Open-access A historiografia das produções em periódicos de Sadao Omote

Historiography of production in periodicals by Sadao Omote

Resumos

buscamos através deste texto materializar o percurso histórico trilhado pelos artigos em periódicos de Sadao Omote ao longo de suas três décadas de produção acadêmico - científica. Para tanto, recorremos ao currículo Lattes do referido autor e listamos todos seus artigos (41) incorporados na referida plataforma. Após este breve caminho exploratório, realizamos uma árida busca pela totalidade destes textos, apenas consubstanciada com a ajuda do próprio autor, o qual nos disponibilizou os textos faltantes. Feito isto, lemos minuciosamente cada artigo três vezes, extraindo deles os principais conceitos referentes à Educação Especial como campo de conhecimento. A intersecção destes elementos corporifica-se na presente análise, dividida em três partes, a saber: a) conceitos basilares trabalhados por Omote no campo da Educação Especial; b) idéias e apontamentos sobre o fenômeno da inclusão, dirigindo especial ênfase aos aspectos relacionados ao ambiente escolar, e; c) principais referências e temas retratados pelo referido autor; cuja concretude objetiva destacar criticamente os principais apontamentos de Sadao Omote referente à Educação Especial, nosso campo de estudo, e possíveis caminhos dialéticos à edificação de um sistema educacional que seja radical na qualidade de ensino por ele ministrada.

historiografia; educação especial; inclusão social


in this text we attempted to track the historical course in the production of articles by Sadao Omote over the three decades of his academic production. We referred to his Vitae registered on the Lattes platform, where he listed all of his published articles (41). After this exploratory overview, we performed a search that enabled us to find all of his texts, which we were able to achieve with the author's help, as he provided us with the missing texts. The next stage required us to carefully read each article three times, extracting the main concepts related to Special Education as a field of knowledge. The intersection of these elements constitutes the basis of this analysis, divided into three parts, namely: a) basic concepts Omote worked on in the field of Special Education; b) ideas and notes on the inclusion paradigm, with special attention given to aspects relating to the school environment, and; c) main references and themes discussed by the author. Our objective was to critically highlight the main issues Sadao Omote has worked on in the field of Special Education, with possibilities for a dialectical construction of an educational system that stands for quality in teaching, as he has advocated.

Historiography; Special Education; Social Inclusion


RELATO DE PESQUISA

A historiografia das produções em periódicos de Sadao Omote

Historiography of production in periodicals by Sadao Omote

Gustavo Martins PiccoloI; Saulo Fantato MoscardiniII; Vanderlei Balbino da CostaIII

IDoutorando em Educação Especial e mestre em Educação pela UFSCar - gupiccolo@yahoo.com.br

IIMestrando em Educação Escolar pela Unesp-Araraquara. s_moscardini@yahoo.com.br

IIIDoutorando em Educação Especial e mestre em Educação pela UFSCar. vanderleibalbino@gmail.com

RESUMO

buscamos através deste texto materializar o percurso histórico trilhado pelos artigos em periódicos de Sadao Omote ao longo de suas três décadas de produção acadêmico - científica. Para tanto, recorremos ao currículo Lattes do referido autor e listamos todos seus artigos (41) incorporados na referida plataforma. Após este breve caminho exploratório, realizamos uma árida busca pela totalidade destes textos, apenas consubstanciada com a ajuda do próprio autor, o qual nos disponibilizou os textos faltantes. Feito isto, lemos minuciosamente cada artigo três vezes, extraindo deles os principais conceitos referentes à Educação Especial como campo de conhecimento. A intersecção destes elementos corporifica-se na presente análise, dividida em três partes, a saber: a) conceitos basilares trabalhados por Omote no campo da Educação Especial; b) idéias e apontamentos sobre o fenômeno da inclusão, dirigindo especial ênfase aos aspectos relacionados ao ambiente escolar, e; c) principais referências e temas retratados pelo referido autor; cuja concretude objetiva destacar criticamente os principais apontamentos de Sadao Omote referente à Educação Especial, nosso campo de estudo, e possíveis caminhos dialéticos à edificação de um sistema educacional que seja radical na qualidade de ensino por ele ministrada.

Palavras-chave: historiografia; educação especial; inclusão social.

ABSTRACT

in this text we attempted to track the historical course in the production of articles by Sadao Omote over the three decades of his academic production. We referred to his Vitae registered on the Lattes platform, where he listed all of his published articles (41). After this exploratory overview, we performed a search that enabled us to find all of his texts, which we were able to achieve with the author's help, as he provided us with the missing texts. The next stage required us to carefully read each article three times, extracting the main concepts related to Special Education as a field of knowledge. The intersection of these elements constitutes the basis of this analysis, divided into three parts, namely: a) basic concepts Omote worked on in the field of Special Education; b) ideas and notes on the inclusion paradigm, with special attention given to aspects relating to the school environment, and; c) main references and themes discussed by the author. Our objective was to critically highlight the main issues Sadao Omote has worked on in the field of Special Education, with possibilities for a dialectical construction of an educational system that stands for quality in teaching, as he has advocated.

Keywords: Historiography; Special Education; Social Inclusion.

INTRODUÇÃO

Uma revisão de literatura pode abranger uma gama de elementos que vão desde idéias, conceitos, concepções, épocas históricas e, até a vida propriamente dita de quem se quer abordar. O presente trabalho intenta compilar todos estes fatores anteriormente citados acerca das produções em periódicos de Sadao Omote, importante pensador do campo da Educação Especial e cuja voz analítica se faz presente com certa constância na Revista Brasileira de Educação Especial.

Almejamos com este texto materializar um panorama geral da produção em periódicos de Sadao Omote, facilitando, porventura, a compreensão de suas idéias e métodos, além de trazer à baila as principais referências de seu corpo analítico e epistemológico.

Para tanto, recorremos ao currículo Lattes do referido autor e listamos todos seus artigos (41) incorporados na referida plataforma até o dia 08/07/2009. Após este breve caminho exploratório, realizamos uma árida busca pela totalidade destes textos, apenas consubstanciada com a ajuda do próprio autor, o qual nos disponibilizou os textos faltantes. Feito isto, lemos minuciosamente cada artigo três vezes em sua respectiva ordem cronológica, extraindo deles os principais conceitos referentes à Educação Especial e as bases teóricas mais utilizadas. Em vista disso e após o escrutínio dos textos, dividimos o presente artigo em três partes, a saber: a) conceitos basilares trabalhados por Omote no campo da Educação Especial; b) idéias e apontamentos sobre o fenômeno da inclusão, dirigindo especial ênfase aos aspectos relacionados ao ambiente escolar, e; c) principais referências e temas destacados pelo referido autor.

DESENVOLVIMENTO

a) Conceitos basilares trabalhados por Omote no campo da Educação Especial

Certamente a idéia que mais eco ressoa dos escritos de Omote deriva de sua concepção social da deficiência, cujo princípio ontológico apenas pode ser compreendido em sua totalidade posteriormente a um estudo analítico do próprio ser humano. Para Omote (1993a, 1996a, 2006a) inexiste qualquer possibilidade de apreensão gnosiológica do ser humano desconsiderando o caráter construtivo de suas diferenças. Estas diferenças se edificam tanto ao nível biológico da variabilidade intraespécies, como também da variabilidade interespécies, sendo as primeiras mais salientes que as segundas, pelo menos de um ponto de vista fenotípico e genotípico. Todo e qualquer animal possui seu próprio patrimônio genético que estabelece os limites de sua intervenção em relação à natureza.

Com base neste patrimônio genético, cada representante de determinada espécie se desenvolve a partir das relações que mantém com seu ambiente externo, as quais são assimiladas de distintas maneiras por cada ser vivo em particular, logo, mesmo os indivíduos pertencentes à mesma espécie guardam entre si profundas diferenças, sendo que, nas palavras de Omote (2006a, p.252), "[...] quanto mais alta é a posição ocupada por uma espécie na escala filogenética de desenvolvimento, tanto mais podem ampliar-se as possibilidades de variabilidade intra-específica".

Seguindo esta lógica indutiva, e um tanto quanto dedutiva, fica nítido em nossas retinas que nos seres humanos as diferenças se apresentam maximizadas, seja em termos quantitativos ou qualitativos, em relação a qualquer outro ser vivo considerado em especial. Não bastasse isso, no caso humano, além das diferenças biológicas sobejamente conhecidas, outras são edificadas quando nossa linha de desenvolvimento enfatiza os condicionantes socioculturais sobre os biológicos.

Desde então, não apenas nos adaptamos a natureza, posto termos adquirido a faculdade de explorá-la teleologicamente, imprimindo nossa vontade sobre a conformação natural. Neste contexto, o homem passa a ser tanto produto como produtor da natureza, e suas diferenças, ao invés de trilharem uma rota normativa, se complexificam na dialética relação entre o natural e o cultural, por isso, para Omote (2006a, p.253) "o homem é naturalmente cultural e culturalmente biológico."

Baseado neste raciocínio, Omote (2006a) destaca que as diferenças se distribuem de maneira complexa no homem, pois além daquelas existentes no plano intraespecífico das espécies, é impossível relegar a segundo plano as diferenças relacionadas a raça, sexo, idade, cultura, classe social, religião, nível de escolaridade e, inclusive as condições geográficas do ambiente imediato.

A imensa maioria destas diferenças acaba por ser interpretada dentro dos padrões de normalidade estabelecidos pela sociedade da qual faz parte. Todavia, algumas diferenças, em situações específicas, recebem significados de descrédito e desvantagem social, não podendo mais ser interpretadas como variantes da norma, posto engendradas por realidades sociais altamente desvantajosas e/ou outras de condições constitucionais como anomalias genéticas, patologias congênitas e adquiridas, traumatismos e enfermidades, etc. "[...] É a esse tipo de diferenças que nos referimos quando falamos em deficiências." (OMOTE, 1993b, p.148).

A utilização do termo deficiência não deve, de acordo com Omote (2004b), ser confundida com a etimologia empregada para assinalar um distanciamento matemático em relação a um valor considerado normal ou médio, pois, em sentido estatístico, o gênio é tão ou mais desviante que o deficiente mental. O desvio materializado pela deficiência carrega de forma implícita uma situação de desvantagem e de prejuízo no que tange a realização de uma dada tarefa.

Para Omote (1993a, p.3), é evidente que existe uma expressiva diferença no comportamento ou no organismo da pessoa identificada como deficiente, porém, essa diferença pode ser tanto a causa como a conseqüência do "processo de identificação, reconhecimento e tratamento daquela pessoa como deficiente." Nesta lógica conceitual, a referida diferença expressiva só adquire sentido de deficiência pelo fato de a sociedade valorizar determinada qualidade que nela está prejudicada, pois nenhuma diferença é vantajosa ou desvantajosa em si mesma, mas, apenas dentro de um contexto arquitetado pela própria estruturação sociocultural no qual estamos circunscritos.

Devido a estes fatores, de acordo com Omote (1996b), mais do que as diferenças biológicas, desde que estas não sejam negadas, são as distintas formas de apropriação e fruição sociocultural as responsáveis pela maximização da extensão das diferenças envolvendo os seres humanos. Neste verdadeiro universo ontológico, algumas diferenças, ao contrário do que postulam teorias pós-modernas, multiculturais ou adeptas do princípio da inclusão "radical", não produzem quaisquer vantagens sociais, culturais ou funcionais, seja para seus portadores ou para aqueles que mantêm contatos dialógicos com eles, pois são diferenças incapacitantes. Essas diferenças limitam acentuadamente a prática de diversas atividades cotidianas, não sendo, para Omote (2006a, p.255), variações do padrão de normalidade, já que:

Ser diferente pela posse dessas condições não pode ser tratado como normal, sob pena de não se combaterem os determinantes dessas condições. Ainda que (ou justamente porque) a presença de inúmeras patologias incapacitantes faça parte da vida normal de uma coletividade, todos os esforços devem ser envidados para reduzir a sua ocorrência ou, na sua impossibilidade, minimizar os seus efeitos deletérios.

Com base nestes pressupostos, Omote (1996f) enfatiza que nem todas as diferenças presentes na retórica da inclusão (pois se trata mais de um discurso do que de uma prática) são necessariamente benéficas a todos os indivíduos envolvidos em um contexto histórico determinado, já que algumas delas limitam sobremaneira qualquer possibilidade de contato e desenvolvimento dialógico. Todavia, estas se configuram como uma parcela ínfima das diferenças que acarretam cuidados segregados, mas não segregativos, em relação à forma como é estruturado o meio social e a audiência dele resultante. Destarte, no mais das vezes, as deficiências, apesar dos obstáculos e possíveis impedimentos, não inviabilizam a participação das pessoas que as apresentem na produção e reprodução cultural da própria humanidade em questão, mesmo porque, para Omote (1986, 1988, 1990a, 1991a, 1995a, 1996b, 2006a), a maioria delas é construída socialmente.

Não existe deficiência por si só como característica ou qualidade endógeno-orgânica referente à determinada pessoa. Omote (1997, 1990a) ressalta que a deficiência apenas se materializa como tal mediante critérios adotados socialmente, critérios estes estruturados a partir do próprio meio social, das exigências estabelecidas pelas atividades cotidianas e pela forma com que os outros (audiência) interpretam e se relacionam com o referido desvio. Logo, os discursos sobre as deficiências não traduzem necessariamente suas características peculiares, mas, sim, interpretações dessas características, coerentemente, a deficiência trata-se de uma questão antes política, que médica, psicológica ou educacional.

Aqui, a definição de deficiência perde seu caráter universal e passa a ser conceituada de forma contingencial, na medida em que alguém só é tido por deficiente em determinado contexto temporal, espacial e atitudinal (OMOTE, 1996a). Isto posto, nas palavras de Omote (1994a, p.69):

[...] A deficiência e a não-deficiência fazem parte do mesmo quadro; fazem parte do mesmo tecido-padrão. As pessoas deficientes, mesmo que sejam portadoras de alguma incapacidade objetivamente definida e constatável, não constituem exceções da normalidade, mas fazem parte integrante e indissociável da sociedade.

Convém ressaltar que com esta assertiva, Omote (1994a; 1995a) não minimiza ou descarta os efeitos produzidos pela deficiência nas possibilidades de inserção social e na própria construção do psiquismo dos sujeitos que as possuem. Muito pelo contrário, pois a idéia do autor é exatamente a de complexificar criteriosamente a constituição da deficiência, cujo conceito necessita levar em conta uma gama de fenômenos, tais como os de natureza anatomofisiológicas, somatopsicológicas e psicossociais, resultantes da relação trifásica entre sujeitos/meio social/audiência.

Isto por que, enquanto para alguns o redirecionamento do entendimento do conceito de deficiência não produz quaisquer transformações na vida cotidiana das pessoas em situação de deficiência, para Omote (2003), novos conceitos podem resultar em novas perspectivas de investigação científica e engendrar debates acadêmicos inéditos no seio da sociedade, além é claro de possibilitar uma gama de serviços mais democráticos e fraternos que os anteriormente propostos ou estabelecidos. Uma amostra da veracidade de tal apontamento pode ser percebida na transformação do tratamento destinado aos deficientes a partir do paradigma da inclusão, cujo foco está centrado em uma concepção social da deficiência.

Somente posteriormente a este acontecimento, o campo de estudo sobre as deficiências passa a ser norteado por outras correntes teóricas que não aquelas oriundas das ciências naturais, possibilitando-nos a visualização da deficiência não apenas como uma característica pertencente ao indivíduo, mas, sim, como um complexo constituído pelo sujeito, meio social e audiência.

Como consequência lógica, os serviços que atendem as pessoas com deficiência também sofreram alterações significativas, uma vez que foram obrigados a se transformar com vistas a fornecerem as máximas possibilidades de desenvolvimento a estes indivíduos. Além disso, novos locais, antes restritos, são abertos às pessoas com deficiências posteriormente ao acirrado debate promovido pelos postulados da inclusão, dentre os quais, podem ser citados o mercado de trabalho, as escolas e salas de aula regulares, os espaços esportivos, etc.

Destarte, não podemos entender a reflexão analítica sobre a construção social da deficiência como a socialização organicista desse fenômeno. Entender a deficiência como social não pode implicar na subestimação dos componentes biológicos presentes na arquitetura da deficiência. Talvez, embora não dito, os autores que interpretam a deficiência como um fenômeno socialmente construído, tais como Omote (1986, 1988, 1990, 1991, 1995a, 1996b, 2004, 2006) e Goffman (1980), entre outros, objetivaram materializar a difundida tese de Lênin sobre a curvatura da vara (1979), que estabelece que em determinadas situações históricas altamente alienantes (e acreditamos que a visualização da deficiência na sociedade seja uma delas), não basta apenas recolocar as relações componentes de determinado fenômeno sob parâmetros equitativos.

Às vezes, de acordo com Lênin (1979), é importante analiticamente extrapolar o fenômeno para o outro lado, curvar a vara, intuindo que após esse movimento elíptico possamos finalmente compreender sua gênese e desenvolvimento. Logo, a interpretação da deficiência como um fenômeno socialmente construído deve ser interpretada não no sentido de obnubilar os componentes biológicos de sua constituição, mas, sim, como uma tentativa de re/configurar uma relação historicamente enviesada pelo prisma biologicista e cartesiano.

Voltando ao escopo analítico do trabalho, destacamos ser em função do caráter intrincado assumido pela deficiência na sociedade que comportamentos idênticos podem ser cotejados por interpretações essencialmente díspares em contextos históricos desiguais. Logo, nem todas as características conceituadas como deficiências em certo contexto se estendem para outras realidades, posto que as mesmas não representem qualquer significado de desvantagem social. Contudo, estas colocações não minimizam o combate as condições que direcionam as pessoas a funcionarem de forma precária, como as profundas desigualdades sociais e a necessidade de prevenção de algumas moléstias, aliás, tal combate torna-se ainda mais acirrado quando as deficiências são encaradas como constructos sociais, pois como ressalta Omote (2006a, p.266), "uma sólida proposta de inclusão, em todas as instâncias da vida coletiva, precisa buscar um esforço solidário entre o combate às mais variadas condições incapacitantes e o tratamento cidadão de todas as pessoas acometidas por tais condições."

Exatamente nesse sentido, Omote (1999b), sublinha o conceito de inclusão como sendo um campo profícuo ao entendimento e ao trabalho com as múltiplas diferenças e também com as deficiências, na medida em que redireciona o foco de atenção do indivíduo para o meio, sendo que o pano de fundo desta questão é estabelecido pela assunção dessa nova concepção de deficiência, a saber, a construção social da deficiência, a qual, sem ignorar as condições biológicas incapacitadoras, coloca a ênfase na significação imposta ao conceito de deficiência pela sociedade.

b) Idéias e apontamentos sobre o fenômeno da inclusão

Não restam dúvidas de que o imperativo de uma sociedade em ser inclusiva justifica-se não só pela heterogeneidade em sua constituição, mas fundamentalmente pela heterogênea e desigual distribuição de recursos, riquezas e possibilidades de fruição cultural aos mais diversos seres humanos (OMOTE, 2006a). Por isso, a inclusão, mais do que uma filosofia, é um imperativo ético e moral do qual não podemos nos imiscuir. Direcionando nosso foco de análise para as questões relacionadas direta ou indiretamente ao aparato escolar, percebemos que os defensores da inclusão de alunos com deficiência na rede regular de ensino justificam sua posição enfatizando os inúmeros ganhos obtidos com tal processo para todos os envolvidos nas relações de ensino-aprendizagem.

Estes benefícios iriam além daqueles advindos da aprendizagem escolar, englobando também o desenvolvimento de atitudes favoráveis para com os deficientes, propiciando a edificação de uma postura crítica às manifestações preconceituosas e discriminatórias. Logo, o conceito de inclusão carrega organicamente a necessidade de uma profícua alteração por toda a sociedade em relação à forma como ela vê e interpreta a deficiência (OMOTE, 2005a). Na esteira crítica deste processo, Omote (2006a, p.258), destaca que:

[...] Muitos portadores dessas condições (deficiências) que, no passado recente, eram escolarizados em ambientes educacionais restritivos como classes e escolas especiais, podem e devem ser educados em classes de ensino comum, em conjunto com colegas não deficientes. Com diferentes graus de adaptações nos recursos de ensino, avaliações e objetivos, certamente a maior parte de crianças com deficiência visual, auditiva e física, assim como uma parcela de deficientes mentais, outrora referidos por educáveis, e até parte dos chamados treináveis, como os portadores da síndrome de Down, pode ser escolarizada em classes de ensino comum.

Todavia, como todo processo dialético, a inclusão (mesmo considerando-a como um discurso) propalada pela Declaração de Salamanca, firmada em 1994, além de aspectos positivos também trouxe mazelas que precisam ser debatidas de maneira urgente. Uma delas reside na substituição do termo deficiente por pessoas com necessidades especiais, cuja materialidade, além de não exercer quaisquer efeitos palpáveis sobre a prática da rotulação, ainda obnubila as especificidades que as pessoas com deficiência possuem em relação ao restante da população. É neste sentido que Omote (2004b) sobreleva a importância do estigma nas sociedades atuais.

Outra consequência negativa, causada por uma interpretação radicalista (não utilizamos radical, pois etimologicamente designa aquilo que vai a raiz) e simplificada da inclusão, diz respeito à eliminação dos serviços especializados ao tratamento das deficiências em detrimento de atendimentos, a priori, capazes de educar a todos. Assim, sob a suposta justificativa de os serviços especializados maximizarem a criação de estigmas sobre seus usuários e aumentarem sua condição de especial, na medida em que o encaminhamento às classes especiais se dava como um processo paralelo e sem relação com o que era realizado nas classes regulares, sugere-se, do dia para a noite, o fechamento destes atendimentos, desconsiderando-se, por conseguinte, de acordo com Omote (2004b), a extensão em que determinada condição incapacitadora limita o funcionamento de uma pessoa e denota a necessidade de recursos.

A inclusão não pode invalidar a existência de um serviço segregado necessário para sua população sob qualquer argumento democrático, todavia, deve estabelecer parâmetros para que o envio a este serviço se dê a partir de evidências cientificamente fiáveis, permitindo o máximo desenvolvimento de seus usuários, mesmo porque, como apontam Araújo e Omote (2005b, p.245):

A existência de atendimento em separado, parcial ou totalmente, não configura necessariamente a construção de um mundo à parte para os seus usuários. Mais ainda, graças ao atendimento de uma necessidade específica e especial, proporcionado pela existência de serviço especializado e segregado, os seus usuários podem fazer-se presentes em diferentes cenários da vida coletiva, contribuindo para a existência efetiva da variação. O que deve ser questionado é o tratamento diferenciado de deficientes, baseado na categoria à qual pertencem e nos estereótipos a ela associados. A prescrição de qualquer serviço especial deve ocorrer em função de necessidades específicas de cada indivíduo, mediante a correta avaliação das possibilidades de utilização de serviços comuns ou especiais. É a prescrição categorial, tão freqüente e naturalmente praticada até um passado recente, que deve ser evitada.

Portanto, a criação de serviços especiais, ao invés de atravancar o processo de inclusão, significa uma importante extensão no acesso à escola por crianças com deficiência, na medida em que permitem trazer para seu interior alunos que historicamente estiveram excluídos do ambiente escolar por apresentarem determinada deficiência. Assim, seu suposto caráter segregativo deve ser criticamente repensado, pois, nas palavras de Omote (1999b, p.8):

[...] os recursos de Educação Especial têm sido criticados como segregativos porque têm sido utilizados como um freio para o percurso do deficiente em direção à integração. Se alunos que poderiam estar em classe de ensino regular são mantidos em classes especiais e se crianças deficientes que poderiam receber educação escolar em classes especiais da rede regular de ensino são mantidas em escolas especiais, então, de fato, esses recursos de Educação Especial cumprem a função segregativa. Entretanto, pode-se conferir-lhes função integradora. Isso pode ocorrer, se crianças deficientes confinadas em casa forem atendidas em escolas especiais, se crianças mantidas em escolas especiais e que apresentam condições de alfabetização forem encaminhadas a classes especiais da rede e se alunos mantidos em classes especiais forem encaminhados a classes comuns, na medida em que apresentem condições para isso. Naturalmente, um recurso que cumpre a função integradora precisa buscar adequação às condições e necessidades do usuário que pretende integrar, sem que, com isso, descaracterize o serviço e seus objetivos. Deve ficar claro que o caráter segregativo ou integrador depende fundamentalmente do modo como o recurso é utilizado.

Deste modo, o importante a frisar é que, independentemente do grau de comprometimento, as pessoas com deficiência devem ter acesso aos serviços de máxima qualidade possível, seja ele segregado ou não. Logo, nas palavras de Omote (2006a, p.260), "radical e total deve ser a provisão de serviços para o atendimento das mais variadas necessidades de toda a população". Desta feita,

Não seria, nessa perspectiva, aceitável a possibilidade de algum deficiente não receber serviço de qualidade por considerar-se imprescindível o seu atendimento junto com outros usuários, em espaço comum, em nome da inclusão. É essa ampla variação ambiental que otimiza as condições evolucionárias capazes de dar as melhores (não necessariamente iguais) oportunidades àqueles que, se mantidos no atendimento comum destinado a todos os usuários sob a expectativa da igualdade, seriam excluídos da participação nessa história. É a inclusão praticada radical e rigorosamente (ARAÚJO; OMOTE, 2005b, p.245)

Seguindo semelhante lógica e contestando alguns postulados colocados por defensores de um modelo de inclusão radicalista, Omote (1999b, p.10) enfatiza que nunca é demais lembrar que os benefícios da inclusão precisam ser para todos os alunos. Nesta perspectiva, a colocação de alunos com elevado grau de deficiência em salas regulares sem o mínimo preparo para seu atendimento pode gerar uma desigualdade ainda maior do que do que aquela presenciada cotidianamente, além disso, "pode prejudicar o rendimento da classe toda, acabando por nivelar por baixo o desempenho dos alunos deficientes e não deficientes". Extrapolando as considerações para além das pessoas com deficiência, Omote (2006a, p.260-261) destaca que:

O grande desafio da inclusão, por ora, certamente não é atender deficientes com tal grau de comprometimento, mas prover ensino de qualidade a todas as crianças e jovens que apresentam variações nas suas características lingüísticas, culturais, sociais, étnicas, de afiliações grupais e outras diferenças perversamente impostas por uma grande desigualdade social. As oportunidades de acesso precisam ser asseguradas a todas essas crianças e jovens. [...] A enormidade do desafio dessa tarefa parece um tanto ofuscada na medida em que se destaca, no discurso da inclusão, o desafio de prover educação de qualidade a deficientes em conjunto com seus pares não deficientes, mediante as necessárias adaptações nas condições de infra-estrutura física da escola - incluindo a arquitetura do edifício escolar, o acervo de biblioteca e de laboratórios, os recursos pedagógicos, o mobiliário e outros materiais e equipamentos - bem como nos aspectos didático-pedagógicos - incluindo aí as adaptações nas estratégias de ensino e atividades de aprendizagem, na avaliação e eventualmente até em alguns dos objetivos educacionais. A espetaculosidade das adaptações arquitetônicas e do uso de equipamentos, mobiliário e recursos pedagógicos é de alta visibilidade, maior que o esforço empreendido pelo professor no uso das diferentes estratégias de ensino, em busca de atendimento às necessidades e diferenças menos evidentes de seus alunos carentes de experiências, vivências e oportunidades essenciais para o seu desenvolvimento pleno. Com isso, a discussão atual da inclusão pode estar tirando de foco a crônica dificuldade da educação brasileira de prover ensino de qualidade a crianças e jovens provenientes de camadas pauperizadas da população.

Coerentemente, Omote (1999b) destaca que os postulados colocados pelo princípio de inclusão não podem ser de tal monta que eliminem os problemas anteriores enfrentados pelo nosso sistema educacional, aliás, não devem sequer remover alguns profícuos apontamentos contidos nas idéias originas de integração e normalização como se fossem uma coisa do passado, pois:

O esforço feito tanto pelo deficiente quanto pelas pessoas com as quais convive, para que a pessoa deficiente consiga levar um modo de vida o mais próximo possível do de pessoas comuns, continua a ser um princípio norteador importante. Do mesmo modo, é também importante a orientação assumida no sentido de capacitar o deficiente a atender às demandas do meio para que consiga fazer parte dele de modo competente. Talvez, um grave erro cometido no passado fosse a visão enviesada que resultou em ações unilaterais nas quais o esforço feito para alcançar a integração no meio social cabia às pessoas deficientes. Talvez, os princípios que fundamentam a inclusão sejam aceitos tão prontamente e com tanto entusiasmo por tanta gente, em parte, para reparar esse grave erro do passado. Corre-se o risco, entretanto, de substituir aquele erro por um outro equívoco, na extensão em que a ênfase na necessidade de a escola buscar de todas as maneiras possíveis a adequação às necessidades de cada aluno pode levar-nos a ignorar a necessidade de que cada indivíduo se sujeite às normas da coletividade e aprenda a fazer uso dos recursos disponíveis destinados às pessoas em geral, sempre que houver condições para desenvolver essas competências. (OMOTE, 2006a, p. 264-265).

Para Omote et al (2005d), outro dos equívocos contido em uma concepção radicalista de inclusão reside na pressuposição de que não seria mais necessária a formação especializada de professores de Educação Especial, na medida em que a ênfase deveria estar dirigida a um processo de formação generalista. O raciocínio contido nesta assertiva carrega implicitamente duas importantes posições sectárias defendidas pela inclusão radicalista, quais sejam: a de que o processo de formação generalista se contrapõe à formação do especialista, e, a de que o professor generalista pode atender a toda diversidade presente nas salas de aula, inclusive aquelas derivadas de um alto grau de comprometimento funcional. Comentando sobre a suposta contradição existente entre professor generalista e especialista, Omote (2003, p.30-31-32) destaca que:

[...] tanto os professores do ensino comum precisam especializar-se para atender aos deficientes com suas peculiaridades, em suas classes, quanto os de Educação Especial precisam ampliar suas perspectivas, tradicionalmente centradas nessas peculiaridades. Os deficientes possuem características peculiares que precisam ser conhecidas pelos professores de ensino comum. E os professores de Educação Especial não podem continuar com a sua atenção centrada nessas características, sob pena de transformar o atendimento especializado em um meio de promoção da segregação de seus usuários. [...] Ainda que possa parecer paradoxal, diante do discurso corrente da inclusão, acreditamos necessitar de tanto mais profissionais altamente especializados em recursos, métodos e técnicas específicos quanto mais se pretende ampliar as oportunidades de acesso, participação e realização de um número crescente de deficientes, independentemente da natureza e do grau de comprometimento.

A longa citação justifica-se pelo conteúdo e por delinear de maneira precisa a suposta contradição entre o professor generalista e o especialista. Parece até engraçado, mais constatamos que o discurso mais acalorado sobre a inclusão simplesmente despreza as possibilidades de diálogo entre profissionais com diferentes formações. Se a inclusão começa efetivamente pelo diálogo, fica claro que o caminho radicalista não aparenta se constituir como uma boa solução. Este diálogo deve ser promovido não apenas entre os mais diferentes professores, alunos e comunidade escolar, mas também entre o sistema de ensino regular e especial, na medida em que estes não são serviços paralelos, mas umbilicalmente ligados, ou melhor, deveriam ser (OMOTE, 1995c).

A tessitura destes apontamentos traz à tona a necessidade premente de investigarmos mais detidamente os desdobramentos engendrados pelo fenômeno da inclusão, cujas consequências derivam-se tanto para as pessoas em situação de deficiência como para aquelas tidas por normais. Claro está que esta é uma tarefa praticamente embrionária se considerarmos a prematuridade das discussões acerca da inclusão escolar, porém, sua colocação analítica perfaz um bom caminho para pensarmos epistemologicamente o campo da Educação Especial como fenômeno em si e, principalmente, direcionarmos nossas ações para que as pessoas em situação de deficiência possam se apropriar e objetivar-se nas múltiplas produções culturais do gênero humano.

Esse é nosso grande desafio acadêmico e prático, por isso, a profunda importância em refletirmos sobre alguns conceitos basilares ao campo de nosso estudo, pois se é fato que as palavras e conceitos por si só não transformam a realidade, como bem pontua Marx (1996), também o é que elas exercem certo efeito transcendente na configuração das mais distintas práticas sociais, as quais podem se valer de pressupostos mais democráticos e fraternos (nossa expectativa), ou de elementos competitivistas e segregacionistas, tão em voga em um sistema social historicamente classista e hierárquico. Passemos agora a destacar um panorama geral dos temas e autores trabalhados por Sadao Omote.

c) Principais referências e temas destacados por Omote

Realizar uma análise historiográfica da produção de qualquer autor influente em determinada área acadêmica envolve certamente um mínimo trabalho estatístico demonstrando as peculiaridades características do processo de produção intelectual do referido autor. É exatamente isto que pretendemos fazer neste momento. Comecemos pelos principais temas trabalhados por Omote ao longo de seus 41 artigos publicados em periódicos até o mês de julho de 2009, expressos no seguinte gráfico.

Direta ou indiretamente, todos estes temas foram trabalhados estabelecendo relações com a área de Educação Especial, até mesmo quando Omote (1990b (et al.), 1995b (et al.), 2005c, 2005e (et al.), 2005a, 2006b (et. al.)) foca suas atenções teleologicamente na importância dos aspectos metodológicos na construção de uma pesquisa válida e confiável1 . Nota-se aqui que os aspectos conceituais das deficiências e sua formatação histórica se configuram como as principais problemáticas tratadas por Omote ao longo de seus estudos, o que se justifica pelo fato de o referido autor acreditar que a conceituação das deficiências não se concretiza apenas como questão etimológica, pois sua materialização interfere significativamente na qualidade do atendimento destinado as pessoas com deficiência e no próprio pensar acadêmico sobre a Educação Especial.

A temática da atratividade física/facial também recebe diversas pontuações nas obras de Omote (1983, 1991b, 1991c, 1993b, 1993c, 1999a, 2005d (et al.)), sendo constantemente relacionada com o fenômeno da produção de estereótipos e de como estes interferem na conformação das relações sociais estabelecidas entre os seres humanos2 . Além destes, cabe ressaltar em Omote (1979, 1993d, 1996e, 1996c (et. al.), 1996d (et al.), 1996g (et. al), 2000a, 2004a (et. al.) o tema família e sexualidade3 , assunto polêmico e de difícil resolução no contexto da Educação Especial, e, tópicos diversos que versam sobre a carreira profissional do deficiente e a importância da interdisciplinaridade no trabalho visando à superação dialética da deficiência. Estes temas foram trabalhados ao longo de 30 anos de estudo, cuja distribuição é exposta no gráfico que segue.

O referido gráfico nos mostra uma tímida produção de Omote em seus anos iniciais após a conclusão de seu mestrado em Psicologia no ano de 1980 pela USP, produção essa que se acentua na década de 90 com os estudos sobre atratividade física facial, tema predominante de seus artigos nesta época, conjuntamente a sua preocupação filosófica em relação à conceituação das deficiências, cuja ênfase se solidifica notoriamente nas últimas produções do referido autor.

Desde o primeiro ano do século XXI este é o principal aspecto abordado por Omote em seus artigos, todavia, sua produção parece entrar em curva descendente no último triênio analisado. Aliás, até mesmo quando utilizamos o corte decenal e não trienal percebemos uma queda no número de produções de Omote, pois em seu primeiro decênio (79/88) acadêmico, o autor produziu 4 artigos, já no segundo (89/98), sua produção cresceu exponencialmente para um total de 23 artigos, por fim, no terceiro decênio (99/08), nota-se um declínio no número de produções para 14 artigos, significativamente menor que o anterior, todavia, é importante ressaltar que quantidade nem sempre quer dizer qualidade. Além dos elementos anteriormente destacados, é importante ressaltar que não estamos trabalhando com a totalidade das obras produzidas por Sadao Omote, mas apenas com suas produções em periódicos. Assim, não computamos para estes cálculos livros e capítulos de livros feitos ou organizados pelo referido autor e tampouco apresentações em congresso, elementos que não podem deixar de ser considerados em uma análise global de suas produções, porém não é este o objetivo do referido artigo. Adentrando na densidade dos textos escritos por Omote nas três décadas destacadas anteriormente, podemos perceber que em seus 41 artigos Omote menciona um total de 325 obras (citadas 1228 vezes ao longo de seus diversos parágrafos), as quais incluem livros, capítulos de livros, dissertações e teses, artigos e declarações internacionais sobre educação. Os autores e obras mais citadas por Omote são encontrados na Tabela 1, a seguir:

Esta tabela nos revela diversos elementos na produção em periódicos de Omote. O primeiro deles certamente reside na vasta bibliografia utilizada pelo autor, a qual mescla obras da Psicologia, Sociologia e Educação. No entrelaçar destes três campos específicos, Omote constrói sua concepção sobre deficiência, interpretando-a como um fenômeno que se arquiteta de maneira complexa, na medida em que sua constituição recebe tanto a interferência dos fatores biológicos propriamente ditos, como também dos elementos psicológicos e sociais. Assim, enganam-se os que pensam que Omote considera a deficiência apenas como fenômeno socialmente construído, para ele, a deficiência é estabelecida a partir de um complexo estrutural que engloba tanto variáveis biológicas, como as de cunho social e psicológico. O gráfico seguinte (Figura 3) retrata o caráter multifatorial na construção do conceito de deficiência realizado por Omote, uma vez que permite a visualização do espaço tracejado pelas suas principais referências sob um prisma não hierárquico.


O referido gráfico indica que Goffman e Mercer são as duas referências mais utilizadas por Omote ao longo de seus textos em periódicos. Ambos partem de uma conceituação social do desvio e da deficiência, fato que por si só justifica o embasamento nestes autores. Todavia, Dobzhansky, cujas obras inter-relacionam os elementos biológicos e culturais presentes na formação do gênero humano, materializado na assertiva de que o homem "é naturalmente cultural e culturalmente biológico" (apud OMOTE, 2006a, p.253) aparece como a terceira referência mais citada por Omote, ou seja, a ênfase no social não o coloca em sobreposição ao biológico.

Cabe ainda destacar Salvia, Elovits e Dexter como adeptos ao modelo de construção social da deficiência, os quais aparecem constantemente citados nos artigos de Omote, e os diversos autores que trabalham mais especificamente com a questão da Educação Especial, principalmente aqueles que investigaram o processo de formação e desenvolvimento das classes especiais, como Almeida, Pirovano, Glat, Paschoalick, Denari e Abramowicz. Além destes, Omote se vale por diversas vezes de autores que estudaram minuciosamente o tema atratividade física facial, quais sejam: Barocas, Bartel, Bradley e Friedman. Por fim, convém ressaltar que ao longo de seus 41 artigos Omote cita 53 diferentes trabalhos de sua autoria, compreendendo seus próprios artigos, capítulos de livro, livros, sua dissertação de mestrado e tese de doutorado. Estes 53 diferentes trabalhos são citados 223 vezes ao longo de toda sua produção em periódicos, sendo que os cinco mais citados são: Omote 1991b (15 vezes); 1991c (14 vezes); 1999b (12 vezes); 1994a (12 vezes); 1995a, (11 vezes), que em conjunto somam 28% do total de citações nos artigos publicados por Omote até o ano de 2008. Estes dados são representados no gráfico que segue (Figura 4):


Portanto, percebemos que não há uma grande prevalência no processo de autocitação realizado por Omote em apenas um de seus textos. A consequência lógica deste processo é que os artigos mais velhos recebam maiores números de citações, por isso, os dois textos considerados por nós como os mais importantes em sua trajetória acadêmica, a citar, "Inclusão e a questão das diferenças na educação" (OMOTE, 2006a), e, "Estigma no tempo da inclusão" (OMOTE, 2004b), não aparecem entre os trabalhos mais citados por Omote, mesmo porque a curva descendente no número de produções do referido autor conjuntamente a relativa contemporaneidade destes artigos impedem quase que pela raiz a constituição de um amplo campo de referências sobre estas obras.

CONCLUSÕES

Historicizar a obra de algum autor traz inequivocamente consigo uma interpretação acerca destas obras. Assim, nosso texto deve ser compreendido como uma tentativa de esclarecimentos das principais idéias produzidas em periódicos por Sadao Omote através de uma síntese que busca congregar os capitais elementos apontados pelo referido autor.

Isto posto, não há como deixar de ressaltar que vários elementos não menos importantes foram deixados de lado em nossas análises, fato que se justifica pela impossibilidade em abarcarmos a totalidade de um vasto conteúdo em apenas um único texto. Em vista disso, nosso foco esteve a todo o momento direcionado sobre as formas como Omote se apropria das inter-relações existentes entre a diferença e a normalidade, a construção social/biológica das deficiências, as classes especiais e a classe regular, a formação generalista e a específica, pois consideramos estas questões como engendradoras do pano de fundo ao entendimento do complexo fenômeno da inclusão e da arquitetura do próprio campo da Educação Especial.

Dito isto, esperamos que este texto possa, de alguma forma, contribuir para o entendimento de uma pequena totalidade das obras de Sadao Omote. Claro está que a consecução deste objetivo se apresenta como uma tarefa árdua e talvez não alcançável devido à limitação epistemológica dos autores que aqui expõe a referida historiografia, mas, aguardamos esperançosos que, se o objetivo principal não for plenamente atingido, ao menos este texto suscite discussões e gere apontamentos para se pensar nos principais conceitos e concepções derivadas sobre e pela Educação Especial enquanto campo acadêmico-científico, além do fato de efetivamente termos sido fiéis as idéias, opiniões e pressupostos expressos pelo referido autor, cuja materialidade apenas poderá ser estabelecida por ele próprio.

Recebido: 17/08/2009

Aprovado: 12/02/2010

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  • 1
    Omote demonstra uma preocupação basilar quanto ao rigor necessário para a efetivação de uma pesquisa de cunho acadêmico-científico. Neste sentido, em diversos artigos, Omote (1990b (et al.), 1995b (et al.), 2005c, 2005e (el al.), 2005a, 2006b (et. al.)) discute especificamente a questão do método e dos procedimentos metodológicos adotados, validando a utilização de dois instrumentos científicos para a mensuração de uma escala de atitudes sociais em relação à inclusão, denominados ELASI (Escala Lickert de Atitudes Sociais em relação à Inclusão), dividido em suas formas A e B. Além disso, Omote (ibid) tece importantes comentários acerca do processo de revisão por pares, das vantagens da utilização do questionário eletrônico para a realização das mais diversas pesquisas e escrutina os critérios que devem ser adotados em uma entrevista para que esta se torne uma ferramenta fidedigna a coleta de dados .
  • 2
    Para Omote (1983, 1991b, 1991c, 1993b, 1993c, 1999a), os rostos constituem-se como o elemento determinante de nossa aparência física, por isso, quando o autor investiga epistemologicamente a questão da atratividade física, a face assume primazia em ordem de importância sobre outras áreas corpóreas. A atratividade física facial é uma importante variável que influencia a construção de nossas mais diversas relações em sociedade, tais como: formação de casais, ocupação no mercado de trabalho, avaliação da popularidade, quantidade de amizades, avaliação da competência social e acadêmica, interação do professor com os alunos, etc. Todas essas diversas relações recebem o crivo da atratividade física, portanto, ser belo na sociedade não se configura apenas como uma questão estética, na medida em que possibilita uma série de experiências não disponíveis, ou disponíveis negativamente, para os considerados não belos.
  • 3
    Claro está que são dois assuntos distintos, porém, eles aparecem entrelaçados em diversos artigos publicados por Omote (1979, 1993d, 1996c (et al.), 1996d (et al.), 1996e 1996g (et al.), 2000a, 2004a(et al.)). Omote (1993d, 1996e) ressalta a importância na promoção de estudos que investiguem a fundo as famílias dos deficientes, fornecendo à elas todos os suportes necessários para a compreensão da deficiência e das múltiplas possibilidades de desenvolvimento de seus filhos Um destes apoios certamente deve se materializar acerca do assunto: "sexualidade do deficiente", pois historicamente assumiu a configuração de um tema tabu na sociedade, tabu este arquitetado de maneira binária, pois ora os deficientes são vistos como seres praticamente assexuados, ora como uma pessoa com necessidades sexuais insaciáveis. Estes arquétipos sobre a sexualidade das pessoas com deficiência tendem a se acentuarem devido à desinformação dos pais sobre a sexualidade de seus filhos e também de sua própria sexualidade, limitando os acessos de informação a seus filhos, cujo resultado atravanca o processo de desenvolvimento da própria pessoa em situação de deficiência.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      23 Jun 2010
    • Data do Fascículo
      Abr 2010

    Histórico

    • Recebido
      17 Ago 2009
    • Aceito
      12 Fev 2010
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