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Ato infracional, escola e papéis profissionais: tramas complexas em relações frágeis 1 1 Editor responsável: Helena Maria Sant'Ana Sampaio Andery, hsampaio@unicamp.br, https://orcid.org/0000-0002-1759-4875 2 2 Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). 3 3 Normalização, preparação e revisão textual: Mônica Silva (Tikinet) – revisao@tikinet.com.br

Offenses, school and professionals roles: complex plots in fragile relations

Resumo

Apresenta-se um estudo realizado com três adolescentes para os quais o ato infracional foi desdobramento de atos indisciplinares ocorridos no interior de uma escola pública. Articulando ação profissional e de pesquisa, foram feitos acompanhamentos singulares e territoriais, com base na terapia ocupacional social, na etnografia e na história oral. A análise das histórias de vida desses jovens e do conflito vivido por eles, que levou ao cumprimento de medida socioeducativa, nos demonstra a necessidade de a escola ter maior gerência sobre seus conflitos internos. Sugere-se que a escola possa buscar apoio em serviços socioassistenciais que compõem a política nacional da assistência social, delineando-se também possíveis contribuições dos terapeutas ocupacionais no diálogo entre os setores da assistência social e da educação.

Palavras-chave
adolescente em conflito com a lei; escola; juventudes; terapia ocupacional

Abstract

This study carried out with three adolescents for whom the offense was consequence of indisciplinary acts happened inside a public school. Articulating professional action and research, individual and territorial follow-ups were made based on social occupational therapy, ethnography and oral history. The analysis of the life histories of these young people and the conflict lived by them that led them to fulfill socio-educational measure demonstrate the need for the school to have greater management over their internal conflicts. It is suggested that the school can seek support in social assistance services that make up the national policy of social assistance, also outlining possible contributions of occupational therapists in the dialogue between the sectors of Social Assistance and Education.

Keywords
adolescence in conflict with law; school; youth; occupational therapy

Introdução

Este texto decorre de parte dos resultados de uma pesquisa ampla em torno das temáticas da escola, juventude(s) e cidadania, com foco na articulação entre a escola pública e o ato infracional, que envolveu uma tese de doutorado (Borba, 2012Borba, P. L. O. (2012). Juventude marcada: relações entre o ato infracional e a escola pública em São Carlos – SP. Tese de Doutorado, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.) e pesquisas de iniciação científica (Lopes, Borba, Pereira et al., 2011Lopes, R. E., Borba, P. L. O., & Cappellaro, M. (2011). Acompanhamento individual e articulação de recursos em terapia ocupacional social: compartilhando uma experiência. O Mundo da Saúde, 35(2), 233-238.), e foi realizada em uma cidade de médio porte do interior do estado de São Paulo. Todos os subprojetos de pesquisa se debruçaram sobre as relações existentes entre a condição juvenil inscrita na pobreza e sua trajetória escolar, perpassada por intervenções de instituições reconhecidas pelo Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) (Brasil, 2010Brasil (2010). Estatuto da criança e do adolescente: lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, e legislação correlata (9a ed.). Brasília, DF: Edições Câmara. Recuperado de http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/camara/estatuto_crianca_adolescente_9ed.pdf
http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/F...
) como responsáveis pela proteção desses sujeitos quando deflagrado o ato infracional.

No recorte escolhido para compor este texto, apresentaremos a história de três jovens para os quais o ato infracional foi desdobramento de atos indisciplinares ocorridos no interior de uma escola pública. Os três jovens foram acompanhados pelo que temos convencionado nomear de “acompanhamento singular e territorial” (Lopes, Borba, & Cappellaro, 2011Lopes, R. E., Borba, P. L. O., & Cappellaro, M. (2011). Acompanhamento individual e articulação de recursos em terapia ocupacional social: compartilhando uma experiência. O Mundo da Saúde, 35(2), 233-238.; Lopes, Malfitano, Silva, & Borba, 2014Lopes, R. E., Malfitano, A. P. S., Silva, C. R., & Borba, P. L. O. (2014). Recursos e tecnologias em terapia ocupacional social: ações com jovens pobres na cidade. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 22(3), 591-602.) e, no caso deste estudo, há também desdobramentos de processos vinculares propiciados nos espaços das Oficinas de Atividades, Projetos e Dinâmicas (Lopes, Malfitano, Silva, & Borba, 2014Lopes, R. E., Malfitano, A. P. S., Silva, C. R., & Borba, P. L. O. (2014). Recursos e tecnologias em terapia ocupacional social: ações com jovens pobres na cidade. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 22(3), 591-602.), realizadas pela equipe do Laboratório Metuia4 4 Metuia, palavra da língua nativa indígena brasileira, da comunidade bororo, que significa amigo, companheiro. , do Departamento de Terapia Ocupacional da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), em instituições sociais, a saber, um Centro da Juventude e uma escola pública.

Essa equipe vem integrando, desde 2005 até os dias de hoje, um cenário de intervenções sociais com jovens de determinado bairro da periferia da referida cidade, articuladas à realização de atividades de ensino e pesquisa, em diferentes níveis (Lopes, Malfitano, Silva, Borba, & Hahn, 2010Lopes, R. E., Malfitano, A. P. S., Silva, C. R., Borba, P. L. O., & Hahn, M. S. (2010). Educação profissional, pesquisa e aprendizagem no território: notas sobre a experiência de formação de terapeutas ocupacionais. O Mundo da Saúde, 34(2), 140-147.).

Os acompanhamentos singulares e territoriais sofreram a influência de alguns aportes teórico-metodológicos, a saber: da história oral (Meihy, 1997Meihy, J. C. S. B. (1997). História oral. São Paulo: Edusp.), dos estudos etnográficos, com referência aos estudos de Whyte (2005)Whyte, W. F. (2005). Sociedade de esquina. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor., Goffman (1974)Goffman, E. (1974). Manicômios, prisões e conventos. São Paulo: Perspectiva., Caria (2003)Caria, T. (2003). Introdução: a construção etnográfica do conhecimento em ciências sociais: reflexividade e fronteira. In T. Caria (Org.), Experiência etnográfica em ciências sociais (pp. 9-20). Porto: Afrontamento. e Feltran (2008)Feltran, G. S. (2008). Fronteiras de tensão: um estudo sobre política e violência nas periferias de São Paulo. Tese de Doutorado, Universidade Estadual de Campinas, Campinas., e sobretudo da terapia ocupacional social (Barros, Ghirardi, & Lopes, 2002Barros, D. D., Ghirardi, M. I. G, & Lopes, R. E. (2002). Terapia ocupacional social. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 13(3), 95-103.), na persecução de constituirmos, a partir da relação interventiva, uma metodologia própria e singular de fazer também pesquisa.

Tais acompanhamentos são definidos como uma tecnologia orientada pela escuta atenta acerca das necessidades das pessoas e dos grupos, que busca o equacionamento de questões essenciais em suas vidas, muitas vezes determinadas pela desigualdade social e pela falta de acesso a serviços e bens sociais (Lopes, Borba, & Cappellaro, 2011Lopes, R. E., Borba, P. L. O., & Cappellaro, M. (2011). Acompanhamento individual e articulação de recursos em terapia ocupacional social: compartilhando uma experiência. O Mundo da Saúde, 35(2), 233-238.), sendo voltada, assim, para ações profissionais, mas igualmente potente para apreender realidades vivenciadas pelos sujeitos, o que é requerido para essa intervenção. Com tal perspectiva, esses acompanhamentos se constituíram como um dos principais recursos metodológicos deste estudo, em composição com entrevistas dialogadas, integrando narrativas em diários de campo – que foram possibilitando a apreensão das vivências colocadas pelos jovens que cometeram atos infracionais e tiveram que cumprir medidas socioeducativas em meio aberto, de seus percursos escolares e de vida –, articuladas com a experiência no campo que vem sendo realizada pela equipe do Metuia/UFSCar5 5 O Projeto Metuia foi criado em 1998, constituindo-se como um grupo interinstitucional de estudos, formação e ações pela cidadania de pessoas e grupos em processos de ruptura das redes sociais de suporte, tendo como proposta o desenvolvimento de projetos no âmbito do ensino, da pesquisa e da extensão em terapia ocupacional social e em sua interconexão com diferentes setores (Lopes & Malfitano, 2016). Atualmente, sob a denominação Rede Metuia – Terapia Ocupacional Social, estão em funcionamento seis núcleos nas seguintes instituições de ensino superior: Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Universidade de Brasília (UnB) e no que integra a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e a Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (Uncisal). A sigla Metuia/UFSCar é tanto uma referência ao Núcleo UFSCar dessa rede quanto ao Programa de Extensão Metuia – Terapia Ocupacional Social e ao Laboratório de Pesquisa Metuia do Departamento de Terapia Ocupacional e dos Programas de Pós-Graduação em Educação e em Terapia Ocupacional, ambos da UFSCar. .

As histórias dos sujeitos revelam as relações complexas e frágeis existentes, num determinado momento de suas vidas, com o sistema sociojurídico e com a escola. Para poder acessar, conhecer e escrever sobre essas histórias, foi necessário o transcorrer de alguns bons anos (2007-2012), de muitos encontros mediados ou não pelas atividades e pela palavra, de um esforço coletivo que integra projetos de extensão universitária, de ensino profissional e de pesquisa, mas, acima de tudo, da abertura que esses jovens tiveram para compartilhar conosco suas vidas, seus sonhos, desejos e pensamentos.

Sobre três vidas

São três trajetórias juvenis que se cruzam, complementam e singularizam. Ao longo de anos, foi possível acompanhar o processo de transformação de seus corpos, vozes, cabelos, gestos, sendo que por volta do final dos acompanhamentos passaram a solicitar o uso do nome social6 6 Em 28 de abril de 2016, pelo Decreto nº 8.727, foi sancionado o direito ao uso do nome social e ao reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. para um deles, e não mais o de registro pelo qual o havíamos conhecido (Lopes, Borba, & Cappellaro, 2011Lopes, R. E., Borba, P. L. O., & Cappellaro, M. (2011). Acompanhamento individual e articulação de recursos em terapia ocupacional social: compartilhando uma experiência. O Mundo da Saúde, 35(2), 233-238.). Neste texto, por sua escolha naquele momento, serão referidos como Juninho, Nicolas e Willian7 7 Pontua-se que reconhecemos e apoiamos toda a luta do movimento social das travestis e dos(as) transexuais, bem como de outras dissidências de gênero e sexualidade (Butler, 2013), sendo que toda a nossa ação, seja ela interventiva ou de pesquisa, tem como princípio a não discriminação, o respeito e a confiança. Com base nisso, são os(as) nossos(as) interlocutores(as) e colaboradores(as) que nos orientam sobre a forma pela qual querem ser referidas(os). Neste texto, optamos por utilizar o nome dos adolescentes ainda no masculino tendo em vista o fato de que o momento histórico que circunscreve esse dado do campo empírico coincide com os primeiros momentos das suas descobertas e expressões da transexualidade e travestilidade. Inicialmente, eles não explicitavam o seu não reconhecimento da identidade masculina e por ela também se expressavam, inclusive nos eventos que serão discutidos neste artigo. .

A proposta de junção dessas três trajetórias foi movida pelos processos que envolvem a mediação de conflitos no interior da escola pública e porque disso decorre o uso do suporte da rede repressiva-judicial (polícia e Núcleo de Atendimento Integrado – NAI8 8 Esse núcleo pode ser compreendido como um conjunto de instituições – Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Casa), Prefeitura Municipal, uma organização não governamental ligada à Igreja católica, Vara da Infância e da Juventude – que se articulam desde o momento do flagrante da infração até o encaminhamento jurídico para o cumprimento da medida socioeducativa, quando esta é imposta pelo Poder Judiciário, na referida cidade. Trata-se da porta de entrada, do primeiro contato do adolescente com o sistema sociojurídico, tendo como metas facilitar e agilizar os procedimentos envolvidos nessa situação, depois que é deflagrado o ato infracional (Borba, Lopes, & Malfitano, 2015). ), tendo como ápice o relato da situação mais trágica que a escola onde eles estudavam havia vivido até então, cujos protagonistas eram esses três adolescentes, o que significou para eles uma experiência violenta com a polícia, a passagem pelo NAI e o cumprimento da medida socioeducativa de liberdade assistida. Para essas três vidas, até então, esse foi o debate central.

Ainda, essa proposta foi movida porque tais histórias, sutilmente, foram revelando um universo bem específico, diretamente ligado às questões que envolvem a transexualidade e a travestilidade9 9 O termo “travestilidade” é usado aqui no mesmo sentido que propõem William Peres (2004) e Larissa Pelúcio Silva (2007), ou seja, não só para marcar a heterogeneidade de possibilidades identitárias das travestis, mas também em substituição ao sufixo “-ismo”, que remete a doença e patologias. , bem como sua repercussão no interior da escola, mostrando como esse equipamento social deflagra uma série de dificuldades em torno delas e, também, o quanto a escola e seus atores educativos, muito radicados em determinados valores morais, resistem em estabelecer diálogos mais pertinentes e acolhedores sobre gênero e sexualidade, uma face da vida experenciada por todo o corpo discente.

Por conta da proximidade, pessoal e de toda equipe do Metuia/UFSCar, com os três adolescentes, eles passaram a compartilhar suas experiências em torno da rede de exploração sexual, na sua ambiguidade entre a exploração em si e também o desejo, presente, de se envolverem nessa rede. Era por meio dessa vivência que conseguiam acessar recursos financeiros para comprar bens de consumo, ajudar com as contas da família e, principalmente, para viver com mais intensidade a sua travestilidade.

Numericamente são poucas as adolescentes travestis e as/os jovens transexuais no contexto do bairro estudado – podemos inferir que são histórias de exceção. Contudo, esses casos nos suscitam preocupações que também precisam nuclear atenção em torno dessa temática, além de que parte das preocupações pode ser generalizada para toda uma condição juvenil, especialmente no que se refere a como a sociedade, de modo amplo, e a escola, como principal equipamento público para essa faixa etária, demonstram grandes dificuldades em lidar com tudo aquilo que envolve a expressão da sexualidade, agudizadas quando essa expressão rompe a lógica heteronormativa e passa pela travestilidade ou transexualidade, incluindo aqui debates que vêm ganhando espaço recentemente, como o uso do nome social e dos banheiros públicos, por exemplo.

Conhecemos esses três adolescentes, que estudavam no período noturno, em uma escola de um bairro da periferia urbana. Eles tinham sido “encaminhados” às nossas oficinas10 10 As oficinas (suas atividades, seus projetos e produtos, e suas dinâmicas) permitem uma gama potente de ações, que podem ser classificadas, compreendidas e aplicadas com distintos propósitos, tais como: (i) lidar com as técnicas intrínsecas; (ii) o uso e a produção de materiais e recursos; (iii) o trânsito por diversos setores (cultura, arte, esporte, lazer, trabalho, etc.); (iv) conforme propostas previamente elaboradas com temáticas e objetivos pré-estabelecidos (debates sobre o cotidiano, perspectivas de vida, trocas e informações a respeito do mundo do trabalho, processos educativos acerca de direitos e deveres, sobre a rede de proteção à infância e à adolescência na cidade, entre outras); (v) as necessidades e possibilidades da vida cotidiana; (vi) os diferentes sentidos e significados que os sujeitos em ação podem designar ou imprimir segundo suas vivências pessoais – nesse caso, ainda que as propostas tenham indicações ou direcionamentos prévios, o interesse está na percepção singular que aquela experiência proporcionou ao participante da ação (Lopes, Malfitano, Silva, & Borba, 2014). . Naquele ano, a proposta interventiva era oferecer um espaço para os alunos que tinham dificuldades relacionais e/ou de leitura e escrita. Embora os três não tivessem dificuldades com leitura e escrita, a queixa central por parte dos professores era em relação ao comportamento deles, uma vez que perturbavam toda a estrutura escolar – e, de fato, eles “causavam11 11 Gíria que denota perturbação, conflitos, movimento. . Com sua participação semanal nas oficinas e também com o seu envolvimento nas atividades realizadas pelo Metuia/UFSCar no pátio durante o intervalo, fomos nos tornando referência para esses meninos. Com base nesses elementos traduzidos em proposição de ação e diálogo constante, muitas conversas foram tecidas e, assim, de maneiras distintas, foram se intensificando suas aproximações e contatos com a equipe naquele espaço e para além dele. A seguir, apresenta-se brevemente cada um deles e algumas situações vivenciadas conjuntamente.

Juninho sempre foi o mais franzino, pequeno, daquelas pessoas com quem a gente tem a sensação de que, se abraçar um pouco mais forte, vai se quebrar, mas, mesmo correndo o risco, sempre o abraçávamos quando nos encontrávamos. Ele sempre ia à escola vestido de bermuda e camiseta, independentemente de fazer frio ou calor, e nos dias de frio esse era mais um motivo para se juntar corpo a corpo – claro, com os corpos que se colocavam disponíveis para tal contato –, então frequentemente ele estava de braços dados com alguém da equipe. Tinha uma habilidade artística inigualável: “Meu ponto forte, mais forte. Adoro desenho!” (Entrevista com Juninho, p. 3). Era por meio dessa habilidade que explicitava os universos por onde circulava e mantinha uma ligação importante com a sua origem, posto que nascera na Bahia e pertencia à religião umbandista; assim, seus desenhos traziam os símbolos da sua religiosidade, e Juninho fez questão de publicar um deles no nosso fanzine12 12 Fanzine é uma modalidade de jornal comunitário. Como parte integrante das atividades extensionistas do Metuia/UFSCar tanto na escola como no Centro da Juventude, confeccionamos com os jovens três edições do fanzine nomeado Espaço Fala Aí durante o ano de 2009. A descrição e a análise desse processo estão presentes em Lopes, Borba e Monzeli (2013). . Apesar de ser o mais afetivo no contato, não nos revelava integralmente suas verdades e seus trânsitos; não obstante, sabíamos do seu envolvimento com a exploração sexual e com as drogas ilícitas através dos outros dois adolescentes – Nicolas e Willian.

Juninho morava com os pais, dois irmãos e sua sobrinha em uma casa muito humilde, que conhecemos com ele da calçada, mas na qual nunca nos convidou a entrar. A casa era nosso ponto de encontro, mas seguíamos até uma praça para conversar. Notávamos que, com o avançar da adolescência, sua experiência da travestilidade ia ganhando força. Uma de nossas maiores preocupações se relacionava ao possível uso abusivo de drogas, principalmente da cocaína, sobre o que ele não falava, sempre afirmando estar bem. Sua compleição física não nos permitia uma avaliação razoável de problemas decorrentes desse uso, até que foi parar em uma clínica de recuperação no interior de São Paulo, onde permaneceu por seis meses. Essa experiência ele nos relatou em detalhes. Tais acontecimentos revelam os níveis de profundidade que se estabelecem em uma relação almejada de confiança e respeito, para, se possível, produzir também cuidado. Apesar de Juninho nos permitir acessar sua narrativa em torno da própria vida, esse acesso foi restrito em diferentes pontos, fazendo um recorte da realidade a partir do que ele desejava nos contar. Porém, como nos ensinou Meihy (1997)Meihy, J. C. S. B. (1997). História oral. São Paulo: Edusp., a boa construção de uma história de vida precisa necessariamente dialogar com fontes diversas e ser balizada pela história do seu tempo e do seu contexto.

Quanto a Nicolas, era o mais próximo dentre os três, e essa proximidade permitia uma convivência mais constante, de modo que as conversas tinham riqueza de detalhes e confidencialidade, passavam por muitos assuntos e disparavam muitas ações para o seu acompanhamento individual, como mediações em conflitos familiares, agenciamento em unidade do então Programa de Saúde da Família (PSF) para cuidar do uso indiscriminado de hormônios femininos para alterar as formas do seu corpo, agenciamento no Centro de Especialidades em Saúde da cidade para realizar o exame de sorologia para o HIV, conversas sobre o circuito da prostituição e sua dimensão de trabalho, sobre o uso abusivo da cocaína, sobre as relações amorosas, as idas a Getúlio13 13 Nome de uma avenida importante na cidade, na qual também se fez a pesquisa e o acompanhamento e onde, no período noturno, as travestis e profissionais do sexo aguardam seus clientes. , os “babados e os bafos”14 14 Gírias que expressam acontecimentos importantes e/ou fofocas. .

Nicolas tentou gerenciar trabalho e estudo, chegando, num determinado momento, a privilegiar a escola em detrimento do trabalho. Mas ficava nas mãos das decisões do corpo dirigente escolar, que alternava sua opinião em relação ao período que seria melhor para a escola lidar com ele e com o que trazia como dissidência de gênero, naquele momento, cambiante: no período matutino, em que seria “um mau exemplo para as crianças”15 15 Essa era uma expressão recorrente no discurso de professores e diretoras da escola. ; ou no período noturno, em que teriam que lidar com o preconceito dos adultos e jovens de uma comunidade altamente machista.

Nicolas expressava que seu desejo era estudar pela manhã para estar liberado no período noturno e poder exercer seu trabalho. No entanto, não houve apoio da equipe dirigente da escola, com quem ele falava abertamente sobre suas atividades profissionais. Dessa forma, tendo que optar entre trabalhar e estudar, escolheu o trabalho e interrompeu os estudos.

Já Willian tinha a particularidade e a potência de chamar a atenção das pessoas por onde passava, em grande parte devido à sua grande estatura e ao seu corpo bem torneado. Impunha respeito pelo seu porte físico e, ao mesmo tempo, a expressão de sua feminilidade estava incorporada tanto em sua estética como em seu movimento. Seus músculos foram esculpidos pela dedicação ao esporte; desde muito cedo, começou a se destacar na escola pelo voleibol e, na adolescência, passou a treinar em um clube especializado na cidade. Apesar de ele sempre ter participado das atividades das oficinas do Metuia/UFSCar na escola, houve um dia em especial que disparou toda uma série de ações que nos aproximou muito de sua realidade. Em uma conversa após conflito vivido no interior da instituição (em que ele “pixou” o muro da escola com material da nossa oficina), ele revelou seu desejo de ser jogador profissional de vôlei, mas disse não ter respaldo da família, que também passava por uma série de dificuldades financeiras e, além disso, tinha muitas dificuldades em lidar com as dissidências de gênero vividas por ele. A família estava em processo de negação/aceitação da situação, o que envolvia brigas e, por conta disso, o vôlei era usado para algum tipo de controle que a família desejava ter em relação a Willian. Os processos seletivos para os clubes estavam próximos e, novamente, aquele ano seria mais um em que ele não conseguiria recursos para concorrer. A partir disso, iniciamos uma série de articulações16 16 A descrição e análise mais detida de todo esse processo está disponível em Lopes, Borba e Cappellaro (2011). para tecer uma rede de apoio na cidade, tendo sido desenvolvidas ações nesse sentido por cerca de dois anos, tais como: viagens a São Paulo e Ribeirão Preto; mudança de cidade (Willian ficou oito meses morando em São Paulo como bolsista de um clube para compor um time de vôlei); mediação presencial e por contato telefônico com os técnicos dos clubes; envolvimento de sua família nesse processo, mediando as relações e tensões presentes; recorrer ao poder público, por meio da Secretaria Municipal Especial da Infância e Juventude e do Conselho Municipal de Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA), para pedir financiamento das viagens e de sua estadia; enfim, muitas pessoas e serviços participaram da tessitura dessa rede e dessa história.

Decorridos quase dois anos de investimento nesse sonho, Willian não conseguiu dar prosseguimento à sua empreitada no voleibol profissional. Infelizmente, o vôlei (assim como a vida) está cerceado por regras de conduta heteronormativas. Para jogar em um time masculino, era necessário se desvencilhar de tudo que remetia ao feminino, num momento em que Willian expressava por caminhos distintos suas dissidências de gênero. No fim desse período, ele retornou a sua cidade de origem e passou a treinar em um clube menor. Seu retorno marca um “desinvestimento” no projeto do vôlei, e ganha a cena seu investimento em torno dos shows performáticos como drag queen.

Os três tinham em comum uma trajetória escolar descontínua, com sucessivas reprovações e evasões, que implicavam uma significativa defasagem idade-série. Eram e continuam sendo grandes amigos – amizade que extrapolava o espaço institucional escolar. Amigos que viviam brigando e tendo seus “pitis”17 17 Gíria que expressa situação em que uma pessoa fica brava, com raiva ou enfurecida. ; todavia, são confidentes e, no caminhar de suas vidas, ora se distanciam, ora se aproximam, já que estas não têm sido histórias de “sucesso”. Aliás, temos sido testemunhas da grande resistência que esses sujeitos têm e de como continuam insistindo pela vida. Vamos, portanto, ao acontecimento que gerou o ato infracional e a relação deles com as medidas socioeducativas.

O dia da rebelião

Essa é assim, a escola sem sala de leitura, sem laboratório, sem refeitório (a não ser nas horas de merenda, onde os estudantes, habitantes deste espaço, ficam “sem” sala), sem pátio, sem quadra de esportes sem biblioteca. A escola não se expande como um todo. Ela expande algumas de suas “dimensões”. A escola de acesso “expandido” e estrutura reduzida também vê despencarem seus antigos referenciais de “qualidade”. Através dos dados do SAEB18 18 O Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) compreende um exame realizado pelo Instituo Nacional de Ensino e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Ministério da Educação (MEC), abrangendo estudantes das redes pública (em caráter obrigatório) e privada (facultativo) do país, em área rural e urbana, matriculados no 3º, 5º e 9º ano do ensino fundamental, e também no 3º ano do ensino médio. São aplicadas provas de língua portuguesa e matemática. A avaliação é feita por amostragem. Nesses estratos, os resultados são apresentados para cada unidade da Federação e para o Brasil como um todo (Brasil, 2019). testemunhamos a paulatina queda no rendimento dos alunos em todas as séries (do ensino fundamental ao médio), em todas as áreas de conhecimento. O “Ornitorrinco” produz suas “crias”: a “expansão” do acesso à escola, sem a expansão concomitante de condições mínimas de escolarização. “Cria”, portanto, uma escola “cheia”, esvaziada de condições de escolarização.

(Peregrino, 2005Peregrino, M. (2005). Os jovens pobres e a escola. JOVENes: Revista de Estudios sobre Juventud, 9(22), 356-368., p. 359)

Para descrever o dia da rebelião, iniciamos com esse excerto de Peregrino (2005)Peregrino, M. (2005). Os jovens pobres e a escola. JOVENes: Revista de Estudios sobre Juventud, 9(22), 356-368. que, em sua pesquisa de doutorado, se debruçou sobre a expansão da escola pública carioca e evidenciou uma série de problemas de infraestrutura para que fosse empreendida a dita universalização do ensino fundamental, criando-se uma escola cheia, pois garantia o acesso dos alunos, mas esvaziada de sua própria essência: a produção da escolarização.

O dia da rebelião, na verdade, foi uma crise anunciada por esse esvaziamento e pela falta de infraestrutura. A escola vivia no limite de uma implosão já havia algum tempo, e a situação em si, trágica, explicitou a crise do crescimento de uma escola sem condições estruturais e organizacionais. Foi uma crise, um surto, um susto que marcou indelevelmente a trajetória desses três meninos, não sendo uma mera coincidência que, a partir daquele ano, eles iniciassem um ciclo de repetências e desistências.

Sobre o dia da rebelião em si, quem nos contou com maiores detalhes essa história foi Juninho:

Aí eu comecei a me envolver com droga, com colegas, ajudei a fazer a rebelião da escola… Quebramos todos os vidros da escola! Por causa da merenda escolar, porque as mulheres faziam com mau gosto; elas faziam um mingau, elas falavam que era creme de pêssego… e aquilo lá parecia cocô de criança. É, aí nós fez aquela guerra de lavagem, vocês lembram? A gente pega as frutas, e começamos a jogar. Eu fui jogar lavagem e vi que a diretora estava vindo, eu dei um banho de lavagem nela… Ai, foi um terror aquele dia na escola! É, e porque a mulher/merendeira falou: “ai, vocês tão vindo pra escola pra quê, pra comer ou pra estudar, seus morto de fome?!”. Aí não prestou, né! Não prestou ela falar “você tá vindo na escola pra comer ou pra estudar, seus morto de fome”. Aí eu já fui o primeiro, né. Saí batendo em todas as portas e batia: “vamos que agora tem reunião no pátio”, porque eu era o coordenador da putaria da escola! Aí eu falei: “quero todo mundo no pátio, vamos pro pátio, vamos pro pátio!”. Aí inventei que tava tendo briga. Aí o povo chegou lá, não tinha briga nenhuma… Aí eu falei: “gente, o negócio é o seguinte: ela chamou nós de morto de fome”, disso, daquilo, e daquilo outro, já aumentei mais a conversa… Aí foi a hora que todo mundo começou a jogar comida, aquele creme de pêssego. Ai, que nojo! Colocamos fogo dentro de uma sala, eu passava com o isqueiro, aí eu jogava dentro daqueles latãozão de lixo da escola. Nossa, aquele dia a escola tava parecendo o Carandiru! Não passou a ronda escolar, veio uma tropa de polícia… camburões e camburões! Aí colocaram todo mundo sem camisa no pátio e escolheram alguns e levaram de Camburão para o NAI, só que foram pela pista! Desceram pelo bairro e foram pela pista… e ameaçaram a gente! Não chegaram a bater, mas ameaçava, falava que ia matar, que ia levar no meio do mato, que ia bater e deixar lá… Quando chegamos no NAI, colocaram todo mundo de joelho virado pra parede em uma sala… e o policial lá! Eu fui virar pra ele, falar pra me dar um copo de água, ele pegou o cassetete e deu na minhas costas! Foi um terror!

(Entrevista com Juninho, grifos nossos)

E, em síntese, Willian diz simplesmente:

Quebramos a escola. Nós demolimos a escola. Ah, eu não lembro muito. Só lembro que eles mandaram a gente ficar sentado em uma sala; se a gente falasse ou fizesse uma gracinha, que eles iam meter o cacete.

(Entrevista com Willian)

Essa história ronda o imaginário das pessoas que ali trabalham, e já tivemos oportunidade de ouvir versões sobre a mesma situação pela perspectiva da coordenadora e da professora de sociologia. Ambas relataram o ocorrido com grande constrangimento e entristecimento, pois não tinham dimensão da truculência da polícia e do nível de exposição a que seriam submetidos os estudantes, crianças e adolescentes, culpando-se pelo fato de terem chamado a polícia. No entanto, elas justificavam que “a situação fugiu do controle”, mas compreenderam, a duras penas, o que significa entregar à polícia a falta de controle no interior de um ambiente que é educativo a priori, e não uma prisão.

Nessa passagem, evidencia-se a violação de alguns direitos previstos pelo ECA. O primeiro refere-se ao artigo 178:

O adolescente a quem se atribua autoria de ato infracional não poderá ser conduzido ou transportado em compartimento fechado de veículo policial, em condições atentatórias à sua dignidade, ou que impliquem risco à sua integridade física ou mental, sob pena de responsabilidade.

(Brasil, 2010Brasil (2010). Estatuto da criança e do adolescente: lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, e legislação correlata (9a ed.). Brasília, DF: Edições Câmara. Recuperado de http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/camara/estatuto_crianca_adolescente_9ed.pdf
http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/F...
, p. 69)

O ECA ainda prevê, no artigo 232: “Submeter criança ou adolescente sob sua autoridade, guarda ou vigilância a vexame ou a constrangimento: Pena – detenção de seis meses a dois anos” (Brasil, 2010Brasil (2010). Estatuto da criança e do adolescente: lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, e legislação correlata (9a ed.). Brasília, DF: Edições Câmara. Recuperado de http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/camara/estatuto_crianca_adolescente_9ed.pdf
http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/F...
, p. 85). Infelizmente, se ainda vivemos em um país de grande distanciamento do cumprimento da lei e de sua eficácia, a distância se torna muito maior quando o opressor integra o aparelho do Estado, que deveria oferecer garantias para que essas situações não ocorram; assim, o ordenamento do ECA escorre pelos vãos das instituições de segurança pública. Além disso, existe no Brasil certa autorização social para tratar de forma vexatória e humilhante aqueles que fazem parte da massa, os pobres.

Alguns trechos na narrativa de Juninho nos remetem a um repertório da prisão e das rebeliões nas unidades de internação para adolescentes, invariavelmente, as relações desses meninos passam por esses lugares também, no caso, os três não tiveram essa experiência, mas primos e amigos próximos tiveram. É também importante ressaltar que a polícia os tratou da mesma forma que são tratados os adolescentes nas unidades de internação; em nome do que essa violência, essa barbárie? Já é questionável e inconcebível essa forma de tratamento dispensado nas unidades de internação, e uma série de relatórios sobre a violação dos direitos humanos já foi publicada (Conselho Federal de Psicologia & Ordem dos Advogados do Brasil, 2006Conselho Federal de Psicologia, & Ordem dos Advogados do Brasil (2006). Direitos humanos: um retrato das unidades de internação de adolescentes em conflito com a lei. Brasília, DF: OAB.), não obstante, isso ocorrer dentro de uma escola é atestar publicamente sua derrocada.

Ainda sobre a narrativa de Juninho, o adolescente que nos deu mais detalhes da situação, ela oscila entre a demonstração de certa euforia e prazer, como se ele estivesse revivendo a cena, e a presença de uma culpa atravessada por arrependimento, fruto de como percebe a situação hoje, com a influência dos valores que passou a professar (na época da entrevista, estava frequentando assiduamente a Igreja Ungida, uma das neopentecostais), moralizando a história e se culpando por ter feito aquilo, colocando-se como pai, e questionando-se sobre que tipo de atitude teria caso fosse ele seu filho.

Voltando à escola, essa situação foi o ápice de uma crise instalada a partir do ano de 2006, quando esta passou a ser, sem qualquer condição estrutural, uma escola de tempo integral19 19 Em 2006, foi implantado em 500 escolas da rede pública estadual de ensino fundamental de São Paulo o projeto Escola de Tempo Integral (Castro & Lopes, 2011). . Nessa proposição, os alunos do segundo ciclo do ensino fundamental passaram a permanecer diariamente naquele espaço por um período de nove horas e a frequentar oficinas curriculares, a saber: orientação para estudo e pesquisa, atividades de linguagem e de matemática, atividades artísticas, esportivas/motoras e de participação social (Castro & Lopes, 2011Castro, A., & Lopes, R. E. (2011). A escola de tempo integral: desafios e possibilidades. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, 19(71), 259-282.). A idealização e implantação da proposta foram mais rápidas que as condições para sua efetivação, o que acarretou espaços inadequados tanto para os alunos se alimentarem, por exemplo, como para o desenvolvimento das chamadas “oficinas curriculares”. Não foi pequeno o descontentamento de gestores escolares locais, como também de alunos e suas famílias.

No relato do dia da rebelião, somou-se o fato da infraestrutura precária com o acionamento da polícia militar para resolver um conflito interno. Essa prática já era algo comum naquela escola, e não só nela, como aponta o estudo de Cardoso, Gomes e Santana (2013)Cardoso, J. C., Gomes, C. A., & Santana, E. U. (2013). Escola e polícia em três países: vinho novo em odres velhos ou a crise das instituições. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, 21(81), 685-710.. O agravamento dessa situação se deu porque a presença de dispositivos de segurança pública em espaços educativos fez com que um ato indisciplinar, ainda que grave, passasse a ser um ato infracional, como expresso nos dois trechos a seguir:

Eu fui [para o sistema socioeducativo] por causa de uma briga dentro da escola. Briguei com um menino no pátio; na hora da refeição, ele veio e cortou minha frente; falei pra ele: “não, você não vai cortar minha frente, não”, e tirei ele da fila. Ele veio para cima de mim, eu catei a cabeça dele e dei na mesa, aí brigamos ali mesmo, aí a gente foi os dois para o NAI.

(Entrevista com Willian)

Ixi, passei pelo juiz sete vezes, briguei em escola, briga em escola, xingar professor quando me desrespeitava, era mais assim. Uma vez a polícia me pegou ali na esquina, mas assim de bater de professores, te humilhar não, é mais briga de aluno assim, normal, chamava a ronda e já mandava levar pro conselho pra essas coisas.

(Entrevista com Nicolas)

Tais relatos, assim como o do “dia da rebelião”, provido por Juninho, revelam o mesmo encaminhamento dado pela direção escolar. Ademais, em todos nota-se que foram situações iniciadas em um conflito mal gerido no espaço escolar, um ato indisciplinar que se transformou, referendado pela equipe dirigente da escola, em ato infracional sob gestão do sistema sociojurídico.

Torna-se, então, relevante e necessário apreender o modo como a escola tem se relacionado com os adolescentes que cometem “atos indisciplinares” que passam a ser tratados como infracionais, acionando todo um aparato no qual se inclui a ronda escolar, a polícia militar, o Conselho Tutelar, a Vara da Infância e da Juventude, as medidas socioeducativas, entre outros.

Em nossa experiência na escola pública, temos percebido, empiricamente, que esse acionamento tem sido cada vez mais corriqueiro, em situações cuja solução, num passado próximo, competia à própria equipe escolar.

Um mesmo ato pode ser considerado como infração ou como indisciplina, dependendo do contexto em que foi praticado e, para cada caso, os encaminhamentos deveriam acontecer de forma diferente. Nem todo ato indisciplinar pode ser tratado como infracional. Verifica-se que os atos infracionais são “codificados” com base no Código Penal de adultos (“Decreto-Lei nº 2.848”, 1940Decreto-Lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. (1940, 31 de dezembro). Código Penal. Diário Oficial da União, seção 1, p. 2391.), infelizmente.

Já o ato indisciplinar deve ser regulamentado nas normas que regem a escola, fazendo com que o regimento escolar tenha papel relevante nessa questão. As escolas devem ter um regimento interno que contemple os direitos e deveres dos alunos, dos professores, da direção e dos familiares, e seja de conhecimento de alunos, professores e pais, para que se possa exigir o seu cumprimento, ou lutar/trabalhar por sua mudança.

Tanto é verdadeira essa constatação que, na primeira instância institucional que atende o adolescente que cometeu ato infracional, quando encaminhado pela escola, os técnicos de plantão têm dificuldades em encontrar “códigos” que correspondam ao ato indisciplinar ocorrido e, com isso, acabam elegendo códigos genéricos. Isso porque os atos infracionais são baseados no Código Penal (“Decreto-Lei nº 2.848”, 1940Decreto nº 8.727, de 28 de abril de 2016. (2016, 29 de abril). Dispõe sobre o uso do nome social e o reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional. Diário Oficial da União, seção 1, p. 1.), totalizando uma lista com 36 atos, sendo que o ato indisciplinar não encontra ato infracional correspondente nessa lista. Assim, são atribuídos códigos genéricos, simplesmente para caracterizar um ato infracional e justificar a existência de um processo jurídico (Borba, 2012Borba, P. L. O. (2012). Juventude marcada: relações entre o ato infracional e a escola pública em São Carlos – SP. Tese de Doutorado, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.).

Considerando a disciplina como comportamentos regidos por um conjunto de normas, Ferreira (2010)Ferreira, L. A. M. (2010). O Estatuto da Criança e do Adolescente e o professor: reflexos na sua formação e atuação (2a ed.). São Paulo: Cortez. define que a indisciplina se traduz em atos que decorrem de duas vertentes: a primeira como revolta contra essas normas, e a segunda pelo desconhecimento delas.

Assim, o ato indisciplinar apresenta-se como o descumprimento de normas fixadas pela escola e pode se traduzir em um desrespeito, seja com o colega, seja com o professor ou com relação à própria instituição escolar. Dependendo do tipo de conduta do aluno, esta poderá ser caracterizada como ato de indisciplina ou ato infracional, cada um com consequências próprias.

De outra parte, os diversos usos e significados da palavra violência ao lado de termos correlatos como indisciplina permitem alterações expressivas de significados correntes sobre o conjunto das ações escolares. Atos anteriormente classificados como produtos usuais de transgressões de alunos às regras disciplinares, até então tolerados por educadores como inerentes ao seu desenvolvimento, podem hoje ser sumariamente identificados como violentos.

(Sposito, 1998Sposito, M. P. (1998). A instituição escolar e a violência. Cadernos de Pesquisa, (104), 58-75., p. 60)

Condutas consideradas violentas e agressões físicas podem ser tratadas como um fato rotineiro ou uma simples transgressão das regras de convívio escolar, de tal modo que as práticas relativas a essa questão, no âmbito escolar, são fundamentais para a construção de definições que normalizam as condutas, sejam violentas ou indisciplinares, por parte de todos os envolvidos – direção, professores, alunos, pais, funcionários (Sposito, 1998Sposito, M. P. (1998). A instituição escolar e a violência. Cadernos de Pesquisa, (104), 58-75.).

É importante considerar também o quanto alguns episódios ocorridos dentro da instituição escolar deveriam ser resolvidos no âmbito do próprio sistema educacional, a partir das regras regimentais gerais desse sistema e daquelas estipuladas pela própria instituição. Deve-se acionar o sistema sociojurídico somente depois de esgotados os recursos escolares, pois o trato da falta disciplinar é competência da escola (Ferreira, 2010Ferreira, L. A. M. (2010). O Estatuto da Criança e do Adolescente e o professor: reflexos na sua formação e atuação (2a ed.). São Paulo: Cortez.).

Quanto às práticas de ato infracional, os casos devem ser investigados no sistema da Justiça da Infância e da Juventude, sem pretender levar a polícia para dentro da escola, o que, invariavelmente, tem propiciado situações de humilhação e violência. De acordo com Sposito (1998)Sposito, M. P. (1998). A instituição escolar e a violência. Cadernos de Pesquisa, (104), 58-75.:

Não se trata de negar a validade de algumas dessas iniciativas, porém é visível o deslocamento no modo de tratamento do problema. A violência escolar passa a ser objeto da ação pública, sobretudo sob o ângulo da segurança, da estratégia policial militar e menos como questão educativa. (p. 70)

Retomando a experiência dos três jovens entrevistados, eles foram levados ao NAI no dia da rebelião e tiveram como consequência a aplicação de uma medida socioeducativa, a liberdade assistida (LA)20 20 A LA é uma das seis medidas socioeducativas cabíveis de serem aplicadas aos adolescentes quando deflagrado o ato infracional (Brasil, 2010). No caso da LA, prioriza-se a manutenção do convívio social e o acompanhamento do adolescente por um serviço socioassistencial (Morais & Malfitano, 2016). . Os três, não coincidentemente, repetem esse ano escolar (2007) e, no ano seguinte (2008), são transferidos compulsoriamente para o período noturno.

Sobre a vivência da liberdade assistida, os três atribuem uma valoração positiva, expressa nos seus depoimentos:

Aí eu comecei a fazer o LA, liberdade assistida… A gente conversava, passava a maioria da semana lá de dia. Tinha oficina, a gente fazia vários tipos te oficina, eu gostava. (Entrevista com Juninho)

Aí lá era tudo. Você fazia projeto, conversava da sua vida, ficam em escola, participava de sua vida, era como uma mãe, assim. Arrumava curso pra você fazer, incentivava, ajudava em emprego, te dava passe [passagem de ônibus] pra nunca deixar de ir, então não tinha motivo pra não ir pra LA.

(Entrevista com Nicolas)

Ah, LA foi tudo na vida, eu adorei. Ah, ia lá, conversava, comia, pintava, desenhava, fazia trabalho. Ai, era uma delícia, fiz quatro meses. Ah, era… porque cada um tinha seu professor, né, aí era super bem.

(Entrevista com Willian)

A existência de um espaço de escuta, o acolhimento, a possibilidade de circulação na cidade e a ampliação do repertório de experiências através das oficinas são elementos que explicam o aspecto positivo atribuído à medida em questão.

Infelizmente, o acompanhamento da medida socioeducativa não resultou em apoio à permanência e progressão de série dos adolescentes na escola. Os três iniciaram, a partir do ocorrido no dia da rebelião e de seus desdobramentos, um ciclo de repetências que culminou na evasão escolar. Isso revela a fragilidade e as contradições do chamado “acompanhamento” por parte dos responsáveis pelos programas de medidas socioeducativas.

Estudos como os de Lopes, Sfair e Bittar (2012)Lopes, R. E., Sfair, S. C., & Bittar, M. (2012). Adolescentes em medidas socioeducativas em meio aberto e a escola. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 20(2), 217-228., Borba, Lopes e Malfitano (2015)Borba, P. L. O., Lopes, R. E., & Malfitano, A. P. S. (2015). Trajetórias escolares de adolescentes em conflito com a lei: subsídios para repensar políticas educacionais. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, 23(89), 937-963. e Rocha, Bittar e Lopes (2016)Rocha, M. F. J., Bittar, M., & Lopes, R. E. (2016). O professor mediador escolar e comunitário: uma prática em construção. Revista Eletrônica de Educação, 10(3), 341-353. aprofundam o debate sobre a interlocução entre a LA e a escola, que resulta em um acompanhamento escolar descontínuo, frágil e ineficiente dos adolescentes que cumprem medidas em meio aberto.

Desta maneira, com seus dramas, reflexos de um cenário complexo em que estão imersos, os três, igualmente, mas em momentos diferentes, não permaneceram na escola. Mesmo assim, expressavam o desejo de voltar e acreditavam veementemente, como os outros jovens de sua geração (Peregrino, 2005Peregrino, M. (2005). Os jovens pobres e a escola. JOVENes: Revista de Estudios sobre Juventud, 9(22), 356-368.; Pereira & Lopes, 2016Pereira, B. P., & Lopes, R. E. (2016). Por que ir à escola? Os sentidos atribuídos pelos jovens do ensino médio. Educação & Realidade, 41(1), 193-216.), na promessa de que pelo estudo teriam uma vida melhor. Nas suas singularidades, os três expressaram o mesmo conteúdo:

Minha mensagem é pra aqueles que forem escutar e você for passar: aproveitem o máximo de vocês! Aproveitem o que eu não pude aproveitar, porque faz muita falta pra gente um bom estudo, uma boa educação. Quero que vocês alcancem tudo o que um dia eu não pude alcançar, mas eu creio, tenho fé que um dia eu também vou chegar lá! Aos trancos e barrancos! (Entrevista com Juninho)

Se eu não terminar o terceiro, eu não consigo nada, que daí do terceiro que vai surgir oportunidade pra fazer curso. A escola, você faz escola, depois de um tempo você pode ficar travado assim no tempo, né, um ano, dois anos depois você vai ver o que realmente você quer pra você, de tudo que você passou, o que os professores falam, e eu sou, sempre fui, uma pessoa que sempre ouvi bem, então não tem como eu falar que vou ser mal, que uma pessoa que era mal, né, ela pode inverter e fazer virar bem.

(Entrevista com Nicolas)

Ai, é tudo, [em] tudo as escolas estão cada vez mais caindo, você sabe disso, cada vez mais caindo. Tem, tem tudo, né; se não tiver estudo a gente não é nada. Eu vou voltar a estudar, mas se der problema eu saio de novo, não sou obrigada a levar desaforo.

(Entrevista com Willian)

A escola perdeu (e perde diariamente) uma ótima oportunidade de cooptar meninos e meninas, dado que, de alguma forma, está internalizado neles – e não só, mas em toda uma geração – o desejo de estar e prosseguir nessa estrutura (Corti, Corrochano, & Silva, 2016Corti, A. P. O., Corrochano, M. C., & Silva, J. A. (2016). “Ocupar e resistir”: a insurreição dos estudantes paulistas. Educação & Sociedade, 37(137), 1159-1176.; Peregrino, 2005Peregrino, M. (2005). Os jovens pobres e a escola. JOVENes: Revista de Estudios sobre Juventud, 9(22), 356-368.; Pereira & Lopes, 2016Pereira, B. P., & Lopes, R. E. (2016). Por que ir à escola? Os sentidos atribuídos pelos jovens do ensino médio. Educação & Realidade, 41(1), 193-216.). No entanto, por outro lado, essas trajetórias reforçam que a escola se separou da vida, de vidas pulsantes.

Os agentes educacionais apresentam enormes dificuldades para entrar em contato com essa pulsão, talvez porque ela é forte e intensa demais; talvez, também, alguns até disponibilizem seus ouvidos, mas não escutem verdadeiramente; se aproximem, mas não acolham, tampouco se responsabilizem. E assim as vidas rompem com toda uma estrutura institucional, pois romperam primeiro com seus agentes, demonstrando a centralidade dos recursos humanos para o cumprimento de qualquer missão institucional e evidenciando que a referência está nos profissionais que compõem aquele (ou qualquer) espaço. Esse rompimento pode também ser interpretado com base no que Pereira (2017)Pereira, A. B. (2017). Do controverso “chão da escola” às controvérsias da etnografia: aproximações entre antropologia e educação. Horizontes Antropológicos, 23(49), 149-176. pontua como uma das questões mais expressivas do cotidiano escolar contemporâneo: o não reconhecimento das múltiplas alteridades. Ou seja, na escola convivem pessoas e grupos diferentes e, especialmente na relação professor-aluno, se coloca a diferença geracional, o que acaba por referendar o lugar da autoridade e provocar o distanciamento entre professores e alunos.

Nesse sentido, é preciso pensar de que modo a terapia ocupacional, no seu lugar do agir profissional, pode contribuir para a garantia do acesso e da permanência dos adolescentes que cometem atos indisciplinares e/ou infracionais na escola.

Contribuições da terapia ocupacional social na escola

No Brasil, desde a década de 1970, pode-se falar da inserção de terapeutas ocupacionais no setor da educação, principalmente nas então chamadas “escolas/classes especiais”, para lidar com demandas de crianças com deficiências e de suas famílias (Rocha, 2007Rocha, E. F. (2007). A terapia ocupacional e as ações na educação: aprofundando interfaces. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 18(3), 97-104.).

Contudo, temos percebido outras possibilidades de inserção para nós, terapeutas ocupacionais que lidam com dimensões escolares, que extrapolam aquelas relacionadas às deficiências. Essa nova perspectiva de trabalho para o terapeuta ocupacional no campo da educação, no Brasil, está sendo gestada principalmente pelo Metuia/UFSCar (Lopes, Borba, Trajber, Silva, & Cuel, 2011Lopes, R. E., Borba, P. L. O., Pereira, B. P., Rodrigues, R. C. J., Dariolli, F., & Rocha, M. F. J. (2011). Trajetórias juvenis: da prática do ato infracional às relações com a instituição escolar. Relatório de Pesquisa de Iniciação Científica, Universidade Federal de São Carlos, Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico, São Carlos.; Lopes, Malfitano, Silva, & Borba, 2014Lopes, R. E., Malfitano, A. P. S., Silva, C. R., & Borba, P. L. O. (2014). Recursos e tecnologias em terapia ocupacional social: ações com jovens pobres na cidade. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 22(3), 591-602.; Lopes, Sfair, & Bittar, 2012Lopes, R. E., Sfair, S. C., & Bittar, M. (2012). Adolescentes em medidas socioeducativas em meio aberto e a escola. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 20(2), 217-228.; Lopes & Silva, 2007Lopes, R. E., & Silva, C. R. (2007). O campo da educação e demandas para a terapia ocupacional no Brasil. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 18(3), 158-164.; Pereira, 2018Pereira, B. P. (2018). Terapia ocupacional e educação: as proposições de terapeutas ocupacionais na e para a escola. Tese de Doutorado, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos.) que, pelas problemáticas decorrentes da questão social, tal como entende Lopes (2016)Lopes, R. E. (2016). Cidadania, direitos e terapia ocupacional social. In R. E. Lopes, & A. P. Malfitano (Orgs.), Terapia ocupacional social: desenhos teóricos e contornos práticos (pp. 29-48). São Carlos: EdUFSCar., principalmente aquelas que atravessam a vida da juventude popular e urbana, tem somado esforços com os professores e gestores de determinada escola pública na construção de uma instituição que se quer mais democrática, plural e acolhedora para toda a diversidade de públicos que precisa acolher.

Para esse grupo, do qual fazemos parte, a escola pública é um cenário privilegiado para a ação terapêutico-ocupacional. É essa escola que chega ao começo do século XXI requerendo ajuda de diferentes profissionalidades, inclusive dos terapeutas ocupacionais (Lopes & Silva, 2007Lopes, R. E., & Silva, C. R. (2007). O campo da educação e demandas para a terapia ocupacional no Brasil. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 18(3), 158-164.), visto que, no Brasil, não foi resolvido um dos seus dilemas básicos: como ser uma escola de massa e responder com qualidade às demandas coletivas e individuais? E, ainda, como promover uma formação na qual se integre um currículo que apoie o desenvolvimento profissional de seus alunos, em comunhão com a promoção de uma cultura clássica e humanista (Buffa & Nosella, 1998Buffa, E., & Nosella, P. (1998). A escola profissional de São Carlos. São Carlos: EdUFSCar.)?

Apesar de todos os dilemas históricos e contemporâneos que o cenário educacional apresenta, é preciso afirmar e reafirmar que a escola pública é uma parceira prioritária, pois é nela que, ainda, encontramos o jovem. Por isso ela representa uma estratégia fundamental para a promoção e o fomento de projetos que de fato possam garantir a esses jovens melhores condições de vida e experiências acerca da participação política e democrática (Lopes & Silva, 2007Lopes, R. E., & Silva, C. R. (2007). O campo da educação e demandas para a terapia ocupacional no Brasil. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 18(3), 158-164.).

Tomamos como pressuposto que, se a escola estiver preparada para lidar com as demandas trazidas pelos adolescentes envolvidos com atos infracionais, ela estará mais preparada para acolher as demandas da juventude como um todo. Isso por entendemos que o ato infracional, sendo uma situação-limite, deflagra complexidades que exigem revisões e questionamentos por parte de toda a organização. Não obstante, a inversão desse raciocínio é igualmente verdadeira: uma vez que a escola e seus agentes estiverem preparados para lidar com as demandas expressas pela juventude contemporânea, também estarão mais aptos a dialogar com as narrativas dos jovens envolvidos em atos infracionais.

É nesse contexto que a terapia ocupacional social que advogamos compreende as implicações de suas ações no campo da educação e da juventude. As experiências desenvolvidas pelo Metuia/UFSCar, nessa perspectiva, têm lidado com essas problemáticas e contribuído com propostas de intervenção que buscam solucioná-las. Chama-se a atenção para o trabalho com um grande número de adolescentes e jovens, com destaque para as Oficinas de Atividades, Dinâmicas e Projetos, os Acompanhamentos Singulares e Territoriais, a Articulação de Recursos no Campo Social e a Dinamização da Rede de Serviços (Lopes, Malfitano, Silva, & Borba, 2014Lopes, R. E., Malfitano, A. P. S., Silva, C. R., & Borba, P. L. O. (2014). Recursos e tecnologias em terapia ocupacional social: ações com jovens pobres na cidade. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 22(3), 591-602.), neste caso, com foco nas mediações e orientações com os professores, a direção escolar e o sistema sociojurídico. Ademais, terapeutas ocupacionais também podem colaborar para uma melhor apreensão da realidade em que vivem os estudantes, com o aprimoramento de recursos para dar novo sentido ao ensino no século XXI, com a criação de estratégias coletivas que envolvam os pais e a comunidade no processo de ensino e aprendizado, entre outros aportes.

Quando se faz um recorte do público juvenil a partir do ato infracional, a escola passa a enfrentar outros dilemas, e precisaria de ajuda para buscar respondê-los. Por exemplo: como apoiar a permanência desses adolescentes na escola, perseguindo a construção de uma narrativa que envolva mais o lícito do que o ilícito? Como formar professores, gestores e inspetores que dialoguem e compreendam os universos juvenis que transitam pelas tramas ilícitas da vida em que os jovens estão envolvidos?

O que presenciamos com o desenvolvimento desta pesquisa, infelizmente, foi uma escola que acabava expulsando os adolescentes que cometiam um ato infracional, ou que já os tinha expulsado muito antes da deflagração do ato infracional em si (Borba, Lopes, & Malfitano, 2015Borba, P. L. O., Lopes, R. E., & Malfitano, A. P. S. (2015). Trajetórias escolares de adolescentes em conflito com a lei: subsídios para repensar políticas educacionais. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, 23(89), 937-963.). E era essa mesma escola, por má gestão dos seus conflitos internos, que acabava transformando atos indisciplinares em atos infracionais, como atestam as narrativas aqui trazidas.

Referimos a escola, mas é necessário lembrar que esta é composta por pessoas e, portanto, é importante destacarmos e refletirmos sobre o papel central que os profissionais podem ter como referência positiva de acolhimento de demandas que se impõem nas trajetórias de vida e escolares de jovens que foram marcados pela ocorrência do ato infracional.

Nesse sentido, consideramos a necessidade tanto de profissionais que estejam dentro da escola e se voltem para o território/comunidade, como de profissionais que estejam fora dela e a auxiliem a lidar com seus conflitos internos, bem como apoiem a permanência desses adolescentes nela, com qualidade de aprendizado.

Do lugar da aposta de aproximar profissionais do campo da terapia ocupacional com os do campo da educação, vamos explorar o “lugar fora da escola”, via inserção de terapeutas ocupacionais nas equipes dos Centros de Referência de Assistência Social (Cras) (Almeida, Soares, Barros, & Galvani, 2012Almeida, M. C., Soares, C. R. S., Barros, D. D., & Galvani, D. (2012). Processos e práticas de formalização da Terapia Ocupacional na Assistência Social: alguns marcos e desafios. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 20(1), 33-41.; Borba, Costa, Savani, Anastácio, & Ota, 2017Borba, P. L. O., Costa, S. L., Savani, A. C. C., Anastácio, C. C., & Ota, N. H. (2017). Entre fluxos, pessoas e territórios: delineando a inserção do terapeuta ocupacional no Sistema Único de Assistência Social. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 25(1), 203-214.) ou Centros de Referência Especializados de Assistência Social (Creas) (Morais & Malfitano, 2016Morais, A. C., & Malfitano, A. P. S. (2016). O terapeuta ocupacional como executor de medidas socioeducativas em meio aberto: discursos na construção de uma prática. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 24(3), 531-542.).

Não estaríamos propondo a criação de nenhum novo serviço ou profissão, e sim fortalecendo uma direção que já é prevista pelo o Sistema Único de Assistência Social (Suas) (Brasil, 2005Brasil, Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome, Secretaria Nacional de Assistência Social (2005). Sistema Único de Assistência Social – SUAS: Norma Operacional Básica NOB/SUAS: construindo as bases para a implantação do Sistema Único de Assistência Social. Brasília, DF: Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome.), mas caminha a passos lentos para efetivar a contratação de terapeutas ocupacionais para compor as equipes acima referidas, dado o desinvestimento nas políticas públicas sociais a que estamos assistindo no Brasil nos últimos anos e o acirramento de disputas entre campos profissionais. Apesar de toda uma produção do campo científico que caminha interdisciplinarmente, no “chão da fábrica” as corporações se fecham diante da luta por recursos escassos.

A despeito de tempos de escassez, em um cenário possível, contando com a inserção do terapeuta ocupacional em um serviço como o Cras e com uma escola que dialogue com os serviços do seu território, quando da identificação de “situações-problema” que extrapolem a capacidade responsiva da direção escolar, esta, em vez de acionar a ronda escolar/polícia militar, recorreria ao apoio da equipe do Cras. Essa identificação, idealmente, não deveria ocorrer apenas quando o conflito estivesse deflagrado, mas sim paulatinamente, por meio da capacidade de leitura dos professores sobre os acontecimentos da vida que envolvem seus alunos, verbalizados (ou silenciados), no cotidiano escolar, em demandas expressas em seus comportamentos e atitudes.

Uma vez acionada a parceria Cras/escola, poderia ser deslocado um terapeuta ocupacional para essa interlocução com a equipe escolar, prosseguindo com um acompanhamento singular e territorial dos alunos “eleitos”, indicados pela própria gestão da escola, tomando como base os pressupostos da terapia ocupacional social (Barros, Ghirardi, & Lopes, 2002Barros, D. D., Ghirardi, M. I. G, & Lopes, R. E. (2002). Terapia ocupacional social. Revista de Terapia Ocupacional da Universidade de São Paulo, 13(3), 95-103.; Lopes, 2016Lopes, R. E., & Malfitano, A. P. (Orgs.). (2016). Terapia ocupacional social: desenhos teóricos e contornos práticos. São Carlos: EdUFSCar.).

Para a continuidade do acompanhamento, preconizamos que se deve estar verdadeiramente junto com o outro (Freire, 2005Freire, P. (2005). Pedagogia do oprimido (4a ed.). Rio de Janeiro: Paz e Terra.), com disponibilidade de tempo, nos espaços da vida e por onde o aluno circula, com vistas a ajudá-lo a viver novas experiências, mediar os conflitos familiares, ampliar seus espaços de circulação, acessar novos recursos existentes na cidade em termos de cultura, educação, esporte e formação profissional (Lopes, Malfitano, Silva, & Borba, 2014Lopes, R. E., Malfitano, A. P. S., Silva, C. R., & Borba, P. L. O. (2014). Recursos e tecnologias em terapia ocupacional social: ações com jovens pobres na cidade. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 22(3), 591-602.).

Todavia, para levar a cabo esse acompanhamento no interior de um serviço que responde à política da assistência social, seria fundamental para os terapeutas ocupacionais fazer alguns rompimentos e/ou revisões. O primeiro rompimento/revisão seria com a lógica instituída do “encaminhamento”, que considera que o ato de recomendar/indicar/prescrever que a pessoa vá a algum lugar já é suficiente, mas fazer o processo junto dela é politicamente incorreto e denota assistencialismo, uma vez que se compartilha do pressuposto de que todos têm a capacidade de empreender uma ação, desde que mobilizados para tal fato, ao passo que, se não o conseguem, é porque não se esforçaram o suficiente. Assim, recai unicamente sobre a pessoa a responsabilidade pela impossibilidade, de modo que não se faz uma leitura da realidade e das condições – sociais e subjetivas – que ela de fato possui.

O segundo rompimento/revisão necessário seria com a lógica do produtivismo e da burocratização do trabalho na área da assistência social. Há inúmeros protocolos, cadastros e relatórios a serem preenchidos, sendo duvidosa a necessidade real desses recursos, ou se sua exigência não surgiria, na verdade, para criar um distanciamento entre esses profissionais e a dura realidade em que são chamados a intervir. Porém, de todo modo, a proposição dos acompanhamentos não gera números como o fazem os cadastramentos nos programas de transferência de renda, e aí reside o desafio de demonstrar o resultado de uma ação profissional que não se enquadra na lógica do atendimento pontual.

Por fim, atrelado a este último ponto, é necessário o rompimento/revisão com a lógica do tempo do atendimento encarcerado, de uma hora, nos ditames da clínica psi21 21 Essa expressão se apoia no texto de Malvasi (2011), que criticou a influência de autores como Winnicott e da psicologia comportamental no universo dos técnicos que executam as medidas socioeducativas. Dentre as críticas que faz, o autor é contundente ao se referir aos nexos explicativos do comportamento “delinquente”, centrados unicamente no adolescente, mas ampliados quando estendidos ao seu lócus familiar, na condição de desestruturado. (Malvasi, 2011Malvasi, P. A. (2011). “Choque de mentes”: dispositivos de controle e disputas simbólicas no sistema socioeducativo. R@U: Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, 3(1), 331-352.), pois estar com o outro, na sua vida, pode demandar uma tarde inteira numa semana, e 15 minutos na outra. O tempo precisaria ser dimensionado pela necessidade do outro, e não apenas pela organização do processo de trabalho do profissional; ou melhor, essa necessidade precisaria ser o centro dessa organização.

Nas narrativas aqui descritas, exemplificamos algumas ações decorrentes dos acompanhamentos realizados, indicando pistas, com base em algo que foi vivido e construído concretamente, dialetizando limites micro e macroestruturais, e enfrentando diferenças de classe social, de expressão de gênero, de religião, de possibilidades de circulação pelos territórios e de existências (Brah, 2006Brah, A. (2006). Diferença, diversidade, diferenciação. Cadernos Pagu, (26), 329-376.).

Assim, coletivamente, aprendemos com Juninho, Nicolas e Willian a dimensão complexa das tramas em que suas vidas estão envolvidas e, infelizmente, os frágeis suportes que lhes são conferidos para a redefinição de suas trajetórias. Entretanto, são vidas em processo, acompanhamentos inacabados e, portanto, à espera de novos desenhos, novos e positivos “bafos” e “babados”, novos shows – enfim, à espera da continuidade da vida.

  • 4
    Metuia, palavra da língua nativa indígena brasileira, da comunidade bororo, que significa amigo, companheiro.
  • 5
    O Projeto Metuia foi criado em 1998, constituindo-se como um grupo interinstitucional de estudos, formação e ações pela cidadania de pessoas e grupos em processos de ruptura das redes sociais de suporte, tendo como proposta o desenvolvimento de projetos no âmbito do ensino, da pesquisa e da extensão em terapia ocupacional social e em sua interconexão com diferentes setores (Lopes & Malfitano, 2016Lopes, R. E., & Malfitano, A. P. (Orgs.). (2016). Terapia ocupacional social: desenhos teóricos e contornos práticos. São Carlos: EdUFSCar.). Atualmente, sob a denominação Rede Metuia – Terapia Ocupacional Social, estão em funcionamento seis núcleos nas seguintes instituições de ensino superior: Universidade de São Paulo (USP), Universidade Federal de São Carlos (UFSCar), Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Universidade de Brasília (UnB) e no que integra a Universidade Federal da Paraíba (UFPB) e a Universidade Estadual de Ciências da Saúde de Alagoas (Uncisal). A sigla Metuia/UFSCar é tanto uma referência ao Núcleo UFSCar dessa rede quanto ao Programa de Extensão Metuia – Terapia Ocupacional Social e ao Laboratório de Pesquisa Metuia do Departamento de Terapia Ocupacional e dos Programas de Pós-Graduação em Educação e em Terapia Ocupacional, ambos da UFSCar.
  • 6
    Em 28 de abril de 2016, pelo Decreto nº 8.727, foi sancionado o direito ao uso do nome social e ao reconhecimento da identidade de gênero de pessoas travestis e transexuais no âmbito da administração pública federal direta, autárquica e fundacional.
  • 7
    Pontua-se que reconhecemos e apoiamos toda a luta do movimento social das travestis e dos(as) transexuais, bem como de outras dissidências de gênero e sexualidade (Butler, 2013Butler, J. (2013). Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade (5a ed.). Rio de Janeiro: Civilização Brasileira.), sendo que toda a nossa ação, seja ela interventiva ou de pesquisa, tem como princípio a não discriminação, o respeito e a confiança. Com base nisso, são os(as) nossos(as) interlocutores(as) e colaboradores(as) que nos orientam sobre a forma pela qual querem ser referidas(os). Neste texto, optamos por utilizar o nome dos adolescentes ainda no masculino tendo em vista o fato de que o momento histórico que circunscreve esse dado do campo empírico coincide com os primeiros momentos das suas descobertas e expressões da transexualidade e travestilidade. Inicialmente, eles não explicitavam o seu não reconhecimento da identidade masculina e por ela também se expressavam, inclusive nos eventos que serão discutidos neste artigo.
  • 8
    Esse núcleo pode ser compreendido como um conjunto de instituições – Fundação Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Casa), Prefeitura Municipal, uma organização não governamental ligada à Igreja católica, Vara da Infância e da Juventude – que se articulam desde o momento do flagrante da infração até o encaminhamento jurídico para o cumprimento da medida socioeducativa, quando esta é imposta pelo Poder Judiciário, na referida cidade. Trata-se da porta de entrada, do primeiro contato do adolescente com o sistema sociojurídico, tendo como metas facilitar e agilizar os procedimentos envolvidos nessa situação, depois que é deflagrado o ato infracional (Borba, Lopes, & Malfitano, 2015Borba, P. L. O., Lopes, R. E., & Malfitano, A. P. S. (2015). Trajetórias escolares de adolescentes em conflito com a lei: subsídios para repensar políticas educacionais. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, 23(89), 937-963.).
  • 9
    O termo “travestilidade” é usado aqui no mesmo sentido que propõem William Peres (2004)Peres, W. S. (2005). Subjetividade das travestis brasileiras: da vulnerabilidade da estigmatização à construção da cidadania. Tese de Doutorado, Universidade Estadual do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro. e Larissa Pelúcio Silva (2007)Silva, L. M. P. (2007). Nos nervos, na carne, na pele: uma etnografia travesti sobre o modelo preventivo de aids. Tese de Doutorado, Universidade Federal de São Carlos, São Carlos., ou seja, não só para marcar a heterogeneidade de possibilidades identitárias das travestis, mas também em substituição ao sufixo “-ismo”, que remete a doença e patologias.
  • 10
    As oficinas (suas atividades, seus projetos e produtos, e suas dinâmicas) permitem uma gama potente de ações, que podem ser classificadas, compreendidas e aplicadas com distintos propósitos, tais como: (i) lidar com as técnicas intrínsecas; (ii) o uso e a produção de materiais e recursos; (iii) o trânsito por diversos setores (cultura, arte, esporte, lazer, trabalho, etc.); (iv) conforme propostas previamente elaboradas com temáticas e objetivos pré-estabelecidos (debates sobre o cotidiano, perspectivas de vida, trocas e informações a respeito do mundo do trabalho, processos educativos acerca de direitos e deveres, sobre a rede de proteção à infância e à adolescência na cidade, entre outras); (v) as necessidades e possibilidades da vida cotidiana; (vi) os diferentes sentidos e significados que os sujeitos em ação podem designar ou imprimir segundo suas vivências pessoais – nesse caso, ainda que as propostas tenham indicações ou direcionamentos prévios, o interesse está na percepção singular que aquela experiência proporcionou ao participante da ação (Lopes, Malfitano, Silva, & Borba, 2014Lopes, R. E., Malfitano, A. P. S., Silva, C. R., & Borba, P. L. O. (2014). Recursos e tecnologias em terapia ocupacional social: ações com jovens pobres na cidade. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 22(3), 591-602.).
  • 11
    Gíria que denota perturbação, conflitos, movimento.
  • 12
    Fanzine é uma modalidade de jornal comunitário. Como parte integrante das atividades extensionistas do Metuia/UFSCar tanto na escola como no Centro da Juventude, confeccionamos com os jovens três edições do fanzine nomeado Espaço Fala Aí durante o ano de 2009. A descrição e a análise desse processo estão presentes em Lopes, Borba e Monzeli (2013)Lopes, R. E., Borba, P. L. O, & Monzeli, G. A. (2013). Expressão livre de jovens por meio do Fanzine: recurso para a terapia ocupacional social. Saúde e Sociedade, 22(3), 937-948..
  • 13
    Nome de uma avenida importante na cidade, na qual também se fez a pesquisa e o acompanhamento e onde, no período noturno, as travestis e profissionais do sexo aguardam seus clientes.
  • 14
    Gírias que expressam acontecimentos importantes e/ou fofocas.
  • 15
    Essa era uma expressão recorrente no discurso de professores e diretoras da escola.
  • 16
    A descrição e análise mais detida de todo esse processo está disponível em Lopes, Borba e Cappellaro (2011)Lopes, R. E., Borba, P. L. O., & Cappellaro, M. (2011). Acompanhamento individual e articulação de recursos em terapia ocupacional social: compartilhando uma experiência. O Mundo da Saúde, 35(2), 233-238..
  • 17
    Gíria que expressa situação em que uma pessoa fica brava, com raiva ou enfurecida.
  • 18
    O Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) compreende um exame realizado pelo Instituo Nacional de Ensino e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), do Ministério da Educação (MEC), abrangendo estudantes das redes pública (em caráter obrigatório) e privada (facultativo) do país, em área rural e urbana, matriculados no 3º, 5º e 9º ano do ensino fundamental, e também no 3º ano do ensino médio. São aplicadas provas de língua portuguesa e matemática. A avaliação é feita por amostragem. Nesses estratos, os resultados são apresentados para cada unidade da Federação e para o Brasil como um todo (Brasil, 2019Brasil, Ministério da Educação (2019). Sistema de Avaliação da Educação Básico (Saeb). Brasília, DF: Inep. Recuperado de http://portal.inep.gov.br/educacao-basica/saeb
    http://portal.inep.gov.br/educacao-basic...
    ).
  • 19
    Em 2006, foi implantado em 500 escolas da rede pública estadual de ensino fundamental de São Paulo o projeto Escola de Tempo Integral (Castro & Lopes, 2011Castro, A., & Lopes, R. E. (2011). A escola de tempo integral: desafios e possibilidades. Ensaio: Avaliação e Políticas Públicas em Educação, 19(71), 259-282.).
  • 20
    A LA é uma das seis medidas socioeducativas cabíveis de serem aplicadas aos adolescentes quando deflagrado o ato infracional (Brasil, 2010Brasil (2010). Estatuto da criança e do adolescente: lei n. 8.069, de 13 de julho de 1990, e legislação correlata (9a ed.). Brasília, DF: Edições Câmara. Recuperado de http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/File/publi/camara/estatuto_crianca_adolescente_9ed.pdf
    http://www.crianca.mppr.mp.br/arquivos/F...
    ). No caso da LA, prioriza-se a manutenção do convívio social e o acompanhamento do adolescente por um serviço socioassistencial (Morais & Malfitano, 2016Morais, A. C., & Malfitano, A. P. S. (2016). O terapeuta ocupacional como executor de medidas socioeducativas em meio aberto: discursos na construção de uma prática. Cadernos Brasileiros de Terapia Ocupacional, 24(3), 531-542.).
  • 21
    Essa expressão se apoia no texto de Malvasi (2011)Malvasi, P. A. (2011). “Choque de mentes”: dispositivos de controle e disputas simbólicas no sistema socioeducativo. R@U: Revista de Antropologia Social dos Alunos do PPGAS-UFSCar, 3(1), 331-352., que criticou a influência de autores como Winnicott e da psicologia comportamental no universo dos técnicos que executam as medidas socioeducativas. Dentre as críticas que faz, o autor é contundente ao se referir aos nexos explicativos do comportamento “delinquente”, centrados unicamente no adolescente, mas ampliados quando estendidos ao seu lócus familiar, na condição de desestruturado.
  • 2
    Apoio: Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq); Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp).
  • 3
    Normalização, preparação e revisão textual: Mônica Silva (Tikinet) – revisao@tikinet.com.br

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Editado por

1
Editor responsável: Helena Maria Sant'Ana Sampaio Andery, hsampaio@unicamp.br, https://orcid.org/0000-0002-1759-4875

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    30 Ago 2018
  • Revisado
    03 Set 2019
  • Aceito
    02 Out 2019
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