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DOS PECADOS CAPITAIS AOS PECADOS DO CAPITAL

Enoque, Alessandro Gomes; Carrieri, Alexandre de Padua; Saraiva, Luiz Alex Silva. SETE PECADOS CAPITAIS NAS ORGANIZAÇÕES. Salvador, Brasil: EDUFBA, 2014. 236 paginas.

O livro Sete pecados capitais nas organizações traz uma releitura sobre os posicionamentos das organizações diante de seus funcionários e clientes por meio dos sete pecados capitais: a soberba, a avareza, a ira, a preguiça, a inveja, a gula e a luxúria. Os capítulos têm como autores sete pesquisadores de seis conceituadas instituições de ensino superior. A busca por mostrar outro lado das organizações, o do pecado, confronta uma visão habitual e limitada da administração, que, sem espaço para reflexão, é questionada nessa obra.

É por meio da exploração dos sete pecados capitais que os autores brincam com os pecados do capital. Entre as ideias apresentadas, busca-se uma reflexão que desconstrua as organizações como "empresas-mãe", sendo uma alternativa a ideia da "empresa-madrasta". Como apresentado no livro, "os pecados lá (organizações) existem porque constituem facetas do processo radical de desumanização dos homens e mulheres, de coisificação para que melhor possam servir ao capitalismo".

O capítulo "A soberba: da onipotência narcisista ao sofrimento da impotência" busca trazer a soberba e o narcisismo como características/posições dos indivíduos que são incentivadas pela organização. Centrando a soberba organizacional sob as bases da busca pela qualidade total e na ideia de ser o melhor profissional possível, chega-se a negar a existência da imperfeição humana. Ao adentrar as práticas cotidianas nas organizações, discute-se a soberba como "morte do desejo" e, para tanto, afirma-se que esta pode ser usada pelos indivíduos como meio de negar o sofrimento vivenciado nas organizações, trazendo a confrontação entre questões internas e externas do sujeito. Em contrapartida, o narcisismo, associado à soberba organizacional, pode ser tomado como uma defesa dos indivíduos para lidar com as frustrações impostas pelo trabalho.

No capítulo "Do Tio Patinhas à avareza no mundo organizacional contemporâneo", os autores fazem um resgate histórico sobre a usura em nossa sociedade, perpassando por Le Goff e a contestação religiosa. É por meio da usura – o usurário ganha dinheiro em cima de dinheiro (juros) sob um tempo que não é seu, é de Deus – que os autores chegam à avareza – centrada na acumulação de riquezas.

As duas histórias (Tio Patinhas e a moeda número 1 e a história de Graham Blake e a Terra Limpa S.A.) traduzem como, a qualquer custo, indivíduos e organizações buscam lucro e mais lucro. E é onde reside a chamada "contradição interna": o empregador obstina-se em desejar o lucro mais elevado, baixando ao máximo seus custos (como salários), enquanto o empregado se obstina em ganhar o salário mais elevado possível.

O capítulo "Um remédio para a ira: falar da dor, aliviar o peito, ancorar o coração" discute a ira como sentimento a ser explorado cotidianamente pelas organizações, desde que os indivíduos a direcionem na busca por resultados melhores. Relaciona-se a ira com pequenas mortes: é tida como sentimentos velados em momentos de mudança, surtindo ao indivíduo como pequenas mortes simbólicas cotidianas. Dessa forma, ainda que os indivíduos consigam controlar a ira, não significa que esta foi extinta, mas pode se manifestar de outras formas. Aos olhos da organização, o luto não deve ser mantido, e a ira causada aos indivíduos deve ser convertida em trabalho e melhorias organizacionais, pois, sendo ela geradora de reações fisiológicas, pode incitar o indivíduo a ações como golpes ao inimigo, à organização.

No capítulo "Preguiça: do pecado à virtude", faz-se uma análise sobre em que contexto surge a preguiça como pecado, trata-se da preguiça sob diversas óticas, trazendo, inclusive, uma releitura da preguiça por parte das organizações: pecaminosa ou virtuosa? Busca-se trabalhar as dicotomias, relacionando-as: o ócio e o tempo produtivo com a falta de capricho e a busca pela qualidade; respectivamente. Tais relações dão respaldo ao argumento de que o capitalismo ressignificou a noção de trabalho, garantindo não apenas o sustento, mas buscando a acumulação. Dessa forma, imprime-se a ideia de que quanto mais atarefado e ocupado, maior será o status social e o valor alcançado pelo indivíduo, acabando por combater as formas de preguiça, sendo, para além da religião, um verdadeiro pecado no ambiente organizacional.

O capítulo "A inveja: uma força propulsora para a criatividade e a mudança?" traz a inveja como algo incentivado pelas organizações na busca de melhores resultados. É por meio da competição e da valorização dos bons funcionários que é possível instigar os demais a um nível de produtividade maior. A autora discute que a inveja pode ativar aspectos psicológicos muito mais ligados à destruição do que à criação. Ao incitar a inveja e buscar a "boa competitividade", as organizações podem acabar caindo na "má competição", podendo resultar em baixo rendimento humano, desvalorização de talentos e habilidades.

No capítulo "O pecado da gula: o capital e a (di) gestão do indivíduo", discute-se a perspectiva do cliente, como as organizações o impulsionam ao consumo desenfreado, e o incentivo à gula do trabalho – por meio da mudança nas relações trabalhistas. São diversos os discursos construídos para que a gula por produtos (e aumento da produção) seja crescente. A insatisfação do sujeito contemporâneo torna-se a raiz para o pecado da gula, um sentimento de angústia e certo vazio, que, por meio do consumo desenfreado, busca o possuir, o deter de si. E, se há um incentivo à gula por produtos, é preciso também que a produção aumente para atender essa demanda. A gula, então, é incentivada pelos dois lados, e a cobrança por metas, a busca de melhores resultados e uma formação pro-fissional crescente são reflexos dessas mudanças nas relações trabalhistas. É uma mudança no contrato psicológico do trabalho que transforma o social em individual e o coletivo em individualismo.

O último capítulo, "Uma aventura de luxúria", apresenta a luxúria nas organizações como um pecado ligado à sexualidade e outras manifestações possíveis. É interessante a desvinculação feita entre os prazeres sexuais e os atos sexuais. Ao discuti-los, busca-se adentrar as oito "filhas" do pecado luxúria, vinculadas à deficiência de vontades e de razão. A luxúria é percebida como transgressora, do indíviduo em relação a si mesmo e em relação ao grupo social em que se in-sere; representativa da essência da alma do homem, é caracterizada pelo descumprimento, rebeldia, desobediência. A partir dessa discussão, os autores bus-cam explorar a relação razão-luxúria e o quão a primeira tem o poder de controlar a segunda. É a partir dessa relação que é possível trazer o indivíduo a si (sob uma perspectiva racional) dentro das organizações.

Sintetizando, o livro busca refletir sobre como as organizações se portam ao buscar atingir seus objetivos, ainda que desconsiderem o fator humano dos seus funcionários e pequem das mais diversas formas. É por meio do pecado contra a organização que os indivíduos se fazem humanos e é por meio dos pecados da organização que os indivíduos se tornam objetos. No entanto, os autores pecam também ao fazerem uma leitura das práticas de resistência como pecado – trabalhadores pecadores em busca do céu (em um sentido de alívio, de conforto). Se o termo pecado é usado como forma de controle e direcionamento comportamental por religiões, a ideia de usar tal metáfora acaba por aliar a crítica contra as organizações, que os autores se propõem, com parte dos argumentos defendidos.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    Sep-Oct 2015
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