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Proteção contra a radiação ultravioleta fornecida por óculos de sol

Protection against ultraviolet radiation due to sunglasses

Resumo

Ao comprar óculos de sol é importante garantir que estes oferecem uma proteção eficaz contra a radiação ultravioleta (UV). Embora invisível, este tipo de radiação pode causar sérios danos à retina. O uso de lentes sem proteção UV adequada pode revelar-se prejudicial, uma vez que a diminuição da luz visível leva a um aumento da pupila do olho. Neste trabalho propomos a construção de um dispositivo que permite testar a redução da intensidade luminosa introduzida pelas lentes coloridas de óculos. O sistema é baseado em LEDs coloridos e um fotossensor com amplificação integrada.

Palavras-chave:
Óculos de sol; LED; fotossensor

Abstract

When purchasing sunglasses it is important to ensure that they offer effective protection against ultraviolet (UV) radiation. Although invisible, this type of radiation can cause serious damage to the retina. The use of lenses without adequate UV protection can prove to be harmful, since the decrease in visible light leads to an increase in the pupil of the eye. In this work, we propose the construction of a device to test the reduction in the light intensity introduced by colored sunglasses lenses. The system is based on color LEDs and a photosensor with integrated amplification.

Keywords:
Sunglasses; LED; photosensor

1. Introdução

Os óculos de sol são uma peça de equipamento indispensável nos dias de grande luminosidade. Protegem os olhos da radiação visível, mas também da radiação ultravioleta (UV), mais nociva. A radiação UV pode causar danos nos olhos sendo importante bloquear a sua passagem. Os olhos possuem vários mecanismos de proteção, como encerrar as pálpebras ou a diminuição do diâmetro da pupila. Estes mecanismos são atuados na presença de luz visível intensa, pelo que a filtragem apenas desta componente pode deixar os olhos desprotegidos à radiação UV. A inclusão de filtros para radiação UV nos óculos é assim essencial. Ao longo do tempo, vários estudos têm sido efetuados sobre a qualidade da proteção fornecida por óculos de sol contra as radiações ultravioleta e visível a que o utilizador está submetido [1][1] W.J. Anderson and R.K.H. Gebel, Appl. Opt. 16, 515 (1977). [2] H. Moseley, Phys. Med. Biol. 30 177 (1985). [3] P. Gies e C.R. Roy, Clinical and Experimental Optometry, 71 21 (1988). [4] F.S. Rosenthal, A.E. Bakalian, C. Lou, e H.R. Taylor, American Journal of Public Health 78 72 (1988). [5] L. Semes, Journal of the American Optometric Association 62 754 (1991). [6] P.H. Gies, C.R. Roy, S. Toomey e A. McLennan, Mutation Research - Fundamental and Molecular Mechanisms of Mutagenesis 422, 15 (1998). [7] L. Ventura, M. Masili, e H. Schiabel, em XVIII Congresso Brasileiro de Física Médica (São Pedro, 2013)[8][8] R. Rabbetts e D. Sliney, Optom Vis Sci. 96 523 (2019)..

A escolha dos óculos de sol é normalmente feita com base em critérios subjetivos ou simplesmente recaindo sobre o design dos mesmos. De facto, na generalidade dos casos a informação sobre a proteção oferecida é, na melhor das hipóteses, incompleta. Verificamos, por exemplo, que algumas marcas referem a concordância com normas internacionais como a ISO 12312-1, que infelizmente, não é de acesso livre [9][9] https://www.iso.org/standard/77321.html, acessado em set 2019.
https://www.iso.org/standard/77321.html...
. Noutros casos, a informação resume-se à indicação da categoria a que pertencem as lentes, eventualmente, referindo que são 100% anti-UV ou que oferecem proteção UV400. Esta é uma questão atual sobre a qual alguns autores têm-se debruçado, propondo novos sistemas de classificação que forneçam ao consumidor informação relevante e concisa, de forma a que este possa fazer uma escolha informada [10][10] C. Backes, A. Religi, L. Moccozet, F. Behar-Cohen, L. Vuilleumier, J.L. Bulliard e D. Vernez, J Expo Sci Environ Epidemiol 29 753 (2019).[11][11] GW Hall, Ann Ophthalmol Vis Sci. 3 1005 (2020)..

Um fator tomado em consideração aquando da compra de óculos de sol é a sua origem. Será que os óculos de marcas consagradas (mais caros) oferecem uma melhor proteção que, por exemplo, óculos de marca própria comercializados por cadeias de artigos desportivos? Alguns estudos sugerem que o preço não é um critério necessariamente determinante na proteção oferecida [12][12] G. Segrè, R. Reccia, B. Pignalosa e G. Pappalardo, Ophthalmic Res. 13 180 (1981). [13] Y.H. Leow e S.N. ThaM, International Journal of dermatology 34 808 (1995).[14][14] I. Novak, Phys. Educ. 32, 64 (1997)..

Ainda que de uma forma simplificada, estas questões podem ser abordadas experimentalmente em contexto de sala de aula. A abordagem utilizada por vários autores [14][14] I. Novak, Phys. Educ. 32, 64 (1997). [15] J.R. Abney e B.A. Scalettar, J. Chem. Educ. 75 757 (1998).[16][16] K. Zetie, Phys. Educ. 42 24 (2007). é a de efetuar a deteção da luz filtrada pelos óculos, por um espetrofotómetro. Esta abordagem, embora permita um bom varrimento do espetro da luz em função do comprimento de onda, tem a desvantagem de empregar um equipamento dispendioso e nem sempre acessível. Neste trabalho propomos a realização de uma montagem simples que permite avaliar a redução na intensidade da luz visível e UV próximo introduzida por lentes coloridas. O componente fundamental desta montagem é um conversor luz-tensão integrado com uma janela de sensibilidade que abranja comprimentos de onda do UV próximo até ao infravermelho. Como fontes de luz são utilizados LEDs de diversos comprimentos de onda. A atividade experimental proposta, é de fácil realização, sendo adequada a alunos pré-universitários.

2. Montagem experimental

A utilização de um conversor luz-tensão integrado como fotossensor torna fácil a deteção de luz e a sua conversão num sinal elétrico. Neste trabalho, utilizámos um conversor de baixo custo TSL12S, que, entretanto, foi substituído no mercado pelo modelo TSL257-LF [17][17] https://ams.com/documents/20143/36005/TSL257_DS000140_3-00.pdf acessado em set. 2019.
https://ams.com/documents/20143/36005/TS...
. O conversor TSL12S apresenta à radiação uma janela de sensibilidade entre 300 e 1100 nm, podendo ser alimentado por uma fonte de tensão entre 2,7 e 5,5 V, o que o torna particularmente atrativo para a realização de experiências em contexto de sala de aula. Como fonte de luz são usados LEDs de diversos comprimentos de onda. São recomendados os LEDs de invólucro transparente incolor, designados pelos fabricantes como water clear. O esquema do circuito eletrónico utilizado neste trabalho é apresentado na figura 1.

Figura 1
Esquema do circuito eletrónico.

A regulação da intensidade de luz emitida pelo LED é feita por um ou dois potenciómetros em modo de resistência variável (P1 e P2), ligados em série com o LED. A resistência R1 de proteção ao LED garante que existe sempre um valor de resistência não nulo em série. A utilização de dois potenciómetros de valores diferentes (P1=10 kΩ e P2=1 kΩ na montagem realizada) permite um ajuste fino na corrente que percorre o LED. Os valores destes potenciómetros devem ser adaptados ao tipo de LED utilizado, sendo os valores apresentados meramente indicativos. A alimentação dos circuitos é feita por uma fonte de tensão através de um regulador de tensão LM7805 que providencia um valor estável de 5 V à montagem. Desta forma o valor fornecido pela fonte de alimentação pode variar entre 7 e 25 V, mantendo-se constante e igual a 5 V a tensão fornecida quer ao circuito do conversor luz-tensão TSL12S quer ao circuito do LED. Os diversos componentes foram montados em placas preperfuradas. De modo a obter uma montagem estável quer do LED, quer do fotossensor, as repetivas placas foram fixas numa estrutura construída com peças LEGO® (figura 2). Estas peças possuem grande precisão mecânica facilitando o alinhamento entre o LED e o fotossensor. Foi ainda construído um colimador com peças LEGO® de forma a limitar a entrada no fotossensor de luz que não tenha proveniência direta no LED. De modo a ser possível a troca de LED, estes são encaixados em pinos fêmea que se encontram soldados à placa preperfurada. O conjunto é colocado dentro de uma caixa pintada com tinta preto mate de forma a minimizar as reflexões da luz.

Figura 2
Caixa de medida com o interior pintado com tinta preto mate. Nesta montagem é visível um LED de ultravioleta próximo, o fotossensor, bem como um par de óculos. A caixa é fechada com uma tampa também pintada no interior com tinta preto mate.

3. Medidas da redução da intensidade da luminosa

Com a montagem anteriormente descrita procedemos à medição da percentagem de luz que atinge o fotodetetor quando interpomos no caminho entre o LED e o fotossensor a lente colorida de óculos sem graduação. Nestes ensaios foram escolhidos óculos de marca adquiridos em lojas de ótica, e óculos sem marca especifica (também designados de marca branca), adquiridos em lojas de desporto. Estes últimos, apresentam geralmente um custo muito inferior aos óculos de marca comprados nas lojas de ótica. Realizaram-se, ainda, medições com lentes incolores e sem graduação, de forma a avaliar a percentagem de luz que passa através destas lentes. Para o efeito, escolheu-se um conjunto de LEDs que cobrem o espetro de luz desde o ultravioleta próximo até ao infravermelho. Em particular, encontram-se disponíveis no mercado LEDs cuja banda de emissão se situa na zona do violeta a ultravioleta próximo, permitindo testar a proteção oferecida pelas lentes nesta banda de comprimento de onda específica.

Na realização das medidas procedeu-se da seguinte forma: de cada vez, um dos LED foi colocado no suporte não se inserindo qualquer lente no caminho da luz. A tampa da caixa foi fechada e a resposta do conversor luz-tensão obtida no voltímetro foi ajustada com recurso aos potenciómetros P1 e P2. Procurou-se obter um valor inferior ao máximo fornecido pelo conversor (tipicamente da ordem de 4,9 V) de forma a garantir que a resposta do fotossensor não se encontrasse saturada por excesso da intensidade luminosa. Voltando a abrir a caixa as diversas lentes são então à vez interpostas entre o LED e o fotossensor, medindo-se a tensão obtida no voltímetro, sempre após fechar a caixa com a respetiva tampa. A redução da intensidade luminosa introduzida pela lente é então avaliada pela razão dos valores medidos no voltímetro com e sem lente.

Na figura 3 são apresentados os valores da razão entre o sinal medido, com lente e sem lente, entre o LED e o fotossensor. O valor de comprimento de onda corresponde ao valor do máximo do espetro de emissão de luz do LED. As barras de erro horizontais correspondem aos valores da largura a meia altura dos espetros de emissão de cada LED. As lentes coloridas testadas cobrem as três cores mais usadas: verde, castanho e azul acinzentado. Os óculos foram divididos em dois lotes consoante a sua proveniência: óculos de marca, comprados em lojas de ótica, e óculos comprados em lojas de desporto. Tipicamente o custo dos óculos do segundo lote é bastante inferior ao custo dos óculos do primeiro lote, sendo que nalguns casos a razão entre os preços atinge um fator dez. Todas as lentes testadas incluindo as incolores são do tipo “inquebrável” em policarbonato.

Figura 3
Valor da razão entre o sinal medido com lente e sem lente entre o LED e o fotossensor em função do comprimento de onda (cdo). Um dos lotes corresponde a óculos adquiridos em oculista (lojas de ótica) enquanto o segundo lote corresponde a óculos adquiridos em lojas de desporto. O valor apresentado para a barra de erro horizontal é o da largura a meia altura do espetro de emissão do LED. As incertezas nas medidas são da ordem de 5%.

Das medidas apresentadas na figura 3, verificamos que para todas as lentes coloridas testadas, na região do ultravioleta próximo a intensidade da luz detetada é da ordem de 1% a 2% da intensidade da luz incidente na lente. Tal como seria de esperar, a filtração na banda UV estudada não é exatamente 100%. A cor da lente não parece ser um fator determinante no valor obtido, nem o local da compra. Como previsto, a lente incolor apresenta apenas uma pequena redução da intensidade luminosa. Na banda testada entre os 465 e 660 nm (que vai do azul ao vermelho) a razão medida das intensidades para as lentes coloridas situa-se entre 10% e os 40%, com algumas variações entre as diferentes lentes. Todavia em todas as lentes verificamos que a redução diminui com o aumento do comprimento de onda da radiação. De uma forma geral, com base nos valores medidos, podemos afirmar que não existem diferenças significativas entre os valores medidos para óculos de marca ou óculos de marca branca adquiridos em lojas de desporto.

4. Conclusões

Neste trabalho é proposta uma atividade experimental que permite testar a redução da intensidade luminosa introduzida por lentes coloridas de óculos sem graduação. O sistema é baseado em LEDs de diferentes cores e num fotossensor com amplificação integrada, que converte o sinal luminoso em sinal elétrico. Os LEDs escolhidos cobrem comprimentos de onda do UV próximo ao infravermelho. O sistema compreende um pequeno número de componentes, sendo de fácil montagem, podendo ser realizada por alunos pré-universitários. No trabalho realizado escolheram-se as três cores de óculos de uso mais corrente (verde, castanho e azul acinzentado). Constituíram-se dois lotes de óculos de acordo com a proveniência da sua compra: óculos de marca adquiridos em lojas de ótica ou óculos de marca branca adquiridos em lojas de desporto. Os testes não revelaram diferenças significativas entre os dois lotes ou entre as várias cores de lente. De forma geral, a experiência realizada mostrou que a proteção oferecida pelas lentes coloridas testadas é adequada para a região crítica do UV.

Agradecimentos

Estamos gratos à Agência Ciência Viva de Portugal, pelo apoio financeiro a este projeto e agradecemos a Elizabeth Peralta a revisão do texto.

Referências

  • [1] W.J. Anderson and R.K.H. Gebel, Appl. Opt. 16, 515 (1977).
  • [2] H. Moseley, Phys. Med. Biol. 30 177 (1985).
  • [3] P. Gies e C.R. Roy, Clinical and Experimental Optometry, 71 21 (1988).
  • [4] F.S. Rosenthal, A.E. Bakalian, C. Lou, e H.R. Taylor, American Journal of Public Health 78 72 (1988).
  • [5] L. Semes, Journal of the American Optometric Association 62 754 (1991).
  • [6] P.H. Gies, C.R. Roy, S. Toomey e A. McLennan, Mutation Research - Fundamental and Molecular Mechanisms of Mutagenesis 422, 15 (1998).
  • [7] L. Ventura, M. Masili, e H. Schiabel, em XVIII Congresso Brasileiro de Física Médica (São Pedro, 2013)
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  • [9] https://www.iso.org/standard/77321.html, acessado em set 2019.
    » https://www.iso.org/standard/77321.html
  • [10] C. Backes, A. Religi, L. Moccozet, F. Behar-Cohen, L. Vuilleumier, J.L. Bulliard e D. Vernez, J Expo Sci Environ Epidemiol 29 753 (2019).
  • [11] GW Hall, Ann Ophthalmol Vis Sci. 3 1005 (2020).
  • [12] G. Segrè, R. Reccia, B. Pignalosa e G. Pappalardo, Ophthalmic Res. 13 180 (1981).
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  • [17] https://ams.com/documents/20143/36005/TSL257_DS000140_3-00.pdf acessado em set. 2019.
    » https://ams.com/documents/20143/36005/TSL257_DS000140_3-00.pdf

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    24 Ago 2020
  • Data do Fascículo
    2020

Histórico

  • Recebido
    19 Abr 2020
  • rev-received
    22 Jun 2020
  • Aceito
    19 Jul 2020
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