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Pesquisar arquivos, habitar o arquivo: o caso da obra A desordem das famílias 1 1 Editor responsável: Pedro Angelo Pagni. https://orcid.org/0000-0001-7505-4896 2 2 Normalização, preparação e revisão textual: Elisa Vieira. elisa.vieira@alumni.usp.br

Resumo

Baseado na premissa de que a lida com arquivos consiste em uma alternativa fecunda e viável para a pesquisa educacional, este artigo debruça-se sobre A desordem das famílias, obra de Michel Foucault e Arlette Farge em torno de um conjunto de cartas/ordens régias (lettres de cachet) do século XVIII francês. Primeiramente, são focalizadas as trajetórias de ambos os pensadores e os pontos comuns que culminaram naquela iniciativa. Em seguida, o tratamento empírico do estudo é pormenorizado, com ênfase nos aspectos procedimentais e argumentativos da análise ali realizada. Por fim, advoga-se em favor da pesquisa como um encontro transfigurador entre o/a pesquisador/a e as forças insuspeitas do arquivo mobilizado por ele/a.

Palavras-chave
Pesquisa educacional; Arquivo; Michel Foucault; Arlette Farge

Abstract

Based on the premise that dealing with archives is a fertile and viable alternative for educational research, this article focuses on the book Disorderly Families, written by Michel Foucault and Arlette Farge, about a set of eighteenth century French royal letters/orders (lettres de cachet). Firstly, we focused the trajectories of both thinkers and the commonalities that culminated in that initiative. Thereafter, the empirical treatment of the study is detailed, with emphasis on the procedural and argumentative aspects of the analysis therein. Finally, we advocate for researching as a transfiguring encounter between the researcher and the unsuspected forces of the archive mobilized by him/her.

Keywords
Educational research; Archive; Michel Foucault; Arlette Farge

Introdução

Com vistas a explorar a potencialidade da lida com arquivos na pesquisa educacional, o presente texto toma como objeto de reflexão a obra A desordem das famílias: as lettres de cachet dos Arquivos da Bastilha no século 18, de Arlette Farge e Michel Foucault. Datado de 1982, trata-se do único livro do pensador ainda não traduzido para o português. De pronto, cumpre apontar que sua rara circulação entre pesquisadores brasileiros surpreende, uma vez que ele consistiria, a rigor, no ponto alto do projeto sobre as vidas infames, conforme se verá.

De modo distinto de outras incursões analíticas de Foucault mais alargadas do ponto de vista do volume de fontes e da extensão temporal abordada, o acervo documental de A desordem das famílias é tratado de maneira exclusiva, restringindo-se ao período de três décadas (de 1728 a 1758). Outra peculiaridade é a decisão dos dois pesquisadores de reproduzir, na forma de anexos, os documentos originais: as lettres de cachet,3 3 Mediante a especificidade da expressão, optamos por mantê-la na língua original, na maior parte das menções ao longo do texto. Uma tradução aproximada seria: ordens de prisão expedidas com selo real. A expressão foi traduzida, em A sociedade punitiva (Foucault, 2015, p. 117) como “ordem régia”, e em História da Loucura como “cartas régias” (Foucault, 2005, p. 48). acompanhadas de manuscritos que compunham dossiês a elas correlatos.

O interesse pela obra radica-se não apenas no fato de se tratar do único trabalho em que Foucault se envolveu em uma escrita a quatro mãos, mas sobretudo por consistir em ocasião marcada por uma consistência argumentativa tão arguta quanto singular. Em nosso entendimento, A desordem das famílias destaca-se como uma espécie de norte procedimental ímpar para afazeres investigativos de matriz arquivística – tanto na chave foucaultiana quanto em outras modalizações teóricas que se valem de matérias documentais.

Para que se possa situar com precisão a envergadura de tal experiência teórico-metodológica, é à reunião dos dois autores que, em princípio, nossa atenção se volta.

O encontro Farge-Foucault

À época de sua associação com Foucault, Farge era uma forasteira na historiografia francesa, território em que viria, aos poucos, conquistar um lugar de destaque.

Venho da história do direito, não da história . . . . Entrei na história sem filiação, por equivalência. Quando você entra em determinada área dessa maneira, isso se torna uma desvantagem. Tive de assumir o meu lugar passo a passo, aceitar uma forma de marginalização.

(Farge, 2001Farge, A. (2001). Le siècle mineur: entretien avec Arlette Farge [Entrevista concedida a Stany Grelet e Philippe Mangeot]. Vacarme, 15, n.p., n.p., tradução nossa).

Farge formou-se em Direito e mais tarde rumou para o campo da história, sob a orientação de Robert Mandrou, historiador que integrou a segunda geração da École des Annales. Foi na elaboração de sua tese de doutorado, intitulada Délinquence et criminalité: le vol d'aliments à Paris au XVIIIe siècle e defendida em 1974, que ela teve a primeira lida com os manuscritos judiciais franceses, o que definiria seu trabalho dali em diante (Farge, 2016bFarge, A. (2016b). Arlette Farge, a trajetória de uma historiadora. [Entrevista concedida a Laurent Vidal]. Interfaces da Educação, 7(21), 271-295.). Trata-se de uma identificação singular, pois Farge não tem seu reconhecimento atrelado a uma escola de pensamento, mas sim a um arquivo específico – os documentos judiciais da Bastilha, localizados na Biblioteca do Arsenal, em Paris –, o que denota sua íntima relação com uma pesquisa arquivística de contornos definidos.

Não por acaso, quando o tema de pesquisa lhe foi sugerido por seu orientador, segundo relata, o que mais a encantou foi a oportunidade de manusear arquivos do século XVIII, os quais, em sua maioria, nunca tinham sequer sido abertos (Farge, 2016Farge, A., & Foucault, M. (2016). Disorderly families: infamous letters from the Bastille archives. Minneapolis, USA: University of Minnesota Press.b). Além do fascínio, a pesquisadora descobriria ali “uma fonte excepcional, com ele [o arquivo] pode-se interrogar a história de outra maneira” (Farge, 1998Farge, A. (1998). Historiadora: con qué objeto y con qué objetos – una entrevista con Arlette Farge. [Entrevista concedida a Elisa Cárdenas; Veronique Hebrard]. Espiral, Estudios sobre Estado y Sociedad, 5(3), 15-33., p. 17, tradução nossa).

Mais tarde, Farge aproximou-se de Jacques Revel – então editor da coleção Archives, da Editora Julliard – e deu início à pesquisa Vivre dans la rue à Paris au XVIIIe siècle, que motivou seu ingresso como pesquisadora no Centre National de la Recherche Scientifique (CNRS), consolidando seu posto na pesquisa historiográfica (Farge, 2016bFarge, A. (2016b). Arlette Farge, a trajetória de uma historiadora. [Entrevista concedida a Laurent Vidal]. Interfaces da Educação, 7(21), 271-295.).

Já mais conhecida entre pesquisadores brasileiros, a trajetória de Foucault no campo da historiografia foi anterior à de Farge, de modo que o manejo de arquivos já era uma marca distintiva de seu pensamento quando ambos se associaram em A desordem das famílias. Foucault tinha ciência do estudo inaugural de Farge antes de conhecê-la, pois a tese de doutorado da historiadora, de 1974, é mencionada em Vigiar e punir, em 1975.4 4 Em duas notas de rodapé de Vigiar e punir, Foucault menciona a pesquisa de Farge para corroborar suas asserções a respeito da vadiagem e da delinquência no século XVIII (Foucault, 1987, p. 109).

No primeiro contato entre eles,5 5 Farge apresenta duas versões para o fato: em algumas entrevistas (Farge, 1986, 1998, 2016b), diz que o primeiro contato com ele foi por meio de carta; em outra ocasião (Farge, 2016a), diz ter sido via um telefonema. Foucault solicitou a Farge que considerasse a possibilidade de publicar algumas das lettres de cachet que marcaram presença na época estudada pela pesquisadora, frisando a intenção de apresentá-las sem nenhum tipo de argumentação analítica explícita. Nas palavras dela: “Pela beleza do texto. Pela beleza do gesto. O filósofo coloca-se numa posição não reflexiva, não hesita em mostrar que se deixou dominar, voluntariamente, pela estética de uma leitura crua – oferecida a todos” (Farge, 1986Farge, A. (1986). Travailler avec Michel Foucault. Le Débat, 41, 164-167., p. 165, tradução nossa). A intenção inicial de Foucault, entretanto, foi desencorajada por Farge, sob o argumento de que, exatamente por serem textos tão belos, as lettres demandavam alguma intervenção por parte dos pesquisadores (Farge, 1998Farge, A. (1998). Historiadora: con qué objeto y con qué objetos – una entrevista con Arlette Farge. [Entrevista concedida a Elisa Cárdenas; Veronique Hebrard]. Espiral, Estudios sobre Estado y Sociedad, 5(3), 15-33.).

Iniciava-se a parceria Farge-Foucault, sempre norteada pelo arquivo, a fornecer-lhes temas, exigir cortes, convocar composições sucessivas. Em torno desse ponto comum, os dois desenvolveram um trabalho que incorporou muitos dos significados que a noção de arquivo comporta: arquivo-físico, arquivo-discurso, arquivo-montagem. Por meio dele, guiaram-se por entre acontecimentos menosprezados, rastros de vidas ordinárias, modos de existência esquecidos nos calhamaços de papéis do século XVIII.

Durante a pesquisa que originou A desordem das famílias, a Biblioteca do Arsenal foi constantemente visitada. Ali, petições, expressões de luto, recomendações da polícia e interrogatórios foram copiados à mão (Farge, 2016aFarge, A. (2016a). After words to the English edition. In A. Farge, & M. Foucault. Disorderly families: infamous letters from the Bastille archives (pp. 267-273). Minneapolis, USA: University of Minnesota Press.), oferecendo um contato direto com os dramas narrados. Houve momentos em que cada um produziu seu próprio texto, bem como outros em que a leitura e a escrita se deram em conjunto. Depois se efetuavam os cortes, pois o propósito era escrever com a maior precisão possível, desfiando os argumentos de modo a atender às exigências intelectuais e estéticas de ambos.

A fúria contida nos documentos marcou o início dos trabalhos: muitas vidas, muitas lástimas, muitos infortúnios. Cada carta escolhida foi lida atentamente, em um grande esforço para conjugar a multiplicidade dos detalhes. Embalados por aquelas “vidas poéticas”, Foucault e Farge lograram um encontro potente: “Não me lembro de nenhum desacordo, lembro-me de diálogos cuja inteligência ágil, maliciosa e, por vezes, hilariante do filósofo fazia-me eloquente” (Farge, 1986Farge, A. (1986). Travailler avec Michel Foucault. Le Débat, 41, 164-167., p. 167, tradução nossa). Cabe mencionar que havia, ainda, outro potencial denominador comum entre ambos, atinente à difícil relação de Foucault com a maioria dos historiadores franceses à época. Nesse sentido, o convite a Farge para com ele lançar-se em empreitada a quatro mãos pode ter levado também em conta o fato de a historiadora não ter estado, até então, totalmente integrada ao grupo dos “historiadores de ofício”, nos termos de Foucault (2011)Foucault, M. (2011). O estilo da história. In M. Foucault. Arte, epistemologia, filosofia e história da medicina (pp. 252-258, Coleção Ditos e Escritos, v. VII). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária..

No documentário Foucault contre lui-même, de 2015, Farge relembra o parceiro:

Eu o via frequentemente nos arquivos, embora os historiadores o criticassem por não ter pesquisado e interpretado material de arquivo. O seu interesse pelos arquivos era maior do que o de qualquer outro historiador. Ele costumava dizer que quando lia certos textos, como Eu, Pierre Rivière ou aqueles em que trabalhamos juntos na Biblioteca do Arsenal, ele sentia uma vibração física. Uma vibração física é mais do que uma emoção; é quando seu corpo começa a se mover e a ser movido. Os intelectuais são muitas vezes descritos como seres cerebrais, mas ele foi literalmente afetado algumas vezes.

(Farge, 2015Farge, A. (2015). On the perception of intolerable. In F. Caillat, et al. Foucault against himself. Vancouver, CA: Arsenal Pulp Press., n.p., tradução nossa).

A desordem das famílias é, pois, resultado da associação entre dois outsiders da historiografia francesa clássica, por meio de uma pesquisa afinada a modos outros de compreender a história, o arquivo e a função do pesquisador. Quanto às especificidades, para Foucault, a pesquisa com as lettres inseriu-se em seus estudos sobre as artes de governo nas sociedades ocidentais. Por sua vez, Farge tinha o olhar voltado às formas de existência predominantes entre camadas pobres da população francesa do século XVIII. Nomeadamente, a pesquisadora concentrava seus trabalhos, à época do livro, na investigação da rua como personagem fundamental das tramas vividas, tanto sob o viés social quanto sob o político, abordando “a história dos desclassificados sociais, dos pobres, das classes populares e da invenção de seus singulares modos de vida” (Salomon, 2016, p. 12). Apesar de distintas, as ambiências temáticas dos dois autores se complementavam mediante a exuberância analítica que aquele arquivo materializava.

Como já dito, o que também os movia era a busca por outra escrita da história, que rompesse com as barreiras das disciplinas, que conjugasse forma e conteúdo, que encarnasse o pasmo derivado dos acontecimentos ocorridos. Para tanto, cada palavra necessitava ocupar um lugar preciso (Farge, 2016Farge, A., & Foucault, M. (2016). Disorderly families: infamous letters from the Bastille archives. Minneapolis, USA: University of Minnesota Press.b), a fim de dar a ver as práticas normativas e os mecanismos veridictivos que contornaram as vidas encerradas naquele arquivo, em vez de descortinar conteúdos supostamente velados e conclusões generalizantes capazes de imputar uma linearidade artificial aos acontecimentos sob foco.

No que teria sido, segundo Farge (2016b)Farge, A. (2016b). Arlette Farge, a trajetória de uma historiadora. [Entrevista concedida a Laurent Vidal]. Interfaces da Educação, 7(21), 271-295., a única crítica francesa ao livro à época de sua publicação, o historiador Emmanuel Todd (1982)Todd, E. (1982, 5 de novembro). Ce que révèlent le lettres de cachet. Le Monde, p. 17. depreciou o fato de os dois pesquisadores minimizarem os excessos do poder absolutista e sua força de imiscuir-se em cada detalhe das vidas dos súditos. A esse respeito, tal desaprovação parece ter derivado do entendimento da dupla de que as lettres de cachet ofereciam “as possibilidades de ver um mecanismo de poder funcionar concretamente; claro que não como a manifestação de um ‘Poder’ anônimo, opressor e misterioso, mas como um complexo tecido de relações entre múltiplos parceiros” (Farge & Foucault, 1982Farge, A., & Foucault, M. (1982). Le désordre des familles: lettres de cachet des archives de la Bastille au XVIII siècle. Paris, FR: Gallimard., p. 347, tradução nossa).

Circunstanciando a tese da micropolítica do poder, Foucault (2014b, p. 149)Foucault, M. (2014b). Entrevista com M. Foucault. In M. Foucault. Genealogia da ética, subjetividade e sexualidade (pp. 141-151, Coleção Ditos e Escritos, v. IX). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária. relembra, em uma entrevista concedida no mesmo ano da publicação de A desordem das famílias:

Todo um sistema de armadilhas, de ameaças se instala com espiões, policiais, todo um pequeno mundo se estabelece muito cedo, desde os séculos XVII e XVIII. Os dossiês da biblioteca do Arsenal são muito loquazes; prendem-se operários, padres, militares, assim como membros da pequena nobreza.

Na pesquisa de Farge e Foucault, os mortos têm nome, rosto e ocupação; eles amavam-se, odiavam-se, traíam, roubavam, lutavam para sobreviver. Compondo uma história que passa ao largo dos grandes personagens, eram o restante não contabilizado na narrativa dos eventos, apenas expostos à luz quando interceptados pelas formas rudimentares de certa justiça. A atenção concedida àqueles personagens infames exibiu, sem retoques, as práticas de um tempo segundo sua complexidade característica e intransferível.

O livro-acontecimento

A despeito das escassas aparições de A desordem das famílias entre os pesquisadores foucaultianos, contamos no Brasil com um texto de referência, a cargo de Marlon Salomon, sobre a referida obra e, mais especificamente, sobre o que é por ele denominado gesto arquivístico-editorial de Foucault. Caracterizado pela “edição e publicação de textos e documentos de arquivos” (Salomon, 2019Salomon, M. (2019). “Isso não é um livro de história”: Michel Foucault e a publicação de documentos de arquivos. Topoi, 20(40), 229-252., p. 231), tal gesto teria se concentrado no período que se estende do início dos anos 1970 ao início da década seguinte, destacando-se trechos por ele traduzidos do memorial anônimo de um libertino inglês (intitulado My secret life) e as autobiografias de Pierre Rivière e Herculine Barbin, bem como A desordem das famílias: “o livro provavelmente menos lido, citado e conhecido de Foucault” (Salomon, 2019Salomon, M. (2019). “Isso não é um livro de história”: Michel Foucault e a publicação de documentos de arquivos. Topoi, 20(40), 229-252., p. 231).

No mencionado período, também como um dos pontos altos do projeto foucaultiano em torno dos habitantes das lettres de cachet, destaca-se o texto A vida dos homens infames, publicado em 1977. Contando com uma circulação mais significativa na literatura brasileira sobre Foucault, tal texto é considerado “uma obra-prima” por Gilles Deleuze (2008, p. 135)Deleuze, G. (2008). Conversações. São Paulo, SP: Editora 34., cuja reflexão sobre o uso do termo “infame” por Foucault vale ser retomada. Não era ao livro A desordem das famílias que Deleuze aí se referia, mas o argumento por ele levantado ajuda a supor o impacto que aquele arquivo havia gerado em Foucault.

Ele [o sujeito] nasce e se esvai na espessura do que se diz, do que se vê. Foucault tirará daí uma concepção muito curiosa do “homem infame”, uma concepção cheia de uma alegria discreta. . . . o homem infame não se define por um excesso no mal, mas etimologicamente como o homem comum, o homem qualquer, bruscamente iluminado por um fato corriqueiro, queixa dos vizinhos, presença da polícia, processo... É o homem confrontado ao Poder, intimado a falar e a se mostrar.

(Deleuze, 2008Deleuze, G. (2008). Conversações. São Paulo, SP: Editora 34., p. 134).

Já na biografia sobre Foucault por Didier Eribon (1990)Eribon, D. (1990). Michel Foucault, 1926-1984. São Paulo, SP: Companhia das Letras., um breve parágrafo é dedicado ao livro. Outro biógrafo do pensador, David Macey (1993)Macey, D. (1993). The lives of Michel Foucault. New York, NY: Vintage Books., é mais generoso: quatro páginas e meia. Uma contextualização detalhada da obra é oferecida mais tarde por Philippe Artières (2014, p. 139)Artières, P. (2014). A exatidão do arquivo. In P. Artières, J-F. Bert, F. Gros, & J. Ravel. Michel Foucault (pp. 137-141). Rio de Janeiro, RJ: Forense.: Foucault “copia palavra por palavra, linha após linha, várias dezenas de dossiês oficiais em folhas A4. Ele tenta também fazer estatísticas de que vários manuscritos comprovam, mas que desaparecerão por assim dizer totalmente no seio da obra”.

Vale lembrar que era antigo o interesse de Foucault pelas lettres de cachet. Ele foi registrado uma década antes da publicação de 1982: tanto no curso A sociedade punitiva quanto nas conferências no Rio de Janeiro, ambos de 1973. Nessas últimas, Foucault afirmou:

A lettre de cachet não era uma lei ou um decreto, mas uma ordem do rei que concernia a uma pessoa, individualmente, obrigando-a a fazer alguma coisa. Podia-se até obrigar alguém a se casar pela lettre de cachet. Na maioria dos casos, contudo, era um instrumento de punição.

(Foucault, 2014aFoucault, M. (2014a). A verdade e as formas jurídicas. In M. Foucault. Filosofia, diagnóstico do presente e verdade (pp. 130-244, Coleção Ditos e Escritos, v. X). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária., p. 197).

Segundo Foucault, as lettres de cachet consistiam, portanto, em uma ordem do rei dirigida a uma pessoa, e não em uma lei geral. Tratava-se de um instrumento variável de governo, pautado na exceção (embora prevista pela regra tácita), em vez de em uma lógica comum que justificasse cada deliberação. Assim, seu registro permitia acesso a casos individuais e, ao mesmo tempo, a uma dinâmica geral que se aplicava a tais casos, denotando o poder absoluto do rei. Por meio delas era possível emitir ordens de naturezas variadas: punições, privações, obrigações etc. É o que Foucault (2014a, p. 198)Foucault, M. (2014a). A verdade e as formas jurídicas. In M. Foucault. Filosofia, diagnóstico do presente e verdade (pp. 130-244, Coleção Ditos e Escritos, v. X). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária. define como uma prática parajudiciária: “como investida de uma espécie de contrapoder, poder que vinha de baixo e que permitia a grupos, a comunidades, a famílias ou a indivíduos exercer um poder sobre alguém” (Foucault, 2014aFoucault, M. (2014a). A verdade e as formas jurídicas. In M. Foucault. Filosofia, diagnóstico do presente e verdade (pp. 130-244, Coleção Ditos e Escritos, v. X). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária., p. 198).

Em outra passagem, Foucault (2010b, p. 134)Foucault, M. (2010b). Confinamento, Psiquiatria, Prisão. In M. Foucault. Repensar a política. (pp. 126-154, Coleção Ditos e Escritos, v. VI). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária. oferece uma descrição elucidativa do mecanismo operatório das lettres de cachet.

Encontramos amontoados dessas cartas, que eram escritas pelos escrivães públicos, nas esquinas das ruas. A partir do pedido do sapateiro, ou da vendedora de peixe, que queria livrar-se de seu marido, de seu filho, de seu tio, de seu padrasto etc., e que ditava ao escrivão público suas queixas. Documentos surpreendentes, porque o escrivão público explicava a seu cliente que precisava empregar tal ou tal fórmula obrigatória. Então, isso começava por: “Senhor, tenho a honra de prostrar-me a vossos pés para...” Depois vinha, com o pedido, o que o “justificava”, no vocabulário do queixoso, com suas reivindicações, seus ódios, seus tripúdios, seus gritos.

No contexto dos meados do século XVIII, as lettres de cachet, cabe frisar, não deixavam de servir a deliberações sobre negócios de Estado. Em sua maioria, porém, as cartas/ordens régias eram solicitadas por indivíduos, a fim de solucionar impasses de âmbito privado. Destarte, é no bojo das relações concretas entre as lettres de cachet e os âmbitos público e privado que Foucault e Farge justificam seu interesse pelo material que compõe o arquivo da pesquisa: “pareceu-nos que essa documentação poderia abrir perspectivas interessantes sobre toda uma vida cotidiana das classes trabalhadoras de Paris na época da Monarquia absoluta – ou ao menos durante certo período do Antigo Regime” (Farge & Foucault, 1982Farge, A., & Foucault, M. (1982). Le désordre des familles: lettres de cachet des archives de la Bastille au XVIII siècle. Paris, FR: Gallimard., p. 10, tradução nossa).

Esse tipo de documentação, já tratado anteriormente por outros pesquisadores, foi apropriado pela dupla segundo um prisma adverso: “a leitura desses dossiês nos colocou na trilha menos da raiva do soberano do que das paixões das pessoas comuns, no centro das quais encontramos as relações familiares – maridos e esposas, pais e filhos” (Farge & Foucault, 1982Farge, A., & Foucault, M. (1982). Le désordre des familles: lettres de cachet des archives de la Bastille au XVIII siècle. Paris, FR: Gallimard., p. 10, tradução nossa).

Mais especificamente, a investigação apresentada na obra concentrou-se nos dossiês referentes aos pedidos de internamento de pais contra filhos, bem como aos de maridos ou esposas contra seus cônjuges, revelando não apenas um amálgama entre os âmbitos público e privado nessa altura do Ancien Régime francês, mas também uma pulverização das relações de poder entre os súditos, eles próprios responsáveis pelas petições em favor de uma ideia incipiente de nova ordem social, doravante cadenciada pelo diapasão disciplinar.

Do começo ao final, a leitura de A desordem das famílias nos dá acesso a uma investigação minimalista, parcimoniosa ao extremo em suas investidas explicativas. De fato, é possível deduzir que Foucault e Farge lograram êxito na criação de condições para que um arquivo exuberasse per se, segundo suas formas de efetuação próprias. Nas páginas do texto, delineia-se um manuseio das fontes de pesquisa de modo destoante de uma apreensão naturalizadora da factualidade histórica. O arquivo composto nessa perspectiva ganha densidade à medida que permite vislumbrar intercâmbios entre vidas individuais e coletivas.

Se, por um lado, o resultado de A desordem das famílias é deveras parcimonioso do ponto de vista hermenêutico, por outro, o processo de pesquisa ali envolvido parece ter sido marcado, por vezes, pela rendição ao excesso descritivo, na ânsia de apresentar a profusão do arquivo sem desperdícios. É o que sugere Farge, ao afirmar que, “quando das discussões que tive com Michel Foucault sobre A desordem das famílias, ele era tomado por uma espécie de paixão, queria citar tudo” (Farge, 2004Farge, A. (2004). Entretien avec Arlette Farge: Propos recueillis par Sylvain Parent. Tracés: Revue de Sciences Humain, 5, 143-148., p. 147, tradução nossa).

O arquivo é, ali, não uma testemunha in loco das relações e dos acontecimentos nele descritos, mas a superfície fática em que os contornos virtuais de tais relações e acontecimentos se esboçam. Isso porque a própria existência das lettres de cachet como possibilidade de registro daquelas contingências concederia outra materialidade à experiência. Sob o olhar de Foucault e Farge, pode-se dizer, as lettres adquirem o estatuto de materialização de uma superfície histórica sem transcendência de nenhuma ordem. Elas apenas operam concretamente no domínio da problematização histórica (Foucault, 2004Foucault, M. (2004). Polêmica, política e problematizações. In M. Foucault. Ética, sexualidade, política (pp. 225-233, Coleção Ditos e Escritos, v. V). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária.).

O êxito alcançado pelos dois pensadores ao se aproximarem da produção de “uma publicação sem nenhum comentário” (Farge, 1986Farge, A. (1986). Travailler avec Michel Foucault. Le Débat, 41, 164-167., p. 164) talvez ajude a explicar o porquê da pífia repercussão da obra mesmo entre pesquisadores afiliados à perspectiva teórica dos dois autores. Ora, A desordem das famílias não dispõe operadores conceituais imediatos para instruir e instrumentalizar outras pesquisas, tampouco oferece pistas evidentes que poderiam ser transpostas a outros problemas investigativos. Em sentido estrito, é um trabalho pouco útil, se o que se pretende é o acesso a uma fonte teórica de metabolização e/ou aplicação imediatas. Se plausível for, trata-se apenas de um horizonte gestual. Revisitemo-lo, conhecendo em mais detalhes o arquivo analisado pela dupla.

O gesto perante o arquivo

Embora se possa dizer que as lettres de cachet constituem a fonte empírica central de A desordem das famílias, vale reforçar que eram acompanhadas de documentos a elas relacionados, compondo dossiês dos casos em tela. Nas palavras de Nancy Luxon (2016, p. 2, tradução nossa)Luxon, N. (2016). Editor’s Introduction. In A. Farge, & M. Foucault. Disorderly families: infamous letters from the Bastille archives (pp. 1-16). Minneapolis, USA: University of Minnesota Press., editora da publicação em língua inglesa: “Cada dossiê oferece um vislumbre de uma vida em uma encruzilhada – uma vida emoldurada pela carta de acusação, pelas respostas indignadas da comitiva social do acusado, pelas notas lacônicas do tenente-general, escritas sucintamente nas margens dos documentos”. Assim, a leitura de Farge e Foucault se baseia nas lettres, mas é também sustentada pelas reverberações flagradas nos dossiês.

Dividido em três seções, além de uma Apresentação, o livro centra-se em duas temáticas específicas nas duas seções primeiras – discórdias entre casais e queixas envolvendo pais e filhos – e inclui, a título de encerramento, uma seção mais abrangente, acerca das circunstâncias em que se dirigia ao rei à época investigada. Embora as seções sejam apresentadas sem distinção de autoria, Farge (2016b)Farge, A. (2016b). Arlette Farge, a trajetória de uma historiadora. [Entrevista concedida a Laurent Vidal]. Interfaces da Educação, 7(21), 271-295. admitiu mais tarde que ela se responsabilizou pela seção sobre as discórdias dos casais e Foucault pela seção subsequente.

Logo ele (M. Foucault) me disse preferir analisar as relações pais-filhos do que as relações de casal; se está em plena época do feminismo e ele prefere me deixar encarregada de trabalhar sobre as relações homens-mulheres. . . . E depois nós decidimos escrever juntos a introdução e a conclusão, depois separadamente os capítulos: “pais-filhos” e “mulheres-homens”.

(Farge, 2016bFarge, A. (2016b). Arlette Farge, a trajetória de uma historiadora. [Entrevista concedida a Laurent Vidal]. Interfaces da Educação, 7(21), 271-295., p. 276).

Acompanhando cada uma das duas seções, aparece a porção do arquivo que as subsidiou, de modo que a parte majoritária da publicação original é composta pelos próprios documentos analisados, demonstrando a intenção de um trabalho de pesquisa que desse voz ao arquivo, em e por si próprio. Em consonância, destaca-se o tom amiúde descritivo da escrita dos autores. Ainda assim, o texto não se furta a evidenciar o rastro analítico que o conduziu. Nada há de aleatório nos crivos temáticos utilizados, tampouco nas escolhas por este ou aquele personagem que se destaca entre requerentes e acusados, ou por este ou aquele evento denunciado nas petições.

No que concerne à primeira seção do texto, as petições referentes aos impasses entre casais somam um terço do total das lettres de cachet de família, sendo menos numerosas do que aquelas sobre as contendas entre pais e filhos. No primeiro caso, vê-se como ali estão descritas, pelo negativo, as condutas esperadas para a vida em família de então. Se os fatos narrados eram verdadeiros ou não, pouco importa ao olhar de Farge-Foucault, pois a superfície das apelações remetia às “normas fora das quais a vida em comum não é mais possível” (Farge & Foucault, 1982Farge, A., & Foucault, M. (1982). Le désordre des familles: lettres de cachet des archives de la Bastille au XVIII siècle. Paris, FR: Gallimard., p. 23, tradução nossa).

O foco das petições sobre casais era o que se denominava “devassidão”:

“Devassidão”, eis a palavra mais utilizada, aquela que mais aparece na pena dos escrivães públicos, palavra-chave, palavra imprecisa, porém, e que parece resumir em si toda a falta do mundo sem nunca se demorar a dar o sentido exato, o conteúdo verdadeiro.

(Farge & Foucault, 1982Farge, A., & Foucault, M. (1982). Le désordre des familles: lettres de cachet des archives de la Bastille au XVIII siècle. Paris, FR: Gallimard., p. 32, tradução nossa).

Tratava-se de casos de imoralidade, adultério, sodomia, embriaguez, dilapidação de patrimônio, entre outras atitudes consideradas anômalas, ou seja, condutas inadmissíveis na comunidade local, mas não previstas na lei penal. As denúncias dirigidas ao Rei sobre as más condutas ocupavam um espaço deixado vazio pelo sistema jurídico e traziam apelos de intervenção nos comportamentos individuais, nas maneiras de viver, na normatividade sexual, nas relações com a autoridade. As práticas sociais eram reportadas pelo viés do desvio, mormente do excesso, demarcando o contraste em relação à moral e à ordem, a quebra da regularidade de um almejado cotidiano exemplar à época.

Em resumo, má conduta pode ser delineada por uma pessoa que se devota a outras coisas que não o seu trabalho, sua casa ou a economia da família. Ele ou ela vai para o cabaré, ele ou ela volta para casa apenas ocasionalmente, ela vai com os soldados, ele comete fraudes ou deixa o trabalho com muita frequência, ela perverte-se com mulheres de má reputação. Estes são todos tipos de excessos que têm em comum o fato de que foram cometidos fora da geografia tradicional dos espaços do trabalho e da família.

(Farge & Foucault, 1982Farge, A., & Foucault, M. (1982). Le désordre des familles: lettres de cachet des archives de la Bastille au XVIII siècle. Paris, FR: Gallimard., p. 30, tradução nossa).

As petições desenhavam, assim, uma tipologia da devassidão, das condutas irregulares organizadas com base nos relatos da parte afetada e na chancela dos espectadores no entorno dos casais, pois “não existe escândalo sem o olhar alheio, e as petições são, em quase todos os casos, assinadas por alguns vizinhos, inquilinos ou padres” (Farge & Foucault, 1982Farge, A., & Foucault, M. (1982). Le désordre des familles: lettres de cachet des archives de la Bastille au XVIII siècle. Paris, FR: Gallimard., p. 36, tradução nossa). Outra queixa comum entre casais era a “dissipação”, geralmente se referindo à resistência ao trabalho e à perda de bens, tendo como ápice a venda da própria cama: “‘Ele vendeu até sua cama’; ‘Ele vendeu até a cama de seus filhos’; ‘Ela até levou minha cama’. Uma peça de mobiliário essencial e singular: mesmo quando não se tem nada, ainda se tem uma cama” (Farge & Foucault, 1982Farge, A., & Foucault, M. (1982). Le désordre des familles: lettres de cachet des archives de la Bastille au XVIII siècle. Paris, FR: Gallimard., p. 29, tradução nossa).

Elemento que merece destaque na mirada de Farge-Foucault é a presença de testemunhas nas petições – em geral, vizinhos, parentes e religiosos –, constituindo elos indispensáveis nos pedidos endereçados ao Rei: “o casal vive observado, seguido, acompanhado pelos vizinhos, sejam eles habitantes da casa ou comerciantes de rua, comissários de bairro ou párocos. . . . A exigência do confinamento torna-se então um ato que também é realizado pelos outros” (Farge & Foucault, 1982Farge, A., & Foucault, M. (1982). Le désordre des familles: lettres de cachet des archives de la Bastille au XVIII siècle. Paris, FR: Gallimard., p. 35-36, tradução nossa). Conectando o domínio público ao privado, às testemunhas atribuía-se o papel de mediação das relações de poder, marcando a demanda por uma intervenção que atendesse às necessidades de determinada normalidade e que restituísse a honra dos requerentes.

Já com relação à segunda seção do texto, com base nos dados sobre a faixa etária – principalmente concentrada no intervalo entre os 20 e 25 anos – de filhos/as que eram alvo das lettres de cachet por iniciativa de seus pais, deriva uma breve análise sobre a fase crítica representada pelas relações entre eles quando é posta em xeque a autoridade imediata dos progenitores para exercer punições ou medidas de correção.

Esse período quando os filhos atingem os vinte e cinco anos representa, pois, o tempo de prova para a unidade familiar, o momento em que a coexistência de gerações se torna mais penosa, e quando os problemas que ela se coloca – bem como os meios de resolvê-los – não podem mais se enquadrar exatamente nos limites constituídos pela família.

(Farge & Foucault, 1982Farge, A., & Foucault, M. (1982). Le désordre des familles: lettres de cachet des archives de la Bastille au XVIII siècle. Paris, FR: Gallimard., p. 158, tradução nossa).

Se o escopo familiar já não era mais suficiente para solucionar internamente os conflitos, tampouco a máquina judiciária era o recurso almejado para tanto: “ela é pesada e lenta; ela é sempre cara e muitas vezes infame” (Farge & Foucault, 1982Farge, A., & Foucault, M. (1982). Le désordre des familles: lettres de cachet des archives de la Bastille au XVIII siècle. Paris, FR: Gallimard., p. 158, tradução nossa). Daí serem as lettres de cachet uma alternativa viável para a circunstância, em que “a autoridade da família encontra seu apoio na do príncipe monárquico” (Farge & Foucault, 1982Farge, A., & Foucault, M. (1982). Le désordre des familles: lettres de cachet des archives de la Bastille au XVIII siècle. Paris, FR: Gallimard., p. 158, tradução nossa). Explicita-se, assim, sob o olhar de Farge-Foucault, que ali estava em pauta certa transferência de autoridade da esfera privada para o domínio público.

Segundo os autores, havia diferentes razões para se desejar o internamento dos filhos: “a expulsão definitiva – da qual se livra e não se ouve mais falar – ou a reabsorção completa – quando se quer que se regresse, mas arrependido e dócil. A segunda solução é a desejada com mais frequência” (Farge & Foucault, 1982Farge, A., & Foucault, M. (1982). Le désordre des familles: lettres de cachet des archives de la Bastille au XVIII siècle. Paris, FR: Gallimard., p. 165, tradução nossa). Os pedidos de envio para as Ilhas6 6 Segundo explicação que consta na edição americana de A desordem das famílias, o envio de criminosos para as Ilhas parecia ser uma forma de aliviar a multidão em prisões e hospitais parisienses. A menção geralmente se refere às Ilhas das Índias Ocidentais francesas (incluindo Île de la Désirade, Saint-Domingue, Martinica, Guadalupe e Tortuga) (Farge & Foucault, 2016). são ilustrativos do primeiro caso.

Eles manifestam o desejo de ruptura total e definitiva: das Ilhas nada sabemos; é muito difícil escrever de lá, praticamente nunca se regressa de lá e, outra vantagem para a família, não tem de pagar pensão. . . . O envio às Ilhas ressoa profundamente com o imaginário do povo: invisível e existente, a ilha é um ‘não-lugar’ onde a marca da falta desaparece silenciosamente.

(Farge & Foucault, 1982Farge, A., & Foucault, M. (1982). Le désordre des familles: lettres de cachet des archives de la Bastille au XVIII siècle. Paris, FR: Gallimard., p. 166, tradução nossa).

Em certa medida, o escândalo – ou o medo dele – era um protagonista de monta nas petições, sendo um dos principais motores a impulsionar os pais nas queixas sobre seus filhos, assim como ocorria nas petições conjugais. As lettres de cachet permitiam manter o escândalo em segredo, sem a exposição que os demais encaminhamentos judiciários acarretavam.

Também a desonra aparece como um denominador comum entre a população pobre, a burguesia e os aristocratas. Se havia necessidade de evitar ou responder ao escândalo, era também, em grande medida, em nome da honra que se realizavam as petições: “É de surpreender a insistência com que as razões de ‘honra’ são invocadas naqueles documentos, que expõem, em tamanho detalhe, as pequenas desordens da vida familiar” (Farge & Foucault, 1982Farge, A., & Foucault, M. (1982). Le désordre des familles: lettres de cachet des archives de la Bastille au XVIII siècle. Paris, FR: Gallimard., p. 168, tradução nossa).

Naquele contexto, a evocação da honra não era um recurso qualquer, como se se tratasse de elemento óbvio de todos os casos mencionados nas cartas. Em vez disso, ela consistia em um vocabulário preciso a partir do qual as famílias – sobretudo os pais – buscavam validar sua autoconsciência diante do poder político. Farge e Foucault apontaram haver um paralelismo possível entre a honra e a ordem pública nos significados que estas assumiam, respectivamente, para as famílias e para a administração pública da cidade: “o internamento é obtido na intersecção destes dois requisitos; a honra das famílias é assim reconhecida como uma necessidade da ordem pública” (Farge & Foucault, 1982Farge, A., & Foucault, M. (1982). Le désordre des familles: lettres de cachet des archives de la Bastille au XVIII siècle. Paris, FR: Gallimard., p. 170, tradução nossa).

Começava a delinear-se, então, uma “ciência da polícia” (Farge & Foucault, 1982Farge, A., & Foucault, M. (1982). Le désordre des familles: lettres de cachet des archives de la Bastille au XVIII siècle. Paris, FR: Gallimard., p. 345, tradução nossa), por meio da reflexão e da elaboração de práticas visando formular respostas disciplinadoras para um espaço urbano considerado caótico. À moda de uma superfície de contato entre a conduta dos indivíduos e o controle estatal, a polícia seguia os movimentos da população. Formava-se, assim, uma tríade operativa – a soberania (poder sobre o território), a disciplina (poder sobre os corpos) e a segurança (poder sobre a população) –, sendo a polícia a peça de articulação entre os três âmbitos:

a soberania política vem inscrever-se no nível mais elementar das relações sociais; de sujeito a sujeito, entre os membros de uma mesma família, nas relações de vizinhança, de interesse, de ofício, nas relações de ódio, de amor ou de rivalidade, se pode fazer valer – além das tradicionais armas da autoridade e da obediência – os recursos do poder “absoluto”, se ao menos tiver sido capaz de capturá-los e dobrá-los na direção que se deseja. Toda uma cadeia política vem entrecruzar-se com a trama do cotidiano.

(Farge & Foucault, 1982Farge, A., & Foucault, M. (1982). Le désordre des familles: lettres de cachet des archives de la Bastille au XVIII siècle. Paris, FR: Gallimard., pp. 346-347, tradução nossa).

A polícia operava segundo um acoplamento entre o público e o privado, com a ressalva de que a vida familiar não se tornava exatamente pública; permanecia o foro íntimo, desde que não perturbasse a ordem pública. Era diante dos desvios da norma, da honra e da boa conduta que a família se rendia como peça de interesse e de intervenção pública. Em tais casos, as lettres de cachet “testemunham esse ‘engate’ da instituição familiar ao grande aparelho administrativo” (Farge & Foucault, 1982Farge, A., & Foucault, M. (1982). Le désordre des familles: lettres de cachet des archives de la Bastille au XVIII siècle. Paris, FR: Gallimard., p. 347, tradução nossa).

Em sua resenha sobre o livro publicada no The Times Literary Supplement, o acadêmico canadense Michael Ignatieff (1983, p. 409, tradução nossa)Ignatieff, M. (1983, 22 de abril). At the feet of the Father. The Times Literary Supplement, p. 490. pondera:

Não bastava que um marido afirmasse que sua esposa havia fugido com outro homem. Para conseguir o confinamento dela, ele tinha que convencer o rei de que ela havia se tornado uma prostituta e um incômodo público. O negócio do rei não era com infidelidades, mas com qualquer coisa que pudesse ser interpretada como uma ameaça à sua ordem civil. Assim, apenas a sexualidade “pública” tinha uma reivindicação sobre sua atenção.

Assim, se a polícia operava como uma espécie dobradiça entre as queixas da vida privada e o controle estatal, o poder real mostrava-se o fulcro da prática instaurada pelas lettres de cachet. Tal disposição foi sublinhada por Farge e Foucault em um movimento descritivo que evidenciou uma espécie de mão dupla das relações de poder à época: de um lado, os pedidos de ingerência procedentes dos próprios súditos, clamando por uma intervenção em seus problemas familiares, já que os meios jurídicos tradicionais eram demorados, caros e muitos indiscretos, levando infâmia à família; de outro, as ações contundentes, emanadas do poder real, intervindo nos detalhes da vida familiar e individual.

a tranquilidade das famílias é uma engrenagem importante na manutenção da ordem pública; e valia a pena o rei usar sua autoridade suprema para garanti-la. Por meio disso, o privado e o público se reúnem: é o ato repressivo que garante tal junção.

(Farge & Foucault, 1982Farge, A., & Foucault, M. (1982). Le désordre des familles: lettres de cachet des archives de la Bastille au XVIII siècle. Paris, FR: Gallimard., p. 348, tradução nossa).

Mais uma vez, atesta-se que o encontro entre público e privado se oferecia também como resposta às solicitações pela intervenção real, de modo que, assim, os segredos familiares pudessem ser resguardados. A infâmia estaria protegida pelo selo real, uma vez que “confiam-lhe um segredo que ele [o Rei] é o único capaz de manter secreto. Extraordinário trajeto da confissão: o segredo vai até o rei para estar garantido de se esconder nas trevas, assim como o acusado se esconde em sua prisão” (Foucault, 2012aFoucault, M. (2012a) A idade de ouro das lettres de cachet. In M. Foucault. Segurança, penalidade e prisão (pp, 242-244, Coleção Ditos e Escritos, v. VIII). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária., p. 244).

Estabelecia-se, assim, uma conexão entre o ordinário da vida e a figura real, pois esta seria a única instância capaz de resolver as contendas em sua totalidade, aplicando uma punição sem incorrer no peso da infâmia que a justiça comum traria. Desta feita, durante o tempo em que a elas se recorreu, as lettres de cachet operaram como superfície fática de muitos dos vetores que compunham os modos de vida de então: a moralidade; a honra; as condutas conjugais e familiares; as relações entre público e privado; a emergência de determinada polícia das condutas; a autoridade real etc. Acessadas para compor o arquivo que sustentou A desordem das famílias, elas dão notícias das forças que as habitaram e que perduraram até o momento em que entraram em declínio.

Um dia, a manutenção da honra das famílias parecerá irrisória e os destinos da vida doméstica do povo demasiado comuns, demasiado vulgares, para serem realmente levados em consideração. Ao mesmo tempo, o lugar onde o poder do rei é traduzido dia após dia em arbitrariedade não parecerá mais necessário, mas terá se tornado odioso.

(Farge & Foucault, 1982Farge, A., & Foucault, M. (1982). Le désordre des familles: lettres de cachet des archives de la Bastille au XVIII siècle. Paris, FR: Gallimard., p. 356, tradução nossa).

Foi assim, segundo os autores, que o desuso das cartas/ordens régias ganhou corpo entre os súditos, os quais progressivamente passaram a julgá-las despóticas (Foucault, 2012aFoucault, M. (2012a) A idade de ouro das lettres de cachet. In M. Foucault. Segurança, penalidade e prisão (pp, 242-244, Coleção Ditos e Escritos, v. VIII). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária.). O desaparecimento de uma prática, porém, não encerrou de todo os modos de pensar e de viver que nela se materializaram: “A prisão, que vai se tornar a grande pena do século XIX, tem sua origem precisamente nessa prática parajudiciária da lettre de cachet” (Foucault, 2014aFoucault, M. (2014a). A verdade e as formas jurídicas. In M. Foucault. Filosofia, diagnóstico do presente e verdade (pp. 130-244, Coleção Ditos e Escritos, v. X). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária., p. 199). Para o pensador, as lettres de cachet deram lugar a outras estratégias de reclusão, outras modulações de punição, outra racionalidade governamental.

Habitar o arquivo: entre a poeira e a nuvem

No texto A poeira e a nuvem, Foucault (2012b)Foucault, M. (2012b). A poeira e a nuvem. In M. Foucault. Estratégia, poder-saber (pp. 316-327, Coleção Ditos e Escritos, v. IV). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária. respondeu à crítica de Jacques Léonard a Vigiar e punir; crítica esta que tinha seus argumentos principais fundados na diferenciação entre os papéis do filósofo e do historiador, bem como na oposição que a “poeira dos fatos” fazia à “nuvem das grandes ideias vagas”. Nela, Foucault era acusado de não atentar à primeira com o rigor que uma pesquisa historiográfica efetivamente requeria. Em sua réplica, o pensador detalhou o modo de investigação que lhe era próprio, fundado justamente na aproximação entre o exercício do historiador e o do filósofo. Ademais, defendeu haver uma “diferença de procedimento entre a análise de um problema e o estudo de um período” (Foucault, 2012bFoucault, M. (2012b). A poeira e a nuvem. In M. Foucault. Estratégia, poder-saber (pp. 316-327, Coleção Ditos e Escritos, v. IV). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária., p. 317), propondo que nem sempre o foco no tratamento exaustivo do material de dada época seria desejável. Segundo ele, aos pesquisadores voltados à análise de um problema (e não de um período em si) impunham-se outras regras, como a escolha do material em razão do problema erigido. Em suma, uma operação de equilíbrio e de aproximação entre a “poeira” e a “nuvem”, contrária ao argumento de que Léonard partira.

Pode-se afirmar que A desordem das famílias performa, de maneira precisa, tal aproximação, como bem descreve Farge ao comentar – em entrevista concedida ao lado de Foucault, em 1982 – o ensejo de ambos de “articular um mundo de arquivos com um mundo de ideias” (Foucault, 2012aFoucault, M. (2012a) A idade de ouro das lettres de cachet. In M. Foucault. Segurança, penalidade e prisão (pp, 242-244, Coleção Ditos e Escritos, v. VIII). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária., p. 242). A primeira passagem do livro já fazia referência ao pressuposto que sustentava tal entrelaçamento: “A ideia de que a história é dedicada à ‘exatidão do arquivo’ e a filosofia à arquitetura das ideias nos parece um disparate. Nós não trabalhamos assim” (Farge & Foucault, 1982Farge, A., & Foucault, M. (1982). Le désordre des familles: lettres de cachet des archives de la Bastille au XVIII siècle. Paris, FR: Gallimard., p. 9, tradução nossa).

A pista aí fornecida é crucial para compreender que, se, por um lado, estamos diante de uma obra cujas páginas são majoritariamente ocupadas pela revisitação do próprio arquivo – o que daria a entender que o arquivo fala por si, denotando uma suposta exatidão quanto àquilo que nele se veria materializado –, por outro lado, há o trabalho intenso e minucioso de arquivamento que lhe dá contorno. Ou seja, o arquivo não figura, sob nenhuma circunstância, como um repositório passivo. Em vez disso, na acepção de Farge (1986, p. 166, tradução nossa)Farge, A. (1986). Travailler avec Michel Foucault. Le Débat, 41, 164-167., “o arquivo se torna o interlocutor, e tudo se estabelece em torno dele”.

Seria este, aliás, um dos traços da singularidade do encontro Farge-Foucault: a sagacidade de um gesto que logra dar voz ao arquivo justamente por aquilo que nele reverbera em virtude do problema de pesquisa de quem o investiga. Eis a razão de propormos que há um encontro entre Farge, Foucault e o arquivo; este último tendo um protagonismo concomitante ao dos dois pesquisadores, sendo ele, afinal, o elo entre ambos, a lhes interpor espanto e perturbação.

Como resultado desse encontro, adveio um trabalho de pesquisa ímpar, atravessado pelos ruídos incessantes que emergiam das vidas expostas naqueles documentos outrora estanques. Trata-se de uma interlocução lapidada com as vozes dos mortos, com vistas a entabular um fazer histórico-filosófico de outra fibra. Depara-se, desta feita, com um gesto destinado não a elucidar as verdades do presente por meio do desvelamento de fatos ocorridos outrora ou, ainda, a prescrever futuros que reescrevessem o passado com base em supostas regularidades, mas fiel ao condão de retirar dos acontecimentos idos o que lhes era singular.

De quando em quando, Foucault era instado a explicar como seu modo de trabalho se dava. Por exemplo, em um diálogo publicado em 1980, o pensador afirmou:

utilizo os métodos mais clássicos: a demonstração ou, em todo caso, a prova em matéria histórica, o envio aos textos, às referências, às autoridades, e a colocação relacionada às ideias e aos fatos, uma proposição de esquemas de inteligibilidade, de tipos de explicações. Não há lá nada de original. Desse ponto de vista, o que digo nos meus livros pode ser verificado ou invalidado por não importa que outro livro de história.

(Foucault, 2010cFoucault, M. (2010c). Conversa com Michel Foucault. In M. Foucault. Repensar a política (pp. 289-347, Coleção Ditos e Escritos, v. VI). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária., p. 293).

Mais adiante, em 1983, voltou a afirmar:

O que me parece indispensável é o respeito em relação ao leitor. Um trabalho dever dizer e mostrar como é feito. É nessa condição que pode não somente não ser enganador, mas ser positivamente útil. Todo livro desenha em torno de si um campo de trabalho virtual que é, até certo ponto, responsável pelo que torna possível ou impossível. . . . Sonho com livros que seriam bastante claros sobre sua própria maneira de fazer, a fim de que outros pudessem deles se servir, mas sem procurar misturar as fontes. A liberdade de uso e a transparência estão ligadas.

(Foucault, 2010aFoucault, M. (2010a). A propósito daqueles que fazem a história. In M. Foucault. Repensar a política (pp. 365-368, Coleção Ditos e Escritos, v. VI). Rio de Janeiro, RJ: Forense Universitária., p. 367).

A preocupação de Foucault com relação à explicitação dos seus movimentos de pensamento revela não apenas uma espécie de cuidado inconteste com as fontes que elegia, mas também uma marcada responsabilidade em relação à outra ponta do processo: os leitores. Competia dar a ver seu modus faciendi da maneira mais desassombrada possível, resguardando-se, assim, o lastro ético do trabalho intelectual. Nessa direção, A desordem das famílias não foge à regra; antes, encarna-a com veemência.

Conforme ambicionamos sustentar no decorrer da presente argumentação, o gesto investigativo do livro de 1982 põe em jogo alguns procedimentos que materializam as potencialidades, aqui vislumbradas, da lida com arquivos na pesquisa educacional. A saber: a constituição de séries documentais com arcos temporais determinados; a formulação de um problema investigativo que norteie o trato das fontes, possibilitando sua montagem e sua remontagem; uma imersão minimalista nas fontes comprometida não com sua interpretação segundo crivos conceituais já dados, mas com a criação de espaços de ressonância às vozes que habitam o arquivo, abrindo-se, portanto, ao encontro com o novo que daí pode surgir. Trata-se, pois, de ouvir o arquivo e de dar voz às urdiduras que dele emanam.

Ao situar tal horizonte de modo conexo à pesquisa educacional, presumimos que ele facultaria não a “revelação de determinados universais temáticos que repousariam imberbes nos documentos” (Aquino, 2019Aquino, J. G. (2019). O arquivo e a pesquisa educacional: aproximações. In A. Butturi Junior et al. (Orgs.). Foucault e as práticas de liberdade II: topologias políticas e heterotopologias (pp. 207-226). Campinas, SP: Pontes Editores., p. 217), mas a “potência de estranhamento e de reinvenção do próprio tempo” (Aquino & Val, 2018Aquino, J. G., & Val, G. M. (2018). Uma ideia de arquivo: contributos para a pesquisa educacional. Pedagogia y Saberes, 49, 41-53., p. 52), uma vez que o compromisso basal da pesquisa educacional, em nosso entendimento, se circunscreve ao “esquadrinhamento crítico da racionalidade imanente a tudo aquilo que já fazemos em nome da educação dos outros” (Saraiva & Aquino, 2020Saraiva, K., & Aquino, J. G. (2020). Os paradoxos da forma escolar na contemporaneidade. Reflexão e Ação, 28, 293-303., p. 300).

É justamente por materializar com precisão o trato arquivístico singular de Farge e Foucault que A desordem das famílias se impõe como um norte para o trabalho investigativo na pesquisa educacional. Conclui-se, assim, que o ato de pesquisar converte-se, desse modo, em um encontro transfigurador entre o/a pesquisador/a e as forças insuspeitas do arquivo por ele/a mobilizado. Tudo se resumiria a estar atento/a à poeira, à nuvem e ao murmúrio que, entre ambas, insiste.

  • 2
    Normalização, preparação e revisão textual: Elisa Vieira. elisa.vieira@alumni.usp.br
  • 3
    Mediante a especificidade da expressão, optamos por mantê-la na língua original, na maior parte das menções ao longo do texto. Uma tradução aproximada seria: ordens de prisão expedidas com selo real. A expressão foi traduzida, em A sociedade punitiva (Foucault, 2015Foucault, M. (2015) A sociedade punitiva: curso no Collège de France (1972-1973). São Paulo, SP: Editora WMF Martins Fontes., p. 117) como “ordem régia”, e em História da Loucura como “cartas régias” (Foucault, 2005Foucault, M. (2005). História da Loucura na Idade Clássica. 8. ed. São Paulo, SP: Perspectiva., p. 48).
  • 4
    Em duas notas de rodapé de Vigiar e punir, Foucault menciona a pesquisa de Farge para corroborar suas asserções a respeito da vadiagem e da delinquência no século XVIII (Foucault, 1987Foucault, M. (1987). Vigiar e punir: nascimento da prisão. 20. ed. Petrópolis, RJ: Vozes., p. 109).
  • 5
    Farge apresenta duas versões para o fato: em algumas entrevistas (Farge, 1986Farge, A. (1986). Travailler avec Michel Foucault. Le Débat, 41, 164-167., 1998Farge, A. (1998). Historiadora: con qué objeto y con qué objetos – una entrevista con Arlette Farge. [Entrevista concedida a Elisa Cárdenas; Veronique Hebrard]. Espiral, Estudios sobre Estado y Sociedad, 5(3), 15-33., 2016bFarge, A. (2016b). Arlette Farge, a trajetória de uma historiadora. [Entrevista concedida a Laurent Vidal]. Interfaces da Educação, 7(21), 271-295.), diz que o primeiro contato com ele foi por meio de carta; em outra ocasião (Farge, 2016aFarge, A. (2016a). After words to the English edition. In A. Farge, & M. Foucault. Disorderly families: infamous letters from the Bastille archives (pp. 267-273). Minneapolis, USA: University of Minnesota Press.), diz ter sido via um telefonema.
  • 6
    Segundo explicação que consta na edição americana de A desordem das famílias, o envio de criminosos para as Ilhas parecia ser uma forma de aliviar a multidão em prisões e hospitais parisienses. A menção geralmente se refere às Ilhas das Índias Ocidentais francesas (incluindo Île de la Désirade, Saint-Domingue, Martinica, Guadalupe e Tortuga) (Farge & Foucault, 2016Farge, A., & Foucault, M. (2016). Disorderly families: infamous letters from the Bastille archives. Minneapolis, USA: University of Minnesota Press.).

Referências

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Editor responsável: Pedro Angelo Pagni. https://orcid.org/0000-0001-7505-4896

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    17 Nov 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    24 Ago 2022
  • Aceito
    24 Jan 2023
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