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Violência escolar e o exercício da autoridade do professor: um estudo com adolescentes de São Paulo 1 1 Editor responsável: Wivian Weller https://orcid.org/0000-0003-1450-2004 2 2 Normalização, preparação e revisão textual: Piero Younan Kanaan (Tikinet) revisao@tikinet.com.br 3 3 Apoio: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, (Grant/Award Number: '2013/07923-7')

Resumo

Este artigo investigou a violência escolar a partir de um survey longitudinal realizado com adolescentes de São Paulo. Trata-se de uma pesquisa quantitativa que analisou a relação entre a experiência e a prática de violências pelos adolescentes e suas percepções sobre o clima escolar e sobre a autoridade dos(as) professores(as) por meio de um modelo de equação estrutural. Os resultados demonstraram que a vitimização escolar e a agressão relacional estão relacionadas entre si e influenciam negativamente a avaliação do clima escolar e da legitimidade dos(as) professores(as). Por sua vez, quando os(as) professores(as) exercem seu poder pautados em valores como respeito e imparcialidade, há um efeito positivo sobre a percepção dos alunos, o que pode ser uma chave para evitar os conflitos.

Palavras-chave
violência escolar; autoridade docente; vitimização; adolescente; socialização

Abstract

This article investigated school violence based on a longitudinal survey conducted with adolescents in São Paulo. This is a quantitative research that analyzed the relation between the experience and the practice of violence among adolescents and their perceptions of the school climate and teachers’ authority with a structural equation model. Results showed that school victimization and relational aggression are related and negatively influence the evaluation of the school climate and the legitimacy of teachers. In turn, when teachers exercise their power based on values such as respect and impartiality, there is a positive effect on students’ perceptions, which might be a key to avoiding conflicts.

Keywords
school violence; teacher authority; victimization; adolescent; socialization

Introdução

Somos seres sociais. E é a partir das relações com diferentes outros que nos constituímos enquanto sujeitos, e essas interações influenciam nossas percepções e ações sobre o mundo (Vigotski, 2001Vigotski, L. S. (2001). A construção social do pensamento e da linguagem. Martins Fontes.). Depois da família, é a escola que exerce um papel fundamental enquanto agente de socialização de crianças e adolescentes, ampliando o círculo de relações e apresentando as regras e limites que regem a sociedade da qual fazemos parte.

Nas interações cotidianas com colegas, professores(as) e funcionários(as) da escola, diversos valores, atitudes e modelos de comportamento vão sendo interiorizados e contrastados com aqueles transmitidos inicialmente pelos familiares. Nesse sentido, para além de um currículo formal constituído por uma série de disciplinas, como português, matemática e ciências, há no cotidiano escolar um conjunto de conhecimentos transmitidos de forma não declarada – e até de forma não intencional –, que informam as crianças e os adolescentes sobre o seu lugar e o seu papel social, sobre as expectativas a respeito de seus modos de ser e agir no mundo (Weiss & Soares, 2021Weiss, R., & Soares, R. (2021). A educação como socialização em Émile Durkheim. Revista Espaço Pedagógico, 28(1), 13-33. 10.5335/rep.v28i1.11520
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; Resh & Sabbagh, 2014Resh, N., & Sabbagh, C. (2014). Sense of justice in school and civic attitudes. Social Psychology and Education, 17(1), 51-72. https://doi.org/10.1007/s11218-017-9375-0
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).

Enquanto instituição social, a escola é diretamente influenciada pelo contexto histórico-cultural e reproduz os padrões dominantes, atendendo à necessidade de preservação da sociedade ao transmitir a cada geração aquilo que já foi construído anteriormente (Durkheim, 2013Durkheim, E. (2013). Educação e sociologia. Vozes.). Ao mesmo tempo, ela é fonte de transformação social por meio do desenvolvimento do potencial criativo, do pensamento crítico e da autonomia de seus(suas) alunos(as) (Weiss & Soares, 2021Weiss, R., & Soares, R. (2021). A educação como socialização em Émile Durkheim. Revista Espaço Pedagógico, 28(1), 13-33. 10.5335/rep.v28i1.11520
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).

Ou seja, a escola é palco de intensas ambiguidades, que também se apresentam na forma como a violência se manifesta nesse ambiente. Por um lado, crianças e adolescentes têm na escola a oportunidade de receber proteção, de se sentirem seguros(as) e amparados(as) diante de uma série de riscos e vitimizações sofridas em suas vidas (Gomes, Piccirillo & Oliveira, 2019Gomes, A. M. M., Piccirillo, D., & Oliveira, R. T. (2019). Violência na escola e no bairro: o impacto da vitimização na autoridade dos professores e nos comportamentos de quebra de regras de adolescentes. Revista Brasileira de Segurança Pública, 13(2), 158-171. https://doi.org/10.31060/rbsp.2019.v13.n2.986
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). Por outro lado, a escola também pode ser a fonte de violência por meio de agressões entre os(as) alunos(as), desrespeito, discriminação e exclusão (Ruotti, Alves & Cubas, 2006Ruotti, C., Alves, R., & Cubas, V. de O. (2006). Violência na escola: um guia para pais e professores. Andhep, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.).

Diante desses paradoxos, é fundamental discutir caminhos para evitar a reprodução da violência, que considerem as contradições presentes na escola e rompam com os ciclos de violações vivenciados por muitos estudantes. Entendemos que os(as) professores(as) são importantes figuras socializadoras na trajetória dos(as) adolescentes e a forma como exercem seu poder em sala de aula pode ser uma chave para lidar com os conflitos, pois afeta as relações de confiança. Nesse sentido, este artigo se pauta num conjunto de dados coletados com adolescentes de São Paulo para compreender os impactos que situações de vitimização na escola tiveram em suas percepções sobre o reconhecimento do papel dos professores e no engajamento em comportamentos violentos.

O artigo está organizado da seguinte maneira: inicia-se com um levantamento bibliográfico sobre as formas de violência presentes no contexto escolar e suas relações com o clima escolar e as atitudes dos professores. Em seguida, são apresentadas as variáveis de um survey com adolescentes oriundas do Estudo de Socialização Legal de São Paulo (SPLSS) e o método de análise. Por fim, discutem-se os resultados do modelo de equação estrutural desenvolvido, destacando as correlações entre as variáveis.

Violência no contexto escolar e suas relações com o clima escolar

Uma das marcas mais profundas do contexto brasileiro é a presença da violência como forma de resolução de conflitos nas mais diversas circunstâncias (Adorno, 2013Adorno, S. (2013). Democracy in Progress in Contemporary Brazil: Corruption, Organized Crime, Violence and New Paths to the Rule of Law. International Journal of Criminology and Sociology, 2, 409-425. https://doi.org/10.6000/1929-4409.2013.02.38
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). Isso se reflete também no contexto escolar. Diversos estudos já demonstraram que a violência na escola é um fenômeno multifatorial, de múltiplos significados e com graves consequências para o desenvolvimento e para o aprendizado de crianças e de adolescentes (Abramovay, 2002Abramovay, M. (Org.). (2002). Escola e violência. Unesco.; Ruotti, Alves & Cubas, 2006Ruotti, C., Alves, R., & Cubas, V. de O. (2006). Violência na escola: um guia para pais e professores. Andhep, Imprensa Oficial do Estado de São Paulo.; Tavares & Pietrobom, 2016Tavares, P. A. & Pietrobom, F. C. (2016). Fatores associados à violência escolar: evidências para o Estado de São Paulo. Estudos Econômicos, 46(2), 471-498. http://dx.doi.org/10.1590/0101-416146277ptf
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).

Charlot (2002)Charlot, B. (2002). A violência na escola: como os sociólogos franceses abordam essa questão. Sociologias, (8), 432-443. https://doi.org/10.1590/S1517-45222002000200016
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apresenta três formas de manifestação da violência no ambiente escolar: violência na escola; violência à escola e violência da escola. Na primeira, a escola é “invadida” por uma violência externa, que não é dirigida diretamente a ela, diferentemente da segunda forma, cuja violência é direcionada às estruturas físicas ou aos profissionais da escola. E, no terceiro caso, trata-se de uma violência produzida contra os próprios alunos, que podem ter seus direitos violados física ou psicologicamente.

Embora todas essas formas de violência tenham impactos negativos, neste trabalho iremos destacar as vitimizações sofridas e perpetradas pelos(as) alunos(as) no contexto escolar. Segundo pesquisa encomendada pelo Sindicato dos Professores do Ensino Oficial do Estado de São Paulo (Apeoesp), em 2019, os casos de bullying aumentaram nos últimos anos: 37% dos(as) estudantes declararam ter sofrido algum tipo de violência (em 2014 eram 28%, e 39% em 2017). Naquele ano, 90% dos(as) professores(as) escutados(as) afirmaram ter ficado sabendo de casos de violência em suas escolas. Ainda segundo dados dessa pesquisa, aproximadamente 37% dos(as) estudantes matriculados(as) na rede pública de ensino do Estado de São Paulo já sofreram algum tipo de violência (Sacheto, 2020Sacheto, C. (2020, 13 de março). Em SP, 79% da população soube de violência em escolas, diz pesquisa APEOESP. Apeoesp. http://www.apeoesp.org.br/publicacoes/observatorio-da-violencia/em-sp-79-da-populacao-soube-de-violencia-em-escolas-diz-pesquisa/
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).

Além do bullying e da violência física, estudos têm chamado a atenção para outras formas de violência interpessoal no ambiente escolar, como a agressão relacional. Essa diz respeito a um tipo de violência psicológica que visa causar danos nas relações entre o indivíduo e seus pares, por meio da divulgação de rumores, boatos, manipulações ou exclusão do grupo de amigos (Mahar, Wongsomboon & Webster, 2018Mahar, E. A., Wongsomboon, V., & Webster, G. D. (2018). Relational Aggression. In T. Shackelford & V. Weekes-Shackelford (Eds.), Encyclopedia of Evolutionary Psychological Science. Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-319-16999-6_195-1.
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; Gouveia, Leal & Cardoso, 2017Gouveia, P.; Leal, I., & Cardoso, J. (2017) Bullying e agressão: Estudo dos preditores no contexto de programa de intervenção da violência escolar. Revista Psicologia, 31(2), 69-88. https://doi.org/10.17575/rpsicol.v31i2.1116
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; Romero-Abrio et al., 2018Romero-Abrio, A., Musitua, G., Callejas-Jerónimo, J., Sánchez-Sosab, J. C., & Vilarreal-González, M. E. (2018). Factores predictores de la violencia relacional en la adolescencia. Liberabit, 24(1), 29-43. https://doi.org/10.24265/liberabit.2018.v24n1.03
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).

Em estudo com adolescentes portugueses, Gouveia e colaboradores (2017) indicaram que a percepção de que o ambiente escolar era violento e a fraca integração entre alunos(as) e professores(as) foram dois preditores de agressões diretas e relacionais. Romero-Abrio e colaboradores (2018), em estudo com adolescentes mexicanos, apontaram que alunos(as) com piores avaliações sobre o ambiente escolar, atitudes negativas frente aos(às) professores(as), e com uma autopercepção não conformista eram mais propensos(as) a praticar agressões relacionais na escola.

Essa percepção sobre o ambiente escolar está relacionada ao que se denomina na literatura de clima escolar, um conceito polissêmico (Cohen, McCabe, Michelli & Pickeral, 2009Cohen, J., McCabe, L., Michelli, N. M., & Pickeral, T. (2009). School climate: Research, policy, practice, & teacher education. Teachers College Record, 111(1), 180-213. https://doi.org/10.1177/016146810911100108
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; Cunha, 2014Cunha, M. B. (2014). Possíveis relações entre percepções de violência dos alunos, clima escolar e eficácia coletiva. Educação e Pesquisa, São Paulo, 40(4), 1077-1092. http://dx.doi.org/10.1590/s1517-97022014005000010
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) que abrange as normas, os valores e as expectativas que permitem aos diferentes atores da comunidade escolar se sentirem seguros em termos físicos, emocionais e sociais (Cohen et al., 2009Cohen, J., McCabe, L., Michelli, N. M., & Pickeral, T. (2009). School climate: Research, policy, practice, & teacher education. Teachers College Record, 111(1), 180-213. https://doi.org/10.1177/016146810911100108
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). Não há uma definição unívoca na literatura para o clima escolar, sendo comum outros termos correlatos como “atmosfera escolar”, “sentimentos escolares”, “tom escolar”, que fazem referência tanto à qualidade quanto às características da vida escolar cotidiana (Cohen et al., 2009Cohen, J., McCabe, L., Michelli, N. M., & Pickeral, T. (2009). School climate: Research, policy, practice, & teacher education. Teachers College Record, 111(1), 180-213. https://doi.org/10.1177/016146810911100108
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).

Do ponto de vista metodológico, o clima escolar representa um conjunto de variáveis referentes à dinâmica escolar, que atuam de forma conjunta (Cunha, 2014Cunha, M. B. (2014). Possíveis relações entre percepções de violência dos alunos, clima escolar e eficácia coletiva. Educação e Pesquisa, São Paulo, 40(4), 1077-1092. http://dx.doi.org/10.1590/s1517-97022014005000010
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). Por exemplo, Cohen e colaboradores (2009)Cohen, J., McCabe, L., Michelli, N. M., & Pickeral, T. (2009). School climate: Research, policy, practice, & teacher education. Teachers College Record, 111(1), 180-213. https://doi.org/10.1177/016146810911100108
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listam ao menos quatro dimensões do clima escolar: segurança (física e emocional); ensino e aprendizagem (qualidade da instrução, aprendizagem social, emocional e ética, desenvolvimento profissional e liderança); relações (respeito pela diversidade, colaboração com a comunidade escolar, moralidade e sentimento de conexão com a escola); estrutura e ambiente escolar (limpeza, adequação dos espaços). Já Mucherah e colaboradores (2018)Mucherah, W., Finch, H., White, T., & Thomas, K. (2018). The relationship of school climate, teacher defending and friends on students’ perceptions of bullying in high school. Journal of Adolescence, 62,128-139. https://doi.org/10.1016/j.adolescence.2017.11.012
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destacaram cinco dimensões diferentes de clima escolar: satisfação com a escola; atrito; competitividade; coesão e apoio aos professores. Ou ainda, como apontam Moro e colaboradores (2018)Moro, A., Morais, A. de., Vinha, T. P., & Tognetta, L. R. P. (2018). Avaliação do clima escolar por estudantes e professores: construção e validação de instrumentos de medida. Revista de Educação Pública, 27(64), 67-90. https://doi.org/10.29286/rep.v27i64.3733
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, visto que não há um único fator de clima escolar, diversas pesquisas vão enfatizar diferentes aspectos da variável (aspectos sociais, acadêmicos, organizacionais) a depender dos objetivos desses estudos. Trata-se, portanto, de uma noção abstrata que abarca diferentes elementos existentes no cotidiano das instituições escolares. Por esse motivo, os estudos nesse campo encontram múltiplas formas de definir e operacionalizar esse conceito. No entanto, todos esses elementos apontam na mesma direção: os sentimentos que promovem o bem-estar individual e coletivo na escola (Cohen et al., 2009Cohen, J., McCabe, L., Michelli, N. M., & Pickeral, T. (2009). School climate: Research, policy, practice, & teacher education. Teachers College Record, 111(1), 180-213. https://doi.org/10.1177/016146810911100108
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; Cunha, 2014Cunha, M. B. (2014). Possíveis relações entre percepções de violência dos alunos, clima escolar e eficácia coletiva. Educação e Pesquisa, São Paulo, 40(4), 1077-1092. http://dx.doi.org/10.1590/s1517-97022014005000010
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; Mucherah, Finch, White & Thomas, 2018Mucherah, W., Finch, H., White, T., & Thomas, K. (2018). The relationship of school climate, teacher defending and friends on students’ perceptions of bullying in high school. Journal of Adolescence, 62,128-139. https://doi.org/10.1016/j.adolescence.2017.11.012
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).

Diferentes pesquisas têm demonstrado que um clima escolar positivo está relacionado a uma maior qualidade no processo de aprendizagem, a baixos índices de evasão, a maiores níveis de confiança e de senso de justiça, a sentimentos de bem-estar, segurança, acolhimento e pertencimento à escola, a bons relacionamentos interpessoais e a uma atenuação do impacto negativo do contexto socioeconômico sobre o sucesso acadêmico (Cohen et al., 2009Cohen, J., McCabe, L., Michelli, N. M., & Pickeral, T. (2009). School climate: Research, policy, practice, & teacher education. Teachers College Record, 111(1), 180-213. https://doi.org/10.1177/016146810911100108
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; Silva et al., 2021Silva, E. H. B. da, Sousa, Y. L. G. de, Negreiros, F., & Freire, S. E. de A. (2021). Clima escolar: uma revisão sistemática de literatura. Revista do NUFEN, 13(1), 83-97.; Thapa et al., 2013Thapa, A., Cohen, J., Guffey, S., & Higgins-D’Alessandro, A. (2013). A review of school climate research. Review of Educational Research, 83(2), 357-385. https://doi.org/10.3102/0034654313483907
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).

Por outro lado, há uma associação entre escolas com clima escolar negativo e um ambiente mais propício à violência (Cunha, 2014Cunha, M. B. (2014). Possíveis relações entre percepções de violência dos alunos, clima escolar e eficácia coletiva. Educação e Pesquisa, São Paulo, 40(4), 1077-1092. http://dx.doi.org/10.1590/s1517-97022014005000010
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; Mucherah et al., 2018Mucherah, W., Finch, H., White, T., & Thomas, K. (2018). The relationship of school climate, teacher defending and friends on students’ perceptions of bullying in high school. Journal of Adolescence, 62,128-139. https://doi.org/10.1016/j.adolescence.2017.11.012
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; Welsh, 2000Welsh, W. N. (2000). The effects of school climate on school disorder. The Annals of the American Academy of Political and Social Science, 567(1), 88-107. https://doi.org/10.1177/0002716200567001
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). Cunha (2014)Cunha, M. B. (2014). Possíveis relações entre percepções de violência dos alunos, clima escolar e eficácia coletiva. Educação e Pesquisa, São Paulo, 40(4), 1077-1092. http://dx.doi.org/10.1590/s1517-97022014005000010
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empreendeu uma pesquisa com 1600 escolares do 9° ano do ensino fundamental e 2° ano do ensino médio no Rio de Janeiro. O autor identificou que a avaliação da escola estava negativamente correlacionada com a percepção de violência intraescolar (β = – 0,084; p < 0,001); com a presença de alunos portando bebidas ou drogas (β = – 0,108; p < 0,001); com a experiência de abordagem policial (β = – 0,054; p < 0,05); e com a experiência de violência (β = – 0,064; p < 0,05). Utilizando um modelo de regressão linear, para a variável dependente “percepções de violência intraescolar”, a avaliação geral da escola não foi significativa. Mas, para percepções sobre alunos com drogas e bebidas alcoólicas, a avaliação da escola foi significativamente negativa (β = – 0,092; p < 0,001), indicando que quanto mais os estudantes percebem a existência de outros colegas portando drogas ou bebidas, pior é sua avaliação da instituição escolar.

A relação entre clima escolar e experiências de violência também foi tema de estudo elaborado por Mucherah e colaboradores (2018) no Quênia. A partir de um modelo de equações estruturais, examinaram a relação entre clima escolar, envolvimento dos professores, número de amigos e atuação dos professores para impedir o bullying (tanto como vítima quanto como perpetuador). Das três dimensões de clima escolar incluídas no estudo (satisfação, atrito e coesão), apenas a percepção da coesão escolar não apresentou efeitos nas diferentes formas de vitimização. O estudo apontou que, quanto mais satisfeitos com a escola, menos os participantes relataram ofensas verbais (β = – 0,349; p = 0,001), vitimização verbal (β = – 0,275; p = 0,008) e vitimização física entre seus pares (β = – 0,288; p = 0,009). Já a percepção de atritos na escola esteve relacionada com maior ocorrência de ofensa social (como ter convencido alunos a se voltarem contra algum amigo, β = 0,323; p < 0,001) e mais relacionada à ofensa física entre os pares (β = 0,212; p < 0,001).

Nesse sentido, as vivências – boas ou ruins – dos(as) alunos(as) afetam suas percepções sobre o clima escolar; que, por sua vez, influenciam as atitudes e comportamentos dos(as) alunos(as). Em outro artigo, com estudantes do ensino fundamental e médio na Virgínia, Estados Unidos (EUA), Cornell, Shukla e Konold (2016)Cornell, D., Shukla, K., & Konold, T. (2016). Authoritative school climate and student academic achievement, grades, and aspirations in middle and high schools. AERA Open, 2(2), 1-18. https://doi.org/10.1177/2332858416633184
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apontaram que quando os(as) alunos(as) percebiam que as regras da escola eram claras, que eram aplicadas de forma justa e que havia espaço para explicar seus pontos de vista, eles(as) avaliavam de forma mais positiva o ambiente escolar como um todo, o que tendia a ter efeitos benéficos para o comportamento em sala de aula.

Esse resultado chama a atenção para a importância do estabelecimento de um clima escolar democrático na escola, assim como outro estudo, conduzido por Giordani, Seffner e Dell’Aglio (2017)Giordani, J. P., Seffner, F., & Dell’Aglio, D. D. (2017) Violência escolar: percepções de alunos e professores de uma escola pública. Psicologia Escolar e Educacional, 21(1), 103-111. https://doi.org/10.1590/2175-3539201702111092
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, que investigou a percepção de alunos(as) e de professores(as) de Porto Alegre acerca da violência no espaço escolar por intermédio de grupos focais. Os autores destacaram que, em muitos casos, as violências física e psicológica vivenciadas são consequências de “quando o conflito não encontra outros canais de manifestação que poderiam ser propiciados pela instituição escolar através de ações democráticas de participação dos adolescentes nas decisões que os afetam” (Giordani, Seffner & Dell’Aglio, 2017Giordani, J. P., Seffner, F., & Dell’Aglio, D. D. (2017) Violência escolar: percepções de alunos e professores de uma escola pública. Psicologia Escolar e Educacional, 21(1), 103-111. https://doi.org/10.1590/2175-3539201702111092
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, p. 108).

Observamos assim, que um dos aspectos que podem impactar na prevenção da violência no contexto escolar é a forma como são estabelecidas as relações entre os(as) alunos(as) e a instituição escolar, ou mais especificamente, com aqueles(as) que a representam e definem as normas de convivência.

Professores como figuras de autoridade

Em geral, o(a) professor(a) é a primeira figura de autoridade diferente dos pais com a qual a criança tem contato. No contexto escolar, saindo da esfera privada da vida, as relações passam a ser guiadas por regras mais formais e a experiência com a autoridade se torna mais impessoal. Aos poucos, a criança vai se dando conta de que há diferentes tipos de autoridade, que interagem com ela de diversas maneiras e mais do que isso, que podem agir de determinada forma com ela e diferentemente com outras crianças (Tyler & Trinkner, 2018Tyler, T. R., & Trinkner, R. (2018). Why children follow rules: Legal socialization and the development of legitimacy. Oxford University Press.).

Steven Lukes (1986)Lukes, S. (Ed.). (1986). Power (Vol. 2). NYU Press. recorda que o conceito de autoridade apresenta um núcleo comum, que é a “renúncia do julgamento privado” (1986, p. 833). A relação de autoridade é uma na qual os indivíduos abrem mão de seus interesses particulares em nome das demandas, regras e preceitos colocados pelas autoridades, que são tomados como se fossem seus. Dessa maneira, compreender as relações de autoridade nas sociedades modernas envolve alguma conciliação entre autoridade e autonomia individual.

Na literatura sociológica coube, sobretudo, a Max Weber apresentar uma solução para esse problema por meio da noção de legitimidade (Weber, 1999Weber, M. (1999). Economia e sociedade: fundamentos da sociologia compreensiva. Editora UnB.). Para o sociólogo alemão, há idealmente dois motivos pelos quais os indivíduos podem aquiescer em uma relação de autoridade: ou obedecem orientados por uma constelação de interesses pessoais (como ganhos pontuais) ou obedece motivado por um ideal de que obedecer é um dever. Assim, uma autoridade considerada legítima é aquela cujo poder de emitir ordens e estabelecer regras é reconhecido pelos indivíduos a ela submetidos. Além disso, a autoridade legítima é aquela cujos comandos e regras são acatadas porque os indivíduos aceitam-na, agindo motivados pela crença no “dever de obedecer”.

Mais recentemente, trabalhos em um campo de estudos chamado Socialização Legal (Rodrigues et al., 2017Rodrigues, H., Gomes, A. M. M., Piccirillo, D., Oliveira, R. T., & Brito, R. C. (2017). Socialização legal de crianças e adolescentes: revisão da literatura e desafios de pesquisa. Plural, 24(1), 105-123. https://doi.org/10.11606/issn.2176-8099.pcso.2017.127330
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), debruçaram-se justamente sobre os processos sociais pelos quais os indivíduos vêm a legitimar ou não as autoridades. De acordo com diversos estudos produzidos por esse campo, inclusive no Brasil, a adesão aos valores de determinada sociedade é fundamental para a legitimação das autoridades, que levariam a uma obediência voluntária dos cidadãos às regras sociais (Fagan & Tyler, 2005Fagan, J., & Tyler, T. R. (2005). Legal socialization of children and adolescents. Social justice research, 18(3), 217-241. https://doi.org/10.1007/s11211-005-6823-3
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; Trinkner & Cohn, 2014Trinkner, R., & Cohn, E. S. (2014). Putting the “social” back in legal socialization: Procedural justice, legitimacy, and cynicism in legal and nonlegal authorities. Law and Human Behavior, 38(6), 602-617. https://doi.org/10.1037/lhb0000107
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; Trinkner et al., 2019Trinkner, R., Rodrigues, H., Piccirillo, D., Gifford, F. E., & Gomes, A. M. M. (2019). Legal socialization in Brazil: examining the generalizability of the procedural justice model. International Journal of Comparative and Applied Criminal Justice, 44(1-2), 7-27. https://doi.org/10.1080/01924036.2019.1587710
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). Assim, ao invés de uma obediência cega a uma autoridade ou orientada pelo medo de punições e sanções, haveria uma obediência voluntária que parte da crença de que essa é a atitude correta para o bem da coletividade.

Entretanto, cabe destacar que esse processo de legitimação é construído cotidianamente por meio das interações entre os indivíduos e as autoridades e é especialmente no período da adolescência que observamos importantes aprendizados sobre os modos de funcionamento das instituições e das formas como a autoridade deve exercer sua função.

Durante a adolescência acontece uma reorganização da estrutura cognitiva dos indivíduos, que permite ao(à) adolescente desenvolver o raciocínio abstrato e o pensamento crítico (Piaget & Inhelder, 2003Piaget, J., & Inhelder, B. (2003). A Psicologia da Criança. (O. M. Cajado, Trad., 3a ed.). Difel.). Esse novo modo de funcionamento mental fornece ao(à) adolescente as ferramentas para analisar o mundo, compreender o funcionamento das instituições, das relações de poder e inclusive avaliar criticamente as normas e leis da sociedade.

Além disso, em nossa sociedade, é na fase da adolescência que, em geral, os indivíduos se preparam para fazer as escolhas profissionais e afetivas, o que implica na construção de novas identidades. Há uma busca pela diferenciação dos pais, pela autonomia e independência, pelo pertencimento a um grupo e pela experimentação. Ao mesmo tempo em que esse movimento é fundamental para que o adolescente encontre seu lugar no mundo, também pode levá-lo a comportamentos de riscos e/ou desviantes, como agressões, uso abusivo de drogas, relações sexuais sem proteção, vandalismo, bullying etc.

Nessa perspectiva, é justamente nessa fase que os indivíduos passam a questionar o modo de agir das autoridades, por entenderem que a autoridade não pode agir da forma como quiser, mas de acordo com determinadas normativas. Essa percepção, por sua vez, tende a tensionar essas relações, já que nem sempre as autoridades desempenham suas funções da maneira esperada. Estudos têm demonstrado que nessa fase há um declínio do nível de legitimidade outorgada às autoridades4 4 Sobre autoridades em geral, ver Tyler & Trinkner, 2018; sobre legitimidade dos pais, ver Kuhn & Laird, 2011; Thomas et al., 2020; legitimidade da polícia, ver Piccirillo et al., 2021; legitimidade dos professores, ver Graça, Calheiros & Barata, 2013. .

Assim, a avaliação de legitimidade das instituições e das autoridades é fortemente influenciada pela forma como essa autoridade exerce sua função e toma decisões, ou seja, se há justiça, respeito, imparcialidade e limites no exercício do poder (Tyler & Trinkner, 2018Tyler, T. R., & Trinkner, R. (2018). Why children follow rules: Legal socialization and the development of legitimacy. Oxford University Press.).

Toda essa dinâmica tem implicações diretas no contexto educacional, uma vez que os(as) professores(as) buscam se afirmar como autoridades legítimas, passíveis de obediência e cooperação. Em estudo com adolescentes portugueses, Graça e colaboradores (2013) apontaram que quando os(as) professores(as) apoiam a autonomia dos(as) alunos(as) na sala de aula, os(as) adolescentes avaliam que há um exercício legítimo de poder por parte dos(as) professores(as).

Já em pesquisa realizada por meio de entrevistas com 30 adolescentes do ensino médio de São Paulo, Schünemann (2016)Schünemann, H. E. S. (2016) A autoridade docente na percepção de alunos adolescentes. Revista Educação e Cultura Contemporânea, 13(32), 235-255. Disponível em: http://periodicos.estacio.br/index.php/reeduc/article/view/1057/1247
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relatou que os(as) alunos(as) entendem que o(a) professor(a) é uma autoridade, mas isso não significa que ele(a) pode agir da forma como quiser, mas que a autoridade do(a) professor(a) só é considerada como legítima quando exercida dentro das funções esperadas.

No estudo qualitativo conduzido por Bueno e Sant’Ana (2011) em São João del-Rei, Minas Gerais, os autores buscaram identificar quais os elementos valorizados pelos(as) alunos(as) na atribuição de legitimidade à autoridade dos(as) professores(as). Ao analisar não só o discurso dos(as) adolescentes, mas também observar as interações em sala de aula, os autores perceberam que coexiste tanto concepções mais tradicionais de autoridade, marcadas pela hierarquia de saber e da punição como forma de controle, quanto uma “significação mais próxima dos princípios democráticos, cuja relação de poder deve se estabelecer a partir de uma relação de negociação que garanta às partes as condições de igualdade e de liberdade” (2011, p. 338).

Em outro estudo, Novais (2004)Novais, E. L. (2004). É possível ter autoridade em sala de aula sem ser autoritário? Linguagem & Ensino, 7(1), 15-51., por meio de uma pesquisa de base etnográfica, investigou como uma professora do ensino médio trabalhou a questão da sua autoridade. A autora observou que a professora buscava ser justa e clara em suas cobranças e expectativas, negociando as regras e sem cercear a liberdade dos(as) alunos(as) na manutenção da disciplina. Nesse processo, a autora constatou que a autoridade da professora não foi imposta ao grupo, mas reconhecida pelos(as) alunos(as), justamente por essa forma de conduzir a relação.

Nesse sentido, o objetivo deste artigo é investigar como algumas experiências de violências, sofridas e praticadas por adolescentes, relacionam-se com suas percepções sobre o clima escolar e sobre a autoridade dos(as) professores(as). Nossa primeira hipótese é que a vitimização por agressão relacional e a vitimização em contexto escolar vão posteriormente afetar negativamente as percepções dos(as) adolescentes sobre o clima escolar, bem como o seu reconhecimento da legitimidade dos(as) professores(as). E a segunda hipótese é que tanto a percepção do clima escolar quanto o reconhecimento da legitimidade dos(as) professores(as) explicam posteriormente o engajamento dos(as) mesmos(as) adolescentes na prática de agressão relacional contra seus pares.

Metodologia

Este estudo utilizou dados do SPLSS, uma pesquisa longitudinal desenvolvida pelo Núcleo de Estudos da Violência da Universidade de São Paulo (NEV-USP). O objetivo central do SPLSS é compreender como os adolescentes desenvolvem valores, ideias e atitudes em relação a figuras centrais de autoridade (pais, professores, polícia), bem como suas visões acerca das leis. O estudo coletou dados anualmente entre 2016 e 2019 por meio de um survey. Para ser elegível a participar do estudo, os(as) participantes deveriam ter nascido no ano de 2005 e estarem matriculados no sexto ano do ensino fundamental em escolas de administração pública ou privada no município de São Paulo.

A seleção da amostra obedeceu ao número de matriculados(as) em ambas as redes de ensino em cada uma das seis grandes regiões do município. Por meio do método de participação proporcional ao tamanho (PPT), foram sorteadas 64 escolas da rede pública e 48 escolas da rede privada, totalizando 112 escolas participantes. Após o sorteio das escolas, com anuência das direções, equipes de pesquisa de campo identificaram os indivíduos elegíveis e foram selecionados aqueles que apresentaram autorização assinada pelos pais ou responsáveis. A coleta de dados foi realizada pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) Inteligência e os(as) participantes receberam um brinde no valor aproximado de 50 reais.

Apesar de alguns participantes terem desistido ao longo dos anos, o estudo reteve 87,75% dos(as) adolescentes inicialmente arrolados(as). As perdas não alteraram substancialmente as características da amostra, que no geral contou com 50% de participantes do sexo feminino. A amostra do SPLSS caracteriza-se pela multiplicidade étnica e social. A informação para raça/cor foi coletada por meio de autodeclaração, e a amostra conta com 47% brancos(as), 27% pardos(as), 12% pretos(as), 5% indígenas e 3% asiáticos(as). Para caracterização socioeconômica, foi enviado junto ao termo de consentimento um questionário para que os pais respondessem a respeito da faixa de renda, entre outras informações. Considerando renda em seis faixas de salário-mínimo mensal, obtiveram-se 18% de participantes de famílias com até um salário-mínimo (SM); 28% entre 1 e 2 SM; 23% entre 2 e 5 SM; 13% entre 5 e 10 SM; 6% entre 10 e 20 SM e 3% com renda familiar superior a 20 salários-mínimos.

Para este artigo, foram selecionados os dados referentes aos anos 2018 e 2019 devido ao fato de uma das variáveis de interesse – Clima Escolar – ter sido inserida nos questionários apenas nesses anos, totalizando 680 participantes.

  1. Clima Escolar: a escala de clima escolar mensura a percepção dos(as) participantes em relação à presença de justiça nas decisões escolares, bem como o quanto é democrático o ambiente escolar na tomada de decisões coletivas. A escala é composta por oito itens, adaptados de Vieno et al. (2005)Vieno, A., Perkins, D. D., Smith, T. M., & Santinello, M. (2005). Democratic school climate and sense of community in school: A multilevel analysis. American Journal of Community Psychology, 36(3-4), 327-341. https://doi.org/10.1007/s10464-005-8629-8
    https://doi.org/10.1007/s10464-005-8629-...
    e Lenzi et al. (2014)Lenzi, M., Vieno, A., Sharkey, J., Mayworm, A., Scacchi, L., Pastore, M., & Santinello, M. (2014). How school can teach civic engagement besides civic education: The role of democratic school climate. American journal of community psychology, 54(3), 251-261. https://doi.org/10.1007/s10464-014-9669-8.
    https://doi.org/10.1007/s10464-014-9669-...
    , tais como: “As regras da escola são justas”, “Quando as regras da escola são desrespeitadas, as consequências são justas”. As respostas foram coletadas por meio de escala do tipo Likert de quatro pontos (1 = Discorda muito; 4 = Concorda muito) e foi considerada a pontuação média nos itens, de forma que, quanto maior a pontuação, melhor o clima escolar (α = 0.71; M = 3,40; DP = 0,50).

  2. Legitimidade dos(as) Professores(as): A escala de legitimidade foi adaptada de estudos em socialização legal (Fagan & Tyler, 2005Fagan, J., & Tyler, T. R. (2005). Legal socialization of children and adolescents. Social justice research, 18(3), 217-241. https://doi.org/10.1007/s11211-005-6823-3
    https://doi.org/10.1007/s11211-005-6823-...
    ; Trinkner & Cohn, 2014Trinkner, R., & Cohn, E. S. (2014). Putting the “social” back in legal socialization: Procedural justice, legitimacy, and cynicism in legal and nonlegal authorities. Law and Human Behavior, 38(6), 602-617. https://doi.org/10.1037/lhb0000107
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    ) e é composta por sete itens (por exemplo: Seus professores/as têm o direito de fazer as regras na sala de aula e Você deve obedecer aos seus professores mesmo quando não concorda com eles). As respostas foram coletadas em escala Likert de quatro pontos (1 = Discorda muito; 4 = Concorda muito) e foi considerada a pontuação média dos itens, de forma que, quanto maior a pontuação da escala, maior a legitimidade dos professores (α = 0.5; M = 3,10; DP = 0,46).

  3. Vitimização na Escola: Mensura a frequência com que os(as) participantes mantiveram contato direto ou indireto com diferentes formas de violência no ambiente escolar. As experiências listadas pelo questionário foram elaboradas a partir de um estudo piloto com estudantes com o mesmo perfil dos(as) participantes da pesquisa final (para maiores informações: Rodrigues & Gomes, 2019Rodrigues, H., & Gomes, A. M. M. (2019). Formação de Atitudes em Relação às Leis: Um Estudo sobre Socialização Legal de Adolescentes em São Paulo. Revista Santa Rita, 14, 41-8.). A escala é composta por quatro itens (por exemplo: Você presenciou brigas ou discussões entre alunos/as na escola? e Você foi agredido por algum adulto – professor, inspetor ou funcionário da escola – com tapa, soco, chute ou jogaram algum objeto em você?) que mensuram a frequência com que esses eventos ocorreram no ano anterior à coleta de dados (0 = Não; 3 = Muitas vezes). Para as análises, calculou-se a média dos itens, de forma que, quanto maior a pontuação, mais frequentes foram as experiências de vitimização (α = 0.5; M = 0,61; DP = 0,49).

  4. Agressão Relacional. Refere-se a ações cujos propósitos foram prejudicar ou controlar outro indivíduo do grupo de pares, espalhando rumores ou proferindo ameaças (Crick & Grotpeter, 1995Crick, N. R., & Grotpeter, J. K. (1995). Relational aggression, gender, and social‐psychological adjustment. Child development, 66(3), 710-722. https://doi.org/10.2307/1131945
    https://doi.org/10.2307/1131945...
    ; Crick, Ostrov, & Werner, 2006Crick, N. R., Ostrov, J. M., & Werner, N. E. (2006). A longitudinal study of relational aggression, physical aggression, and children’s social–psychological adjustment. Journal of abnormal child psychology, 34(2), 127-138. https://doi.org/10.1007/s10802-005-9009-4
    https://doi.org/10.1007/s10802-005-9009-...
    ; Mahar, Wongsomboon, & Webster, 2018Mahar, E. A., Wongsomboon, V., & Webster, G. D. (2018). Relational Aggression. In T. Shackelford & V. Weekes-Shackelford (Eds.), Encyclopedia of Evolutionary Psychological Science. Springer. https://doi.org/10.1007/978-3-319-16999-6_195-1.
    https://doi.org/10.1007/978-3-319-16999-...
    ). O questionário reúne cinco itens que dizem respeito aos comportamentos que colocam os(as) participantes como responsáveis por agressão relacional (Você xingou ou ofendeu verbalmente alguém? ou Você espalhou mentira contra alguém, pessoalmente, pelo celular ou pela internet?) e como vítima de agressão relacional (Você foi xingado ou ofendido verbalmente por alguém? e Alguém espalhou mentira contra você pessoalmente, pelo celular ou pela internet?). Em ambos os casos, as respostas foram coletadas originalmente em escala Likert de quatro pontos (0 = Não; 3 = Muitas vezes), tendo como referência os 12 meses anteriores à coleta do dado. Para este estudo, calculou-se a média dos itens, de forma que, quanto maior a pontuação, maior a frequência de autoria (α = 0.54; M = 0,41; DP = 0,44) ou de vitimização (α = 0.7; M = 0,53; DP = 0,61) por agressão relacional.

  5. Procedimento de análise. Na primeira etapa, as variáveis foram correlacionadas entre si e descritas em termos de média e desvio-padrão. Para interpretar a força das associações entre as variáveis, adotamos os critérios sugeridos por Cohen (1988)Cohen, J. (1988). Statistical Power Analysis for the Behavioral Sciences (2a ed.). Lawrence Erlbaum., no qual r = 0.1 (efeito pequeno), r = 0.3 (efeito moderado) e r = 0.5 (efeito grande). Em seguida, fizemos um modelo de equação estrutural para testar a hipótese de que a vitimização por agressão relacional (Vit. AR) e a vitimização em contexto escolar (Vit. Escola) predizem o Clima Escolar e a Legitimidade dos Professores que, por sua vez, predizem a prática de agressão relacional contra outros pares. O sexo (masculino e feminino) e o tipo de estabelecimento de ensino (privado e público) foram controlados em todas as equações, assim como os níveis bases de prática de agressão relacional em 2018. Para avaliar o ajuste do modelo, utilizamos as medidas de comparative fit index (CFI), do Tucker–Lewis index (TLI), da root mean square of approximation (RMSEA) e do standardized root mean square of residual (SRMR), considerando como aceitáveis valores de RMSEA e SRMR abaixo de 0,06, e de CFI e TLI acima de 0,95 (Hu & Bentler, 1999Hu, L., & Bentler, P. M. (1999). Cutoff criteria for fit indexes in covariance structure analysis: Conventional criteria versus new alternatives. Structural Equation Modeling, 6(1), 1-55. https://doi.org/10.1080/10705519909540118.
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    ).

Resultados

A Tabela 1 apresenta as correlações entre as variáveis do estudo e as médias e desvios-padrão obtidos pela amostra. No ano de 2018, as variáveis Clima Escolar e Legitimidade dos Professores se correlacionaram positivamente entre si e negativamente com as variáveis de Vitimização na Escola, Vitimização por Agressão Relacional e Prática de Agressão Relacional, sendo os efeitos dessas correlações considerados moderados. As variáveis de Vitimização e Prática de Agressão Relacional tiveram correlações positivas entre si, de forte magnitude. No ano de 2019, os padrões se mantiveram tanto em relação à direção das correlações quanto ao tamanho dos efeitos, com exceção da correlação entre Clima Escolar e Legitimidade dos(as) Professores(as), que apresentou um aumento no efeito, passando de moderado a grande. Em relação às médias das escalas, as variações entre 2018 e 2019 não foram significativas.

Tabela 1
Correlação entre as variáveis do estudo

A Tabela 2 apresenta a correlação entre as variáveis mensuradas em 2018 e as variáveis mensuradas no ano de 2019. Todas as variáveis se correlacionaram significativamente e com efeitos próximos do moderado, sendo que a Vitimização por Agressão Relacional, Vitimização Escolar e Agressão Relacional se relacionam positivamente entre si, mas negativamente com o Clima Escolar e a Legitimidade dos(as) Professores(as). Isso indica que alunos(as) que sofreram alguma forma de violência em 2018 tendem a responder, em 2019, que teriam cometido algum tipo de agressão contra os(as) colegas. Em sentido similar, participantes que em 2018 admitiram algum tipo de agressão contra colegas também foram vítimas de agressão relacional ou vitimização na escola no ano seguinte. Os dados obtidos não coadunam com os estigmas sociais que podem recair sobre os(as) escolares, dividindo-os(as) entre agressores(as) e vítimas. Antes, demonstram que a violência é uma prática social que, uma vez presente nas interações entre esses(as) estudantes, circula nas relações sociais, reproduzindo-se posteriormente.

Tabela 2
Correlação longitudinal entre as variáveis do estudo

Modelo de Equação Estrutural

A Tabela 3 mostra o resultado do modelo de equação estrutural, também representado graficamente (Figura 1) para facilitar a visualização das relações entre as variáveis. O modelo apresentou índices de ajuste dentro do que se considera entre bom e ótimo nos padrões das ciências sociais e do comportamento, sendo que o coeficiente de determinação indica que o modelo explica 35% da variância da agressão relacional. A Vitimização por Agressão Relacional e a Vitimização em contexto Escolar se correlacionaram positivamente e ambas predizem, negativamente, a percepção de um Clima Escolar positivo e a Legitimidade dos(as) Professores(as). O Clima Escolar e a Legitimidade dos(as) Professores(as) também se correlacionam positivamente e predizem, negativamente, o envolvimento do(a) aluno(a) com a prática de Agressão Relacional contra pares. O tipo de escola não teve efeito no modelo, mas o sexo apresentou efeito significativo em duas relações, nas quais adolescentes do sexo masculino tendem a legitimar mais os(as) professores(as) e também a praticar agressões relacionais com maior frequência.

Tabela 3
Parâmetros estimados do modelo de equação estrutura
Figura 1
Modelo de equação estrutural.

Discussão

Este estudo buscou investigar como as diferentes formas de violência que ocorrem no ambiente escolar se relacionam com o clima escolar e com a atribuição de legitimidade aos professores. As análises demonstraram que tanto a vitimização escolar como agressão estão relacionadas entre si e influenciam negativamente a avaliação do clima escolar e da legitimidade dos professores, isto é, quanto mais um(a) aluno(a) vivencia essas formas de violência, menor as chances de avaliar o clima escolar como positivo e menor as chances de ver na figura do(a) professor(a) uma autoridade legítima.

Por sua vez, uma avaliação negativa das autoridades escolares e do ambiente escolar como um todo pode contribuir para a prática de agressões no ambiente escolar, uma vez que alunos(as) que reportaram visões negativas sobre os(as) professores(as) e sobre o clima escolar também relataram mais práticas de agressões relacionais no ano seguinte.

Os resultados obtidos neste estudo permitem inferir que as autoridades escolares podem exercer um papel fundamental no controle e na prevenção de violências interpessoais na escola. Em consonância com a literatura especializada (Tyler & Trinkner, 2018Tyler, T. R., & Trinkner, R. (2018). Why children follow rules: Legal socialization and the development of legitimacy. Oxford University Press.), é possível afirmar que a maneira como as autoridades escolares exercem seu poder no cotidiano escolar influencia o comportamento dos(as) alunos(as), impactando as experiências de violência. Isto é, quando as autoridades exercem suas funções dentro de limites reconhecidos, dando espaço para os(as) alunos(as) exporem suas opiniões, tratando a todos igualmente e sem distinções, e deixando claro as regras e as consequências para o não cumprimento de regras, os(as) alunos(as) percebem a escola como um ambiente mais justo e acolhedor, o que pode reduzir as ações agressivas.

Esse achado também está em conformidade com outras pesquisas (Bueno & Sant’Ana, 2011Bueno, F. A., & Sant’ana, R. B. (2011). A experiência geracional na fala de alunos de escola pública: a questão da autoridade docente. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, 92(231), 316-340. http://educa.fcc.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-66812011000200007&lng=es&nrm=iso
http://educa.fcc.org.br/scielo.php?scrip...
; Graça, Calheiros & Barata, 2013Graça, J., Calheiros, M., & Barata, M. (2013). Authority in the classroom: Adolescent autonomy, autonomy support, and teachers’ legitimacy. European Journal of Psychology of Education, 28, 1065-1076. https://doi.org/10.1007/s10212-012-0154-1.
https://doi.org/10.1007/s10212-012-0154-...
; Cornell, Shukla & Konold, 2016Cornell, D., Shukla, K., & Konold, T. (2016). Authoritative school climate and student academic achievement, grades, and aspirations in middle and high schools. AERA Open, 2(2), 1-18. https://doi.org/10.1177/2332858416633184
https://doi.org/10.1177/2332858416633184...
; Giordani, Seffner & Dell’Aglio, 2017Giordani, J. P., Seffner, F., & Dell’Aglio, D. D. (2017) Violência escolar: percepções de alunos e professores de uma escola pública. Psicologia Escolar e Educacional, 21(1), 103-111. https://doi.org/10.1590/2175-3539201702111092
https://doi.org/10.1590/2175-35392017021...
; Gouveia, Leal & Cardoso, 2017Gouveia, P.; Leal, I., & Cardoso, J. (2017) Bullying e agressão: Estudo dos preditores no contexto de programa de intervenção da violência escolar. Revista Psicologia, 31(2), 69-88. https://doi.org/10.17575/rpsicol.v31i2.1116
https://doi.org/10.17575/rpsicol.v31i2.1...
), enfatizando que a forma de gerir os conflitos, que inevitavelmente surgem no dia a dia escolar, pode ser o ponto de partida para estabelecer relações mais democráticas entre alunos(as) e entre alunos(as) e professores(as), de modo a prevenir o engajamento em comportamentos agressivos ou violentos.

Em uma revisão sistemática sobre o tema da violência em escolas públicas, Silva e Negreiros (2020)Silva, E. H. B. D., & Negreiros, F. (2020). Violência nas escolas públicas brasileiras: uma revisão sistemática da literatura. Revista Psicopedagogia, 37(114), 327-340. destacaram que a violência escolar deve ser considerada como multifacetada e multicausal. No entanto, os estudos também mostram que “práticas licenciosas e autoritárias por parte dos professores acabam por possibilitar espaços de relacionamentos sociais suscetíveis ao surgimento de situações conflitivas em que os alunos apresentam comportamentos violentos” (2020, p. 333).

Nesse sentido, a contribuição deste estudo está em afirmar que quando a autoridade docente não se confunde com autoritarismo, mas se coloca como uma figura que respeita e acolhe as opiniões dos(as) alunos(as), isso afeta não só as percepções sobre o ambiente escolar e seus atores, mas também os comportamentos entre os(as) alunos(as), que não precisam recorrer à violência para lidar com os conflitos.

Nessa mesma direção, estudos indicam que avaliações positivas do clima escolar por parte dos alunos estão associadas à prevenção da violência e uma das dimensões do clima escolar que pode estar relacionado a esse efeito é o estabelecimento de uma conexão com um adulto respeitoso e acolhedor (Cohen et al., 2009Cohen, J., McCabe, L., Michelli, N. M., & Pickeral, T. (2009). School climate: Research, policy, practice, & teacher education. Teachers College Record, 111(1), 180-213. https://doi.org/10.1177/016146810911100108
https://doi.org/10.1177/0161468109111001...
). A construção de uma relação de confiança com um(a) professor(a) depende do respeito mútuo, da previsibilidade das ações, do compartilhamento de valores e refletiria em um maior engajamento nas atividades e em uma maior cooperação com as normas propostas.

Por outro lado, assim como apontam Bueno e Santana (2011)Bueno, F. A., & Sant’ana, R. B. (2011). A experiência geracional na fala de alunos de escola pública: a questão da autoridade docente. Revista Brasileira de Estudos Pedagógicos, 92(231), 316-340. http://educa.fcc.org.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S2176-66812011000200007&lng=es&nrm=iso
http://educa.fcc.org.br/scielo.php?scrip...
, quando a autoridade docente é exercida em nome do poder de coerção, as negociações não são instituídas, “pois ganha força uma pedagogia autoritária que dá ordens, controla e submete” (2011, p. 335). Esse tipo de relação, por sua vez, pode fomentar um clima escolar antidemocrático e atitudes agressivas entre os(as) alunos(as).

Um dado que chamou a atenção foi que adolescentes do sexo masculino relataram praticar agressões relacionais em maior frequência, mas diferentemente do que se esperava, são os que também tendem a legitimar mais os(as) professores(as). Esse resultado, aparentemente contraditório, nos faz pensar que existem outros fatores que afetam a atribuição de legitimidade que essa pesquisa não conseguiu captar. Novas pesquisas seriam essenciais para investigar, por exemplo, as especificidades do contexto em que essas agressões ocorrem, ou o quanto a percepção de legitimidade se traduz de fato numa atitude cooperativa frente às autoridades.

Além disso, vale ressaltar que a análise em questão consiste em uma abordagem centrada na relação entre as variáveis e não em padrões que determinados subgrupos podem apresentar. Assim, não é possível identificar a partir desse tipo de análise se os adolescentes do sexo masculino que mais praticam agressão relacional são exatamente os mesmos que mais legitimam os(as) professores(as).

De toda forma, cabe destacar também que ainda há poucos estudos brasileiros que investigaram, a partir de uma perspectiva quantitativa e longitudinal, as complexas relações que constituem o universo escolar e impactam a percepção da autoridade dos(as) professores(as) e a vivência de vitimizações. Nesse sentido, as análises desenvolvidas neste estudo fortalecem a importância de pensar em estratégias dialógicas capazes de incluir as percepções dos(as) alunos(as) e desestimular atitudes violentas.

Considerações finais

Este estudo buscou analisar a relação entre diferentes vitimizações, clima escolar, legitimidade dos professores e a prática de agressões. Assim, demonstrou-se que as diferentes formas de violência na escola afetam negativamente o clima escolar e a legitimidade dos professores, mas outras variáveis podem ser importantes e devem ser exploradas em pesquisas futuras. Por exemplo, o quão clara são as regras da escola e as consequências de seu descumprimento não pôde ser explorado nesta pesquisa. Isso poderia mudar os resultados independentemente de as vitimizações estarem altas.

Considerando apenas as variáveis usadas neste estudo, para romper o ciclo de vitimização e violência seria necessário uma melhora do clima escolar e da legitimidade dos(as) professores(as) que se correlacionam positivamente entre si e contribuem na redução da prática de agressão relacional. Professores(as) vistos(as) como uma autoridade legítima conseguem estabelecer melhor as regras e garantir o seu cumprimento, o que, aliado a outros fatores como os(as) alunos(as) se sentirem respeitados(as) e encorajados(as) a dar suas opiniões, compõem um bom clima escolar. E isso reduziria a prática de agressões e, consequentemente, as vitimizações dentro da escola.

A violência entre alunos(as) não é uma consequência apenas do mau comportamento de alguns indivíduos, mas tem a ver também com a forma como as autoridades escolares lidam com essas ocorrências no dia a dia. A forma de exercitar a autoridade e de gerir os conflitos em sala de aula são elementos fundamentais para criar um ambiente escolar positivo e uma percepção de autoridade legítima que, a longo prazo, influenciam o comportamento dos(as) alunos(as) em sala de aula, reduzindo as violências entre pares.

De forma mais ampla, esses resultados também contribuem para pensar a formação de professores(as) e as políticas educacionais. Tratar a questão da violência escolar é urgente, pois sabemos que experiências de vitimização direta ou indireta comprometem não só o aprendizado, mas o desenvolvimento integral de crianças e adolescentes. E indo mais além, a construção de uma sociedade democrática passa por uma educação livre de violências. Assim, é fundamental compreender os fatores que impactam na reprodução de comportamentos agressivos e pensar em caminhos para evitá-los.

  • 2
    Normalização, preparação e revisão textual: Piero Younan Kanaan (Tikinet) revisao@tikinet.com.br
  • 3
    Apoio: Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo, (Grant/Award Number: '2013/07923-7')
  • 4
    Sobre autoridades em geral, ver Tyler & Trinkner, 2018Tyler, T. R., & Trinkner, R. (2018). Why children follow rules: Legal socialization and the development of legitimacy. Oxford University Press.; sobre legitimidade dos pais, ver Kuhn & Laird, 2011Kuhn, E., & Laird, R. (2011). Individual Differences in Early Adolescents’ Beliefs in the Legitimacy of Parental Authority. Developmental Psychology, 47, 1353-65. https://doi.org/10.1037/a0024050.
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    ; Thomas et al., 2020Thomas, K. J., Rodrigues, H., de Oliveira, R. T., & Magino, A. A. (2020) What Predicts Pre-adolescent Compliance with Family Rules? A Longitudinal Analysis of Parental Discipline, Procedural Justice, and Legitimacy Evaluations. Journal of Youth and Adolescence 49, 936-950. https://doi.org/10.1007/s10964-019-01158-0
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Editor responsável: Wivian Weller https://orcid.org/0000-0003-1450-2004

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2024
  • Data do Fascículo
    2024

Histórico

  • Recebido
    04 Abr 2022
  • Revisado
    19 Dez 2022
  • Aceito
    20 Jun 2023
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