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Avaliação educacional por meio do teste iar em escolares com cegueira

Scholastic achievement assessment of blind students using the iar test

Resumos

Com o objetivo de verificar a aplicabilidade do Teste IAR em escolares cegos, foram realizados estudos de casos, mediante avaliações de três escolares de oito anos de idade, com cegueira, por retinopatia da prematuridade ou catarata congênita (A.M., D.A.C., T.A.M.), atendidos no Centro de Distúrbios da Audição, Linguagem e Visão (CEDALVI), do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC) da USP, Bauru/SP/Brasil. Durante um período de seis meses, os escolares foram avaliados por meio do Instrumento de Avaliação do Repertório Básico para Alfabetização (IAR), adaptado ao Sistema Braille e contando com recursos em relevo. Os resultados da aplicação do IAR mostraram que T.A.M. alcançou 100,0% em acertos em todos os conceitos; A.M. e D.A.C. obtiveram 100,0% de acertos em esquema corporal, lateralidade e verbalização de palavras; D.A.C. apresentou 50,0% nos conceitos posição, tamanho e quantidade; A.M. apresentou 50,0% em discriminação auditiva; D.A.C. apresentou menos de 50,0% de acertos nos conceitos de direção, espaço, forma, discriminação tátil, discriminação auditiva, análise/síntese e coordenação motora fina; A.M. também alcançou menos de 50,0% de acertos nos conceitos de direção, discriminação tátil, análise/síntese e coordenação motora fina. Com relação à aplicabilidade, o teste IAR mostrou-se eficaz para avaliar os escolares cegos, oferecendo instruções úteis para que profissionais e familiares adotem estímulos e estratégias que favoreçam o desenvolvimento dos mesmos.

cegueira; educação de cegos; avaliação de habilidades; educação special


Three case studies were undertaken in order to assess the applicability of the IAR Test in blind students; three eight year old blind students, whose impairments were caused by retinopathy of prematurity or congenital cataract (A.M., D.A.C., T.A.M.), who went to the Center for Hearing, Language and Vision (Cedalvi) of the Hospital for Craniofacial Anomaly Rehabilitation (HRAC), USP, Bauru/SP/Brazil, participated in the study. During a six month period the students were assessed using the Instrument to Assess Basic Literacy Repertoire (IAR); the instrument was transcribed in Braille, also having raised images when applicable. Results of the IAR application showed that T.A.M. achieved 100% accuracy for all concepts; A.M. and D.A.C. achieved 100% accuracy for body scheme, laterality and word verbalization; D.A.C. achieved 50% for the concepts of position, size and quantity; A.M. achieved 50% for hearing discrimination; D.A.C. obtained a rate of less than 50% for concepts of direction, space, shape, tactile discrimination, hearing discrimination, analysis/synthesis and fine motor coordination; A.M. also achieved less than 50% success rate for direction, tactile discrimination, analysis/synthesis and fine motor coordination concepts. As to applicability, the IAR Test was shown to be effective in assessing blind students; it offers useful orientation to professionals and family members who wish to adopt stimulation and strategies that enhance their development.

blindness; education for the blind; assessment of abilities; special education


RELATO DE PESQUISA

Avaliação educacional por meio do teste iar em escolares com cegueira

Scholastic achievement assessment of blind students using the iar test

Suzana RabelloI; Telma Flores Genaro MottiII; Maria Elisabete Rodrigues Freire GasparettoIII

IMestra em Ciências Médicas, Área de Concentração –Oftalmologia pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Pedagoga Especializada em Deficiência Visual do Centro de Distúrbios da Audição, Linguagem e Visão (CEDALVI), Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais da Universidade de São Paulo (HRAC/USP), Bauru/SP. surabello@travelnet.com.br

IIDiretora Técnica de Serviço, CEDALVI, HRAC/USP, Bauru/SP; Doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Educação Especial da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar). telmotti@centrinho.usp.br

IIIProfessora Doutora em Ciências Médicas, Área de Concentração-Oftalmologia; Docente da Graduação em Fonoaudiologia e do Centro de Estudos e Pesquisas em Reabilitação (CEPRE) da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). gasparetto@fcm.unicamp.br

RESUMO

Com o objetivo de verificar a aplicabilidade do Teste IAR em escolares cegos, foram realizados estudos de casos, mediante avaliações de três escolares de oito anos de idade, com cegueira, por retinopatia da prematuridade ou catarata congênita (A.M., D.A.C., T.A.M.), atendidos no Centro de Distúrbios da Audição, Linguagem e Visão (CEDALVI), do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC) da USP, Bauru/SP/Brasil. Durante um período de seis meses, os escolares foram avaliados por meio do Instrumento de Avaliação do Repertório Básico para Alfabetização (IAR), adaptado ao Sistema Braille e contando com recursos em relevo. Os resultados da aplicação do IAR mostraram que T.A.M. alcançou 100,0% em acertos em todos os conceitos; A.M. e D.A.C. obtiveram 100,0% de acertos em esquema corporal, lateralidade e verbalização de palavras; D.A.C. apresentou 50,0% nos conceitos posição, tamanho e quantidade; A.M. apresentou 50,0% em discriminação auditiva; D.A.C. apresentou menos de 50,0% de acertos nos conceitos de direção, espaço, forma, discriminação tátil, discriminação auditiva, análise/síntese e coordenação motora fina; A.M. também alcançou menos de 50,0% de acertos nos conceitos de direção, discriminação tátil, análise/síntese e coordenação motora fina. Com relação à aplicabilidade, o teste IAR mostrou-se eficaz para avaliar os escolares cegos, oferecendo instruções úteis para que profissionais e familiares adotem estímulos e estratégias que favoreçam o desenvolvimento dos mesmos.

Palavras-chave: cegueira; educação de cegos; avaliação de habilidades; educação special.

ABSTRACT

Three case studies were undertaken in order to assess the applicability of the IAR Test in blind students; three eight year old blind students, whose impairments were caused by retinopathy of prematurity or congenital cataract (A.M., D.A.C., T.A.M.), who went to the Center for Hearing, Language and Vision (Cedalvi) of the Hospital for Craniofacial Anomaly Rehabilitation (HRAC), USP, Bauru/SP/Brazil, participated in the study. During a six month period the students were assessed using the Instrument to Assess Basic Literacy Repertoire (IAR); the instrument was transcribed in Braille, also having raised images when applicable. Results of the IAR application showed that T.A.M. achieved 100% accuracy for all concepts; A.M. and D.A.C. achieved 100% accuracy for body scheme, laterality and word verbalization; D.A.C. achieved 50% for the concepts of position, size and quantity; A.M. achieved 50% for hearing discrimination; D.A.C. obtained a rate of less than 50% for concepts of direction, space, shape, tactile discrimination, hearing discrimination, analysis/synthesis and fine motor coordination; A.M. also achieved less than 50% success rate for direction, tactile discrimination, analysis/synthesis and fine motor coordination concepts. As to applicability, the IAR Test was shown to be effective in assessing blind students; it offers useful orientation to professionals and family members who wish to adopt stimulation and strategies that enhance their development.

Keywords: blindness; education for the blind; assessment of abilities; special education.

1 INTRODUÇÃO

A Organização Mundial de Saúde define Cegueira Legal como a acuidade visual, no olho de melhor visão, igual ou menor que 3/60, ou correspondente à perda de campo visual, com a melhor correção óptica (WHO, 1997).

Brito e Veitzman (2000) relatam que cerca de 500.000 crianças ficam cegas anualmente no mundo e 70 a 80% morrem durante os primeiros anos de vida, devido a doenças associadas ao seu comprometimento visual, segundo os dados da OMS.

No Brasil, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (2004), em 2000, existiam 148 mil pessoas cegas e 2,4 milhões com grande dificuldade de enxergar, sendo que, do total de cegos, 77.900 eram mulheres e 70.100, homens.

Como causadores da cegueira na infância, Rocha e Ribeiro-Gonçalves (1987) citam as anomalias de desenvolvimento, infecções no período gestacional (transplacentárias) e durante o nascimento, prematuridade, erros inatos do metabolismo, distrofias, traumas e tumores. Na idade adulta, citam doenças de ordem geral como diabetes, hipertensão arterial e as específicas da visão, como glaucoma e catarata, além de tumores, traumatismos e descolamento da retina, degeneração macular senil e infecções.

Dentre as principais causas de cegueira na América Latina, apontadas por especialistas reunidos pela Americam Academy of Ophthalmology, encontram-se catarata, vícios de refração, glaucoma, retinopatia diabética, degeneração macular senil e retinopatia da prematuridade (VERDAGUER, 1998).

No entanto, as causas de cegueira são diferentes na criança e no adulto e as estratégias para prevenção adotadas para a população adulta não são eficazes na população infantil. Deve-se considerar também que o sistema visual da criança encontra-se imaturo ao nascimento e, para que o desenvolvimento ocorra, todo e qualquer problema deve ser corrigido precocemente. A ação espontânea, o brincar e as atividades sensório-motoras colaboram para o desenvolvimento do cérebro e a organização do sistema nervoso e, para que a criança se desenvolva, deve contar com todos os canais sensoriais, a fim de assimilar e organizar os estímulos do ambiente.

A criança cega deve vivenciar o mundo por meio do tato, audição, olfato e paladar. Não contando com a percepção visual de seu ambiente e orientação no espaço, ela deve ser encorajada pelo toque, pela voz de pessoas e por brinquedos móveis e sonoros que lhe permitam apoio, segurança e organização postural. O contato direto com os objetos, para explorá-los tatilmente, percebendo suas formas, tamanhos, texturas e outras qualidades, favorece a percepção global, condição necessária para inclusão educacional da criança (RODRIGUES, 2002).

A construção da linguagem e o desenvolvimento global ocorrem na relação socioafetiva, por isso a criança necessita relacionar-se com outras de sua idade, videntes ou não, de modo a poder identificar-se, construir sua imagem corporal e testar suas hipóteses perceptivas, simbólicas e pré-lógicas. Desse modo, o convívio com outras crianças de sua faixa etária vai contribuir para a aquisição de conceitos e a construção da linguagem (BRUNO, 1993; OLIVEIRA; KARA-JOSÉ; ARIETA, 2001).

A escola proporciona o convívio mais amplo e interativo em ambiente social compatível com a faixa etária e o conhecimento da criança, embora a presença da deficiência possa gerar restrição do acesso a esses ambientes, caso alguns cuidados não sejam previstos.

Sob a perspectiva de educação inclusiva, cabe à escola reconhecer e responder às necessidades dos alunos (UNESCO – UNITED NATIONS EDUCATIONAL, SCIENTIFIC AND CULTURAL ORGANIZATIONS, 1994), quaisquer que sejam suas dificuldades de aprendizagem, de maneira a assegurar o êxito na assimilação de conhecimentos. Adaptação de currículos, estratégias de ensino, uso de recursos auxiliares e compensatórios, parcerias com a comunidade, assim como modificação que envolva o sistema de avaliação, deve ser considerada para favorecer a aprendizagem da criança cega.

Na educação da criança cega, podem ser adotados recursos alternativos, tais como o Sistema Braille, constituído por 63 possibilidades de combinações de pontos organizados para representar o alfabeto, os acentos, a pontuação, os sinais especiais de composição e os códigos matemáticos, químicos, musicais e aqueles aplicados na informática. Há três tipos de instrumentos usuais para produzir os relevos em Braille: a reglete, a máquina Perkins e a impressora Braille (REILY, 2004).

No desenvolvimento do letramento da criança cega, podem ser utilizados instrumentos como o sorobã e recursos de áudio, gravador e fita cassete, além de estratégias didáticas adequadas às condições do aluno de acordo com o conteúdo abordado em sala de aula.

A inclusão da criança cega na escola regular deve ser tratada como um processo, no qual pais e familiares envolvidos no ambiente doméstico, gradualmente passem a ser parceiros no ambiente escolar.

Decorrente dessa situação e do contexto envolvido há necessidade de professores que detenham esse conhecimento e que sejam empenhados e interessados em compreender as necessidades específicas das crianças com deficiência visual, em qualquer grau. Dessa forma, pais, professores e toda a comunidade escolar necessitam do apoio de especialistas.

O trabalho educacional a ser realizado deve ser antecedido por avaliação abrangente, que permita conhecer os modos de interação da criança cega, sua comunicação, a qualidade das experiências anteriores e seus pensamentos. Assim, de acordo com Bruno e Heymeier (2003), diante da condição de desenvolvimento da criança, estabelecem-se às estratégias de ação para o seu crescimento pessoal.

Tendo em vista esse contexto sobre a escolarização dos alunos com deficiência visual, que chegam à escola trazendo todo um repertório de conhecimentos e habilidades, construído de maneira informal, bem como a importância da avaliação individualizada, esta pesquisa teve por objetivo verificar a aplicabilidade do Teste IAR, de forma a conhecer as habilidades de três crianças cegas.

2 MÉTODO

Foi realizado estudo de casos de três crianças cegas, com oito anos de idade, atendidas no Centro de Distúrbios da Audição, Linguagem e Visão (CEDALVI), do Hospital de Reabilitação de Anomalias Craniofaciais (HRAC) da USP, Campus Bauru, SP.

Previamente à aplicação do IAR, as crianças foram avaliadas em serviço oftalmológico, os diagnósticos encontrados foram retinopatia da prematuridade em duas crianças e catarata congênita em uma delas.

As três crianças cursavam o ensino regular, sendo que duas estavam matriculadas na primeira série e uma na pré-escola. Freqüentavam sala de recurso e também um programa de habilitação onde eram desenvolvidas atividades de vida diária, orientação e mobilidade e a alfabetização no sistema Braille.

No período de seis meses, foi realizada a avaliação pedagógica, utilizando-se o Instrumento de Avaliação do Repertório Básico para a Alfabetização (IAR), elaborado por Leite (1984) e adaptado por Capellini (2001), que foi aplicado a cada criança individualmente.

O IAR foi selecionado por conter, em suas tarefas, atividades pertinentes ao currículo da Educação Infantil, possibilitando a obtenção de um quadro de como os alunos se apresentam em relação a tais habilidades, ou seja, aos conceitos adquiridos. Trata-se de uma avaliação constituída por uma série de situações em que o aluno deve emitir respostas escritas ou verbais, aplicadas em grupo ou individualmente. Seus objetivos específicos são avaliar o repertório da criança, no que diz respeito aos conceitos fundamentais para aprendizagem da leitura e escrita, possibilitar informações que indicam se a criança está em condições de iniciar o processo alfabetização e fornecer aos avaliadores informações sobre quais habilidades ou conceitos devem ser mais explorados para que a criança possa acompanhar o processo de leitura e escrita.

A estrutura do IAR abrange 13 áreas, consideradas por Leite (1984) como fundamentais para a alfabetização, envolvendo habilidades e conceitos para a realização dos exercícios:

1. Esquema corporal (reconhecer, desenhar e pintar as partes do corpo);

2. Lateralidade (noção de direção com pintura dos desenhos);

3. Posição (utilização dos conceitos em cima/em baixo, dentro/fora, ao lado/em frente, atrás);

4. Direção (para cima/ para baixo);

5. Espaço (perto/longe);

6. Tamanho (maior/menor, grande/pequeno, grosso/fino, alto/baixo);

7. Quantidade (mais/menos, cheio/vazio, muitas/nenhuma);

8. Forma (noção de formas geométricas);

9. Discriminação tátil (percepção de detalhes e posição em figuras, letras, sílabas e palavras);

10. Discriminação auditiva (reconhecimento das figuras que iniciam ou terminam com o mesmo som; seguindo o modelo aplicado);

11. Verbalização de palavras (repetir as palavras mencionadas);

12. Análise/Síntese (modelos de formas geométricas para serem reconhecidos e comparados ao modelo dado no exercício);

13. Coordenação Motora Fina (completar a lápis, de acordo com o modelo).

2.1 APLICAÇÃO DO IAR

Para a aplicação do IAR, foram utilizados objetos disponíveis em uma sala do setor de Deficiência Visual, do CEDALVI. Na avaliação do conceito de direção, foi solicitado à criança que indicasse situações de movimento para cima e para baixo, com o auxílio de objetos. Para o conceito de espaço, a criança identificou se os objetos da sala estavam próximos ou distantes. Em relação à forma, foram utilizados materiais emborrachados, de formas geométricas variadas, para serem nomeados. Na discriminação tátil, materiais com texturas em alto relevo foram identificados pela criança. Para avaliação da discriminação auditiva foi emitida uma palavra pela avaliadora e solicitado à criança que apresentasse outra palavra que tivesse o mesmo prefixo.

Na avaliação de análise e síntese, referente a partes para compor um todo, foram utilizadas formas geométricas em relevo, apresentadas em um modelo e as crianças foram solicitadas a indicar, de uma série de três conjuntos, aquele correspondente.

O mesmo ocorreu com letras, sílabas e palavras escritas no Sistema Braille, aplicado à única criança que já havia aprendido esse sistema. Para as outras duas crianças, o procedimento adotado em relação aos itens que versavam sobre decomposição e composição de palavras em sílabas, sílabas em palavras e sílabas em letras foi utilizado o alfabeto emborrachado, posicionado sobre placa emborrachada, solicitando-se às crianças a identificação do conjunto contendo os elementos do modelo.

Para avaliação da coordenação motora fina, na primeira etapa, as linhas de orientação na pauta (curvas e retas), foram adaptadas, sobrepostas por barbante, sendo solicitado às crianças que seguissem as linhas com o dedo indicador. Na segunda etapa, foi solicitado que refizessem o movimento, continuando a seqüência com o lápis, conforme o modelo.

O último item da avaliação constou de um exercício proposto oralmente, solicitando que as crianças repetissem as palavras pronunciadas pela avaliadora, dividindo-as em sílabas.

As respostas obtidas nos exercícios foram registradas em fichas identificadas para cada criança, as quais possibilitaram leitura horizontal, permitindo verificar a situação em cada área e vertical, permitindo verificar a situação global, em todas as áreas.

O critério de avaliação dos exercícios obedeceu ao estabelecido para o teste e foi classificado em três níveis: acerto de 100,0%, acerto entre 50,0% e 100,0% (> 50,0%,) e acerto de menos de 50,0% (<50,0%), índices esses que servem de instrumento para uma classificação básica dos conceitos.

3 RESULTADOS

Os resultados obtidos na aplicação do IAR, para cada criança avaliada, estão apresentados no Quadro 1.


De acordo com o Quadro 1, verifica-se que as habilidades mais presentes nos resultados da aplicação do IAR foram: esquema corporal, lateralidade e verbalização de palavras, seguidas por posição, espaço, tamanho, quantidade e forma. As habilidades em que os alunos apresentaram maiores dificuldades referem-se aos conceitos de espaço, forma, direção, discriminação auditiva, visual, análise e síntese e coordenação motora fina.

Verificando os resultados na análise vertical (Quadro 1), é possível observar que T.A.O. apresentou habilidades em todos os quesitos avaliados por meio do IAR. No entanto, os resultados apontaram que A.M. apresentou dificuldades nos conceitos de discriminação auditiva, direção, discriminação tátil, análise e síntese e coordenação motora fina. Para o aluno D.A.C., os resultados evidenciaram maiores dificuldades nos conceitos avaliados, com menos de 50,0% de acerto para direção, espaço, forma, discriminação tátil e auditiva, análise e síntese e coordenação motora fina.

4 DISCUSSÃO

Quando estamos diante de um objeto que nos interessa, antes de pensar, estendemos a mão para tocá-lo, pois sentimos necessidade de perceber, pelo toque dos dedos, todos os atributos dos objetos, como tamanho, peso, temperatura, textura, entre outros. Como a criança cega não tem informação visual do ambiente, ela só irá explorar os objetos dos quais já foi informada e que estejam acessíveis. Além disso, as crianças com educação muito protegida podem apresentar maiores dificuldades no reconhecimento, na conceituação de objetos e na aplicação desses conceitos.

As dificuldades apresentadas por crianças cegas, bem como a implicação desse tipo de limitação no processo de aprendizagem, têm preocupado educadores (SANCHEZ, 1994). Para Almeida (2002), pesquisas demonstram que crianças cegas que não foram expostas às vivências cotidianas de forma a garantir a construção do conhecimento podem apresentar dificuldades na formulação de conceitos e, conseqüentemente, desenvolver-se mais lentamente, comparada ao desenvolvimento de crianças videntes. Nesse sentido, Corsi (2001) defende a importância de respeitar as dificuldades da criança cega para compreender suas necessidades.

A aplicação do IAR adaptado, utilizando a sensibilidade tátil, mostrou-se eficiente para conhecer as necessidades das crianças avaliadas. Observou-se que duas, das três crianças (A.M. e D.A.C.), apresentaram dificuldades na realização de algumas atividades propostas na avaliação, relacionadas à discriminação tátil, conceitos de direção, espaço, análise e síntese e coordenação motora fina (Quadro 1). Esses resultados são significativos, pois o aprendizado da leitura e escrita no sistema Braille, imprescindível para o desenvolvimento escolar da criança cega, tem relação direta com a habilidade tátil, a qual, felizmente, pode ser aperfeiçoada (HALLIDAY, 1975).

Tais resultados têm aplicação prática imediata, pois, além do aperfeiçoamento da habilidade tátil, indicam que é oportuno que esses dois escolares (A. M. e D. A.C.) sejam estimulados com brinquedos, objetos e estruturas que promovam o movimento do corpo no espaço, estimulando as suas ações (REILY, 2004). Essas recomendações baseiam-se no fato de que as atividades físicas colaboram no desenvolvimento motor, com repercussões positivas na aprendizagem, de acordo com Prado (2002).

Segundo Laplane e Batista (2003), os professores do ensino regular têm apresentado constantes preocupações sobre o modo de aprendizagem do aluno cego e a seleção de recursos necessários para a aquisição de conhecimentos. Manifestam-se também, outras indagações dos professores; Como a criança cega vai aprender os conceitos apresentados em sala de aula? Como vai fazer distinções entre animais e objetos?

Essas dúvidas dos professores podem ter origem na concepção de que a aprendizagem esteja centrada no aporte sensorial, principalmente na visão (BATISTA, 2005), pois, residimos em um mundo que se manifesta de forma predominantemente visual (OLIVEIRA, 1998).

Mas, para Ormelezi (2006), na ausência da visão, há uma reorganização de toda a estrutura mental que possibilitará ao cego adquirir conhecimento sobre o mundo. Os conceitos de espaço, tamanho e formas serão fornecidos pelas percepções auditivas, táteis, olfativas e cinestésica.

Ao nascimento, todas as crianças apresentam determinadas capacidades reais para receber os estímulos do meio, o que implica em ter os mesmos desejos e necessidades, embora se acredite que, no desenvolvimento de cada uma delas, vai haver a influência de características pessoais, ambientais e experiências prévias. Quando o único impedimento da criança reside no sistema visual, não há razão para que o desenvolvimento se produza de forma diferente, desde que, esta criança tenha recebido diagnóstico preciso e intervenção planejada em um programa de habilitação (COBO; RODRÍGUEZ; BUENO, 1994).

Considerando que os alunos cegos, assim como todos os alunos têm suas próprias necessidades educativas e que as adaptações curriculares são instrumentos individualizados, flexíveis e produtos de decisões pedagógicas, a falta de conhecimento do professor sobre os procedimentos de atenção à criança com deficiência visual o conduz a atuações inadequadas, atribuindo qualquer dificuldade apresentada pelo aluno à sua deficiência visual (BATISTA,1998).

Para atender às necessidades acadêmicas de uma criança cega é necessário proceder a uma avaliação, procurando obter a maior quantidade de informações possíveis para atender às suas necessidades. Neste sentido, as avaliações realizadas mostraram que, enquanto uma das crianças apresentou conceitos adquiridos ao longo de seu desenvolvimento e que estas aquisições vão influenciar positivamente no seu processo de escolarização, as outras duas, A.M. e D.A.C., requerem maior atenção em relação às habilidades táteis e atividades de coordenação no desenvolvimento dos conceitos. Esses dados propiciam ao educador conhecimento sobre o aluno auxiliando-o a buscar o melhor percurso para a aquisição da aprendizagem.

Ormelezi, Corsi e Gasparetto (2007) afirmam que o trabalho do educador será mais profícuo e promissor se garantida a atenção às adaptações de acesso ao currículo requerido a cada criança. Esta atenção poderá ser auxiliada pela família e pela parceria com profissionais e instituições.

É evidente que os pais, sob orientação de profissionais especializados, podem ser envolvidos e participar ativamente nesse processo, explorando também, em casa, as atividades propostas.

5 CONCLUSÃO

A aplicação do IAR adaptado não apresentou dificuldades e mostrou que a deficiência visual não interferiu na avaliação dos pré-requisitos para alfabetização, pois se verificou que as dificuldades apresentadas eram de ordem conceitual.

O trabalho evidenciou a possibilidade de intercâmbio entre profissionais das áreas da saúde e educação e os familiares das crianças cegas. Com os resultados do IAR, o pedagogo especializado pode melhor orientar o professor da classe regular e, juntos, decidir, mais objetivamente, sobre as atividades e estratégias a serem adotadas durante os atendimentos em sala de aula, enfatizando os conceitos que mais necessitam ser trabalhado.

Os resultados deste estudo limitam-se às crianças avaliadas, indicando caminhos para um estudo mais amplo que permita generalizações. Também, é relevante mencionar que a avaliação permitiu identificar uma situação em determinado período de tempo, devendo ser refeita sistematicamente com os mesmos indivíduos para que a abordagem na relação de ensino seja dinâmica e acompanhe as necessidades e interesses dessas crianças.

É importante ressaltar que esta pesquisa mostrou que o método avaliatório utilizado demonstrou eficácia na investigação de cada sujeito estudado, permitindo a transferência desses resultados ao contexto escolar. A aplicação de uma avaliação é indispensável para atender às necessidades acadêmicas da criança cega, que necessita ser vista como construtora do seu próprio conhecimento.

Recebido em 04/04/2007

Reformulado em 06/08/2007

Aprovado em 30/08/2007

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Jan 2008
  • Data do Fascículo
    Ago 2007

Histórico

  • Aceito
    30 Ago 2007
  • Revisado
    06 Ago 2007
  • Recebido
    04 Abr 2007
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