Acessibilidade / Reportar erro

Da Adolescência à Maturidade: Estudo Prospectivo dos Estudantes de medicina da Universidade do Estado do Rio de Janeiro

From Adolescence to Maturity: Prospective Study of medical Students from Rio de Janeiro State University

Resumo:

Com o objetivo de conhecer o estudante de medicina da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, suas expectativas e transformações sobre aspectos sociodemográficos, vida universitária e profissionalização. A adesão foi de 95%no primeiro e de 74% no último ano. Verificou-se que a maioria era de brancos (90%) e mulheres 56%, e que 87,5% dos egressos apresentavam dependências econômicas do país, eram solteiros e sem filhos. Ao final do curso, dominavam o idioma inglês (96,8% e computador 93,7) estudavam mais no sexto ano (90,5%), principalmente por livros, texto (41,4%). O curso atingiu as expectativas de 85,7% deles, como calouros, e dês 56,5%, como interno (p<0,05). A falta de integração teórico-prática, associada a mais prática, foi uma deficiência apontada por 92% no primeiro ano e por 93,7% no sexto ano. Ao final do curso, cerca de 44% dos alunos necessitavam aconselhamento profissional. Os resultados apontam a necessidade urgente de uma reformulação curricular, a fim de tornar o curso mais satisfatório aos alunos e adequados às novas diretrizes curriculares.

Palavras-Chave:
Educação Médica; Estudantes de medicina; Prática profissional

Abstract:

A prospective study was carried out among medical students from Medical Sciences Faculty, Rio de Janeiro State University, as the aim to know the student expectations and charges all over the course. Information about social-demographic aspects, academic life and professional training was obtained from a questionnaire passed through students in the first term, in 1996, and again in the last term, in 2001. Most Of the students answered the questions, 95% of the freshmen and 74% of the interns. The results showed that most of them are white (90%), women (56%), not married, without kids, and 85,7% of them are dependent on their parents for Money. At about 90% of the interns used to studying mainly from textbooks. Their expectations in relations to the academic course was fulfilled for 85,7% of the freshmen and 56,5% of the last year students (p<0,05). The lack of integration of basic-clinical sciences associated to few practical skills training were pointed out to 92% of the first year students and 93,7% of the sixth-year students in the last school year , at about 44% of them needed professional advice. The results demonstrated the need for implement changes in the medical syllabus as to become the course more pleasant for the students and more suitable to the new charges required by the Ministry of Education.

Key-Words:
Education, medical; Students, medical; Professional practices

INTRODUÇÃO

A formação médica tem passado por grandes transfor­mações desde a Idade Média em que médicos, na maioria sacerdotes, exerciam a função prioritária de salvar “almas” e; secundariamente, vidas - até os dias atuais.

No Brasil, até o final do século 15, a formação médica era realizada por professores (na maioria sacerdotes), que apenas liam (lentes) os textos existentes para os futuros médicos, em sua maioria também religiosos. No século 17, o conhecimento mostrava-se já mais ampliado, com o início das obser­vações empíricas e uso de equipamento (microscópio), mas os primeiros médicos que vieram para o Brasil ainda sofriam fortemente a influência religiosa e aplicavam-na na educação médica. No século 18, divergências políticas entre a atuação dos jesuítas no Brasil e o direcionamento proposto por Portugal culminaram com a expulsão da Companhia de Jesus pelo império português, que era a estrutura responsável pelo ensino secundário e superior. Com isso, verificou-se o afastamento religioso do ensino e a possibilidade de mudanças na estrutura curricular no ensino médico, protagonizadas pelo Marquês de Pombal. Com a vinda da família real para o Brasil, no século 19, surgiram as primeiras faculdades de medicina no país, com mudanças curriculares expressivas na formação médica11. Rego STA. Saindo da adolescência com a vida (dos outros) nas mãos: estudo sobre a formação ética dos estudantes de medicina. (Tese). Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2001.. É importante ressaltar que, até esse período, um estudante de medicina podia usar o conteúdo curricular adquirido na faculdade durante toda a sua carreira, em virtude da progressão ainda lenta do conhecimento22. Gourevitch D. The history of medical teaching. The Lancet 1999; 354: 33..

Nos Estados Unidos, o ensino médico tradicional, que era afastado do desenvolvimento científico e defasado da evolução econômica verificada no fim do século 19, precedeu uma busca de reformulação das escolas médicas, provocada pelo relatório Flexner, no início do século 20. Este propôs a padronização do ensino nas escolas médicas de forma compartimentalizada, com a divisão do curso em disciplinas básicas e clínicas, pouca integração do conhecimento e ênfase nos co­nhecimentos mais especializados. Essa mudança foi seguida pelas escolas médicas americanas e canadenses, sendo este modelo adotado no Brasil em 1968 e até hoje praticado na maioria das escolas médicas brasileiras33. Lampert JB. Currículo de graduação e o contexto da formação do médico. Rev Brns Educ Méd 2001; 25: 7-19..

A educação Médica atual tenta acompanhar a expressiva produção de conhecimento científico-tecnológico verificada no fim do século 20, apresentando-se como bastante técnica e ironicamente criticada por Gourevitch, que questiona a real necessidade de treinamento acadêmico do estudante de medicina, para tornar-se , ao final do curso , apenas um técnico em saúde , denominação mais apropriada para o médico atual22. Gourevitch D. The history of medical teaching. The Lancet 1999; 354: 33.. O desenvolvimento científico-tecnológico verificado no final do século 20 e início do século 21 em diversos campos do conhecimentos , incluindo a medicina , mostra a necessidade de , uma reformulação desta medicina impessoal e desumanizada, que deve ser direcionada ao entendimento e aprofundamento do comportamento humano em suas relações interpessoais e profissionais, para o enfrentamento dos novos desafios na área de saúde, considerando não só o enfoque biológico, mas também o psicossocial e ético do ser humano44. Venturelli J. Educación médica: Nuevos enfoques, metas e métodos. Washington (US): Organización Panamericana de la Salud, Organización Mundial de la Salud; 1997..

A avaliação das escolas médicas no Brasil pela Comissão Interinstitucional Nacional de Avaliação das Escolas Médicas (Cinaem) comprovou que o modelo departamental de ensino, centrado na doença , privilegia o conhecimento técnico e estimula a especialização precoce do estudante55. Briani MC.O ensino médico no Brasil está mudando? Rev Bras Educ Méd 2001; 25:73-77.).

Clift e Short, em 1999, sugeriram que os países em desenvolvimento dessem ênfase à formação médica em Cuidados Básicos de Saúde e Medicina Preventiva, considerados por eles como as “cinderelas” do currículo66. Clift A, Short RV. Medical education for the doctors of tomorrow. Lancet 1999; 354:34.. Atualmente, este é o direcionamento das nova diretrizes curriculares nacionais para o curso de graduação em medicina, homologadas pelo MEC em 2001. Elas objetivam a formação médica com ênfase na prevenção de doenças e na promoção, recuperação e reabilitação da saúde, capazes de atuar prioritariamente nos atendimentos de nível primário e secundário (CES/CNE 583/2001).

Por ser na Faculdade que os futuros profissionais se capacitam a atuar com competência e habilidade para o exercício da profissão, alguns movimentos têm procurado conhecer a situação, em busca de novos modelos educacionais, mais adequados à formação médica atual e que possam reverter o alto grau de insatisfação de formandos, docentes e pacientes.

Este trabalho objetiva conhecer o tipo de aluno que ingressa na Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, e suas expectativas quanto ao curso médico, e, prospectivamente, analisar as transformações ocorridas no egresso durante os seis anos de estudo, avaliando o ensino oferecido segundo a sua visão, para obter informações que possam embasar futuras intervenções educacionais.

MATERIAL E MÉTODOS

População-Alvo

Foi realizado um estudo prospectivo entre os estudantes de medicina da Universidade do Estado do Rio de Janeiro, que foram avaliados no início do curso, em 1996, e ao final, em 2001.Os Estudantes foram convidados a participar de forma anônima, após o esclarecimento detalhado dos objetivos da pesquisa e do instrumento a ser utilizado. Obtida a concordância em participar, teve início a coleta de dados.

Instrumento de Pesquisa

Foi utilizado como instrumento de pesquisa um questio­nário auto administrado, cujas perguntas foram elaboradas para obter informações sobre aspectos sociodemográficos, vida universitária e profissionalização idealizada de cada estudante. As perguntas sobre identificação tinham respostas livres, e as outras, de múltipla escolha padronizadas. Variáveis sociodemograficas foram compostas por questões relativas a idade, sexo, cor, estado civil, número de parentes médico, forma de sustento do estudante, meio de transporte utilizado para ir à faculdade e posse de computador.

As informações relativas à capacitação do aluno para as atividades curriculares incluíram perguntas sobre uso do computador para fins educacionais, domínio da leitura no idioma inglês, utilização de bibliotecas e presença e tipo de leitura relacionada à profissão.

Sobre sua formação, as perguntas se relacionaram à razão da opção pela Uerj, adaptação ao ensino universitário, correspondência do curso às expectativas do aluno, deficiências na forma de o conteúdo do curso ser administrado e interesse em participar de pesquisas.

Finalmente, a profissionalização foi avaliada por questões sobre as razões da escolha da carreira, segurança na escolha, necessidade de aconselhamento, área escolhida ou pensada, cidade onde pretende exercer a profissão e tipo de vínculo profissional desejado.

Análise dos Dados

Os resultados foram analisados sob a forma quantitativa, por tipo e frequência das ocorrências encontradas nas respostas ao questionário e na comparação dos achados entre os alunos no começo e no fim do curso. O teste do qui-quadrado77. Siegel S . Estatística não paramétrica. São Paulo: Mc Graw Hill; 1975. foi utilizado na comparação das variáveis segurança na profissão, aconselhamento profissional, expectativas do curso e frequência à biblioteca da faculdade em relação ao gênero dos estudantes.

RESULTADOS

Conseguiu-se uma adesão de 95% dos 96 alunos no primeiro ano, em 1996, e de 74% dos 85 alunos no sexto ano, quando se formaram em 2001.

Variáveis Sociodemográficas

Na investigação sobre a idade dos estudantes (Tabela 1), verificou-se que a moda no primeiro ano esteve em 18 anos, e no último ano, em 24 anos. Apenas 5% residem fora do município do Rio de Janeiro. A residência na Zona Sul, Barra da Tijuca e Recreio dos Bandeirantes correspondeu a 43,9% do total de alunos. Na Zona Norte, moravam os restantes 56,1%, sendo que 40% destes residiam próximo à Faculdade (Vila Isabel e arredores).

Tabela 1
Distribuição das respostas dos alunos de medicina da Uerj às variáveis sociodemográficas, em 1996 e 2001, anos correspondente são primeiro e ao último ano do curso, Rio de Janeiro,2002

Mais da metade da turma constituída por mulheres, e quase 90% são brancos. A evolução dos estudantes mostrou que, após seis anos, o dobro dos alunos que se identificavam com os não brancos no começo do curso se assumem como tal.

Eles terminam o curso solteiros (96,8%), sem renda própria e sustentados pelos pais (85,7%). Dos que trabalham ou auxiliam no orçamento familiar, cerca de 77,8% residem na Zona Norte, dois terços são mulheres, têm média de idade de 27 anos e trabalham em plantões. Mais de 70% têm parentes módicos, e quase todos têm computador ao final da graduação (93,7%). O carro é o meio de transporte de mais da metade dos alunos; dentre aqueles que utilizam o ônibus como o único meio de transporte, as mulheres são as maiores usuárias (65%), e 60% residem na Zona Norte, sendo um terço deste percentual próximo à Faculdade.

INSTRUMENTALIZAÇÃO

Sobre a instrumentalização necessária à formação (Tabela 2), percebe-se que os alunos já ingressam em condições favoráveis, pois cerca de 80% utilizam o computador para fins educacionais e leem em inglês; ao final do sexto ano, quase todos o fazem. Eles fazem leitura ligada à profissão mais ao final do curso (90,5%), embora a maioria por livros didáticos (41, 4%). Menos de um terço lê revistas científicas.

Tabela 2
Distribuição das respostas dos alunos de medicina da Uerj a algumas variáveis ligadas à sua instrumentalização para a vida universitária, em 1996 e 2001, anos correspondentes ao primeiro e ao último ano do curso, Rio de Janeiro, 2002

A utilização da biblioteca da faculdade diminuiu ao longo da graduação, e aumentou a utilização de bibliotecas de outras instituições. Entretanto, dos que não frequentavam a biblioteca da faculdade ao final do curso, cerca de 83% nunca foram ou foram poucas vezes a outras. Apesar de as alunas frequentarem menos que os alunos a biblioteca da Faculdade de Ciências Médicas, a associação desta variável com o gênero não foi estatisticamente significativa.

Formação

Quanto à visão do aluno sobre a formação oferecida pela instituição (Tabela 3), a qualidade de ensino foi a resposta da maioria dos alunos para a razão de sua opção pela Uerj. Entretanto, o curso, que no começo atingia as expectativas de 85,7% dos calouros, foi satisfatório para 56,5% deles quando internos, com diferença estatisticamente significativa em relação ao ano letivo cursado. Embora com diferenças estatisticamente não significativas para gênero, cerca de 45% dos homens e 65% das mulheres terminaram o curso considerando que este não atingiu suas expectativas.

Com relação às deficiências nas atividades de ensino-aprendizagem, a falta de integração teórico-prática foi o principal item apontado como falho por 80,2% dos estudantes já no primeiro ano e por 88,9% deles ao final do curso. Quando este item foi associado à necessidade de mais práticas, o percentual de estudantes que apontaram deficiências num desses itens ou ambos se elevaram para 92% no primeiro ano e para 93,7% no sexto ano. O interesse em participar de pesquisas foi manifestado pela maioria, porém, desde o início da faculdade até o final, cerca de 85% optaram pela pesquisa aplicada.

Tabela 3
Evolução das respostas dos alunos de medicina da Uerj a algumas variáveis ligadas à formação oferecida pela Universidade, em 1996 e 2001, anos correspondentes ao primeiro e ao último ano do curso, Rio de Janeiro,2002

Profissionalização

Quanto à profissionalização (Tabela 4), a escolha da carreira se deu por intuição em cerca de dois terços dos casos, porém a busca por status, referida por 6% dos estudantes como

Tabela 4
Evolução das respostas dos alunos de medicina da UERJ a algumas variáveis relacionadas à profissionalização, em 1996 e 2001, anos correspondentes ao primeiro e ao último ano do curso, Rio de Janeiro,2002

O motivo principal da escolha, correspondeu à metade das opiniões no fim do curso. Ao terminarem a faculdade, outras razões para a escolha da carreira foram apontadas, como idealismo, afinidade e amor à profissão, oportunidade de aprendizado e conhecimento aprofundado. A ajuda ao próximo, princípio ético identificado como o da beneficência, foi citado por apenas uma interna. No último ano, os alunos se sentiam discretamente mais seguros (85,7%) que no começo (89,9%), e cerca de 44% referiam necessitar de aconselhamento profissional. Quando analisamos a segurança de acordo com o gênero, detectamos que os homens (20,7%) disseram sentir- se mais inseguras na escolha da profissão que as mulheres (8,8%) mas não houve correlação estatísticas significativas nesta diferença. Entretanto, em relação à necessidade de aconselhamento profissional, houve diferença estatisticamente significativa entre as respostas dos homens, em que 65,5% assinalaram essa necessidade, ao passo que entre as mulheres apenas 26,5% referiram a mesma(p<0,05).

DISCUSSÃO

Os resultados das variáveis sociodemográficas (Tabela 1) mostram, com relação à idade, que os estudantes entram novos na faculdade de medicina e se formam médicos após seis anos. Considerando o regime seriado do curso, isso revela que a repetência foi inexpressiva durante a formação. Com relação à etnia, como não houve ingresso de alunos novos durante o curso, acreditamos que o dobro do percentual de não brancos, no último ano, se deveu à maturidade do estudante em assumir suas características raciais. A maturidade também pode justificar a busca por status, referida por 6% dos estudantes no primeiro ano como o motivo principal da escolha da profissão, mas que correspondeu à metade das opiniões no fim do curso (Tabela 3). Os itens relacionados às variáveis sociodemográficas mostraram que os estudantes são predominantemente do sexo feminino e se originam de famílias com poder aquisitivo suficiente para sustentá-los até o fim do curso, pois 85,7% dos egressos apresentam dependência econômica dos pais, quase todos ainda estão solteiros (96,8%) e sem filhos (Tabela 1). Estes resultados contrastam com estudo realizado no Ceará em 284 egressos de 1996, mostrando que a maioria era do sexo masculino (60,2%), porém havia menos solteiros (59,9%) e dependentes economicamente dos pais (cerca de 45%)88. Silva JDM, Silva LFG, Silva MCC. Aspectos sócio - econômicos dos candidatos à residência médica do Sistema Único de Saúde do Estado do Ceará para ingresso em 1997. Ver Bras Educ Méd. 2002; 26:13-20.. Nesta pesquisa, verificou-se também que 73,6% já trabalhavam ao final do curso, contra apenas 4,8% dos internos do Rio de Janeiro. Oportunidades de trabalho reduzidas para os recém-formados ou inclusão em classes economicamente mais privilegiadas podem ser as responsáveis por tais diferenças. O nível de escolaridade dos pais, o percentual de médicos na família e a dependência econômica da família são confirmados por análise dos alunos da primeira à quinta série, realizada em 1991 nesta faculdade, que revelou que 82% dos estudantes possuíam pais graduados, mais da metade (55%) tinha parentes médicos e 93,5% eram sustentados pelos pais99. Costa-Macedo LM, Alvarenga FBF, Montagna NA. Características sócio-demográfica e econômico-cultural dos estudantes de medicina da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 39° Congresso Brasileiro de Educação Médica; 11° Fórum de Avaliação das Escolas Médicas; 26-30 set. 2001; Belém, ASEM, 2001. p.54.. Ou seja, aluno de baixo poder aquisitivo não está chegando à universidade pública e gratuita, talvez por deficiências no ensino médio e fundamental.

A Tabela 2 mostra que eles já ingressam na faculdade bem instrumentalizados, com domínio do idioma inglês e do computador, para fins educacionais. Dado à dependência econômica verificada na tabela 1, esses números confirmam o investimento familiar na educação dos filhos.

Quanto ao tipo de leitura relacionada à profissão (tabela 2), verificamos que a maioria estuda basicamente por livros, texto e que a utilização desta fonte aumentou conforme o período letivo estudado. Trabalho sobre fontes de estudo entre estudantes de medicina avaliados em todos os períodos, em 1998, confirmou que a maioria utilizava o computador para fins educacionais (60%), estudava preferencialmente por livros -textos (69%) e em que português (55%)1010. Peixoto MAP, Mattos TM. Fontes de estudo na escola médica-recursos instrucionais utilizados por alunos de medicina da região sudeste do Brasil. Rev Bras Educ Méd 2002; 26: 28-34.. Quanto ao uso de bibliotecas, os resultados apontam o uso decrescente da biblioteca da própria instituição ao longo do curso, e a utilização crescente das bibliotecas de outras instituições. Isto pode estar associado à busca por biblioteca local, e / ou às limitações da mesma quanto a diversidade e atualização do acervo. Contudo, consideramos a utilização de periódicos como fonte de conhecimento por metade dos alunos do sexto ano aquém do esperado, considerando a profissão técnico-científica que escolheram e por já existir uma demanda pelo próprio curso para a leitura complementar de artigos científicos. A literatura confirma os baixos índices de utilização de artigos científicos (37%) entre estudantes de medicina, mostrando claramente que esta não é a fonte de estudo preferencial, já que apenas 1% prefere estudar por esta fonte1010. Peixoto MAP, Mattos TM. Fontes de estudo na escola médica-recursos instrucionais utilizados por alunos de medicina da região sudeste do Brasil. Rev Bras Educ Méd 2002; 26: 28-34.. Mais preocupante é o fato de quase 20% dos alunos da Uerj, ao final do curso, nunca terem utilizado bibliotecas de outras instituições, e, dos que o fizeram, menos de 5% compareciam de forma regular. Igualmente surpreendente é a constatação de que quase 30% dos alunos egressos não vão à biblioteca local, e 83% nunca foram ou foram poucas vezes a outras bibliotecas, indicando pouca disponibilidade para a busca ativa do conhecimento. Por provável erro de entendimento, constatamos alto percentual de alunos do primeiro ano que liam periódicos. Um deles escreveu, à parte, que realiza leitura de revistas, não assinalando o item periódicos.

A Tabela 3 indica que a qualidade do ensino foi o item eleito pela maioria dos alunos como justificativa para a opção da faculdade cursada. Esta escolha foi relatada pelo mesmo percentual de alunos no começo e no fim do curso. Contraditoriamente, 86% dos estudantes, durante o primeiro ano, consideraram que o curso estava atingindo suas expectativas, mas, ao responderem este item como internos, houve redução do percentual que considerava o curso satisfatório (56,5%). A análise dos alunos da primeira à quinta série, realizada em 1991, demonstrou que, à medida que os alunos se encontram nos anos mais avançados, o curso atinge as expectativas de uma taxa cada vez mais reduzida de estudantes (1111. Alvarenga FBF, Costa-Macedo LM, Montagna NA. Vida escolar e opção profissional dos estudantes de medicina da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 39° Congresso Brasileiro de Educação Médica, 11º Fórum de Avaliação das Escolas Médicas; 26-30 set. 2001; Belém, ASEM, 2001. p.54.). Esta situação se desdobra numa busca externa de complementação do curso, em que o currículo paralelo é um dos componentes fortes da formação, pois é praticado pela maioria dos alunos1212. Taquette SR, Costa-Macedo LM, Alvarenga FBF. Currículo paralelo: uma realidade na formação dos estudantes de medicina da UERJ. Rev Bras Educ Méd ; No prelo.).

A grande maioria dos alunos (mais de 90%) apontou deficiências no curso, assinalando a falta de integração teórico-prática e de práticas como os principais itens falhos no curso, mesmo quando foram avaliados no final do último ano. É evidente o descontentamento dos discentes em relação ao currículo, e isso aponta a necessidade de busca de reversão deste quando o mais rápido possível considerando-se as novas diretrizes curriculares, em que a integração básico-profissional, além de fundamental, deve inserir-se desde o início do curso até o término da graduação. Estas deficiências, entretanto, não são peculiares a esta escola. Outros cursos de medicina de outras universidades também têm sido alvo de críticas em relação à inadequação do ensino às necessidades de saúde da população e às expectativas do corpo discente, conforme levantamento da Cinaem1313. Brasile MA. Uma experiência nacional: CINAEM. In: Marcondes E, Gonçalves EL. Educação Médica. São Paulo: Sarvier, 1998. p. 307-22. Por estes e outros motivos, novas metodologias de ensino já estão sendo utilizadas em algumas escolas brasileiras, destacando-se a Aprendizagem Baseada em Problemas (1414. Komatsu RS; Zanolli MB; Lima VV. Aprendizagem baseada em problemas. In: Marcondes E, Gonçalves EL. Educação Médica . São Paulo: Sarvier ; 1998. p. 223-235. na Faculdade de Medicina de Marília (SP), na Faculdade de Medicina da Universidade de Londrina (PR).

Apesar de um quinto dos egressos não ter interesse em projetos de pesquisa, este item foi manifestado positivamente pela maioria dos estudantes desde o começo da formação. Ademais, a pesquisa aplicada foi o principal interesse, apontado por cerca de 85% dos alunos nos dois momentos do estudo, talvez por sentirem maior aproximação desta com a profissão. Outro fato a considerar pode ser o distanciamento dos docentes pesquisadores na área básica com os estudantes de graduação.

O conhecimento da nossa "clientela" e o que ela pensa sobre o seu curso são os primeiros passos para que futuras intervenções educacionais possam ter êxito. Outras faculdades têm feito o mesmo, como a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo, que avaliou o perfil do ingresso de 1999 a 2001, tendo verificado que os estudantes são jovens, metade tem familiares médicos, escolhem a profissão provocação ou "desejo de ajudar" e temem o volume de informações a ser assimilado dado o tempo disponível (1515. Vieira JE, Nobre MRC, Nunes MPT, Martins MA. O perfil do aluno da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Vestibular selecionado com viés? Rev Bras Educ Méd 2001; 25: 68-72.).

Os resultados apresentados revelam uma insatisfação crescente dos alunos em relação à forma como o currículo é administrado no curso. Esta situação aponta a necessidade de modificações curriculares que tornem o curso mais próximo das expectativas dos graduandos.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

  • 1
    Rego STA. Saindo da adolescência com a vida (dos outros) nas mãos: estudo sobre a formação ética dos estudantes de medicina. (Tese). Rio de Janeiro: Instituto de Medicina Social da Universidade do Estado do Rio de Janeiro; 2001.
  • 2
    Gourevitch D. The history of medical teaching. The Lancet 1999; 354: 33.
  • 3
    Lampert JB. Currículo de graduação e o contexto da formação do médico. Rev Brns Educ Méd 2001; 25: 7-19.
  • 4
    Venturelli J. Educación médica: Nuevos enfoques, metas e métodos. Washington (US): Organización Panamericana de la Salud, Organización Mundial de la Salud; 1997.
  • 5
    Briani MC.O ensino médico no Brasil está mudando? Rev Bras Educ Méd 2001; 25:73-77.
  • 6
    Clift A, Short RV. Medical education for the doctors of tomorrow. Lancet 1999; 354:34.
  • 7
    Siegel S . Estatística não paramétrica. São Paulo: Mc Graw Hill; 1975.
  • 8
    Silva JDM, Silva LFG, Silva MCC. Aspectos sócio - econômicos dos candidatos à residência médica do Sistema Único de Saúde do Estado do Ceará para ingresso em 1997. Ver Bras Educ Méd. 2002; 26:13-20.
  • 9
    Costa-Macedo LM, Alvarenga FBF, Montagna NA. Características sócio-demográfica e econômico-cultural dos estudantes de medicina da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 39° Congresso Brasileiro de Educação Médica; 11° Fórum de Avaliação das Escolas Médicas; 26-30 set. 2001; Belém, ASEM, 2001. p.54.
  • 10
    Peixoto MAP, Mattos TM. Fontes de estudo na escola médica-recursos instrucionais utilizados por alunos de medicina da região sudeste do Brasil. Rev Bras Educ Méd 2002; 26: 28-34.
  • 11
    Alvarenga FBF, Costa-Macedo LM, Montagna NA. Vida escolar e opção profissional dos estudantes de medicina da Universidade do Estado do Rio de Janeiro. 39° Congresso Brasileiro de Educação Médica, 11º Fórum de Avaliação das Escolas Médicas; 26-30 set. 2001; Belém, ASEM, 2001. p.54.
  • 12
    Taquette SR, Costa-Macedo LM, Alvarenga FBF. Currículo paralelo: uma realidade na formação dos estudantes de medicina da UERJ. Rev Bras Educ Méd ; No prelo.
  • 13
    Brasile MA. Uma experiência nacional: CINAEM. In: Marcondes E, Gonçalves EL. Educação Médica. São Paulo: Sarvier, 1998. p. 307-22.
  • 14
    Komatsu RS; Zanolli MB; Lima VV. Aprendizagem baseada em problemas. In: Marcondes E, Gonçalves EL. Educação Médica . São Paulo: Sarvier ; 1998. p. 223-235.
  • 15
    Vieira JE, Nobre MRC, Nunes MPT, Martins MA. O perfil do aluno da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo. Vestibular selecionado com viés? Rev Bras Educ Méd 2001; 25: 68-72.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    15 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2003

Histórico

  • Recebido
    31 Jul 2002
  • Revisado
    11 Nov 2002
  • Aceito
    16 Jan 2003
Associação Brasileira de Educação Médica SCN - QD 02 - BL D - Torre A - Salas 1021 e 1023 | Asa Norte, Brasília | DF | CEP: 70712-903, Tel: (61) 3024-9978 / 3024-8013, Fax: +55 21 2260-6662 - Brasília - DF - Brazil
E-mail: rbem.abem@gmail.com