Implicações da avaliação geriátrica ampla na qualidade de vida em pessoas idosas com câncer: uma revisão integrativa

Resumo

A avaliação geriátrica ampla (AGA) melhora a qualidade do cuidado das pessoas idosas com câncer, pois permite a identificação de problemas geriátricos e fragilidades que tenham implicações na saúde do indivíduo. Apesar dos benefícios da AGA, dificuldades relacionadas ao tempo e gastos com essa ferramenta limitam sua implantação na prática. O objetivo desta revisão é avaliar a relação entre a AGA e a qualidade de vida (QV) de pessoas idosas com câncer, através de uma revisão integrativa da literatura. Foi realizada uma busca por artigos nas bases de dados PubMed, MEDLINE, IBECS e LILACS, publicados entre 2015 e 2020, que abordassem as implicações da AGA na QV de pessoas idosas com câncer e, dos 298 estudos encontrados, 21 foram selecionados para análise. Esses demonstraram que a AGA desempenha função importante ao identificar pessoas idosas com maior risco de comprometimento da QV durante a evolução da neoplasia e do tratamento oncológico, bem como ao orientar a indicação de intervenções geriátricas específicas que previnam a deterioração da QV. Assim, a presente revisão destaca a importância da avaliação integral das pessoas idosas com câncer que, através de diferentes âmbitos, sejam prognósticos ou intervencionistas, desenvolve um papel fundamental na preservação da QV dessa população. Compreende-se a necessidade de desenvolver estratégias para incorporação da AGA no cuidado das pessoas idosas com câncer.

Palavras-Chave:
Avaliação Geriátrica; Neoplasias; Qualidade de vida

Abstract

Comprehensive geriatric assessment (CGA) improves the quality of care for older adults with cancer, as it identifies geriatric problems and weaknesses that have implications for the health of the individual. Despite the benefits of CGA, difficulties related to time of application and cost of this tool limit its implementation in practice. The purpose of this review is to evaluate the relationship between CGA and the quality of life (QoL) of older adults with cancer, through an integrative review. A search was performed for articles in the PubMed, Medline, IBECS and Lilacs databases, published between 2015 and 2020, that addressed the implications of CGA on the QoL of older adults with cancer and, of the 298 studies found, 21 were selected for analysis. These studies revealed that CGA performs an important role in identifying older adults with a higher risk of QoL impairment during the course of cancer and cancer treatment, as well as guiding the indication of specific geriatric interventions that prevent the deterioration of QoL. Thus, the present review highlights the importance of the broad assessment of older adults with cancer, which, through different spheres, whether prognostic or interventionist, can play a fundamental role in preserving the QoL of this population. It is imperative that strategies are developed that incorporate CGA in the care of older adults with cancer.

Keywords
Geriatric Assessment; Neoplasms; Quality of Life

INTRODUÇÃO

O câncer é uma doença associada com o envelhecimento e um importante problema de saúde pública, pois representa atualmente a segunda causa de óbitos no mundo, com tendência de crescimento nos próximos anos¹,². O atendimento da pessoa idosa com câncer é muitas vezes desafiador, devido à sua constelação complexa de questões médicas e psicossociais, sendo necessário o trabalho conjunto de uma equipe interdisciplinar, a fim de garantir o cuidado integral desse paciente³,⁴. No entanto, como existe uma grande heterogeneidade no estado de saúde de pessoas idosas de idade semelhante, é importante identificar os indivíduos que apresentem fatores de risco que possam influenciar negativamente a evolução e tratamento oncológico⁵,⁶.

Uma ferramenta útil na gestão e acompanhamento das pessoas idosas com câncer é a avaliação geriátrica ampla (AGA), um processo de diagnóstico multidimensional, que vai além da idade cronológica, para avaliar de forma abrangente o estado de saúde⁷,⁸. Consiste em uma abordagem sistemática, com ênfase em parâmetros funcionais, cognitivos, nutricionais, psicológicos e socioambientais, além da identificação de comorbidades e medicamentos utilizados⁹,¹⁰.

A AGA permite a identificação de problemas geriátricos e fragilidades que tenham implicações na saúde do indivíduo e demonstrou ser um marcador preditivo para sobrevida e tolerância ao tratamento em pessoas idosas com câncer³,¹⁰,¹¹. Além disso, fornece uma plataforma para lidar com as necessidades individualizadas e manejar condições reversíveis, criando oportunidades para melhorar o estado funcional de pessoas idosas com câncer e auxiliar na elaboração de um plano geriátrico individualizado de cuidados¹²,¹³.

Outra particularidade do cuidado das pessoas idosas com câncer é que essa população tende a valorizar a preservação da qualidade de vida (QV) e manutenção da independência mais do que os critérios de resposta dos ensaios clínicos tradicionais, como taxas de resposta geral, sobrevida livre de progressão ou aumento da expectativa de vida, ao tomar decisões da terapia oncológica¹⁴,¹⁵. No entanto, poucos estudos incorporam e avaliam a QV como desfecho de interesse do tratamento do câncer¹⁶.

Apesar dos benefícios da AGA e da recomendação das diretrizes internacionais³,⁷,¹²,¹⁷ para sua realização rotineira no cuidado das pessoas idosas com câncer, essas ferramentas requerem tempo e recursos consideráveis para serem integradas à prática, limitando seu uso generalizado, especialmente fora de ambientes acadêmicos especializados, sendo necessários dados mais robustos do seu benefício, a fim de reforçar essa abordagem¹³,¹⁸.

Desta forma, o objetivo desta revisão é avaliar a relação entre a AGA e a QV de pessoas idosas com câncer.

MÉTODOS

A metodologia adotada foi uma revisão integrativa da literatura, processo descrito por Whittemore e Knafl¹⁹, que permite a síntese de múltiplos estudos publicados e possibilita conclusões gerais a respeito de uma área particular de estudo²⁰.

O presente estudo foi realizado utilizando artigos publicados nas bases de dados científicos eletrônicos PubMed, MEDLINE, IBECS E LILACS, que abordassem as implicações da AGA na QV de pessoas idosas com câncer. A busca foi realizada no mês de março de 2020 por dois pesquisadores de forma independente com o objetivo de garantir a confiabilidade do presente estudo. Foram analisados estudos observacionais (transversais, caso-controle e coorte) e ensaios clínicos, no idioma inglês, espanhol ou português, publicados no período 01/05/2015 a 31/05/2020. Os estudos poderiam envolver pessoas idosas com qualquer tipo de câncer e submetidos a qualquer tipo de terapia oncológica. Como critério de exclusão, foram desconsiderados artigos que não contemplavam o tema, artigos de revisão, monografias, dissertações, teses, resumos em anais de eventos e capítulos de livro.

Foram utilizados os seguintes descritores: geriatric assessment, cancer, quality of life, evaluación geriátrica, cáncer, calidad de vida, avaliação geriátrica, câncer e qualidade de vida. Todos os descritores foram pesquisados através dos termos MeSH separadamente e, depois, foram cruzados com o operador booleano and. O cruzamento dos descritores geriatric assessment[Mesh]ANDcancer[Mesh]ANDquality of life no PubMed resultou em 263 registros; no MEDLINE em 229 registros; no IBECS em 1 registro; e no LILACS em 0 registros. Dos artigos localizados, 185 não contemplavam o tema proposto, 92 foram excluídos por serem artigos de revisão e 195 estavam duplicados nas plataformas de pesquisa (Figura 1).

Figura 1
Fluxograma da revisão integrativa sobre evidências científicas entre avaliação geriátrica, câncer e qualidade de vida.

Após a seleção dos artigos, foi elaborado um banco de dados que possibilitou organizar e compilar as seguintes informações dos estudos selecionados: título do artigo, ano de publicação, país de origem, desenho do estudo, objetivo, amostra, método e resultados (relação da AGA na QV de pessoas idosas com câncer).

As variáveis para análise dos resultados incluíram: instrumentos de AGA/QV e domínios alterados; associação entre comprometimento da AGA e QV; e mecanismo de correlação, seja por fornecer uma informação prognóstica ou por auxiliar na indicação de intervenção geriátrica específica. Posteriormente, foi realizado o agrupamento dos estudos por semelhança de conteúdo e os resultados foram interpretados com base na literatura correlata ao tema do estudo, possibilitando a síntese do conhecimento.

RESULTADOS

Na presente revisão integrativa foram analisados 21 artigos que atenderam aos critérios de seleção estabelecidos previamente. A seguir, o Quadro 1 apresenta um panorama geral dos artigos avaliados, considerando autoria, ano de publicação, país de origem, amostra, método, objetivo, instrumento e conclusões.

Quadro 1
. Apresentação da síntese de artigos incluídos na revisão integrativa.

Autores Ano/País	Amostra	Método/Objetivo	Instrumento	Conclusões	Relação da AGA e QV
Pottel et al.21 2015 / Bélgica	≥65 anos, neoplasia de cabeça e pescoço, submetido radioquimioterapia / N=100	Coorte / Determinar se AGA é indicativa de QV relacionada à saúde em longo prazo e sobrevida global	EQ-5D	Pacientes vulneráveis apresentaram níveis de QV relacionada à saúde em longo prazo inferiores	A AGA foi um preditor de QV
Baier et al.22 2016 / Alemanha	>70 anos, qualquer neoplasia, submetido à cirurgia com intenção curativa / N=200	Coorte / Avaliar o impacto prognóstico da AGA na independência e QV seis meses após a cirurgia	EORTC QLQ-C30	A QV se correlacionou com índice de Karnofsky, funcionamento emocional e atividades de vida diária	A AGA foi um preditor de QV
Hempenius et al.23 2016 / Holanda	≥65 anos, qualquer neoplasia, submetido à cirurgia eletiva / N=260	Ensaio clínico / Avaliar os desfechos em longo prazo de uma intervenção geriátrica para prevenção de delirium em idosos frágeis	Short Form-36 score	Não ocorreram diferenças entre o grupo de intervenção e o grupo de tratamento usual para qualquer um dos desfechos três meses após a alta	A intervenção geriátrica baseada nos achados da AGA não melhorou a QV
Pergolotti et al.24 2017 / EUA	≥65 anos, qualquer neoplasia / N=768	Coorte / Descrever o status funcional e QV e identificar as associações com variáveis demográficas, comorbidades e status funcional	FACT-G	A presença de comorbidades e níveis reduzidos de atividade/ capacidade funcional se associaram com piores níveis de QV	A AGA foi um preditor de QV
Ribi et al.25 2017 / Suíça	Linfoma de células B não elegíveis para tratamento intensivo / N=57	Ensaio clínico / Caracterizar os pacientes por resposta objetiva e sobrevida com base na AGA e QV e descrever as alterações de QV após o tratamento	Domínios avaliados: bem-estar físico, humor, enfrentamento, status funcional, cansaço, náuseas / vômitos e distúrbios do paladar	Comprometimento da AGA é um fator importante dos desfechos clínicos e intervenções em domínios geriátricos específicos se traduzem em melhora na QV	A AGA foi um preditor de QV
Schmidt et al.26 2017 / Alemanha	≥70 anos, qualquer neoplasia / N=100	Ensaio clínico / Avaliar o impacto de um programa de intervenção baseado da AGA na preservação da QV	EORTC QLQ-C30	A intervenção geriátrica demonstrou benefício na preservação da QV	A intervenção geriátrica baseada nos achados da AGA auxilia na preservação da QV
VanderWalde et al.27 2017 / EUA	≥65 anos, neoplasia de cabeça e pescoço ou pulmão realizando radioterapia / N=50	Coorte / Avaliar a associação entre o status funcional com base na AGA e resultados de tolerância ao tratamento	EORTC QLQ-C30	Não ocorreu associação entre disfunção e tolerância, porém a AGA alterada associou-se com declínio contínuo e falta de recuperação da QV	A AGA foi um preditor de QV
Goineau et al.28 2018 / França	≥75 anos, neoplasia de próstata, submetidos à radioterapia / N=100	Coorte / Avaliar o efeito da radioterapia na QV e identificar preditores de redução da QV	EORTC QLQ-C30	A radioterapia para câncer de próstata foi bem tolerada nessa população e não foi encontrado fator preditivo para determinar quais pacientes apresentariam QV prejudicada após a radioterapia	A AGA não foi um preditor de QV
Phaibulvatanapong et al.29 2018 / Tailândia	≥70 anos, qualquer neoplasia em tratamento sistêmico / N=151	Coorte / Avaliar os fatores que predispõem toxicidade relacionada à quimioterapia e QV	FACT-G	O performace status e a presença de comorbidade associaram-se com maior incidência de eventos adversos graves e pior QV	A AGA foi um preditor de QV
Puts et al.30 2018 / Canadá	≥70 anos, neoplasia gastrointestinal, geniturinário ou de mama EC II-IV, antes do início de quimioterapia / N=61	Ensaio clínico / Explorar a viabilidade e o impacto da AGA e de um plano de cuidados integrados na QV e nas decisões de tratamento oncológico	EORTC QLQ-C30	Pacientes que receberam suporte baseado na AGA tiveram melhores níveis de QV	A intervenção geriátrica baseada nos achados da AGA auxilia na preservação da QV
Jeppesen et al.31 2018 / Dinamarca	Neoplasia de pulmão T1-2N0M0 não candidatos a tratamento cirúrgico / N=51	Ensaio clínico / Investigar se AGA como parte de uma ferramenta intervencionista pode impactar na QV e sobrevida global	EQ-5D	A AGA não impactou na QV e sobrevida global nessa população	A intervenção geriátrica baseada nos achados da AGA não melhorou a QV
Kirkhus et al.14 2019 / Noruega	≥70 anos, qualquer neoplasia em tratamento sistêmico / N=288	Coorte / Identificar fatores potencialmente modificáveis que afetam a função física e a QV durante o tratamento do câncer	EORTC QLQ-C30	Sintomas depressivos, mobilidade reduzida e sintomas físicos aumentaram o risco de decréscimos nos escores de QV	A AGA foi um preditor de QV
Kirkhus et al.32 2019 / Noruega	≥70 anos, qualquer neoplasia / N=288	Coorte / Investigar se a fragilidade identificada por uma AGA foi associado a um maior risco de deterioração da QV durante o tratamento e acompanhamento do câncer	EORTC QLQ-C30	Pacientes frágeis tiveram significativamente pior funcionamento físico e QV durante o acompanhamento	A AGA foi um preditor de QV
Mohile et al.3 2019 / EUA	≥70 anos, qualquer neoplasia, algum domínio da AGA comprometido / N=541	Ensaio clínico / Determinar se fornecer recomendações guiadas pela AGA para oncologistas pode melhorar a comunicação sobre as preocupações relacionadas ao envelhecimento	FACT-G	Avaliação geriátrica melhora a comunicação centrada no paciente sobre preocupações relacionadas ao envelhecimento, porém não modificou a QV	A intervenção geriátrica baseada nos achados da AGA não melhorou a QV
Quinten et al.33 2019 / Bélgica	≥70 anos, qualquer neoplasia, submetidos à quimioterapia ou cirurgia, G8 ≤ 14 / N=1424	Coorte / Determinar as estimativas mínimas de diferenças clinicamente importantes de QV e avaliar características prognósticas para estas mudanças na QV	EORTC QLQ-C30	As estimativas mínimas de diferenças clinicamente importantes da QV variam conforme o instrumento e o tratamento, mas podem ser usadas para avaliar mudanças significativas na QV	A AGA foi um preditor de QV
Williams et al.5 2019 / EUA	≥65 anos, neoplasia de mama / N=190	Coorte / Avaliar a associação entre fragilidade e QV	PROMIS®	Fragilidade em mulheres idosas com câncer de mama foi associada a resultados piores de QV	A AGA foi um preditor de QV
de Boer et al.6 2020 / Holanda	≥70 anos, neoplasia de mama metastática / N=100	Coorte / Avaliar a prevalência de doenças psicossociais e as mudanças longitudinais no status funcional, funcionamento psicossocial e QV	EORTC QLQ-C30	Elevada prevalência de transtornos psiquiátricos nesta população; sua identificação, através da AGA, pode melhorar a QV	A intervenção geriátrica baseada nos achados da AGA auxilia na preservação da QV
Mian et al.16 2020 / Canadá	≥65 anos, diagnóstico recente de mieloma múltiplo / N=40	Coorte / Compreender as mudanças ocorridas nos domínios geriátricos e nos parâmetros de QV ao longo do tratamento oncológico	FACT-G	Nesta população, a QV permaneceu estável no período de 6 meses de acompanhamento; o teste Timed Up and Go pode fornecer um indicador dinâmico do status funcional e QV	A AGA foi um preditor de QV
Nipp et al.13 2020 / EUA	≥65 anos, neoplasia gastrointestinal ou pulmonar incurável / N=62	Ensaio clínico / Determinar a viabilidade de uma intervenção transdisciplinar baseada em uma AGA	FACT-G	A intervenção transdisciplinar direcionada às necessidades de cuidados de pessoas idosas mostraram estimativas encorajadoras para melhorar a QV	A intervenção geriátrica baseada nos achados da AGA auxilia na preservação da QV
Nipp et al.8 2020 / EUA	≥70 anos, diagnóstico recente de neoplasia gastrointestinal incurável N=132	Coorte / Determinar se categorizar os pacientes como vulneráveis por uma AGA poderia identificar aqueles com piores resultados de saúde	EORTC QLQ-C30	Pacientes identificados como vulneráveis pela AGA apresentam pior QV e sobrevida global	A AGA foi um preditor de QV
Quinten et al.15 2020 / Bélgica	≥70 anos, neoplasia de mama em estádio inicial N=109	Caso-controle / Avaliar a relação entre AGA e QV	EORTC QLQ-C30	Medidas funcionais da AGA são fortemente correlacionadas com funcionamento autorrelatado do paciente; a AGA alterada inicial tem uma probabilidade modesta de prever a deterioração da QV	A AGA foi um preditor de QV

• AGA: avaliação geriátrica ampla; QV: qualidade de vida; Euro Quality of Life Instrument-5D: EQ-5D; European Organisation for Research and Treatment of Cancer Quality of Life Core Questionnaire-C30: EORTC-QLQ-C30; Functional Assessment of Cancer Therapy-General: FACT-G; Patient-Reported Outcomes Measurement Information System®: PROMIS®; Estados Unidos da América: EUA.

DISCUSSÃO

Distúrbios das funções físicas, deficit nutricionais e problemas psicossociais ocorrem em cerca de 20-40% das pessoas idosas com diagnóstico de câncer³⁴-³⁷. Tais alterações, rastreadas através da aplicação da AGA, são capazes de identificar pacientes frágeis, nos quais as manifestações relacionadas à doença neoplásica e ao tratamento oncológico estão associadas a uma carga substancial de sintomas e podem reduzir o estado funcional e ameaçar a capacidade de viver de forma independente das pessoas idosas, comprometendo de forma negativa a QV durante o curso da doença³².

Em consonância, diversos trabalhos avaliados demonstraram que os pacientes com comprometimento em algum domínio da AGA apresentaram pior QV em comparação com pacientes sem comprometimento, ou seja, apresentavam maior deterioração nos índices de QV durante o seguimento⁵,⁶,⁸,¹⁵,²¹,²²,²⁴,²⁵. Pottel et al.²¹ identificaram que a classificação de vulnerabilidade, a partir do comprometimento em dois ou mais domínios da AGA, foi um preditor independente para pontuações inferiores nos índices de QV em uma população de 100 pessoas idosas com neoplasia de cabeça e pescoço, em um período de seguimento de até 36 meses.

Considerando que AGA é um processo de abordagem multidimensional, diferentes domínios podem estar alterados e predizer essa maior susceptibilidade ao comprometimento da QV das pessoas idosas com câncer. Enquanto alguns trabalhos utilizaram a classificação de pacientes como vulneráveis ou frágeis, através de uma graduação específica⁵,⁸,²¹,²⁵,³², outros avaliaram o impacto dos diferentes domínios individualmente, sendo que os fatores geriátricos mais frequentemente preditivos para uma diminuição relevante na QV foram a capacidade funcional (índice de Karnofsky, atividades da vida diária ou ECOG performance status), o funcionamento emocional e o índice de massa corporal⁶,¹⁴,¹⁵,²²,²⁴,²⁹. Apenas um trabalho²¹ demonstrou que quanto maior o número de domínios alterados da AGA, maior era o impacto na QV.

A maioria dos trabalhos avaliados descreveu o escore de QV global. Nos trabalhos que relatam os domínios aferidos separadamente, o comprometimento da QV de pessoas idosas com disfunção da AGA frequentemente ocorre nas diversas esferas, incluindo função física, emocional, cognitiva e social, desempenho de papéis e sintomas⁵,⁸,¹⁴,¹⁵,²⁷,³².

Apesar dessa associação lógica entre vulnerabilidade e piora da QV de pessoas idosas com câncer, alguns trabalhos avaliados não demonstraram uma associação estatisticamente significativa entre alterações na AGA e o comprometimento da QV. Goineau et al.²⁸ aplicaram a AGA em uma coorte de pessoas idosas que foram submetidos à radioterapia modulada por intensidade para câncer de próstata. Nenhum parâmetro geriátrico foi preditivo de QV prejudicada após o tratamento, porém nesse estudo a radioterapia foi bem tolerada e a QV foi preservada na maioria dos pacientes. Da mesma forma, estudo conduzido por Mohile et al.¹⁸ não detectou diferenças estatisticamente significativas entre os grupos na pontuação da escala de QV, independentemente dos valores basais da AGA. Apesar disso, o estudo demonstrou que incluir a AGA nas consultas de oncologia melhorava a comunicação centrada no paciente sobre preocupações relacionadas com o envelhecimento e a satisfação do paciente e do cuidador.

Ainda, Kirkhus et al.³² acompanharam uma coorte de pessoas idosas com câncer e verificaram que embora a maioria dos aspectos de QV fossem piores em pacientes classificados como frágeis pela AGA, as mudanças seguiam um curso semelhante aos pacientes não frágeis, porém, como os primeiros apresentavam valores basais de QV inferiores, mudanças na mesma magnitude afetavam esses pacientes mais profundamente.

O impacto do processo do envelhecimento nos mecanismos de farmacodinâmica e farmacocinética dos medicamentos é amplamente conhecido, resultando assim na minimização da tolerância do tecido normal aos agentes antineoplásico e maior toxicidade, o que desempenha um papel importante na QV dessa população²⁹,³⁸. Desta forma, a capacidade da AGA de prever a tolerabilidade ao tratamento oncológico é de crucial importância, pois pode auxiliar na antecipação de medidas que visem prevenir a toxicidade ao tratamento. Phaibulvatanapong et al.²⁹ avaliaram que distúrbios da capacidade funcional, do estado nutricional e a presença de comorbidades foram fatores considerados preditivos de toxicidade grave e QV prejudicada em pessoas idosas com câncer.

Além do impacto na tolerância ao tratamento oncológico, essa diminuição progressiva na reserva funcional de múltiplos sistemas orgânicos, associada ao envelhecimento, influencia também a capacidade de recuperação do indivíduo às toxicidades agudas, resultando em deficit funcionais prolongados e, consequentemente, na diminuição da QV²⁴,²⁹,³⁰. Neste contexto, a AGA pode representar também um preditor da incapacidade de recuperação da QV após terapia antineoplásica. De fato, dois estudos²¹,²⁷ demonstraram que pessoas idosas com disfunção basal na AGA, além de apresentarem uma queda mais importante nos índices de QV, eram mais propensos a manter os níveis de QV reduzidos mesmo após o término do tratamento oncológico.

Assim, o possível benefício do tratamento oncológico em pacientes idosos deve ser pesado aos seus potenciais danos e, como as opções de tratamento do câncer em pessoas idosas são baseadas em extrapolações de evidências derivadas de ensaios clínicos que envolvem predominantemente pacientes mais jovens ou idosos sem comprometimento funcional, a AGA pode representar uma ferramenta útil na decisão da terapia¹⁸,²⁹,³⁹. Estudos prévios descrevem que os achados da AGA podem levar a modificações no tratamento oncológico em aproximadamente 30% dos planos de terapia de pessoas idosas, visando garantir uma melhor tolerância e, consequentemente, um impacto positivo na QV⁴⁰,⁴¹. Um trabalho avaliado demonstrou que a AGA é capaz de auxiliar nesse processo de individualização do tratamento oncológico ocasionando um impacto positivo da QV³³.

Avaliações sistemáticas de sintomas, intervenções direcionadas às preocupações geriátricas específicas e cuidados interdisciplinares de apoio podem melhorar os desfechos de pessoas idosas com câncer. Por isso, recomenda-se que a AGA seja seguida por um plano de cuidados integrados para abordar as questões identificadas³⁰,³². Estudo de Schimidt et al.²⁶ realizou um teste-piloto de intervenção com terapia de suporte intensificada durante os cuidados de pessoas idosas com câncer avançado e os resultados demonstraram que a medida global de QV da maioria dos participantes (72%) melhorou ou permaneceu estável. Outros trabalhos selecionados que avaliaram a implantação de intervenções direcionadas conforme os achados da AGA também evidenciaram melhores desfechos de QV nos pacientes designados para o grupo de intervenção do que aqueles designados para os cuidados habituais¹³,³⁰.

Jeppensen et al.³¹ utilizaram a AGA como parte de uma ferramenta intervencionista para otimizar o estado geral de saúde dos pacientes incluídos e, apesar de não demonstrarem diferenças estatisticamente significativas entre os grupos, ocorreu uma redução nas pontuações de QV a longo prazo no grupo que não recebeu a intervenção geriátrica, a qual não ocorreu no grupo da intervenção. Apenas um estudo²³, que realizou uma intervenção geriátrica direcionada aos fatores de risco para delirium pós-operatório em pacientes idosos classificados como frágeis submetidos à cirurgia para um tumor sólido, não demonstrou benefício no desfecho de QV no seguimento desses pacientes, porém a taxa de incidência de delirium, que foi abaixo do esperado, e o alto padrão de cuidados básicos do grupo controle podem ter influenciado os resultados em longo prazo.

A utilidade da AGA em melhorar os resultados das pessoas idosas com câncer foi descrita em estudos de revisão prévios⁴²-⁴⁴, demonstrando seu benefício em diferentes desfechos, como melhora da tolerância ao tratamento e sobrevida global. No entanto, dados sobre as implicações da abordagem na QV dessa população são escassos, demonstrando a importância desse trabalho. O estudo teve como limitação, porém, o fato de não ter utilizado todas as bases de dados da área da saúde, englobado uma amostra menor de trabalhos. No entanto, a revisão permitiu demonstrar lacunas na literatura, particularmente a carência de estudos com delineamentos mais objetivos para a compreensão dos benefícios e da viabilidade da AGA e que avaliem especificamente o seu impacto na QV, desfecho de relevância para a população idosa, a fim de fornecer informações relevantes que possam ser usadas para facilitar as decisões de tratamento. Durante a busca nas plataformas de pesquisa, foram identificados três ensaios clínicos que estão em andamento e apresentam um melhor delineamento e maior amostra para oferecer dados mais robustos a essa temática (NCT02704832; NCT02284308; NCT02748811)⁴⁵-⁴⁷.

CONCLUSÃO

A partir da análise da produção científica sobre a relação da AGA e QV em pessoas idosas com câncer, evidenciou-se a importância da avaliação integral dessas pessoas, tanto para definições prognósticas e de tolerabilidade ao tratamento, quanto para auxiliar na decisão do tratamento oncológico e orientação de intervenções de suporte. Através dessas diferentes aplicações, observou-se que a AGA auxilia na preservação da QV dessa população.

Estes resultados sugerem a importância de desenvolver estratégias para incorporação da AGA no cuidado das pessoas idosas com câncer, a fim de garantir uma abordagem abrangente desses indivíduos e o melhor cuidado dessa população vulnerável, priorizando a melhoria da QV.

• Não houve financiamento para a execução deste trabalho.

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Editado por

Editado por: Maria Luiza Diniz de Sousa Lopes

Datas de Publicação

• Publicação nesta coleção
  11 Jun 2021
• Data do Fascículo
  2021

Histórico

• Recebido
  01 Out 2020
• Aceito
  26 Abr 2021