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Marcas históricas do movimento ativista surdo em articulação ao pensamento prático de Paulo Freire e Michel Foucault1 1 Tradução do francês por Sílvio Gallo e Alexandre Filordi de Carvalho. 2 2 Editor responsável: Alexandre Filordi de Carvalho. https://orcid.org/0000-0003-4510-9440 3 3 Normalização, preparação e revisão textual: Lucas Giron (Tikinet) – revisao@tikinet.com.br

Historical brands of the deaf activist movement in articulation to the practical thinking of Paulo Freire and Michel Foucault

Resumo

Com as conquistas legais e certa visibilidade dada à língua brasileira de sinais (Libras), houve maior aparição das pessoas surdas em variados espaços político-sociais. Ao mesmo tempo, nota-se o contínuo retrocesso de direitos advindo dos discursos assistencialistas do atual governo federal, que, sob a égide de um suposto “cuidado” às pessoas surdas, tem creditado para si o reconhecimento das pautas desta comunidade, configurando um processo de captura no qual as lutas históricas do movimento surdo no país são apagadas. Neste trabalho, buscamos rememorar a história do ativismo surdo no Brasil, cartografando vozes surdas na articulação com as perspectivas freireana e foucaultiana no sentido de esperançar a partir de contracondutas como as feitas por algumas vidas surdas na atualidade.

Palavras-chave
ativismo surdo; pedagogias surdas; contracondutas

Abstract

The legal achievements and visibility conferred to the Brazilian Sign Language (Libras) led to a greater appearance of deaf people in various socio-political spaces. At the same time, the welfarist discourse of the current federal government, under the auspices of a supposed “care” for deaf people, establishes a setback for rights, assigning for itself the recognition of this community agenda and erasing the historical struggles of the deaf movement in the country. In an attempt to instill hope from counter-conducts such as those made by some deaf lives today, this work aims to recall the history of deaf activism in Brazil, mapping deaf voices in articulation with the Freirean and Foucaultian perspectives.

Keywords
deaf activism; deaf pedagogy; counter-conducts

Introdução

A ética de que falo é a que se sabe traída e negada nos comportamentos grosseiramente imorais como na perversão hipócrita da pureza em puritanismo. A ética de que falo é a que se sabe afrontada na manifestação discriminatória de raça, de gênero, de classe. É por esta ética inseparável da prática educativa, não importa se trabalhamos com crianças, jovens ou com adultos, que devemos lutar.

(Freire, 1998Freire, P. (1998). Pedagogia da autonomia: Saberes necessários à prática educativa. Paz e Terra., p. 17)

Infelizmente, no ano de celebração do centenário de nascimento do educador brasileiro Paulo Freire, vivenciamos um contexto de profunda crise política, econômica e social em nosso país. Já em curso de maneira mais destacada desde o impedimento da presidenta Dilma Rousseff, no ano de 2016 (Jinkis et al., 2016Jinkis, I., Doria, K., & Cleto, M. (Orgs.). (2016). Por que gritamos golpe? Para entender o impeachment e a crise política no Brasil. Boitempo.; Pinheiro-Machado, 2019Pinheiro-Machado, R. (2019). Amanhã vai ser maior: O que aconteceu com o Brasil e possíveis rotas de fuga para a crise atual. Planeta do Brasil.; Sader, 2017Sader, E. (Org.). (2017). O Brasil que queremos. Editora da Uerj.). Esse cenário se agrava no início de 2020 com a crise sanitária provocada pela pandemia do novo coronavírus, disseminada no mundo todo. No Brasil esse processo devastador ocorre de forma ainda mais contundente (Peduzzi, 2021Peduzzi, P. (2021, 19 de junho). Brasil registra mais de 500 mil mortos por covid-19. Agência Brasil. https://agenciabrasil.ebc.com.br/saude/noticia/2021-06/brasil-registra-mais-de-500-mil-mortos-por-covid-19
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) em virtude, principalmente, das ações sistematicamente (não) adotadas pelo governo federal4 4 Como apenas um exemplo, podemos citar a recente declaração de Jair Bolsonaro em relação à não obrigatoriedade do uso de máscaras por pessoas já vacinadas (Gomes et al., 2021). .

Nesse contexto já suficientemente desolador, ainda presenciamos inúmeros ataques às políticas públicas sociais e à educação, sobretudo à figura de Paulo Freire5 5 Para citar apenas um: “Weintraub ameaça” (2020). , intelectual e educador brasileiro que reconhecidamente contribuiu de forma extraordinária não apenas para a educação pública e popular em nosso país, mas também para a educação latino-americana e mundial. Paulo Freire nos deixou como legado não apenas uma obra escrita, muito menos um método ou sequer um paradigma teórico, mas uma prática de vida, em constante postura de luta e busca pela justiça social, por meio do conhecimento e da troca de saberes promovidos pela educação. Apesar disso, como nos lembra Kohan (2019)Kohan, W. (2019). Paulo Freire, mais do que nunca: Uma biografia filosófica. Vestígio., desde 2016 e explicitamente após 2018, “tenta-se aplicar [no país] uma política educacional às avessas da que se praticava nos últimos governos no PT, o que situa Paulo Freire como um dos principais opositores” (p. 19).

Há no presente o avesso ao movimento e legado freireano no Brasil, quando a desinformação se torna uma política de governo – que é capaz, por exemplo, de criar um telejornal apenas para a divulgação de “boas notícias” (Pompeu, 2021Pompeu, L. (2021, 18 de junho). Bolsonaro prepara telejornal só de boas notícias. ES Brasil. https://esbrasil.com.br/tv-publica-bolsonaro-prepara-telejornal-so-de-boas-noticias
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), em uma explícita institucionalização das fake news – na construção massiva de um pensamento em manada produzido pela não criticidade dos cidadãos. Esta, por sua vez, é potencializada pelas possibilidades dos usos dos recursos digitais, uma vez que “a era das redes sociais começou com a promessa da libertação e empoderamento de minorias, mas parece estar nos levando para as trevas da desinformação” (Barbosa, 2019Barbosa, M. (2019). Isso a imprensa não mostra. In M. Barbosa (Org.), Pós-verdade e fake news: Reflexões sobre a guerra de narrativas (pp. 7-12). Cobogó., p. 7).

Ainda neste contexto testemunhamos a atual e recorrente afronta ao pensamento de Paulo Freire, opondo-se ao que ele traz filosoficamente e em atitude de vida com o conceito esperançar, que alude não à ação de paralisia e espera de algo ou alguém – pela chegada de um mito –, mas a reação de um levante, a busca por fazer-se presente e estar de pé com os outros, sendo parte ativa na construção do novo, num processo de autonomia constituída pelo saber crítico (Freire, 1992Freire, P. (1992). Pedagogia da esperança: Um reencontro com a Pedagogia do oprimido. Paz e Terra.). No entanto, vemos emergir uma cultura de “disseminação de mentiras [que] tem colocado à prova a própria noção de verdade e revela uma inquietude, perda de confiança em instituições que outrora eram portadoras da verdade: a imprensa, a ciência e as elites intelectuais em geral” (Barbosa, 2019Barbosa, M. (2019). Isso a imprensa não mostra. In M. Barbosa (Org.), Pós-verdade e fake news: Reflexões sobre a guerra de narrativas (pp. 7-12). Cobogó., p. 7). Trata-se de uma conduta envolta de ódio contra as diferenças e reações do livre pensar e a intelectualidade, ventilada com um tom nostálgico de retorno à uma cultura “tradicional” e conservadora, outrora perdida (ou “adormecida”?) em gestões de governos progressistas que tomavam como base também o pensamento freireano para a vida pública e a educação.

Portanto, embora assumamos aqui e em nossas práticas como educadoras a “‘politicidade’ da educação fora das cegueiras partidárias” (Kohan, 2019Kohan, W. (2019). Paulo Freire, mais do que nunca: Uma biografia filosófica. Vestígio., p. 23), é preciso considerar que já há alguns anos é nessa esteira de confronto e disputa política que Paulo Freire tem sido colocado. Mais que isso, ele é aviltado sistematicamente por um governo federal que desde o início deseja “expurgá-lo” (Bolsonaro, 2018Bolsonaro, J. (2018). O caminho da prosperidade: Proposta de plano de governo. https://divulgacandcontas.tse.jus.br/candidaturas/oficial/2018/BR/BR/2022802018/280000614517/proposta_1534284632231.pdf
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), sob as acusações de “comunista”, “filósofo de esquerda” ou qualquer outro nome que vem sendo insistentemente adotado como ofensa àqueles que, resistindo, defendem os direitos humanos e uma educação de fato libertadora e democrática.

No ano em que Paulo Freire completa 100 anos – e não completaria, porque compreendemos que o educador está mais vivo do que nunca em nossos fazeres cotidianamente insurgentes! –, colocamos em pauta a urgência de fortalecer em nossas práticas a ética proposta pelo educador e destacada inicialmente na epígrafe de nosso texto. Particularmente, como educadoras que têm se dedicado já há algum tempo à educação de surdos, reafirmarmos nosso compromisso em fazer das escolas públicas espaços de engajamento político e trabalho para a defesa dos direitos (também) linguísticos de alunas e alunos surdos, que historicamente sofrem diferentes práticas discriminatórias, de apagamento e assujeitamento (Cabello, 2021Cabello, J. (2021). Cartografia das (re)territorializações no movimento social surdo no Brasil atual: (Des)caminhos para as pedagogias surdas como devir [Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas]. Repositório Unicamp. http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/359090
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; Campello & Rezende, 2014Campello, A. R., & Rezende, P. L. F. (2014). Em defesa da escola bilíngue para surdos: A história de lutas do movimento surdo brasileiro. Educar em Revista, 30(2), 71-92. https://doi.org/10.1590/0104-4060.37229
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; Martins, 2016Martins, V. R. O. (2016). Educação de surdos e proposta bilíngue: Ativação de novos saberes sob a ótica da filosofia da diferença. Educação & Realidade, 41(3), 713-729. https://doi.org/10.1590/2175-623661117
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, 2021; Pagni & Martins, 2019Pagni, P. A., & Martins, V. R. O. (2019). Corpo e expressividade como marcas constitutivas da diferença ou do ethos surdo. Revista Educação Especial, 32, 1-21. http://dx.doi.org/10.5902/1984686X38222
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).

Nesse bojo, uma vez que a relação entre educação e política de modo mais amplo tem reverberado também no campo da educação de surdos, os movimentos sociais surdos não deixam de também assumir diferentes espectros políticos na atualidade. Assim, organizam-se em movimentos de des/re/territorializações em que, ao mesmo tempo que buscam, na defesa de pedagogias surdas, o direito intrínseco ao ser surdo, legitimando uma “maneira de ocupar um espaço-tempo” (Lapoujade, 2017Lapoujade, D. (2017). As existências mínimas. Editora N-1., p. 89) – lida, portanto, como desterritorializante (Guattari, Rolnik, 1993Guattari, F., & Rolnik, S. (1993). Micropolítica: Cartografias do desejo. Vozes.) –, podem deixar de ser potência para existir de outro modo. Com isso conquistam mais realidade (Lapoujade, 2017Lapoujade, D. (2017). As existências mínimas. Editora N-1.), para ser outra forma de verdade, que por sua vez dita novas condições de veracidade (em fluxos de reterritorializações).

Desse modo, os movimentos surdos, como discute Cabello (2021)Cabello, J. (2021). Cartografia das (re)territorializações no movimento social surdo no Brasil atual: (Des)caminhos para as pedagogias surdas como devir [Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas]. Repositório Unicamp. http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/359090
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, defendem em sua multiplicidade de pautas maior ou menor intervenção do Estado nas políticas sociais, apoiando a retomada ou não de um conservadorismo religioso nas relações familiares e também na educação – inclusive no que diz respeito aos currículos, tendo como um exemplo as discussões recentes acerca da criminalização do ensino de gênero nas escolas6 6 A respeito, consultar, por exemplo “Senado abre consulta” (2021). . Além disso, aproximam-se ou se distanciam de outros movimentos sociais, como recentemente observamos com as discussões sobre a nova Política Nacional de Educação Especial (PNEE), proposta pelo Decreto nº 10.502 (2020) e, posteriormente, julgada como inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal.

Nessa direção, cumpre salientar que, no que diz respeito ao campo da educação de surdos, torna-se urgente compreender

… como o cenário de barbárie e de retrocessos profundos no que diz respeito à educação (como por exemplo intimidação, perseguições e censura ao professorado, anti-intelectualismo, revisionismo histórico, negacionismo científico, militarização, movimentos antiescola, moralismo, machismo, misoginia, transfobia, intolerância religiosa, racismo – violência como currículo e ódio como pedagogia (CÁSSIO, 2019, p. 18) – parecem reverberar na criação de pedagogias surdas (como constructos coletivos identitários, amalgamados, ou como potência criadora de fluxos e agenciamento outros).

(Cabello, 2021Cabello, J. (2021). Cartografia das (re)territorializações no movimento social surdo no Brasil atual: (Des)caminhos para as pedagogias surdas como devir [Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas]. Repositório Unicamp. http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/359090
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, p. 36)

Assim, a própria compreensão de diferentes lideranças/ativistas surdas pode ser cooptada pela ofensiva do governo federal contra Paulo Freire, a despeito da importância do valor educacional e filosófico da pedagogia freireana também para os movimentos de luta e (re)existência surdas. Tais fluxos de reterritorializações podem ser mapeados quando nos aproximamos do movimento social surdo a partir das postagens de lideranças surdas em suas redes sociais, por exemplo, como ilustramos na Figura 1.

Figura 1
Imagem da rede social Facebook7 7 Postagem pública, realizada em página pessoal. Acesso em 19 de junho de 2021.

A Figura 1 mostra como a proposta do projeto de Lei 1930/2019 – que propunha a revogação da lei que declarou Paulo Freire patrono da educação – foi recebida por diferentes lideranças surdas, no mês de novembro de 2019. Enquanto o autor da postagem comemorava, outra liderança surda pedia nos comentários da postagem para que as obras Pedagogia do oprimido e Pedagogia da autonomia fossem retomadas pelo autor da publicação. Anteriormente, ainda em janeiro de 2019, um importante acervo em língua brasileira de sinais (Libras) disponível na plataforma da única TV pública para surdos no país e vinculada ao Instituto Nacional de Educação de Surdos (INES) já havia sido retirado de circulação, deixando indisponíveis à população surda inúmeras obras de pensadores considerados “de esquerda” ou “marxistas” – inclusive as relacionadas a Paulo Freire (Carneiro & Saldaña, 2019Carneiro, M., & Saldaña, P. (2019, 30 de janeiro). TV pública para surdos exclui vídeos sobre esquerda e filósofos. Folha de S.Paulo. https://www1.folha.uol.com.br/poder/2019/01/tv-publica-para-surdos-exclui-videos-sobre-esquerda-e-filosofos.shtml
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).

Podemos tentar compreender um pouco melhor a “comemoração” ao considerarmos que no campo da educação de surdos, foi a partir da posse de Jair Bolsonaro que pela primeira vez as pessoas surdas tiveram imensa visibilidade no país – com o discurso da primeira-dama sendo realizado em Libras. Apesar disso, as lutas pela educação bilíngue de surdos e o reconhecimento da língua brasileira de sinais (Lei n. 10.436, 2002Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002. (2002, 25 de abril). Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais e dá outras providências. Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm.
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; Decreto n. 5.626, 2005Decreto n. 5.626, de 22 de dezembro de 2005. (2005, 23 de dezembro). Regulamenta a Lei 10.436 de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais e o art. 18 da Lei 10.098 de dezembro de 2000. Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm
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) são pautadas desde pelo menos a década de 1980 no país, a partir da redemocratização e da Constituição Federal de 1988, como discute Brito (2016)Brito, F. B. de (2016). O movimento surdo no Brasil: A busca por direitos. Journal of Research in Special Educational Needs, 25(1), 766-769. https://doi.org/10.1111/1471-3802.12214
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.

Contudo, é na gestão de Jair Bolsonaro que as mudanças significativas no Ministério da Educação (MEC) trazem, de modo inédito, pessoas surdas para compor pastas recém-criadas – como a Diretoria de Políticas de Educação Bilíngue de Surdos. Paradoxalmente, isso ocorreu ao mesmo tempo que se extinguiram secretarias que tratavam da garantia de direitos humanos para outros grupos subalternizados, como a comunidade LGBTQIA+, como a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização, Diversidade e Inclusão (Secadi). Nesse cenário, Cabello (2021)Cabello, J. (2021). Cartografia das (re)territorializações no movimento social surdo no Brasil atual: (Des)caminhos para as pedagogias surdas como devir [Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas]. Repositório Unicamp. http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/359090
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aponta que “ao mesmo tempo em que a atual gestão federal traz à tona as discussões da comunidade surda de forma contundente junto ao MEC, dando inclusive mais visibilidade à Libras, avança contra grupos minoritários ou sobre qualquer pauta progressista” (p. 13).

Neste ensejo, nada mais freireano que percorrer a problematização acerca do presente na contextualização das forças que tentam paralisar o movimento de grupos minorizados, que protestam rumo a práticas de liberdades e de vida na diferença, já que historicamente tiveram suas pautas marginalizadas da discussão social mais ampla e reduções significativas de direitos sociais caros à vida pública. No que diz respeito ao movimento surdo, é possível acompanhar um processo de reterritorializações acentuadas do/no movimento social surdo,

que até o momento não havia sido observado e que, à primeira vista, pode parecer paradoxal, uma vez que pela primeira vez a comunidade surda tem representantes surdos em importantes instâncias do governo federal, inclusive na Secretaria da Pessoa com Deficiência e na Diretoria de Políticas da Educação Bilíngue de Surdos no MEC [como já salientado].

(Cabello, 2021Cabello, J. (2021). Cartografia das (re)territorializações no movimento social surdo no Brasil atual: (Des)caminhos para as pedagogias surdas como devir [Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas]. Repositório Unicamp. http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/359090
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, p. 45)

Diante desse cenário, portanto, nosso interesse de aproximação ao pensamento de Paulo Freire consiste numa atitude intelectual de reflexão sobre um campo teórico-prático com o outro e entre os sujeitos que compõem grupos sociais minorizados. Desse modo, este texto se coloca como uma atitude político-filosófica e ética que visa à compreensão do cenário social atual, no qual emergem relações de força que põem em funcionamento narrativas-práticas que invadem e compõem o território surdo: uma atitude de leitura político-crítica do presente. Assim, queremos descrever uma cartografia dos movimentos surdos para apresentação de suas lutas históricas, seus direitos linguísticos, éticos e estéticos (Cabello, 2021Cabello, J. (2021). Cartografia das (re)territorializações no movimento social surdo no Brasil atual: (Des)caminhos para as pedagogias surdas como devir [Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas]. Repositório Unicamp. http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/359090
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; Martins, 2021Martins, V. R. O. (2021). Sobrevida da infância surda numa sociedade centrada na língua oral: O caso covid-19 e a viralização da Libras. Childhood & Philosophy, 7, 1-26. https://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/childhood/article/view/56076/38033
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; Pagni & Martins, 2019Pagni, P. A., & Martins, V. R. O. (2019). Corpo e expressividade como marcas constitutivas da diferença ou do ethos surdo. Revista Educação Especial, 32, 1-21. http://dx.doi.org/10.5902/1984686X38222
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).

Ao nos voltarmos sobretudo ao movimento de luta e ação no campo da educação de surdos, a partir de um movimento cartográfico que acompanha pautas e anseios do movimento social surdo, olhamos para as práticas de vida insurgentes, marcadas pela luta de muitos sujeitos pela ação do esperançar, como proposto por Freire (1992)Freire, P. (1992). Pedagogia da esperança: Um reencontro com a Pedagogia do oprimido. Paz e Terra.. Articulamos ao esperançar e a ação de contracondutas8 8 Escolhemos a grafia do conceito contraconduta de forma junta e sem hífen para marcar que a relação de ação contrária reafirma um campo de condução em que o sujeito se autogoverna a partir em contraposição reativa à algum fluxo organizado que produz lógicas de subjetivações e manejo de formas de condução. A nota justifica-se pelo fato de que, embora a grafia oficial da palavra seja sem hífen, encontramos na literatura também a separação das palavras feita por meio do uso do hífen (que é uma escolha conceitual que não se aplica a esse trabalho). às formas de governo da vida surda, recorrendo aos conceitos de Michel Foucault (1999Foucault, M. (1999). Em defesa da sociedade: Curso no Collège de France (1975-1976) (M. E. Galvão, Tad.). Martins Fontes., 2008Foucault, M. (2008). Nascimento da Biopolítica. Martins Fontes., 2010)Foucault, M. (2010). O governo de si e dos outros: Curso no Collège de France (1982-1983). WMF Martins Fontes. na produção analítica dos efeitos da governamentalidade neoliberal.

Nesse percurso, por fim, queremos realçar a ação menor e de fuga na desterritorialização das formas de condução de vida surda, em contraposição a um governo – da educação aos espaços sociais mais variados – que normatiza a vida surda, na lógica das formas ouvintes de ser. Nesse processo, contudo, levaremos em conta que o território surdo na atualidade também está sujeito a reconfigurações (capturas) movimentadas pelos fluxos de linhas duras (Costa & Amorim, 2019Costa, L. B., & Amorim, A. S. L. (2019). Uma introdução à teoria das linhas para a cartografia. Atos de Pesquisa em Educação, 14(3), 912-933. http://dx.doi.org/10.7867/1809-0354.2019v14n3p912-933
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) que compõem o contexto macropolítico vigente. Como intencionamos ilustrar com a Figura 1, a partir da ascensão do bolsonarismo9 9 O bolsonarismo aqui é compreendido como um movimento que transcende a própria figura de Jair Bolsonaro, mas que se caracteriza como um governo de extrema-direita como características protofascistas e Tradicionalistas, e que configura uma “ofensiva obscurantista de caráter anti-intelectual e anticientificista que atravessa todos os setores da política nacional [...]” (SENA, 2019, p. 31) , esses fluxos têm arrastado lutas minoritárias para a reprodução de cartografias e valores maiores vigentes e para territórios sedimentados, a depender da relação de forças/poderes/saberes/afetos em circulação, como destacado pela Cabello (2021)Cabello, J. (2021). Cartografia das (re)territorializações no movimento social surdo no Brasil atual: (Des)caminhos para as pedagogias surdas como devir [Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas]. Repositório Unicamp. http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/359090
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.

É nesse caminho, portanto, que nos colocamos à escuta do exercício prático do esperançar do povo/multidão surdo/a, em diálogo aos conceitos cunhados por Negri (2004)Negri, A. (2004). Para uma definição ontológica da multidão. Lugar Comum. quanto à prática fugidia que emana das formas de afetos da multidão.

Cartografia do território surdo na educação: cenário de lutas e contextualização de narrativas-práticas na constituição das políticas educacionais para as pessoas surdas

Inúmeros trabalhos no país têm discutido a educação de surdos de forma ampla desde meados da década de 1980, quando o campo ainda era atrelado às temáticas da educação especial. Já na década de 1990, é criado na Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) o Núcleo de Pesquisas em Políticas Educacionais para Surdos (Nuppes). De acordo com Skliar (1998)Skliar, C. (1998). A surdez: Um olhar sobre as diferenças. Mediação., esse núcleo tinha como motivação “a criação de um novo espaço acadêmico e de uma nova territorialidade educacional à qual denominamos Estudos Surdos em Educação” (p. 5). Para o pesquisador, a diferença surda defendida pelos Estudos Surdos é construída sócio-historicamente, sendo “um processo e um produto de conflitos e movimentos sociais, de resistências às assimetrias de poder e de saber, de outra interpretação sobre a alteridade e sobre o significado dos outros no discurso dominante” (p. 6), sobretudo na defesa de uma educação sem as marcas de uma normatização/normalização ouvinte.

A esse respeito, as ativistas e intelectuais surdas Ana Regina Campello e Patrícia Rezende (2014)Campello, A. R., & Rezende, P. L. F. (2014). Em defesa da escola bilíngue para surdos: A história de lutas do movimento surdo brasileiro. Educar em Revista, 30(2), 71-92. https://doi.org/10.1590/0104-4060.37229
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, pontuam que

A história em defesa das nossas escolas específicas vem de tempos longínquos. A língua de sinais e a cultura surda, em sua imensidão, compartilhada entre os pares surdos, travou-se em períodos de proibições do uso da nossa língua, por imposições ouvintistas, sempre entremeadas de muitas lutas pela sobrevivência da nossa língua de sinais e pela qualidade da nossa educação.

(p. 73)

Em outras palavras, as autoras destacam os modos como as lutas, as narrativas e as práticas surdas constituíram um campo de afirmação surdo, ou seja, em um território surdo, a partir de um processo de luta em favor do exercício da capacidade e do direito dos surdos de decidirem, de optarem e de romperem com um mundo imposto por normas (ouvintes), centrado na busca por um corpo do qual jamais terão acesso, nem com as ortopedias reabilitadoras, da qual muitos foram submetidos e a qual por longo tempo imperou nas práticas educativas. Nesse sentido, as lutas contra práticas opressivas, de acordo com Freire (2012)Freire, P. (2012). À sombra desta mangueira. Civilização Brasileira., são capacidades sem as quais não é possível reinventar o mundo e buscar formas libertárias nas constituições subjetivas.

Uma vez que “somos seres no mundo, com o mundo, e com os outros, por isso seres de transformação e não de adaptação a ele” (Freire, 2012Freire, P. (2012). À sombra desta mangueira. Civilização Brasileira., p. 37), reconhecemos as lutas historicamente travadas pelo povo surdo como reivindicações para o reconhecimento do ser surdo no mundo, com o mundo e com os outros, para o reconhecimento de que a pessoa surda é

… um ser que faz coisas, que sabe, que ignora, que teme, que fala, que se aventura, que sonha, que ama, que tem raiva, que se encanta. Um ser que se recusa a seguir não importa em que momento ou tipo de história, na condição de mero objeto; que não abaixa a cabeça fatalista diante do indiscutível poder….

(Freire, 2012Freire, P. (2012). À sombra desta mangueira. Civilização Brasileira., p. 35)

Desse modo, foram se constituindo no país movimentos de resistência surda, como resposta às décadas em que os surdos esperaram para ter os direitos básicos reconhecidos: direito ao casamento, ao trabalho, ao estudo, à língua, ao reconhecimento de sua cognição e de capacidade de abstração, reflexão e desejos (Brito, 2013; Souza, 1998Souza, R. M. (1998). Que palavra que te falta? Linguística e educação: Considerações epistemológicas a partir da surdez. Martins Fontes.). Contudo, percebemos que na atualidade a história dos movimentos sociais surdos fica esmaecida diante de determinadas ações do governo federal, que têm mobilizado e tensionado afetos e políticas

pelo fato da Libras e dos surdos serem representados em nível nacional, quando a primeira-dama é falante da língua (discursando em Libras no momento da posse presidencial, em uma quebra de protocolo que foi amplamente divulgada, por exemplo) ou quando os surdos, pela primeira vez, são convidados a compor secretarias e diretorias importantes no MEC.

(Cabello, 2021Cabello, J. (2021). Cartografia das (re)territorializações no movimento social surdo no Brasil atual: (Des)caminhos para as pedagogias surdas como devir [Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas]. Repositório Unicamp. http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/359090
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, p. 183)

Ainda nessa direção, como um exemplo recente, pudemos ver o apagamento da luta surda na construção de documentos e busca por representantes políticos na escrita e inserção da educação bilíngue como modalidade de ensino, quando doutoras e doutores surdos, em uma ação conjunta pela Federação Nacional de Educação e Integração dos Surdos (Feneis), apresentaram um texto político com petições de alterações à Lei de Diretrizes e Bases Nacionais da Educação (LDB). As reivindicações pautavam o reconhecimento de aspectos legais já concedidos no país, como a instrução em Libras e o reconhecimento desta língua nas práticas de ensino (Lei n. 10.436, 2002Lei n. 10.436, de 24 de abril de 2002. (2002, 25 de abril). Dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais e dá outras providências. Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/2002/l10436.htm.
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/lei...
; Decreto n. 5.626, 2005Decreto n. 5.626, de 22 de dezembro de 2005. (2005, 23 de dezembro). Regulamenta a Lei 10.436 de 24 de abril de 2002, que dispõe sobre a Língua Brasileira de Sinais e o art. 18 da Lei 10.098 de dezembro de 2000. Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2005/decreto/d5626.htm
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), bem como a proposta integrada, na meta 4.7 do Plano Nacional de Educação (PNE), em que fica contemplada a oferta da educação bilíngue em escolas e salas bilíngues e na educação inclusiva (Lei n. 13.005, 2014Lei n. 13.005, de 25 de junho de 2014. (2014, 25 de junho). Aprova o Plano Nacional de Educação (PNE) e dá outras providências. Diário Oficial da União. http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2011-2014/2014/lei/l13005.htm
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). Portanto, são normativas que regulam a educação inclusiva de surdos na perspectiva de uma educação em Libras, mas que na prática não são efetivas da forma como o movimento surdo entende que deve se dar a ação educativa no que defendem como pedagogias surdas (Cabello, 2021Cabello, J. (2021). Cartografia das (re)territorializações no movimento social surdo no Brasil atual: (Des)caminhos para as pedagogias surdas como devir [Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas]. Repositório Unicamp. http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/359090
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).

Durante esse processo, o senador Flávio Arns (Podemos/PR) aceitou a proposição da representação surda na escrita do projeto de lei (PL) que estabelece as diretrizes e bases da educação, para dispor sobre a modalidade de educação bilíngue de surdos (PL 4.909/2020), que, de modo geral, qualifica a educação bilíngue de surdos como modalidade de ensino independente, tal qual a educação indígena, por exemplo. Após a aprovação desse PL no Senado (em maio de 2021), vimos circular imagens da primeira-dama Michelle Bolsonaro como se de algum modo esse governo – em sua figura – tivesse conquistado uma vitória em prol de uma luta que tomou para si. Essa apropriação discursiva veiculada principalmente nas redes sociais, em imagens no Instagram e Facebook, produz uma falsa realidade sugerindo que apenas a partir do atual governo, por “boa ação” dessa gestão – que transita entre o religioso e o assistencial –as pautas surdas estão sendo, finalmente, reconhecidas, quando na realidade essa é uma luta muito antiga e encabeçada, neste momento, por líderes surdos em parceria com a Feneis – como apresentamos anteriormente.

Retorna-se, com isso, ao velho pensamento de que pessoas surdas precisam de constante tutela e seus desejos e afetos não podem mobilizar frentes potentes de contracondutas sem a presença de uma representação ouvinte. A esse respeito, a professora e ativista surda Patrícia Rezende (2021)Rezende, P. (2021). Encerramento: Marcas Históricas das lutas surdas nas pesquisas e nos variados espaços sociais [Vídeo]. YouTube. https://youtu.be/qgykYrRV1eI
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, em palestra proferida recentemente, reitera que a luta surda tem uma longa trajetória e que a busca pela educação bilíngue é muito antiga, tendo sido pautada inclusive, em diferentes momentos históricos, durante gestões federais anteriores, mais ou menos progressistas (por exemplo: a Lei nº 10.436/2002, conhecida como Lei de Libras, sancionada pelo então presidente Fernando Henrique Cardoso e posteriormente reconhecida pelo Decreto nº 5.626/2005, já durante o governo de Luis Inácio Lula da Silva).

Cumpre ainda destacar que mesmo durante essas importantes conquistas para a comunidade surda, as próprias lideranças e ativistas surdos foram suprimidos dos registros históricos, cabendo considerar, portanto, que até em gestões anteriores a este governo, ocorreu silenciamento de vidas e tutela de desejos. Tais práticas colonialistas pouco se articulam com o percurso de uma ação transformadora, o que denuncia, de modo mais amplo, a “nossa inexperiência democrática” (Freire, 2012Freire, P. (2012). À sombra desta mangueira. Civilização Brasileira., p. 119).

Nessa direção, compreendemos que o assistencialismo é uma forma de condução que captura formas de vida para que não sejam vistas nem se narrem como agentes de desejo que constroem perspectivas condutivas sobre si. À vida surda na atual gestão, a nosso ver, é projetada certa representatividade, mas mantendo-a como uma vida que carece de tutela por meio de um cuidado protecionista: desde a educação da qual as pessoas surdas precisam e devem ter para si, de modo atingir ou conquistar certa cidadania e entrar no jogo competitivo da meritocracia, tal qual a das pessoas ouvintes; aos cuidados sobre e para si, feitos por meio da ação de intérpretes voluntários e de pessoas que agem em “favor do bem”. O exemplo mais evidente nesse sentido é a campanha do governo federal “Pátria Voluntária”10 10 https://patriavoluntaria.org/pt-BR , que também tem a primeira-dama como “garota-propaganda” e retoma fortemente ações de cunho assistencialista/religioso, retirando deveres do Estado no que diz respeito às políticas públicas na garantia dos direitos humanos – inclusive quanto aos direitos linguísticos dos surdos, no incentivo ao retorno de práticas assistencialistas na atuação de tradutores e intérpretes de Libras, cuja profissão foi regulamente pela Lei nº 12.319/2010.

É na fagocitação da luta surda diante desse evento pontual de petição de alterações legais – como a da LDB, na representação da conquista como exclusivamente alinhavada pela ação do governo federal atual – que, cinicamente, se busca aparentar a preocupação de colocar a vida dos “menos validos” em primeiro lugar. Nesse espaço problematizamos algumas manobras políticas, acionadas por relações de forças que produzem certa paralisia da multidão surda, mas sem deixar de validar a insurgência de vidas surdas, na presença de uma ação rasteira e espraiada desse movimento de contraconduta, que por meio de resistências menores vem construindo um território nômade entre as pessoas ouvintes e nas políticas públicas sobre a educação inclusiva de surdos – a que almejam para si.

Governamentalidade democrática e as contracondutas surdas para sua inserção no governo de uma educação bilíngue

Para pensar a governamentalidade democrática, iniciamos pelo conceito da educação maior e a reação de movimentos que ativam, de algum modo, uma educação menor (Gallo, 2002Gallo, S. (2002). Em torno de uma educação menor. Educação & Realidade, 27(2), 169-178. https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/25926
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). Os dois conceitos filosóficos serão acionados como elementos balizadores ou ferramentas conceituais usadas para problematizar práticas de governo que ressaltam a lógica inclusiva educacional atual, como parte de um jogo de relações de poder do Estado que tem como pressuposto uma racionalidade neoliberal de inserção de todas as vidas, em formas unificadas de condução de si. Essa forma de condução é acionada como dispositivo de inserção dos sujeitos às narrativas de se fazer empreendedor de si, por meio de discursos que compõem a visão da meritocracia como forma de desenvolvimento social e de avanço para a direção de uma lógica formativa para a vida privada e utilitarista (Carvalho & Gallo, 2020Carvalho, A. F. de, & Gallo, S. (2020). Foucault e a governamentalidade democrática: A questão da precarização da educação inclusiva. Mnemosine, 16(1), 146-160. https://doi.org/10.12957/mnemosine.2020.52688
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).

Nosso interesse com esse aceno é tratar as políticas educacionais para surdos como parte de uma governamentalidade democrática ouvinte que regula as formas de vida surda na escola e os saberes fundamentais para a constituição do sujeito surdo escolarizado diante de pautas e perspectivas que trazem como pano de fundo a reparação do corpo surdo nas práticas normalizadoras da sonoridade. Por essa lógica perpassam a necessária adesão e apropriação da língua nacional e dos conhecimentos socialmente compartilhados, na escola, por meio de um sistema semiótico simbólico normatizado pela língua portuguesa escrita no qual se dão os códigos de produção do saber vigente.

Queremos com isso afirmar que a educação maior tem sido feita na língua portuguesa, ou pelo engessamento de um modo metodológico comum e padrão, em contraposição às práticas cotidianas insurgentes de vidas surdas, nômades que insistem em se narrar na língua de sinais, contrapondo-se de dentro da escola a normativa superior e os princípios comuns. Com isso, movimentam o currículo, os saberes e a naturalização de um território normativo de ensino, para forjar novas lógicas, por meio de uma educação menor: aquela que gera incômodo e necessariamente muda as práticas estabilizadas de ensino no micromovimento da escola e de salas de aula, mas não postulam ou reivindicam políticas educacionais maiores, uma vez que elas (as diretrizes de ensino) se mantêm na regulação da língua oral.

Nesse sentido, a educação menor se coloca como força de contrapartida ao ensino ou às práticas educacionais voltadas ao comum – de corpos, de modos de ensinar e de aprender, de formas de vidas padronizadas. Essa forma de educação, – a menor - se faz por forças contrárias, em ações de resistência, numa produção relacional que potencializa a emergência de novos saberes, aqueles mais cotidianos e fugidios, alinhados a fluxos de desejos singulares que tendem à fuga das capturas feitas pelos saberes dominantes.

A partir da obra de Negri (2001)Negri, A. (2001). Exílio. Iluminuras., Gallo (2002)Gallo, S. (2002). Em torno de uma educação menor. Educação & Realidade, 27(2), 169-178. https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/25926
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escolhe iniciar a conversa textual em torno da educação menor a partir da figura de dois agentes, o “professor-profeta e o professor-militante”. O autor desenvolve seu pensamento acerca das práticas menores, entendendo-a como solo para a aparição das diferenças, no sentido da composição do ser, efeito da multiplicidade de fluxos de produção de singularidades existenciais.

O autor segue a linha de pensamento da educação maior feita pela condução de “profetas” que adotam uma forma de vida a partir da apropriação normativa/moral de um modo de condução de si, que a aplica em técnicas de disciplinamento em prol do exercício e da construção sobre si mesmo, na inclusão dessas práticas normativas em seus corpos. Ele tece sua analítica no âmbito dos movimentos sociais, mas investe essa problematização para o campo da educação quando menciona que

hoje, mais importante do que anunciar o futuro, parece ser produzir cotidianamente o presente, para possibilitar o futuro. Se deslocarmos tal idéia para o campo da educação, não fica difícil falarmos num professor-profeta, que do alto de sua sabedoria diz aos outros o que deve ser feito. Mas, para além do professor-profeta, hoje deveríamos estar nos movendo como uma espécie de professor-militante, que de seu próprio deserto, de seu próprio terceiro mundo opera ações de transformação, por mínimas que sejam.

(Gallo, 2002Gallo, S. (2002). Em torno de uma educação menor. Educação & Realidade, 27(2), 169-178. https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/25926
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, p. 170)

A pauta apresentada por Gallo (2002)Gallo, S. (2002). Em torno de uma educação menor. Educação & Realidade, 27(2), 169-178. https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/25926
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acerca da atuação cotidiana de “professores-militantes” em contraposição a “professores-profetas” dialoga com a perspectiva freireana, anteriormente partilhada, na medida em que o educador (ou o professor-militante) é aquele que se coloca como um possível agente transformador e instigador de movimentos libertários, que afetam práticas de subjetivações, direcionando-as à autonomia do pensar e do agir, em direção a uma ética singular. Desse modo, apresenta a educação como um campo de condução que se fixa em saberes e sobre o qual operam ações maiores – das normatizações e dos planos gestores sobre a educação e o currículo –, mas também como um campo aberto em que emergem práticas ético-estéticas-libertárias resultantes das práticas corriqueiras do interior da escola, portanto, ações menores educativas, que se alinham a fluxos múltiplos, para além da segmentação unificada de formas de vidas normatizadas.

Desse modo, há uma educação maior construída pela regulamentação de documentos legais e diretrizes que produzem o estriamento de um solo em que se fundamentam os saberes educativos. Já que “a educação maior é aquela dos planos decenais e das políticas públicas de educação, dos parâmetros e das diretrizes, aquela da constituição e da LDB, pensada e produzida pelas cabeças bem-pensantes a serviço do poder” (Gallo 2002Gallo, S. (2002). Em torno de uma educação menor. Educação & Realidade, 27(2), 169-178. https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/25926
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, p. 173). Mas, também é possível vermos, nos encontros cotidianos, entre corpos e fluxos de desejos – professor-aluno, aluno-aluno, espaço escolar e sujeitos –, o agenciamento produzido por certas forças intensivas que agenciam para a aparição da educação menor, aquela que está mais colada com as práticas de vida e pode ser instigada por professores-militantes ou feita por meio de uma educação para a transformação (Freire, 2012Freire, P. (2012). À sombra desta mangueira. Civilização Brasileira.; Gallo, 2002Gallo, S. (2002). Em torno de uma educação menor. Educação & Realidade, 27(2), 169-178. https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/25926
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).

Nesse sentido, a educação de surdos, quando feita com base na língua de sinais, produz um estranhamento e uma contraposição ao fluxo normativo que tem sido composto na lógica do currículo operacionalizado pela língua oral: a língua portuguesa. Ao trazer práticas que chocam as regularidades normativas, propostas por diretrizes curriculares de uma base nacional comum (Ministério da Educação, 2016Ministério da Educação. (2016). Base Nacional Comum Curricular. http://basenacionalcomum.mec.gov.br/images/BNCC_EI_EF_110518_versaofinal_site.pdf
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), direcionada a todos, a vida surda e sua petição interna aos documentos engessados em um sistema que integra o saber da inclusão para todos, desestabiliza ou alisa as relações mais internas que compõem a relação educativa, em muitas escolas.

Portanto, uma educação menor

… é uma aposta nas multiplicidades, que rizomaticamente se conectam e interconectam, gerando novas multiplicidades. Assim, todo ato singular se coletiviza e todo ato coletivo se singulariza. Num rizoma, as singularidades desenvolvem devires que implicam em hecceidades. Não há sujeitos, não há objetos, não há ações centradas em um ou outro; há projetos, acontecimentos, individuações sem sujeito. Todo projeto é coletivo. Todo valor é coletivo.

(Gallo, 2002Gallo, S. (2002). Em torno de uma educação menor. Educação & Realidade, 27(2), 169-178. https://seer.ufrgs.br/educacaoerealidade/article/view/25926
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, p. 176)

Antes de tecermos a argumentação de que a presença de alunos surdos e o ativismo surdo posto atualmente nos documentos oficiais podem fazer funcionar ou ativar práticas menores na educação escolar – não só das pessoas surdas, mas de outros educandos –, queremos compreender o cenário da educação inclusiva, ou melhor, a política inclusiva, por meio do discurso “da educação para todos”, como prática de uma governamentalidade democrática inclusiva. Essa é a tese de Carvalho e Gallo (2020)Carvalho, A. F. de, & Gallo, S. (2020). Foucault e a governamentalidade democrática: A questão da precarização da educação inclusiva. Mnemosine, 16(1), 146-160. https://doi.org/10.12957/mnemosine.2020.52688
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: que a racionalidade neoliberal forja a política inclusiva, no plano de uma lógica inclusiva que atua na incorporação de todas as vidas às práticas de condução, mas para isso faz funcionar pelos mecanismos do estado e nas instituições capilares braços articulados de capturas de corpos e por ele se produzem ajustamentos de condutas, pelas práticas normativas e ortopédicas de correção em favor de uma governamentalidade democrática inclusiva. Ou seja, é a condução que permite a manobra de inserção participativa de todos, porque quanto mais incluídos estão às práticas de governo, mais os sujeitos se dirigem por si mesmos aos fins do regime neoliberal, promovendo a utilidade necessária pelo/para o Estado e para a adequação ao funcionamento ativo de seus corpos às finalidades de mercado.

Para o percurso de suas argumentações, Carvalho e Gallo (2020)Carvalho, A. F. de, & Gallo, S. (2020). Foucault e a governamentalidade democrática: A questão da precarização da educação inclusiva. Mnemosine, 16(1), 146-160. https://doi.org/10.12957/mnemosine.2020.52688
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trazem a tese central de que a educação inclusiva é fruto de um processo de precarização das vidas e, como consequência, a educação passa a ser um sistema que nega “o direito de uma educação capaz de potencializar a singularidade de suas existências”, ao mesmo tempo que fragiliza interações afetivas para a multiplicidade de formas de vida rumo aos afetos. Os autores caminham na denúncia de “que a escola está sendo entregue à manipulação da racionalidade rasteira das mesmas demandas de eficiência e de previsibilidade dos corpos” (p. 155) em direção à lógica de consumo e da construção da produtividade como efeito da ação do sujeito sobre si de modo que seja reconhecido pelo mérito que suas atividades produtivas poderão lhe trazer. Isso porque,

O desmonte da educação inclusiva é precursor do mesmo desmonte da educação pública, pois reduzida à demanda da precariedade, o rolo compressor do Estado pavimenta as condições de formação de um exército de reserva, de um “lumpemprecariado”, desde as balizas crônicas da rejeição da ontologia do deficiente ou de qualquer singularidade carente de abordagem não padronizada.

(Carvalho & Gallo, 2020Carvalho, A. F. de, & Gallo, S. (2020). Foucault e a governamentalidade democrática: A questão da precarização da educação inclusiva. Mnemosine, 16(1), 146-160. https://doi.org/10.12957/mnemosine.2020.52688
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, p. 155)

Trata-se de uma educação alinhada menos à transformação das relações ético-existenciais e mais aos desejos neoliberais, ou seja, uma educação inclusiva para sobrevivência e inserção destas vidas na governamentalidade democrática. Assim, ela se volta às demandas do mercado e do capital. Talvez por isso a insurgência de algumas vidas incontroláveis ateste o desejo de outra forma de inserção, não em territorializações semiotizadas pela normopatologização de suas formas existenciais ou pela decifração dos signos que podem, por seus corpos, fazer funcionar na escola.

Freire (2012)Freire, P. (2012). À sombra desta mangueira. Civilização Brasileira. e Foucault (2013)Foucault, M. (2013). L’origine de l’herméneutique de soi. Vrin., ao denunciar funcionamentos capturados por práticas de governos alinhados ao desejo do “mercado”, na ação do capital ou da biopolítica, reivindicam a construção de relações e afetividades mais éticas para a pluralidade da vida cotidiana. E é nessa construção que algumas formas de vida, as que se adequam melhor à competitividade, ao mercado e ao consumo, no funcionamento dos fluxos neoliberais, estão à frente de uma condução lógica que dialoga com os princípios maiores de uma educação que consolida e consagra a produção de um corpo-empresa e de um sujeito que se autogoverna para a lógica capitalista.

Sobre a perspectiva inclusiva como resultante de um cenário favorável às políticas educativas, Carvalho e Gallo (2020)Carvalho, A. F. de, & Gallo, S. (2020). Foucault e a governamentalidade democrática: A questão da precarização da educação inclusiva. Mnemosine, 16(1), 146-160. https://doi.org/10.12957/mnemosine.2020.52688
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mencionam que elas agregam corpos outrora à margem do sistema para aumentar e possibilitar que façam a manobra de condução de suas vidas. Assim, passaram a incluir os corpos marginalizados para dentro da lógica governamental democrática. Os autores usam de conceitos foucaultianos, sobretudo no que tange à noção de governo e técnicas de dominação, destacando que Foucault (2013)Foucault, M. (2013). L’origine de l’herméneutique de soi. Vrin. faz um estudo das práticas condutivas e da constituição social de produção da vida pública pela ação da governamentalidade, entendida como prática de gestão das lógicas que regulam formas de “condução” – estratégias – de condutas (individuais). Nesse sentido estamos diante de um governo que age e incide sobre a conduta individual pela formação de regularidades normativas às vidas.

O ponto de contato, que produz a articulação entre a forma pela qual os indivíduos são dirigidos por outrem e forma pela qual eles se dirigem a si mesmos é aquilo que, penso, podemos denominar “governo”. Governar as pessoas, no sentido largo da palavra, não é uma maneira de forçá-las a fazer aquilo que quer aquele que governa; há sempre um equilíbrio instável, com complementaridade e conflitos, entre as técnicas que asseguram a coerção e os processos pelos quais o si é construído e modificado por si mesmo.

(Foucault, 2013Foucault, M. (2013). L’origine de l’herméneutique de soi. Vrin., pp. 38-39)

É importante apontar que, dentro da concepção discursiva do direito e da cidadania, a lógica da governamentalidade democrática, na qual está em jogo a participação popular, faz emergir os discursos fundantes da política inclusiva, que por ela pressupõem o conhecimento dos sujeitos – das pessoas com deficiência e de todos tidos à margem dos processos educativos – para que passem a ser governados e, posteriormente, a se autogovernar. Contudo, enfatizamos “que, na analítica foucaultiana, governar pressupõe liberdade” (Carvalho & Gallo, 2020Carvalho, A. F. de, & Gallo, S. (2020). Foucault e a governamentalidade democrática: A questão da precarização da educação inclusiva. Mnemosine, 16(1), 146-160. https://doi.org/10.12957/mnemosine.2020.52688
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, p. 150). Isso porque “governar uma população não é tolher-lhe a liberdade, dominá-la, impedindo suas ações; ao contrário, governar uma população implica em conhecer suas condutas e esforçar-se por conduzir essas condutas …” (Carvalho & Gallo, 2020Carvalho, A. F. de, & Gallo, S. (2020). Foucault e a governamentalidade democrática: A questão da precarização da educação inclusiva. Mnemosine, 16(1), 146-160. https://doi.org/10.12957/mnemosine.2020.52688
https://doi.org/10.12957/mnemosine.2020....
, p. 150).

Portanto, retomando a analítica da governamentalidade democrática inclusiva na educação de surdos, vemos que a petição surda da reorganização das formas de ensino, numa política maior que agora quer ou pede para funcionar em outro registro linguístico, na Libras, evidencia a reivindicação de uma educação maior, mas agora na lógica bilíngue. Com isso, pressupõem-se novos orquestramentos de práticas de condução do governo – das políticas educacionais maiores – e sobre si – da autogestão de seu aprender pela língua de sinais, se o currículo passar a ser dado em funcionamento político também pela Libras.

Essa petição com certeza gera tensões diante do novo e do não esperado para práticas já normalizadas de formas de ensino e das descrições prescritivas para a população surda, como corpos comuns, já classificados e narrados dentro da política inclusiva da educação especial. As contracondutas produzidas por ativistas surdos desorganizam os territórios postos dessa lógica inclusiva democrática convencional, já sedimentada em um campo conhecido, seja pela marca da educação especial inclusiva que agrupa os sujeitos em determinado “público-alvo” em que incidem os registro e regulamentos dessa educação, seja pelas formas como a educação bilíngue vem sendo produzida, camuflando a instrução na Libras, mas mantendo-se, mesmo que dito ser bilíngue, na lógica da oralidade – porque as políticas norteadoras das práticas de ensino se inserem no código de uma língua oral.

A reivindicação desse tipo de narrativa posta pela multidão surda é a de não se reconhecerem dentro dos parâmetros narrados e mais, por eles não se alinharem à possibilidade de composição, não se percebendo como parte ativa, inclusive desse governamento democrático inclusivo. Isso porque, pela falta de instrumento e conteúdo educacional em Libras, não acessam fisicamente a universidade e os conhecimentos eleitos socialmente como base comum, que posteriormente os colocarão no mundo do trabalho. A falta desse mínimo de governo para jogar o jogo neoliberal os coloca fora da competição do mercado de trabalho e dos acordos de uma vida comum.

Assim, essas vidas surdas, passam a não participar das pautas de cidadania, exatamente pela falta de governo e de condução feita por uma língua comum compartilhada a que tenham acesso e que os faça compor o mínimo de entendimento das armas de condução em técnicas de governo de si, tornando-os corpos úteis e interessantes para o campo produtivo e para participar do jogo de uma vida neoliberal. Excluídos dos dispositivos linguísticos de inclusão, ficam fora do jogo de mercada e, por isso, o ativismo surdo tece, nesse momento, petições de inserção de suas vidas na governamentalidade democráticacontraconduzem pedindo para fazer parte do jogo das políticas normativas maiores. De todo modo, mesmo fora do jogo e caminhando na direção de uma inserção no jogo neoliberal, as insurgências de vidas surdas, naquele interior de práticas educativas, nos ensinam caminhos estéticos existenciais e plurais em movimentações terrenas, em muitas salas de aula.

Se por um lado a visibilidade política no governo atual se colocou como possibilidade de força de aparição de petições surdas já reivindicadas anteriormente – como as apresentadas na LDB – para composição do jogo político que gesta a governamentalidade democrática inclusiva, por outro, ela pode ser aglutinada de forma equivocada como ação isolada do governo atual e perder a historicidade causal de sua luta e seus lutadores. A compreensão de certa aderência de alguns surdos (lideranças, inclusive) à “nova” política bolsonarista colonial-capitalística – ou, como afirma Tiburi (2020)Tiburi, M. (2020). Como derrotar o turbotecnomachonazifascismo ou seja lá o nome que se queira das ao mal que devemos superar. Record. turbotecnomachonazifascista – produz uma ampla gama de micropolíticas que atuam na manutenção do status quo, ou seja, de micropolíticas reativas que não permitem que os movimentos de desterritorialização (como as ações menores, exemplificadas anteriormente) germinem.

Como exemplos recentes nesse sentido, pudemos acompanhar o apoio de importantes lideranças surdas à Nova Política de Educação Especial (PNEE) (Decreto n. 10.502, 2020Decreto n. 10.502, de 30 de setembro de 2020. (2020, 1 de outubro). Institui a Política Nacional de Educação Especial: Equitativa, Inclusiva e com Aprendizado ao Longo da Vida. Diário Oficial da União. https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decreto-n-10.502-de-30-de-setembro-de-2020-280529948
https://www.in.gov.br/en/web/dou/-/decre...
) ou ainda a defesa ao que foi chamado de “método fônico visual” para ensino de língua portuguesa para surdos11 11 Sobre o ensino de Língua Portuguesa para surdos consultar, por exemplo, Quadros (1997), Gesueli (2006, 2008), Lacerda (2000). , em uma repetição dos modelos hegemônicos para a alfabetização de crianças e jovens surdos no país, alinhada à pauta oral e acrescido em sua Base Nacional Comum Curricular (BNCC). Essa adesão foi pautada recentemente pela Política Nacional de Alfabetização12 12 http://alfabetizacao.mec.gov.br (PNA) do MEC, que se apresenta como mais uma das medidas arbitrárias adotadas por Bolsonaro no combate ao que o atual governo vem, insistentemente, divulgando como “ameaça comunista” – que tem em Paulo Freire sua representação máxima.

Nesse sentido, conforme discute Cabello (2021)Cabello, J. (2021). Cartografia das (re)territorializações no movimento social surdo no Brasil atual: (Des)caminhos para as pedagogias surdas como devir [Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas]. Repositório Unicamp. http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/359090
http://repositorio.unicamp.br/jspui/hand...
, parece que existem, dentro dos movimentos surdos,

linhas que têm sido arrastadas, no âmbito micropolítico, por forças das relações de poder da esfera macropolítica (relações de classe, raça, etnia, gênero e, inclusive, relações linguísticas) que, em uma perspectiva da tradição moderna, coaduna com uma concepção de Direitos Humanos como universais.

(p. 166)

Ao mesmo tempo, a legislação, acompanhando esse “universalismo” – ao não atender as especificidades do povo/multidão surdo/a –, também contribui para esse cenário e para que o ativismo surdo, de algum modo, engendre-se em armadilhas que acabam por manter o povo surdo mais uma vez fora do jogo democrático, dessa vez não pela falta de acesso à/na língua de sinais, mas por ações que podem ofuscar e invisibilizar os avanços da luta surda, tornando-a como pauta de concessão de governo.

Considerações sobre o povo/multidão surdo/a para um esperançar a partir das insurgências e contracondutas surdas ao governo de vidas comuns

Para pensar como o cenário de lutas da comunidade surda na/pela educação vem se constituindo, assumimos aqui o território surdo como movente, ou seja, composto a partir de alterações fluídas no modo como a sociedade, os conhecimentos, a língua/linguagem têm aparecido nas narrativas (plurais) desse movimento social. Com isso, podemos mapear os fluxos/contrafluxos/refluxos dos/nos territórios surdos, que implicam o que vem sendo pautado por esse movimento social no campo educacional, como

propostas que podem escapar às concepções hegemônicas/colonizadoras/ouvintes – em aberturas às diferenças, em devires que estão ligados a possibilidades ou não de um processo de singularização … mas que também podem – ‘em um retorno ao mesmo’ –, coadunar com práticas colonizadoras, em uma pedagogia da mesmidade, portanto.

(Cabello, 2021Cabello, J. (2021). Cartografia das (re)territorializações no movimento social surdo no Brasil atual: (Des)caminhos para as pedagogias surdas como devir [Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas]. Repositório Unicamp. http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/359090
http://repositorio.unicamp.br/jspui/hand...
, p. 35)

Dessa maneira, assumindo a constituição das políticas educacionais para pessoas surdas e o que vem sendo defendido por lideranças surdas como pedagogias surdas, na esteira de uma educação inventiva, libertária/libertadora e democrática – e não como algo meramente pronto, a ser capturado, como discutido por Cabello (2021)Cabello, J. (2021). Cartografia das (re)territorializações no movimento social surdo no Brasil atual: (Des)caminhos para as pedagogias surdas como devir [Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas]. Repositório Unicamp. http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/359090
http://repositorio.unicamp.br/jspui/hand...
–, tomamos como ponto de partida a compreensão de que as políticas educacionais – de forma mais ampla – “são compostas por posicionamentos políticos do ser humano no mundo, como projeto de educação impossível de ser apartado do social, na acepção freireana” (Cabello, 2021Cabello, J. (2021). Cartografia das (re)territorializações no movimento social surdo no Brasil atual: (Des)caminhos para as pedagogias surdas como devir [Tese de doutorado, Universidade Estadual de Campinas]. Repositório Unicamp. http://repositorio.unicamp.br/jspui/handle/REPOSIP/359090
http://repositorio.unicamp.br/jspui/hand...
, p. 38).

Nessa direção, a educação de surdos – embora narrada no campo da educação especial, fazendo-se parte da lógica inclusiva que se constitui dentro de uma política governamental democrática que busca inserir todos os alunos em uma prática educativa comum – se frustra quando os sujeitos surdos se veem fora desse jogo de conduções. Isso ocorre pelas barreiras de acesso aos conteúdos educativos que os colocariam diante da possibilidade de inserção e produtivismo para a lógica de mercado, como partícipes do jogo neoliberal. Contra a marginalização escolar das vidas surdas e dessa suposta inclusão, que, pela não instrução em uma língua acessível, produz a exclusão dessas vidas, é que ativistas surdos reivindicam, mais uma vez, a inserção da racionalidade bilíngue para a produção da escolarização de alunos surdos em territórios construídos pelas pedagogias surdas.

Para além da descrição destas lutas como ações de ativismos construídos ao longo da história, em uma cartografia dos movimentos surdos na atualidade, queremos entender as lutas surdas como ações éticas, porque emanam de movimentos que direcionam/buscam uma educação libertária, para formação em trocas significativas com uma língua partilhada. Tais pressupostos, de uma educação para autonomia, foram por nós articulados também alinhados com os estudos foucaultianos, na possibilidade de produções de resistências pela ação de contracondutas. Se Foucault (2013)Foucault, M. (2013). L’origine de l’herméneutique de soi. Vrin. problematiza os processos de subjetivação como efeito de composição em uma rede de verdades, uma organização governamental e efeito de um poder que age sobre as vidas, ele também confere a liberdade de constituição subjetiva porque somos sujeitos livres e forjados nessas relações humanas e históricas. Assim evidencia a importância e potência de saberes em circulação.

Isso quer dizer que aprendemos a nos conduzir e nossos desejos se dão a partir das redes de relações sociais nas quais nos tecemos. É nessa medida que a educação pode ser campo de manobra alinhada a uma estética da mesmidade e conformação da lógica neoliberal, que reproduz vidas para o mercado, mas também pode se dar tal qual a premissa freireana confere, como uma educação que busca a transformação, uma educação insurgente que atua pela contraconduta ao comum e que, em meio à redução da participação social e democrática, não se cala.

Para tanto, no atual cenário político e social em que o Brasil se encontra, consideramos que é preciso (re)pensar as formas de operação articuladas pela multidão insurgente para o rompimento dos processos de estatização das lutas. Ou seja, do ponto de vista das multiplicidades, devemos nos alinhar a pautas comuns, agindo como grupo-sujeito, pela aproximação de aspectos “identitários plurais”, unificando pautas e contraconduções, na relação com coletivos também (outros) minoritários e minorizados. Dessa forma, passamos a defender que inventividades se imponham para a criação de mundos outros, mais justos – para surdos e não surdos. Considerando as formas plurais de vida apagadas por um governo autoritário, de maneiras neoliberais e conservadoras cada vez mais astutas, as vidas surdas, embora com certa visibilidade dada pela atual gestão, mantêm-se invisíveis ao jogo democrático neoliberal e à pauta de uma vida comum – pela não presença “maior” da Libras nas agendas políticas que produzem as grandes regulamentações para instituições sociais como a escola.

Se a educação tem sido campo de investida visando seu enfraquecimento e paralisia é devido ao perigo da governamentalidade democrática (Foucault, 2013Foucault, M. (2013). L’origine de l’herméneutique de soi. Vrin.) – aquela que é participativa e envolve a construção da cidadania, seja para a continuidade de uma racionalidade, a neoliberal, seja para a ação de contracondutas em favor de outras racionalidades em funcionamento – produzida na educação e à potência das contracondutas que emanam de solos que envolvem a criticidade desse campo. Esse é o caso da pauta da educação bilíngue em movimentos ativistas surdos que não se deixam capturar pelas migalhas de uma visibilidade hostil e cruel ou por uma pseudoparticipação ativa na pauta de um governo que mais confere ações autoritárias e extermínio das diferenças por meio de negligências e afrontas aos movimentos sociais.

O apagamento de Paulo Freire da educação e a luta contra esse tipo de pensamento reforçam a importância e potência viva de sua obra que não se deixa morrer quando forças insurgentes escapam em lutas menores que não podem e não se deixam capturar.

  • 1
    Tradução do francês por Sílvio Gallo e Alexandre Filordi de Carvalho.
  • 3
    Normalização, preparação e revisão textual: Lucas Giron (Tikinet) – revisao@tikinet.com.br
  • 4
    Como apenas um exemplo, podemos citar a recente declaração de Jair Bolsonaro em relação à não obrigatoriedade do uso de máscaras por pessoas já vacinadas (Gomes et al., 2021Gomes, P. H., Figueiredo, O., & Modelli, L. (2021, 10 de junho). Bolsonaro quer desobrigar uso de máscara por vacinados; para especialistas, é uma temeridade. G1 https://glo.bo/3wieUGQ
    https://glo.bo/3wieUGQ...
    ).
  • 5
    Para citar apenas um: “Weintraub ameaça” (2020)Weintraub ameaça tirar mural de Paulo Freire do MEC: “Fracasso da educação”. (2020, 7 de maio). UOL. https://educacao.uol.com.br/noticias/2020/05/07/weintraub-ameaca-tirar-mural-de-paulo-freire-do-mec-fracasso-da-educacao.htm
    https://educacao.uol.com.br/noticias/202...
    .
  • 6
    A respeito, consultar, por exemplo “Senado abre consulta” (2021).
  • 7
    Postagem pública, realizada em página pessoal. Acesso em 19 de junho de 2021.
  • 8
    Escolhemos a grafia do conceito contraconduta de forma junta e sem hífen para marcar que a relação de ação contrária reafirma um campo de condução em que o sujeito se autogoverna a partir em contraposição reativa à algum fluxo organizado que produz lógicas de subjetivações e manejo de formas de condução. A nota justifica-se pelo fato de que, embora a grafia oficial da palavra seja sem hífen, encontramos na literatura também a separação das palavras feita por meio do uso do hífen (que é uma escolha conceitual que não se aplica a esse trabalho).
  • 9
    O bolsonarismo aqui é compreendido como um movimento que transcende a própria figura de Jair Bolsonaro, mas que se caracteriza como um governo de extrema-direita como características protofascistas e Tradicionalistas, e que configura uma “ofensiva obscurantista de caráter anti-intelectual e anticientificista que atravessa todos os setores da política nacional [...]” (SENA, 2019Senado abre consulta pública sobre ensino de ideologia de gênero. (2021, 15 de maio). Gazeta do Povo. https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-cidadania/breves/senado-abre-consulta-publica-sobre-ensino-de-ideologia-de-genero/
    https://www.gazetadopovo.com.br/vida-e-c...
    , p. 31)
  • 10
  • 11
    Sobre o ensino de Língua Portuguesa para surdos consultar, por exemplo, Quadros (1997), Gesueli (2006, 2008), Lacerda (2000)Lacerda, C. B. F. de, Santos, L. F., & Martins, V. R. O. (2016). (Orgs.). Escola e diferença: Caminhos da educação bilíngue para surdos. Edufscar..
  • 12

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Editado por

2
Editor responsável: Alexandre Filordi de Carvalho. https://orcid.org/0000-0003-4510-9440

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    10 Dez 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    07 Jul 2021
  • Aceito
    18 Ago 2021
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