçam a ordem imposta pela instituição. Essa generalização de características atribuídas a esses adolescentes fragiliza sua percepção enquanto cidadãos, com direito de inclusão e permanência na escola.

Bazon, Silva e Ferrari (2013Bazon, M. R., Silva, J. L., & Ferrari, R. M. (2013). Trajetórias escolares de adolescentes em conflito com a lei. Educação Em Revista, 29(2), 175-199. https://doi.org/10.1590/S0102-46982013000200008
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) identificam em adolescentes em medidas socioeducativas padrões de trajetória escolar, tais como aquele em que há um início de escolarização positiva, mas que com o passar dos anos é seguido por experiências negativas; ou aquele caracterizado por ser majoritariamente ruim desde o início. Lima e Haracemiv (2021Lima, F. V., & Haracemiv, S. M. C. (2021). Trajetórias escolares dos/as adolescentes em conflito com a lei: revisão sistemática e integrativa. Arquivos analíticos de políticas educativas, 29(4), 1- 25. https://doi.org/10.14507/epaa.29.5410
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) sinalizam que apesar da defasagem entre a idade e série escolar esperada, repetências e evasões que marcam as trajetórias dos adolescentes em conflito com a lei, a escola pode se apresentar para parte deles como um ambiente de proteção, evidenciando a necessidade de práticas escolares que reconheçam as particularidades desses indivíduos.

A escola é reflexo das transformações que acontecem no mundo (Grimes, Rausch, & Santos, 2017Grimes, C., Rausch, R., & Santos, B. (2017). Desafios da atuação docente no ensino médio na contemporaneidade: Reflexões a partir dos dizeres de um professor de Biologia. Revista Profissão Docente, 16(34), 42-52. https://doi.org/10.31496/rpd.v16i34.930
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); assim, precisa se apresentar apta a lidar com as diferentes demandas, oferecer suporte aos pais, professores e alunos no que diz respeito ao enfrentamento dessas mudanças (Dessen & Polonia, 2007Dessen, M. A., & Polonia, A. C. (2007). A família e a escola como contextos de desenvolvimento humano. Paidéia(Ribeirão Preto ), 17(36), 21-32. https://doi.org/10.1590/S0103-863X2007000100003
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). Nesse contexto, a atuação do professor requer uma abordagem social adequada e efetiva, principalmente no que diz respeito a mediar relações e conflitos cotidianos (Grimes et al., 2017Grimes, C., Rausch, R., & Santos, B. (2017). Desafios da atuação docente no ensino médio na contemporaneidade: Reflexões a partir dos dizeres de um professor de Biologia. Revista Profissão Docente, 16(34), 42-52. https://doi.org/10.31496/rpd.v16i34.930
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). A relação professor-aluno se mostra central, uma vez que quando o professor consegue construir um vínculo sólido com seus alunos e estabelecer uma comunicação de qualidade o processo educativo como um todo é beneficiado (Guimarães & Maciel, 2021Guimarães, M., & Maciel, C. (2021). A afetividade na relação professor-aluno: Alicerces para a aprendizagem significativa. Research, Society and Development, 10(10), 1-12. https://doi.org/10.33448/rsd-v10i10.18362
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; Rodrigues, Blaszko, & Ujiie, 2021Rodrigues, G. M. M. M., Blaszko, C. E., & Ujiie, N. T. (2021). A afetividade na relação professor-aluno e o processo ensino-aprendizagem. Colloquium Humanarum, 18(1). Recuperado dehttps://revistas.unoeste.br/index.php/ch/article/view/3960
https://revistas.unoeste.br/index.php/ch...
; Valle & Williams, 2021Valle, J., & Williams, L. (2021). Engajamento Escolar: Revisão de Literatura Abrangendo Relação Professor-Aluno e Bullying. Psicologia, Teoria E Pesquisa, 37, 91-98. https://doi.org/10.1590/0102.3772e37310
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; Zuffiano et al., 2013Zuffiano, A.; Alessandri, G.; Gerbino, M.; Kanacri, B. P. L.; Di Giunta, L.; Milioni, M., & Caprara, G. V. Academic achievement: The unique contribution of self-efficacy beliefs in self-regulated learning beyond intelligence, personality traits, and self-esteem. Learning and Individual Differences, 23(1), 158-162, 2017. https://doi.org/10.1016/j.lindif.2012.07.010
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).

Carminatti e Del Pino (2019Carminatti, B., & Del Pino, J. (2019). Afetividade e relação professor-aluno: contribuições destas nos processos de ensino e de aprendizagem em ciências no ensino médio. Investigações Em Ensino De Ciências, 24(1), 122-138. https://doi.org/10.22600/1518-8795.ienci2019v24n1p122
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) acrescentam, ainda, que tal relação se constrói a partir do momento em que os professores buscam compreender os diversos contextos nos quais seus alunos estão inseridos e, portanto, indo além dos muros escolares. Nesse sentido, ter uma relação professor-aluno fortalecida, se mostra um recurso de proteção ao desenvolvimento do adolescente, tanto no que diz respeito às aprendizagens acadêmicas, quanto na superação das adversidades presentes no ambiente escolar (Achkar, Leme, Soares, & Yunes, 2017Achkar, A. M. N., Leme, V. B. R., Soares, A. B., & Yunes M. A. M. (2017). Risco e proteção de estudantes durante os anos finais do ensino fundamental. Psicologia Escolar e Educacional, 21 (3), 417-426. https://doi.org/10.1590/2175-3539/2017/021311151
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; Zuffiano et al., 2013Zuffiano, A.; Alessandri, G.; Gerbino, M.; Kanacri, B. P. L.; Di Giunta, L.; Milioni, M., & Caprara, G. V. Academic achievement: The unique contribution of self-efficacy beliefs in self-regulated learning beyond intelligence, personality traits, and self-esteem. Learning and Individual Differences, 23(1), 158-162, 2017. https://doi.org/10.1016/j.lindif.2012.07.010
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).

Frente a tantos desafios, o campo teórico prático das habilidades sociais pode atuar como um recurso aos atores escolares, pois o papel do educador não se restringe a ensinar conteúdos, mas também envolve preparar intelectualmente e contribuir com a formação social de seu alunado, sem deixar de lado as questões emocionais e de enfrentamento às situações cotidianas adversas, incluindo conflitos interpessoais (Guimarães & Maciel, 2021Guimarães, M., & Maciel, C. (2021). A afetividade na relação professor-aluno: Alicerces para a aprendizagem significativa. Research, Society and Development, 10(10), 1-12. https://doi.org/10.33448/rsd-v10i10.18362
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).

As habilidades sociais descrevem um conjunto de comportamentos sociais que são valorizados e uma determinada cultura e tempo histórico, que aumentam a probabilidade de o indivíduo obter resultados favoráveis frente a suas ações e em determinadas situações (Del Prette & Del Prette, 2017Del Prette, Z. A., & Del Prette, A. (2017). Competência Social e Habilidades Sociais: manual teórico-prático. Rio de Janeiro: Vozes.). São reconhecidas como recursos indispensáveis para o desenvolvimento humano e como fator de proteção para o enfrentamento e minimização dos danos causados pelo estresse em diversas situações, como por exemplo no cotidiano escolar, familiar e nas relações com os pares (Casali-Robalinho et al., 2015Casali-Robalinho, I. G., Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2015). Habilidades Sociais como Preditoras de Problemas de Comportamento em Escolares. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 31(3), 321-330. https://doi.org/10.1590/0102-37722015032110321330
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; Poletto & Koller, 2008Poletto, M., & Koller, S. H. (2008). Contextos ecológicos: promotores de resiliência, fatores de risco e de proteção. Estudos de Psicologia (Campinas), 25(3), 405-416. https://doi.org/10.1590/S0103-166X2008000300009
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), além de serem consideradas importantes para o convívio social e sucesso nesses ambientes (Del Prette & Del Prette, 2017Del Prette, Z. A., & Del Prette, A. (2017). Competência Social e Habilidades Sociais: manual teórico-prático. Rio de Janeiro: Vozes.).

Especificamente, no que se refere aos professores, a presença de habilidades sociais educativas pode facilitar a construção de uma relação com o aluno marcada não apenas pelo compartilhamento de conteúdo acadêmico, como também pelo diálogo, respeito e afeto (Machado, Yunes, & Silva, 2014Machado, J. A., Yunes, M. A., & Silva, G. F. (2014). A formação continuada de professores em serviço na perspectiva da abordagem ecológica do desenvolvimento humano.Contrapontos, 14(3), 512-526. https://doi.org/10.14210/contrapontos.v14n3.p512-526
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). As habilidades sociais educativas de professores podem ser definidas como um conjunto de comportamentos intencionalmente dirigidos ao ensino de alguma habilidade; caracterizadas por classes de comportamentos como boa comunicação, estabelecimento de limites e reconhecimento e expressão de afetos, as quais influenciam positivamente o desenvolvimento dos educandos (Bolsoni-Silva, Marturano, & Loureiro, 2018Bolsoni-Silva, A. T., Marturano, E. M., & Loureiro, S. R. (2018).Roteiro de Entrevista de Habilidades Sociais Educativas para Professores (RE-HSE-Pr). Manual Técnico. São Paulo: Hogrefe.; Marturano & Elias, 2006).

A atuação do professor dentro das escolas tem se tornado cada vez mais desafiadora (Mendonça & Pires, 2020Mendonça, K., & Pires, F. F. (2020). “A gente vinha porque queria e não porque era pressionado”: crianças e direitos de participação. Educação e Pesquisa, 46(1), 1-18. https://doi.org/10.1590/S1678-4634202046237794
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) e o contexto brasileiro necessita de investigações na área da Educação, buscando uma maior compreensão e aprofundamento dos fenômenos (Grimes et al., 2017Grimes, C., Rausch, R., & Santos, B. (2017). Desafios da atuação docente no ensino médio na contemporaneidade: Reflexões a partir dos dizeres de um professor de Biologia. Revista Profissão Docente, 16(34), 42-52. https://doi.org/10.31496/rpd.v16i34.930
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), analisando de forma sistêmica pessoas (atores escolares), contextos (sistemas que as pessoas participam e atuam sobre o microssistema escolar), processos (relações e variáveis que se relacionam) e tempo (momento sócio-histórico). Frente a todo esse cenário, este estudo objetivou caracterizar recursos e dificuldades relatadas por professores quanto ao processo de ensino-aprendizagem de adolescentes em medida socioeducativa de liberdade assistida.

MÉTODO

Delineamento

Tratou-se de um estudo qualitativo, com recorte transversal; segundo Minayo (2008Minayo, M. C. S. (2008). Pesquisa social: teoria, método e criatividade. Rio de Janeiro: Vozes .), esses estudos colaboram na compreensão das relações, processos e fenômenos. Para tanto, a compreensão dos dados pautou-se na técnica do Discurso do Sujeito Coletivo -DSC) (Lefèvre & Lefèvre, 2005Lefèvre, F., & Lefèvre, A. M. C. (2005). O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa (desdobramentos), Porto Alegre: EDUCS.), sob a luz da Teoria Bioecológica do Desenvolvimento Humano (Bronfenbrenner, 2012Bronfenbrenner, U. (2012). Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed.). Informa-se, ainda, que faz parte de um estudo maior com metodologia mista.

Aspectos éticos

O presente estudo foi submetido e recebeu aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa com Seres Humanos, da Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Ribeirão Preto, da Universidade de São Paulo (CAAE 15339719.0.0000.5407). A participação dos professores foi condicionada a sua concordância por meio de Termo de Consentimento Livre e Esclarecido. No que tange a riscos aos participantes, estes foram mínimos, associados a possível desconforto afetivo. A coleta foi realizada pela primeira autora desse manuscrito, psicóloga, que ofereceu o acolhimento quando necessário.

Participantes

Devido às dificuldades postas pela pandemia, decidiu-se pela realização de uma amostragem não probabilística por conveniência, utilizando a técnica de bola de neve (snowball sampling). Nesse procedimento o pesquisador convida alguns participantes e após os dados serem coletados, solicita-se que indiquem novos participantes que tenham as características necessárias para o estudo (Naderifar, Goli, & Ghaljaie, 2017Naderifar, M., Goli, H., & Ghaljaie, F. (2017). Snowball Sampling: A Purposeful Method of Sampling in Qualitative Research. Strides in Development of Medical Education, 14. https://doi.org/10.5812/sdme.67670
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). A amostra foi composta por 10 professores, sendo quatro do sexo feminino e seis do sexo masculino, com média de idade de 44 anos (DP = 6,9) e com uma média de tempo de trabalho de 14 anos (DP = 5,7). Cinco professores no momento da coleta lecionaram para adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de liberdade assistida, dentro da rede pública de ensino e as outras cinco haviam lecionado anteriormente para alunos em liberdade assistida.

Instrumentos

Para a coleta de dados, utilizou-se uma entrevista semiestruturada (elaborada a partir da literatura da área), cujo roteiro foi formado por questões sobre as vivências e percepções de professores com adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de Liberdade Assistida. A entrevista foi organizada contemplando, inicialmente, dados do participante e de sua profissão, tais como idade, tempo de profissão e por qual(is) disciplina(s) eles eram responsáveis. Em seguida, considerou questões sobre a percepção do professor sobre esses alunos em sala de aula em termos de frequência escolar, comportamentos e relacionamentos com os pares. Por fim, foram abordadas questões referentes à atuação do profissional, em termos de desafios e recursos diante da presença de alunos que cumprem medida socioeducativa de liberdade assistida.

Procedimento de coleta dos dados

A coleta de dados aconteceu entre abril e agosto de 2021. Para o recrutamento dos participantes, a pesquisadora entrou em contato com a direção de nove escolas públicas (as quais tinham entre seu alunado adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de liberdade assistida), via telefone, uma vez que as atividades presenciais estavam suspensas devido à crise sanitária causada pelo coronavírus (Covid-19). Nesse contato, os objetivos da pesquisa foram explicados e em seguida enviado um convite via e-mail da instituição para que a direção encaminhasse aos professores. Apenas dois professores aceitaram participar do estudo e assim foram agendados o dia e o horário para a entrevista, que ocorreu na escola onde eles lecionavam e em uma sala reservada. Os demais participantes foram recrutados seguindo a amostragem por bola de neve, na qual os dois primeiros participantes indicaram outros professores, os quais, por sua vez, indicaram outros. Com todos os participantes indicados, o contato foi realizado por celular diretamente com o professor e a entrevista conduzida por meio de videoconferência em dia e horário previamente agendados.

Análise e interpretação de dados

As entrevistas foram transcritas na íntegra e utilizou-se para as análises a técnica do Discurso do Sujeito Coletivo (DSC) (Lefèvre & Lefèvre, 2005Lefèvre, F., & Lefèvre, A. M. C. (2005). O discurso do sujeito coletivo: um novo enfoque em pesquisa qualitativa (desdobramentos), Porto Alegre: EDUCS.). A técnica proposta é pautada em princípios de organização e tabulação de dados qualitativos textuais que permitem elaborar o DSC. O DSC é uma síntese do discurso coletivo apresentado em primeira pessoa do singular e composto por: Expressões Chave - ECH (trechos ou transcrições literais de respostas consideradas pelo pesquisador como o conteúdo essencial das representações), Ideias Centrais - IC (nomes ou expressões sintéticas formuladas pelo pesquisador que descrevem precisamente o sentido apresentado pela junção de expressões chave) e Ancoragem - AC (expressões de teorias, de crenças ou de valores enunciados dentro do discurso). As ECHs de cada entrevista, ou seja, os trechos e falas que melhor representavam o conteúdo, foram agrupadas e, a partir disso, criadas categorias por meio de expressões sintéticas que abarcavam a soma desses sentidos e conteúdo, as ICs. Então, após as ECHs de cada entrevista serem alocadas em suas respectivas ICs, as ACs identificadas foram sublinhadas. Por fim, deu-se a construção dos DSC, apresentados nos resultados.

RESULTADOS

A seguir estão apresentados os resultados obtidos. Para o presente artigo foram selecionadas apenas as Ideias Centrais que estão relacionadas com o objetivo do estudo. A primeira IC, nomeada “Questões relativas à aprendizagem”, abarca dois DSC, sendo o primeiro: “A grande maioria apresentava atraso pedagógico, uma clara lacuna na aprendizagem, principalmente na leitura e escrita, tem aí uma falha na alfabetização. Essa dificuldade em relação à disciplina formal, às atividades que envolviam muita escrita ou muitos cálculos; as notas baixas; a pouca participação em trabalhos; a não compreensão do conteúdo de uma forma geral, faz com que eles não consigam dar conta de ficar dentro da escola porque é uma coisa que não faz sentido para eles, eles não entendem o que está acontecendo ali” (DSC formado pelo discurso de 10 participantes e uma ancoragem sublinhada).

O segundo DSC foi “Nem sempre o aluno se destacava na classificação, na nota, às vezes eram outros tipos de aprendizagens que ele trazia e a gente precisa valorizar o educando em suas dimensões múltiplas. Então havia aqueles que eram muito bons em desenho, em música e gostavam de rimar. Outros eram bons em trazer exemplos e reflexões pertinentes sobre a vida, o cotidiano e sobre as relações dele fora da escola. Além disso, eu considerava como aprendizado quando o adolescente conseguia olhar no olho e conversar em vez de gritar com o professor, pedir para beber água ou ir ao banheiro; até mesmo quando conseguia ficar quieto. Por fim tem aquele aluno que tinha uma postura de liderança em alguns momentos, que sabia se virar, que tinha essa inteligência mais no aspecto da vida social.” (DSC formado pelo discurso de 6 participantes e duas ancoragens sublinhadas).

Outra IC encontrada foi “Estratégias e recursos”, também composta por dois DSC. Com relação ao primeiro, tem-se “A primeira coisa que eu faço é tentar estreitar o vínculo, é tentar estabelecer um vínculo afetivo, acho que esse é o caminho principal para o aprendizado. E para isso acontecer, o primeiro passo é tratar com respeito, adotar uma postura de diálogo com o aluno; ter um olhar bastante atento e uma escuta qualificada. Acho que é fundamental compreender o indivíduo e compreender também o aspecto social e cultural no qual ele está inserido. Uma coisa que eu aprendi a fazer durante minha trajetória, naqueles momentos mais difíceis, foi chamar o aluno para conversar fora da sala de aula, eu tentava resolver o problema conversando com ele do lado de fora da sala. Se fosse do lado de dentro não daria certo porque ele ia querer chamar a atenção e nunca iria concordar comigo na frente dos colegas, então eu saía para tentar entrar em um acordo e não expor o aluno.” (DSC formado pelo discurso de 7 participantes e com três ancoragens).

O segundo DSC dentro dessa IC foi “Uma boa estratégia é descobrir e buscar despertar as habilidades daquele aluno, porque alguma potencialidade ele tem, alguma coisa ele gosta de fazer. Além disso, em relação aos conteúdos, é preciso tratar de temas que tenham sentido para ele, que ele compreenda a partir do contexto dele, nem que seja para começar a conversa por aí e depois trabalhar o assunto principal. Não é diminuir ou trabalhar menos o conteúdo, na verdade é adaptar aquilo que eu vou trabalhar para a realidade desse aluno, de modo que faça sentido para ele. A gente pode sempre usar recursos lúdicos, música, arte. Eu sempre promovi muitos trabalhos em grupo e essa não era uma estratégia unicamente pensada para ele, principalmente quando a turma era muito numerosa isso ajudava bastante. Penso também que esses alunos querem se sentir úteis ali, pedir coisas simples para ele como apagar a lousa, arrumar a sala, ajudar na organização dos eventos, faz com que esse aluno se abra mais e se abra ao aprendizado.” (DSC formado pelo discurso de 7 participantes e três ancoragens).

Uma terceira IC foi “Dificuldades e Desafios”, também com dois DSC, sendo um “Eu acho que a maior dificuldade é a educação fazer sentido no universo deles. Acho que eles vêm de um contexto em que a educação é colocada em segundo plano. Eles acabam interiorizando isso e vendo a escola como um lugar que eles não pertencem, que não é um ambiente de aprendizagem. Outra dificuldade é a questão das lacunas na aprendizagem acadêmica, quando o adolescente realmente não entende nada do que está sendo falado em sala de aula, quando aquele conteúdo não tem sentido nenhum para ele, fica difícil acompanhar porque falta o que deveria ter sido aprendido nos anos anteriores. A história educacional desses alunos é marcada por isso, são alunos que apresentam uma dificuldade e muitas vezes o professor não está nem aí. Claro que há exceções, mas no geral ele vai passando, série após série, mas sem um aprendizado de fato.” (DSC formado pelo discurso de 8 participantes, com duas ancoragens destacadas).

O segundo DSC trouxe “É preciso que a família trabalhe junto com a escola e talvez esse envolvimento da família seja o ponto chave. Mas o problema é que a família não quer se envolver, é mais uma tarefa, mais uma preocupação. Nas reuniões a gente relatava a dificuldade de acessar essa mãe ou esse pai, de fazer com que eles estivessem presentes. Fora que o aluno não tem uma rede de apoio, é um menino marginalizado, vulnerável que estava em uma situação de liberdade assistida com o tráfico na porta da casa dele. Esses exemplos de fora muitas vezes são mais atrativos para eles. Sem contar que a escola, a escola demora.” (DSC formado pelo discurso de 8 participantes e duas ancoragens).

Uma última IC “Papel da psicologia na escola”, também resultou em dois DSC, sendo o primeiro: “O psicólogo é fundamental nos nossos espaços de formação. Sobretudo em escolas em que a gente atua em contexto de vulnerabilidade social, de periferia. Trabalhar essa compreensão dos professores, porque tem muitos professores mergulhados em preconceito, que apresentam uma cristalização de postura, que não se abrem ao novo e que não compreendem que a escola não é só passar conteúdo previsto. Na escola o psicólogo tinha o trabalho até de nos acalmar, deixar a gente mais calmo, mais tranquilo e mediar essa relação para que a gente pudesse entender o que estava acontecendo com aquele adolescente. Inclusive, pode nos ajudar a ver que nós também já fomos adolescentes, como sujeitos de direito e sujeitos de vontade.” (DSC formado pelo discurso de 7 participantes e duas ancoragens).

O segundo DSC apresenta “A psicologia é importante para mediar os conflitos e para compreender o perfil desse educando, entender suas necessidades, suas angústias, entender qual é o projeto de vida que esse aluno almeja, mostrar que há outros projetos que não só o que bate à porta, que é o tráfico de drogas. Rodas, dinâmicas, discussões e outros trabalhos em grupo são importantes e podem fortalecer o vínculo desse educando com a escola e com seus colegas. Além disso, trabalhar com esses alunos de liberdade assistida para eles entenderem que estão em um novo espaço, de aprendizagem, e que ali eles podem construir laços de amizade, podem construir laços afetivos com seu professor e com seus amigos, podem criar um projeto de vida porque a escola oferece bastante coisa. A psicologia entraria para que ele se compreenda dentro desse novo mundo, que pode ser muito enriquecedor” (DSC formado pelo discurso de 8 participantes, com duas ancoragens).

DISCUSSÃO

O presente estudo objetivou caracterizar recursos e dificuldades relatadas por professores quanto ao processo de ensino-aprendizagem de adolescentes em liberdade assistida. As análises das entrevistas com os professores apontaram ideias centrais importantes desse processo como Questões relativas à aprendizagem, Estratégias e recursos, Dificuldades e desafios e Papel da psicologia na escola.

No que tange às Questões relativas ao aprendizado, a defasagem dos alunos relatada, considerando idade e ano escolar, os achados vão ao encontro da literatura que sinaliza essa defasagem como um fator de risco ao bom desenvolvimento dos adolescentes, pois o baixo desempenho e a sensação de fracasso contribuem para uma trajetória escolar marcada por experiências negativas (Bazon et al., 2013Bazon, M. R., Silva, J. L., & Ferrari, R. M. (2013). Trajetórias escolares de adolescentes em conflito com a lei. Educação Em Revista, 29(2), 175-199. https://doi.org/10.1590/S0102-46982013000200008
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), para a evasão escolar e aproximação do adolescente às condutas infracionais (Le Blanc, 2003Le Blanc, M. (2010). Un paradigme développemental pour la criminologie: développement et autorégulation de laconduite déviante. Criminologie, 43(2), 401-428. https://doi.org/10.7202/1001783ar
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; Silva & Bazon, 2015Silva, J. L., & Bazon, M. R. (2015). Educação escolar e conduta infracional em adolescentes: Revisão integrativa da literatura. Estudos de Psicologia, 19(4), 278-287. https://doi.org/10.1590/S1413-294X2014000400005
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). Tal defasagem educacional remete à importância dos anos iniciais da escolarização, uma vez que é nesse período que os alunos passam a compreender e a utilizar a escrita alfabética, aprimorando suas habilidades de leitura e escrita, além de solidificarem aprendizagens e expandirem seus conhecimentos (Base Nacional Comum Curricular [BNCC], 2017Base Nacional Comum Curricular(BNCC). (2017). Educação é a Base. Brasília: Ministério da Educação. Recuperado de:http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf
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); essas habilidades possibilitam que o sujeito em desenvolvimento se aproprie não apenas do conhecimento acadêmico, mas também permite um entendimento das normas sociais, resultando em uma inserção mais adequada frente à cultura e sociedade da qual faz parte. Assim, uma vez que a alfabetização é falha, não apenas o acompanhamento acadêmico dos anos posteriores é prejudicado, mas também o processo de adequação social, relacional e cultural dentro dos contextos em que o indivíduo está inserido (Schmidt & Aguiar, 2016Schmidt, L. L., & Aguiar, L. C. (2016). A alfabetização no ensino fundamental de nove anos no contexto das políticas educacionais: alguns desafios para reflexão. Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, 2395-2413. https://doi.org/10.21723/riaee.v11.n.esp4.9200
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).

Todavia, a literatura ressalta que apesar da defasagem entre a idade e série escolar esperada, repetências e evasões que marcam as trajetórias dos adolescentes em conflito com a lei, a escola ainda se apresenta para parte deles como um ambiente de proteção, evidenciando a necessidade de práticas escolares que reconheçam as particularidades desses indivíduos (Lima & Haracemiv, 2021Lima, F. V., & Haracemiv, S. M. C. (2021). Trajetórias escolares dos/as adolescentes em conflito com a lei: revisão sistemática e integrativa. Arquivos analíticos de políticas educativas, 29(4), 1- 25. https://doi.org/10.14507/epaa.29.5410
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). Nesse sentido os dados apontaram para essa busca pelas professoras por meio de diferentes estratégias com destaque à ludicidade; pensar a apropriação e participação do jovem no espaço escolar é uma tarefa desafiadora, mas essencial (Mendonça & Pires, 2020Mendonça, K., & Pires, F. F. (2020). “A gente vinha porque queria e não porque era pressionado”: crianças e direitos de participação. Educação e Pesquisa, 46(1), 1-18. https://doi.org/10.1590/S1678-4634202046237794
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). Esse resultado vai ao encontro do que traz a literatura (Coolahan, Fantuzzo, Mendez, & McDermott, 2000Coolahan, K., Fantuzzo, J., Mendez, J., & McDermott, P. (2000). Preschool peer interactions and readiness to learn: relationships between classroom peer play and learning behaviors and conduct. The American Psychological Association, 92(3), 458-465. https://doi.org/10.1037/0022-0663.92.3.458
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) sobre o efeito de atividades lúdicas para o engajamento em tarefas de aprendizagem, para colocar em prática as habilidades sociais e para o bom funcionamento das atividades e interações em classe.

Os professores relataram considerar as habilidades sociais também como aprendizagens importantes, exemplificando algumas situações como quando os adolescentes conseguem iniciar e manter um diálogo respeitoso, quando conseguem conversar olhando nos olhos ou ainda, quando respeitam alguma regra de boa convivência dentro de sala de aula. As habilidades sociais, recursos indispensáveis para o desenvolvimento humano, atuam como fator de proteção para o enfrentamento das situações escolares (Poletto & Koller, 2008Poletto, M., & Koller, S. H. (2008). Contextos ecológicos: promotores de resiliência, fatores de risco e de proteção. Estudos de Psicologia (Campinas), 25(3), 405-416. https://doi.org/10.1590/S0103-166X2008000300009
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; Casali-Robalinho et al., 2015Casali-Robalinho, I. G., Del Prette, Z. A. P., & Del Prette, A. (2015). Habilidades Sociais como Preditoras de Problemas de Comportamento em Escolares. Psicologia: Teoria e Pesquisa, 31(3), 321-330. https://doi.org/10.1590/0102-37722015032110321330
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; Del Prette & Del Prette, 2017Del Prette, Z. A., & Del Prette, A. (2017). Competência Social e Habilidades Sociais: manual teórico-prático. Rio de Janeiro: Vozes.). Os professores, nessa linha, mencionam as potencialidades de trabalhar com grupos, trazendo a oportunidade de estabelecer relações sociais e de ajuda com os pares, oportunizando a troca de conhecimentos, o aumento do repertório de habilidades sociais e a capacidade de adequar os próprios comportamentos frente aos demais. Não deixam de lado que relações de amizade se configuram como um recurso protetivo quando se mostram positivas e amparam o desenvolvimento socioemocional do adolescente, possibilitando processos proximais benéficos ao desenvolvimento (Bronfenbrenner & Morris, 2006Bronfenbrenner, U., & Morris, P. A. (2006). The Bioecological Model of Human Development. Em R. M. Lerner & W. Damon(Eds.), Handbook of child psychology: Theoretical models of human development, 793-828. Hoboken, NJ, US: John Wiley & Sons Inc.).

No que tange a ideia central de Estratégias e recursos, Dificuldades e desafios, os professores destacaram a importância de compreender os microssistemas aos quais pertencem os alunos, tanto para entendê-los de forma mais completa, quanto para poder aproximar o conteúdo que está sendo ensinado à realidade dos adolescentes (Bronfenbrenner & Morris, 2006Bronfenbrenner, U., & Morris, P. A. (2006). The Bioecological Model of Human Development. Em R. M. Lerner & W. Damon(Eds.), Handbook of child psychology: Theoretical models of human development, 793-828. Hoboken, NJ, US: John Wiley & Sons Inc.; Carminatti & Del Pino, 2019Carminatti, B., & Del Pino, J. (2019). Afetividade e relação professor-aluno: contribuições destas nos processos de ensino e de aprendizagem em ciências no ensino médio. Investigações Em Ensino De Ciências, 24(1), 122-138. https://doi.org/10.22600/1518-8795.ienci2019v24n1p122
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). “Isto significa considerar os padrões relacionais, aspectos culturais, cognitivos, afetivos, sociais e históricos que estão presentes nas interações e relações entre os diferentes segmentos” (Dessen & Polonia, 2007Dessen, M. A., & Polonia, A. C. (2007). A família e a escola como contextos de desenvolvimento humano. Paidéia(Ribeirão Preto ), 17(36), 21-32. https://doi.org/10.1590/S0103-863X2007000100003
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, p. 27).

Os professores chamaram a atenção para a busca de potencialidades e de considerar outras habilidades como a arte e/ou as reflexões em sala de aula como ponto de partida para os demais temas a serem trabalhados. Salienta-se que colocar em prática as habilidades sociais educativas dos professores não apenas facilita a construção de um ambiente de aprendizado que desperte nos educandos o desejo de fazer parte das atividades de ensino-aprendizagem (Carminatti & Del Pino, 2019Carminatti, B., & Del Pino, J. (2019). Afetividade e relação professor-aluno: contribuições destas nos processos de ensino e de aprendizagem em ciências no ensino médio. Investigações Em Ensino De Ciências, 24(1), 122-138. https://doi.org/10.22600/1518-8795.ienci2019v24n1p122
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), como também promove o sentimento de pertencimento à comunidade escolar (Achkar et al., 2017Achkar, A. M. N., Leme, V. B. R., Soares, A. B., & Yunes M. A. M. (2017). Risco e proteção de estudantes durante os anos finais do ensino fundamental. Psicologia Escolar e Educacional, 21 (3), 417-426. https://doi.org/10.1590/2175-3539/2017/021311151
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). Dessa maneira, proporcionam um aprendizado satisfatório ao aluno e oferecem suporte educativo, social e afetivo apropriados, caracterizando assim, recursos de proteção ao indivíduo em desenvolvimento (Poletto & Koller, 2008Poletto, M., & Koller, S. H. (2008). Contextos ecológicos: promotores de resiliência, fatores de risco e de proteção. Estudos de Psicologia (Campinas), 25(3), 405-416. https://doi.org/10.1590/S0103-166X2008000300009
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).

Ainda relacionado à importância de conhecer os microssistemas de que o aluno participa, os professores destacaram as dificuldades de envolvimento da família com a escolarização dos adolescentes, prejudicando a permanência e engajamento escolar desses alunos. Diante de novas demandas postas nessa fase do desenvolvimento, espera-se que a família estabeleça mecanismos de proteção ao adolescente, favorecendo seu desempenho acadêmico, convívio social e atenuando, inclusive, possíveis problemas de comportamento (Dessen & Polonia, 2007Dessen, M. A., & Polonia, A. C. (2007). A família e a escola como contextos de desenvolvimento humano. Paidéia(Ribeirão Preto ), 17(36), 21-32. https://doi.org/10.1590/S0103-863X2007000100003
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; Senna & Dessen, 2012Senna, S. R., & Dessen, M. A. (2012). Contribuições das Teorias do Desenvolvimento Humano para a Concepção Contemporânea da Adolescência.Psicologia: Teoria E Pesquisa,28(1), 101-108. Recuperado dehttps://periodicos.unb.br/index.php/revistaptp/article/view/17558
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); recursos provenientes de diferentes microssistemas exercem grande influência no desenvolvimento dos adolescentes (Senna & Dessen, 2012). Contudo, deve-se considerar as características do microssistema familiar desses adolescentes, as dificuldades de relação com a escola (marcada pela culpabilização mútua), dentre outros fatores com destaque aos macrossociais (crenças e políticas públicas, por exemplo) que impactam negativamente em seu papel de provedor de recursos ao desenvolvimento. O desenvolvimento dos indivíduos está em constante reorganização e depende das ações e interações que acontecem nos contextos de vida, bem como do equilíbrio entre os diversos sistemas (Bronfenbrenner, 2012Bronfenbrenner, U. (2012). Bioecologia do desenvolvimento humano: tornando os seres humanos mais humanos. Porto Alegre: Artmed.).

O vínculo estabelecido entre professor e aluno foi destacado como um recurso importante para o aprendizado. Esse resultado é amparado por estudos que mostram os benefícios ao processo educativo em sua totalidade quando o professor busca estabelecer um vínculo sólido com seus alunos, além de uma comunicação de qualidade (Carminatti & Del Pino, 2019Carminatti, B., & Del Pino, J. (2019). Afetividade e relação professor-aluno: contribuições destas nos processos de ensino e de aprendizagem em ciências no ensino médio. Investigações Em Ensino De Ciências, 24(1), 122-138. https://doi.org/10.22600/1518-8795.ienci2019v24n1p122
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; Guimarães & Maciel, 2021Guimarães, M., & Maciel, C. (2021). A afetividade na relação professor-aluno: Alicerces para a aprendizagem significativa. Research, Society and Development, 10(10), 1-12. https://doi.org/10.33448/rsd-v10i10.18362
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; Rodrigues et al., 2021Rodrigues, G. M. M. M., Blaszko, C. E., & Ujiie, N. T. (2021). A afetividade na relação professor-aluno e o processo ensino-aprendizagem. Colloquium Humanarum, 18(1). Recuperado dehttps://revistas.unoeste.br/index.php/ch/article/view/3960
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), tendo em vista que a relação positiva com o professor acarreta um maior engajamento do aluno nas atividades escolares (Valle & Williams, 2021Valle, J., & Williams, L. (2021). Engajamento Escolar: Revisão de Literatura Abrangendo Relação Professor-Aluno e Bullying. Psicologia, Teoria E Pesquisa, 37, 91-98. https://doi.org/10.1590/0102.3772e37310
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). Acrescenta-se que ter uma relação professor-aluno fortalecida se mostra um recurso de proteção ao desenvolvimento do adolescente, tanto no que diz respeito às aprendizagens acadêmicas, quanto na superação das adversidades presentes no ambiente escolar (Zuffiano et al., 2013Zuffiano, A.; Alessandri, G.; Gerbino, M.; Kanacri, B. P. L.; Di Giunta, L.; Milioni, M., & Caprara, G. V. Academic achievement: The unique contribution of self-efficacy beliefs in self-regulated learning beyond intelligence, personality traits, and self-esteem. Learning and Individual Differences, 23(1), 158-162, 2017. https://doi.org/10.1016/j.lindif.2012.07.010
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).

Há de se considerar que o vínculo estabelecido entre professor e aluno para o ensino-aprendizado é um processo dinâmico que vai sendo construído; assim, apesar de relatar como tendo recursos para esse processo, os professores também trouxeram dificuldades relativas ao manejo de comportamentos inadequados dos alunos e para tanto lançavam mão de diferentes estratégias que nem sempre se mostraram efetivas e inclusivas, exemplo disso foi em certas situações convidar o aluno para conversar fora de sala de aula, acreditando assim reduzir a exposição do adolescente. Soma-se a isso o relato dos professores de que, em situações conflituosas, estar frente aos pares pode resultar em enfrentamento, dificultando o diálogo com o adolescente em liberdade assistida. Essa estratégia relatada pelos professores sinaliza a utilização de recursos de que estes lançam mão como tentativa de controle da situação e/ou de evitar a exposição do aluno que já sofre com crenças e preconceitos cotidianamente.

A literatura tem apontado o estigma social e rejeição vivenciado por adolescentes em liberdade assistida (Komatsu & Bazon, 2018Komatsu, A. V., & Bazon, M. R. (2018). Fatores de risco e de proteção para emitir delitos violentos: Revisão Sistemática da Literatura. Perspectivas Em Psicologia, 22(1). https://doi.org/10.14393/PPv22n1a2018-13
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; Rocha, 2014Rocha, M. F. J. (2014). Conflito, diálogo e permanência: o professor mediador, o adolescente que cometeu ato infracional e a escola (Dissertação de Mestrado), Universidade Federal de São Carlos. São Carlos- SP. Recuperado de https://repositorio.ufscar.br/handle/ufscar/6891
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). Limites e comunicação de afetos são habilidades sociais educativas importantes que contribuem para a construção de uma relação professor-aluno caracterizada não apenas pelo compartilhamento de conteúdo e assuntos acadêmicos, como também pelo diálogo, respeito e afeto (Machado et al., 2014Machado, J. A., Yunes, M. A., & Silva, G. F. (2014). A formação continuada de professores em serviço na perspectiva da abordagem ecológica do desenvolvimento humano.Contrapontos, 14(3), 512-526. https://doi.org/10.14210/contrapontos.v14n3.p512-526
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), ou seja, relações recíprocas que possam promover desenvolvimento com desfechos positivos e funcionais. Segundo Leblanc (2003Le Blanc, M. (2010). Un paradigme développemental pour la criminologie: développement et autorégulation de laconduite déviante. Criminologie, 43(2), 401-428. https://doi.org/10.7202/1001783ar
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, 2010Le Blanc, M. (2003). Trajetórias de delinquência comum, transitória e persistente: uma estratégia de prevenção diferencial. In: I., Alberto(Ed.), Comportamento Antissocial: Escola e Família(Vol. 1, pp 31-80). Coimbra: Centro de Psicopedagogia da Universidade de Coimbra.) a escola é uma instituição que estabelece uma série de normas a todos os estudantes, exigindo que estas sejam cumpridas e nesse ponto, adolescentes em conflito com a lei apresentam resistência para seguir, internalizar regras e respeitar figuras de autoridade.

Uma última ideia central presente nos relatos dos professores foi o “Papel da psicologia na escola”. Os entrevistados trouxeram a importância desse profissional e o quanto poderiam contribuir no processo de escolarização desses alunos e no trabalho deles mesmos enquanto professores frente suas limitações profissionais. Em consonância com a preocupação relatada pelos professores, estudos consideram fundamental a promoção de formações continuadas que aprimorem as habilidades e competências dos professores (Grimes et al., 2017Grimes, C., Rausch, R., & Santos, B. (2017). Desafios da atuação docente no ensino médio na contemporaneidade: Reflexões a partir dos dizeres de um professor de Biologia. Revista Profissão Docente, 16(34), 42-52. https://doi.org/10.31496/rpd.v16i34.930
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; Rosin-Pinola et al., 2017Rosin-Pinola, A., Marturano, E., Elias, L., & Prette, Z. (2017). Ensinando habilidades sociais educativas para professores no contexto da inclusão escolar. Revista Educação Especial, 30(59), 737-750.), uma vez que eles precisam de suporte e de atualizações frente a tantas transformações às quais o ambiente escolar está sujeito.

A partir das análises realizadas ficaram claras as percepções quanto a recursos e dificuldades das professoras no que tange ao processo de ensino-aprendizagem de adolescentes que cumprem medida socioeducativa de liberdade assistida; os resultados possibilitam reflexões sobre as condições de trabalho desses professores, que lançam mão de práticas possíveis dentro de sua realidade (subjetiva, material e de formação) buscando promover a aprendizagem desses adolescentes em cumprimento de liberdade assistida dentro do contexto da educação formal.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

O presente estudo respondeu ao objetivo traçado de caracterizar os recursos e dificuldades relatadas por professores no que tange ao processo de ensino-aprendizagem de adolescentes que cumprem medida socioeducativa de liberdade assistida. A partir das análises realizadas, observa-se que as entrevistas realizadas com os professores evidenciaram recursos importantes que contribuem para o desenvolvimento dos adolescentes, mas também dificuldades que atrapalham o processo e que poderiam ser amenizadas por meio de intervenções com foco em habilidades sociais educativas e relacionamento família-escola; e ainda reforça dados existentes na literatura no que tange à defasagem escolar apresentada por esses adolescentes.

O presente estudo apresenta algumas limitações como o pequeno número de participantes e todos de uma única região; assim sugere-se estudos posteriores com maior número de participantes. Ressalta-se que faz parte de um estudo maior com delineamento misto que traz outros resultados importantes sobre o tema quer quantitativo como qualitativo baseado na narrativa dos próprios adolescentes.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Jun 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    08 Abr 2022
  • Aceito
    03 Set 2023
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