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Pelas mãos de Eugênia: experiências de mulheres negras em uma família no Rio de Janeiro (1897-1957)

By the Hands of Eugenia: Experiences of Black Women in a Family in Rio de Janeiro (1897-1957)

RESUMO

A partir da revisão da literatura e do cruzamento de fontes documentais diversas, tais como jornais, registros civis e eclesiásticos, este artigo procura dar visibilidade às experiências de mulheres negras em uma família do Rio de Janeiro, no período de 1897 a 1957. O artigo problematiza os significados da atenção maior dada às trajetórias individuais de homens negros nos estudos e interroga os silenciamentos produzidos em relação às mulheres negras no interior das famílias. Compreende família como uma comunidade de afeto e solidariedade na experiência das mulheres negras, que também exerciam o papel de guardiãs da memória familiar.

Palavras-chave:
mulheres negras; silenciamentos; família; memória; experiências

ABSTRACT

This article seeks to give visibility to the experiences of black women in a family in Rio de Janeiro, in the period from 1897 to 1957, through a bibliographical review and the cross-referencing of diverse documentary sources, such as newspapers, civil and ecclesiastical records. The article problematizes the meanings of the greater attention given to the individual trajectories of black men in studies and questions the silencing produced in relation to black women within families. It understands family as a community of affection and solidarity in the experience of black women, who also played the role of guardians of family memory.

Keywords:
Black women; Silencing; Family; Memory; Experiences

Na casa número 32, situada na Rua Mariano Portela, no bairro do Jacarezinho, cidade do Rio de Janeiro (RJ), morreu Eugênia Luíza Gumes Ferreira, aos 59 anos, no dia 14 de janeiro de 1957. Casada “com pessoa cujo nome se ignora, digo, com Jaime Basílio Ferreira”, Eugênia, como atesta o documento de óbito, era uma mulher de cor “preta”, profissão “obstetrícia” e mãe de uma “filha maior” (Ferreira, 1957FERREIRA, Eugênia Luíza Gumes. Registro Civil 1829-2012; Atestado de óbito [de] Eugênia Luíza Gumes Ferreira, n. 34255 (Registro em 14 jan. 1957), Rio de Janeiro, RJ. 1957. Disponível em Disponível em https://www.familysearch.org/search/collection/1582573 . Acesso em: 18 dez. 2017.
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). Não deixou bens. O declarante do óbito foi o médico Abdical Albano Bahia, cunhado de Eugênia. Como Eugênia viveu? Por que se ignora o paradeiro do marido Jaime? Quem eram os pais de Eugênia? Qual o lugar de Eugênia na árvore genealógica de sua família?

Pelas mãos de Eugênia, que era parteira, procuro analisar as experiências de mulheres negras a partir dos rastros de uma família negra no Rio de Janeiro, entre o final do século XIX e as primeiras décadas do século XX, cujo patriarca e membro mais estudado pela historiografia é Israel Soares, um liberto que teve participação ativa na luta pela abolição da escravidão no Brasil, sendo próximo de José do Patrocínio, visto que:

além de alforrias, que obtinham publicamente, praticavam serviços secretos, subvencionavam a imprensa abolicionista, ajudavam frequentemente a José do Patrocínio. Contribuía, mais do que todas, para esta aproximação o ex-escravo preto Israel Soares, o qual era, nestes últimos anos, a verdadeira alma da Irmandade (Moraes, 1924MORAES, Evaristo de. A campanha abolicionista. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro, 1924., pp. 287-288).

No livro Rascunhos e perfis, Ernesto Senna (1983SENNA, Ernesto. Rascunhos e perfis. Brasília: UnB, 1983., p. 139) dedicou um capítulo à vida de Israel Soares, descrito como um homem “negro, magro, esguio, ossudo, com a carapinha esbranquiçada pela neve dos anos, com aquela curta barba branca, com aquele buço sempre bem escanhoado, formando todo o seu físico a compostura de um homem sério, honesto e digno”. Filho dos africanos Rufino Monjolo e Luíza, preta mina islamizada, Israel Soares nasceu no Rio de Janeiro em 19 de agosto de 1843. No verbete “Irmandade de Nossa Senhora do Rosário e São Benedito dos Homens Pretos”, do Dicionário da escravidão negra no Brasil, de Clóvis Moura (2004MOURA, Clóvis. Dicionário da escravidão negra no Brasil. São Paulo: EdUSP, 2004., p. 217), consta a seguinte menção: “O ex-escravo Israel Soares foi a verdadeira alma da Irmandade”. Os historiadores José Roberto Góes e Manolo Florentino (2017GÓES, José Roberto; FLORENTINO, Manolo. Aspectos da comunidade islamita negra do Rio de Janeiro no século XIX. Trashumante. Revista Americana de História Social, n. 10, pp. 8-30, 2017.) se dedicaram a explorar alguns aspectos da comunidade de islamitas negros do Rio de Janeiro ao longo do século XIX, a partir da mãe de Israel Soares, a preta mina Luíza, que era maometana. Alexandra Lima da Silva (2017SILVA, Alexandra Lima da. Pela liberdade e contra o preconceito de cor: a trajetória de Israel Soares. Revista Eletrônica Documento/Monumento, v. 21, n. 1, pp. 1-17, 2017.) explorou a trajetória de Israel Soares e as lutas pela liberdade e contra “o preconceito de cor”. A tese de doutorado de Higor Ferreira (2020FERREIRA, Higor Figueira. Com tintas de liberdade: professores, raça e cartografias da educação na Corte Imperial. Tese (Doutorado em História Comparada) - Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 2020.) analisou o protagonismo dos professores negros na Corte Imperial, com especial atenção à trajetória de Israel Soares e sua atuação como professor em uma escola noturna para escravos e libertos. Israel Soares também mereceu um verbete na Enciclopédia negra: biografias afro-brasileiras (Schwarcz; Gomes; Lauriano, 2021SCHWARCZ, Lilia Moritz; GOMES, Flávio dos Santos; LAURIANO, Jaime. Enciclopédia negra: biografias afro-brasileiras. São Paulo: Companhia das Letras , 2021.).

Evaristo de Moraes dedica duas páginas do livro A campanha abolicionista à figura de Israel Soares, descrito como um orador espontâneo, com o qual conversava “a respeito da sua vida, que aprendera, ao mesmo tempo, a ler e a sustentar o direito à liberdade, nas publicações abolicionistas!” (Moraes, 1924MORAES, Evaristo de. A campanha abolicionista. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro, 1924., p. 288). De forma tímida, por meio do relato de Evaristo de Moraes, é possível saber um pouco sobre a família de Israel Soares, ainda que o autor não mencione os nomes: “[...] buscou, entre as da sua raça e de sua cor uma companheira, escrava; libertou-a, casou-se. À custa de inauditos esforços e sacrifícios, formou em medicina um filho, que era já uma esperança da profissão, quando prematuramente, faleceu, em 1914”1 1 De acordo com o atestado de óbito e as notas publicadas na imprensa, o filho médico de Israel Soares faleceu em 1913 e não em 1914. Possivelmente, Evaristo de Moraes foi traído pela memória. (Moraes, 1924MORAES, Evaristo de. A campanha abolicionista. Rio de Janeiro: Leite Ribeiro, 1924., p. 288).

Quem foi a esposa que teve a alforria comprada por Israel Soares? Quem era o jovem filho médico, morto precocemente? Ele teve outros filhos/as? Netas/os? Curiosamente, ao procurar o nome “Israel Antonio Soares” nos periódicos digitalizados na Hemeroteca Digital da Biblioteca Nacional (Hemeroteca, s.d.HEMEROTECA Digital Brasileira. s.d. Disponível em: Disponível em: http://bndigital.bn.gov.br/hemeroteca-digital/ . Acesso em: 10 jun. 2021.
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), foi possível localizar apenas seus dois filhos homens: Antonio Israel Soares e Israel Antonio Soares Júnior.

Contudo, ainda me intrigava o fato de nada aparecer sobre as mulheres da família. Eu queria saber mais, pois concordo que “a história da mulher negra no Brasil ainda não foi devidamente contada. Se a historiografia já se ocupou, razoavelmente, da temática da mulher negra na época da escravidão, o mesmo não se pode afirmar para a época do pós-Abolição” (Domingues, 2007DOMINGUES, Petrônio. Frentenegrinas: notas de um capítulo da participação feminina na história da luta anti-racista no Brasil. Cadernos Pagu, Campinas, n. 28, pp. 345-374, 2007., p. 347). Acompanhando esse movimento, procuro, neste texto, dar visibilidade às mulheres negras também no interior das famílias, pois estas nem sempre são contempladas em biografias, memórias, e não se tem o mesmo cuidado no que se refere à guarda da documentação. Conforme adverte bell hooks (1995HOOKS, bell. Intelectuais negras. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 3, n. 2, pp. 464-478, 2. sem. 1995. , p. 466), mesmo “quando eruditos negros escrevem sobre a vida intelectual negra em geral só focalizam as vidas e obras de homens”. Mas, e as mulheres negras? Não têm direito ao passado? É preciso, cada vez mais, romper os muitos silêncios no que se refere às experiências históricas de mulheres negras.

A partir da busca em notas publicadas na imprensa e nos obituários, localizei os nomes de algumas mulheres da família de Israel Soares. Com estes poucos nomes, continuei a investigação a partir do cruzamento com outros documentos, tais como registros civis2 2 A respeito dos usos de registros civis na pesquisa histórica, ver Costa (2020). (de nascimento, óbito e casamento), documentos eclesiásticos3 3 A respeito dos usos dos registros paroquiais e eclesiásticos na História Social, ver Guedes e Fragoso (2016). e registros de batismo4 4 Por meio do site Family Search (s.d.), foi possível localizar muitos documentos digitalizados, o que foi muito importante nesta pesquisa, realizada durante a pandemia de ­COVID-19. . Tendo em vista que muitas das mulheres mapeadas na pesquisa mudaram de nome algumas vezes ao longo da vida, a constante neste caso eram os nomes de pai e mãe. Por meio do cruzamento de fontes como registro de nascimento, óbito, batismo, casamento, notas e obituários publicados na imprensa periódica, foi possível reconstruir um dos galhos da árvore genealógica em torno da figura de Israel Antonio Soares, com especial atenção às mulheres negras.

Reconhecer o protagonismo da mulher negra em tempos de escravidão e no pós-abolição é parte do movimento de renovação da própria historiografia. Destaco os esforços de pesquisadoras e pesquisadores no sentido de tornar visíveis as histórias de mulheres silenciadas, reforçando o entendimento de que “[n]ossos passados vêm de longe” (Carneiro, 2000CARNEIRO, Fernanda. “Nossos passos vêm de longe”. In: WERNECK, Jurema; MENDONÇA, Maria Luisa; WHITE, Evelyn C. (Orgs.). O livro da saúde das mulheres negras: nossos passos vêm de longe. Rio de Janeiro: Pallas; Criola, 2000. pp. 22-41.; Werneck 2009WERNECK, Jurema. Nossos passos vêm de longe! Movimentos de mulheres negras e estratégias políticas contra o sexismo e o racismo. Vents d’Est, vents d’Ouest: Mouvements de femmes et féminismes anticoloniaux. Genève: Graduate Institute Publications, 2009.). Mulheres negras como Rosa Egipcíaca (Mott, 1993MOTT, Luiz. Rosa Egipcíaca: uma santa africana no Brasil. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1993.), Liberata (Grinberg, 1994GRINBERG, Keila. Liberata, a lei da ambigüidade: as ações de liberdade da Corte de Apelação do Rio de Janeiro no século XIX. Rio de Janeiro: Relume Dumará, 1994.), Caetana (Graham, 2005GRAHAM, Sandra Lauderdale. Caetana diz não: histórias de mulheres da sociedade escravista brasileira. São Paulo: Companhia das Letras, 2005.), Teodora (Wissenbach, 2012WISSENBACH, Maria Cristina. Teodora Dias da Cunha construindo um lugar para si no mundo da escrita e da escravidão. In: XAVIER, Giovana; FARIAS, Juliana Barreto; GOMES, Flávio (Orgs.). Mulheres negras no Brasil escravista e do pós-emancipação. São Paulo: Selo Negro Edições, 2012. pp. 227-242.), Josepha (Cowling, 2018COWLING, Camillia. Concebendo a liberdade: mulheres de cor, gênero e a abolição da escravidão nas cidades de Havana e Rio de Janeiro. São Paulo: Editora da Unicamp, 2018.) e tantas outras que, de diferentes maneiras, lutaram pela liberdade, contra as injustiças e opressões. Com o intuito de romper o silêncio e a ausência de informações sobre mulheres negras nos museus, livros didáticos e mesmo na produção acadêmica, Schuma Schumaher e Érico Vital Brazil (2007SCHUMAHER, Schuma; BRAZIL, Érico Vital. Mulheres negras do Brasil. Rio de Janeiro: Senac Nacional, 2007.) organizaram as quase 500 páginas de Mulheres negras do Brasil. A coletânea Mulheres negras no Brasil escravista e do pós-emancipação, organizada por Giovana Xavier, Juliana Farias e Flavio Gomes (2012XAVIER, Giovana; FARIAS, Juliana Barreto; GOMES, Flávio (Orgs.). Mulheres negras no Brasil escravista e do pós-emancipação. São Paulo: Selo Negro Edições, 2012.), dá visibilidade às diferentes experiências das mulheres negras, incluindo escravizadas, libertas e nascidas livres, numa perspectiva que as concebe como autoras das próprias histórias: “Donas de passados e presentes atuais e verdadeiros, sólidos tal qual uma rocha, na historiografia sobre a escravidão e a pós-emancipação, as mulheres negras são pouco abordadas como protagonistas das mais diversas histórias” (Xavier; Farias; Gomes, 2012XAVIER, Giovana; FARIAS, Juliana Barreto; GOMES, Flávio (Orgs.). Mulheres negras no Brasil escravista e do pós-emancipação. São Paulo: Selo Negro Edições, 2012., p. 10). A presença da mulher escravizada no âmbito da história das mulheres tem ganhado mais destaque. Nova história das mulheres no Brasil, organizado por Carla Pinsky e Joana Maria Pedro, traz os capítulos “Escravas”, de Maria Odila Dias (2012DIAS, Maria Odila. Escravas. In: PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (Orgs.). Nova história das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto, 2012. pp. 360-38.), e “Mulheres negras, protagonismo ignorado”, de Bebel Nepomuceno (2012NEPOMUCENO, Bebel. Mulheres negras: protagonismo ignorado. In: PINSKY, Carla Bassanezi; PEDRO, Joana Maria (Orgs.). Nova história das mulheres no Brasil. São Paulo: Contexto , 2012. pp. 382-409.).

Para uma análise que não homogeneíze experiências e para uma leitura multidimensional, os conceitos de raça, classe, gênero e orientação sexual também são chaves de leitura cruciais. Neste ponto, recupero “experiência”, pois, “para definir opressão o feminismo lança mão do conceito experiência, segundo o qual opressiva seria qualquer situação que a mulher defina como tal, independentemente de tempo, região, raça ou de classe social” (Bairros, 1995BAIRROS, Luiza. Nossos feminismos revisitados. Revista Estudos Feministas, Florianópolis, v. 3, n. 2, pp. 458-463, 2. sem. 1995. , p. 459). A incorporação de uma perspectiva mais interseccional e a partir de conceitos fundamentais do feminismo nas análises historiográficas é outro movimento perceptível na produção acadêmica a respeito das experiências de mulheres negras. As heterogeneidades e diversidades não podem ser ignoradas quando se procuram compreender tais experiências, uma vez que

as mulheres, como sujeitos identitários e políticos, são resultado de uma articulação de heterogeneidades, resultante de demandas históricas, políticas, culturais, de enfrentamento das condições adversas estabelecidas pela dominação ocidental eurocêntrica ao longo dos séculos de escravidão, expropriação colonial e da modernidade racializada e racista em que vivemos (Werneck, 2009WERNECK, Jurema. Nossos passos vêm de longe! Movimentos de mulheres negras e estratégias políticas contra o sexismo e o racismo. Vents d’Est, vents d’Ouest: Mouvements de femmes et féminismes anticoloniaux. Genève: Graduate Institute Publications, 2009., p. 151).

Outra referência fundamental para pensar a complexidade da experiência das mulheres negras é o livro Mulheres, raça e classe, de Angela Davis (2016DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016.). Dentre as muitas contribuições de Davis (2016DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016., p. 15), destaco a análise a respeito do “legado da escravidão e os parâmetros para uma nova condição da mulher”. Para a autora, “a situação específica das mulheres escravas permanecia incompreendida” nas muitas discussões sobre o tema. Angela Davis (2016DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016., p. 27) confere especial destaque aos estudos de Herbet Gutman (1976GUTMAN, Herbert G. The Black family in slavery and freedom, 1750-1925. New York: Pantheon Books, 1976.), por ser um dos poucos a salientar a experiência das mulheres escravizadas e por trazer evidências, a partir de pesquisa documental, da “vitalidade da família negra”, composta “por esposa, marido, crianças e, frequentemente, outros familiares, além de parentescos por adoção”. A principal crítica de Davis (2016DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016., p. 17) ao importante estudo de Gutman é que ele poderia ter “explorado de modo mais concreto o papel multidimensional das mulheres negras no interior da família e da comunidade escrava como um todo”. De qualquer maneira, os estudos de Gutman (1976GUTMAN, Herbert G. The Black family in slavery and freedom, 1750-1925. New York: Pantheon Books, 1976.) confrontam a tese defendida por E. Franklin Frazier (1939), para o qual a deterioração da família negra devia-se à escravidão.

O estudo de Herbert Gutman (1976GUTMAN, Herbert G. The Black family in slavery and freedom, 1750-1925. New York: Pantheon Books, 1976., p. 21) procurou fazer “um exame da família afro-americana antes e depois da emancipação geral, mas também é um estudo das crenças culturais e do comportamento de uma população distinta de classe baixa”, no sentido de analisar “suas capacidades adaptativas em momentos críticos de sua história. A escravidão é vista como uma circunstância opressora que testou as capacidades adaptativas de várias gerações de homens e mulheres. O enfoque na ‘família’ também significa enfocar na ‘cultura’”. Publicado em 1976, o livro The Black Family in Slavery and Freedom, de Herbert Gutman, certamente impactou na historiografia brasileira a respeito dos debates “família escrava” e “família negra”.

Desde a década de 1970, como parte do processo de renovação da historiografia no e sobre o Brasil, há um movimento de crítica às ideias de “escravo coisa”, “mercadoria”. No que se refere ao debate sobre “família”, observo que, durante muito tempo, houve uma concentração dos estudos sobre “família escrava” e um número bastante reduzido de estudos sobre “família negra” (Slenes, 1987SLENES, Robert W. Escravidão e família: padrões de casamento e estabilidade familiar numa comunidade escrava (Campinas, século XIX). Estudos Econômicos, v. 17, n. 2, pp. 217-227, mai./ago. 1987.; 1988SLENES, Robert W. Lares negros, olhares brancos: histórias da família escrava no século XIX. Revista Brasileira de História, v. 8, n. 16, pp. 189-203, 1988.; 1999SLENES, Robert. Na senzala, uma flor: esperanças e recordações na formação da família escrava. Brasil Sudeste, século XIX. Rio de Janeiro: Nova Fronteira , 1999.; Motta, 1988MOTTA, José Flávio. Família escrava: uma incursão pela historiografia. História: Questões & Debates, v. 9, n. 16, pp. 104-59, 1988.; 2002MOTTA, José Flávio. A família escrava na historiografia brasileira: os últimos 25 anos. In: SAMARA, Eni de Mesquita (Org.). Historiografia brasileira em debate: olhares, recortes e tendências. São Paulo: Humanitas; FFLCH; USP, 2002. pp. 235-254.; Góes; Manolo Florentino, 2017GÓES, José Roberto; FLORENTINO, Manolo. Aspectos da comunidade islamita negra do Rio de Janeiro no século XIX. Trashumante. Revista Americana de História Social, n. 10, pp. 8-30, 2017.). Especificamente a respeito de “família negra” no pós-abolição, destaco as muitas contribuições dos estudos de Ana Lugão Rios (1990RIOS, Ana Maria Lugão. Família e transição: famílias negras em Paraíba do Sul, 1872-1920. Dissertação (Mestrado em História) - Universidade Federal Fluminense. Niterói, 1990.), Hebe Mattos (1995MATTOS, Hebe. Das cores do silêncio: os significados da liberdade no Brasil escravista. Rio de Janeiro: Arquivo Nacional, Nova Fronteira, 1995.) e dos trabalhos de ambas em parceria (Rios; Mattos, 2005RIOS, Ana Lugão; MATTOS, Hebe. Memórias do cativeiro: família, trabalho e cidadania no pós-abolição. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.). É crescente também o investimento da historiografia em relação às diferentes estratégias de famílias negras no pós-abolição, nas diferentes regiões do país (Barcellos, 1996BARCELLOS, Daisy Macedo de. Família e ascensão social de negros em Porto Alegre. Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Museu Nacional da Universidade Federal do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro, 1996.; Guimarães, 2006GUIMARÃES, Elione Silva. Múltiplos viveres de afrodescendentes na escravidão e no pós-emancipação: família, trabalho, terra e conflito (Juiz de Fora-MG, 1828-1928). São Paulo: Annablume; Juiz de Fora: Funalfa Edições, 2006.; Guedes, 2008GUEDES, Roberto. Egressos do cativeiro: trabalho, família, aliança e mobilidade social (Porto Feliz, São Paulo, c. 1798 - c. 1850). Rio de Janeiro: Mauad X: FAPERJ, 2008.; Weimer, 2013WEIMER, Rodrigo de Azevedo. A gente da Felisberta: consciência histórica, história e memória de uma família negra no litoral rio-grandense no pós-emancipação (c. 1847-tempo presente). Tese (Doutorado em História) - Instituto de Ciências Humanas e Filosofia, Universidade Federal Fluminense. Niterói, 2013.). Tendo em vista que meu recorte espacial no presente artigo é o Rio de Janeiro, destaco o instigante trabalho de Carlos Eduardo Coutinho da Costa (2020COSTA, Carlos Eduardo Coutinho da. “Faltam braços nos campos e sobram pernas na cidade”: famílias, migrações e sociabilidades negras no Pós-Abolição do Rio de Janeiro (1888-1940). Curitiba: Appris, 2020.), o qual analisa com profundidade a importância da família negra como estratégia de mobilidade social no pós-abolição do Rio de Janeiro, com especial atenção à Baixada Fluminense. Outra importante contribuição do referido trabalho é a operação metodológica empreendida pelo autor, principalmente o uso dos registros civis, com destaque para os registros de nascimento.

Em que pesem as muitas e valiosas contribuições dos trabalhos citados, ainda são poucos os que procuram fazer uma análise interseccional sobre a experiência de mulheres negras nas famílias no pós-abolição. Outro aspecto que merece reconhecimento é o esforço crescente de pesquisas sobre trajetórias individuais, o que inclui pensar percursos de mulheres negras em diferentes frentes de atuação (Gomes, 2009GOMES, Nailza da Costa Barbosa. Uma professora negra em Cuiabá na Primeira República: limites e possibilidades. Dissertação (Mestrado em Educação) - Universidade Federal de Mato Grosso. Cuiabá, 2009.; Fontão, 2010FONTÃO, Luciene. Nos passos de Antonieta: escrever uma vida. Tese (Doutorado em Literatura) - Centro de Comunicação e Expressão, Programa de Pós-Graduação em Literatura, Universidade Federal de Santa Catarina. Florianópolis, 2010.; Gomes, 2013GOMES, Janaína Damaceno. Os segredos de Virgínia: estudo de atitudes raciais em São Paulo (1945-1955). Tese (Doutorado em Antropologia Social) - Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Humanas, Universidade de São Paulo. São Paulo, 2013.; Espíndola, 2015ESPÍNDOLA, Elizabete Maria. Antonieta de Barros: educação, gênero e mobilidade social em Florianópolis na primeira metade do século XX. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal de Minas Gerais. Belo Horizonte, 2015.; Nunes, 2011NUNES, Karla. Sonhos, conquistas e desencantos: excertos da vida de Antonieta de Barros. In: DOMINGUES, Petrônio; GOMES, Flávio. Experiências da emancipação: biografias, instituições e movimentos sociais no pós-abolição (1890-1978). São Paulo: Selo Negro, 2011. pp. 203-224.; Xavier, 2020XAVIER, Giovana. Maria de Lourdes Vale Nascimento: uma intelectual negra do pós-abolição. Niterói: Eduff, 2020.; Romão, 2021ROMÃO, Jeruse. Antonieta de Barros: professora, escritora, jornalista, primeira deputada catarinense e negra do Brasil. Florianópolis: Editora Cais, 2021.).

Neste artigo, procuro mapear as experiências e os percursos de algumas das mulheres próximas a Eugênia Luíza, a filha mais velha de Francisca, neta de Antonia, mãe de Eugênia Alpheu, tendo como recorte a cidade do Rio de Janeiro entre 1897 e 1957.

INTERPRETANDO O RECADO DO NOME: FRAGMENTOS DA VIDA DE EUGÊNIA LUÍZA

Nome não é índice, mas signo e elemento classificatório. Não nos deixemos enganar pela expressão nome próprio. Por que próprio? Propriedade de seu portador? Por um lado, se o Nome é uma marca de individualização, de identificação do indivíduo que é nomeado, ele marca também sua pertinência a uma classe predeterminada (família, classe social, clã, meio cultural, nacionalidade etc.), sua inclusão num grupo. O nome próprio é a marca linguística pela qual o grupo toma posse do indivíduo, e esse fenômeno é geralmente assinalado por ritos, cerimônias de aquisição ou mudança de Nome. A denominação é também a dominação do indivíduo nomeado pelo grupo (Machado, 2013MACHADO, Ana Maria. Recado do nome: leitura de Guimarães Rosa à luz do nome de seus personagens. 1. Ed. São Paulo: Companhia das Letras , 2013., p. 28).

Eugenie Louise Soares Gumes/Eugênia Luiza Soares Gumes (em alguns documentos a grafia é Gomes) nasceu na casa da família, na cidade do Rio de Janeiro, no dia 16 de agosto de 1897. Era a primeira filha de um jovem casal. Segundo o documento de nascimento, o pai de Eugênia, Celestino Gumes (Gomes) “era natural da Inglaterra, de 27 anos de idade, empregado público” (Gumes, 1897aGUMES, Eugênia Luiza Soares. Registro Civil 1829-2012; Registro de nascimento [de] Eugênia Luiza Soares Gumes, Certificado 680, p. 172 (Registro em 16 ago. 1897), Rio de Janeiro, RJ. 1897a. Disponível em Disponível em https://www.familysearch.org/search/collection/1582573 . Acesso em: 18 dez. 2017.
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). A mãe, Francisca Soares, tinha dezessete anos quando deu à luz “uma criança de sexo feminino, de cor parda”. O nome “Louise” provavelmente foi uma homenagem à avó paterna, Louise Ponist, que residia na Inglaterra. O avô paterno, Benjamin Gumes, já era falecido. Luíza era também o nome da mãe de Israel Soares, avô materno de Eugênia. A menina Eugênia nasceu poucos dias antes do aniversário do avô materno, Israel, que fazia aniversário em 19 de agosto. Foi a primeira neta de Antônia Botelho, esposa de Israel Soares, e ambos foram os padrinhos da menina, batizada em São Cristóvão, em 9 de outubro de 1897, no dia do aniversário de Antônia Botelho (Gumes, 1897bGUMES, Eugênia Luiza Soares. Registros da Igreja Católica, 1616-1980; Registro de batismo [de] Eugênia Luiza Soares Gumes, São Cristóvão, registro 1553, p. 145 (Registro em 9 out. 1897), Rio de Janeiro, RJ. 1897b. Disponível em Disponível em https://www.familysearch.org/search/collection/1719212 . Acesso em: 18 dez. 2017.
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).

Aos 22 anos, Eugenia Luíza se casou com João de Souza Martins. Natural da Bahia e nascido em 9 de agosto de 1893, João era “marítimo”. A partir do registro de casamento, datado de 24 de janeiro de 1920, é possível saber que Eugênia e João eram alfabetizados, pois assinaram o documento (ver as assinaturas na Figura 1).

Figura 1
Registro civil de casamento de Eugênia e João

Através do registro do segundo casamento, datado de 24 de dezembro de 1932, é possível saber que Eugênia passou a chamar-se Eugênia Luiza Gumes (Gomes) Ferreira e que era viúva, pois João de Souza Martins faleceu em 16 de novembro de 1921. Este registro de casamento também foi assinado pelos noivos, o que evidencia que Jayme, assim como João, era alfabetizado (ver as assinaturas na Figura 2).

Figura 2
Registro civil do casamento de Eugênia e Jayme

Alguns aspectos chamam a atenção na trajetória de Eugênia Luíza. Ao nascer, foi registrada como “parda”, mesmo sendo filha de pai e mãe “pretos”. Ao morrer, a cor mudou: o documento de óbito a declarou como sendo de cor “preta”. Por quê? Quais os significados dessa mudança em relação à cor? Eugênia faleceu na mesma década em que a primeira lei Afonso Arinos foi promulgada5 5 Segundo Campos (2016, p. 11): “Lei nº 1.390, de 3 de julho de 1951, conhecida como Lei Afonso Arinos, em homenagem ao jurista e deputado federal Afonso Arinos de Melo Franco, autor do projeto de lei. Ela incluía entre as contravenções penais a prática de atos resultantes de preconceito de raça ou de cor, definidos em seus nove artigos, e vigorou até ser revogada pela Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, ainda vigente.”. . Acredito que a consciência racial da própria Eugênia e das pessoas de sua rede de sociabilidade tenham sido cruciais para que, ao morrer, fosse registrada como “preta” e não “parda”.

Eugênia Luíza mudou de nome três vezes. No registro civil, o nome de nascimento era Eugenie Louise, provavelmente porque o pai era estrangeiro. Ao casar-se com o primeiro marido, João, passou a assinar Eugênia Luiza Gumes (Gomes) Martins. E, ao casar-se com o segundo marido, passou a assinar Eugênia Luiza Gumes (Gomes) Ferreira. Em todos os documentos analisados, as constantes são a data de nascimento e os nomes do pai, Celestino Gumes (Gomes), e da mãe, Francisca Antonia Soares Gumes (Gomes). Eugênia, João e Jayme sabiam assinar os próprios nomes e, provavelmente, eram alfabetizados. O que significava saber ler e escrever na cidade do Rio de Janeiro naquele período?

Na década de 1920, aproximadamente 1.157.873 de habitantes viviam na cidade do Rio de Janeiro (Distrito Federal). Cerca de 61,1% dessas pessoas eram alfabetizadas, superando o número de “iletrados” na capital federal. Apesar das elevadas taxas nacionais de analfabetismo, a cidade do Rio de Janeiro apresentava as taxas mais baixas do país: nota-se o crescimento contínuo da população alfabetizada que, em princípio, já dominava as primeiras letras ou, pelo menos, podia ler e ter acesso a textos impressos (Silva, 2015SILVA, Alexandra Lima da. Entre memórias e experiências: ensino e mercado editorial de livros didáticos de História do Brasil - Rio de Janeiro (1870-1924). São Paulo: Verona, 2015., p. 24). Dessas 61,1% de pessoas alfabetizadas, quantas eram negras?

Por saberem assinar o próprio nome, homens como João e Jaime conquistaram o direito de serem eleitores, pois naquele tempo o direito de voto era atrelado ao domínio das letras. Eugênia, mesmo sabendo assinar o próprio nome, e sendo provavelmente alfabetizada, não pôde votar até a promulgação do Código Eleitoral de 1932, que deu o direito de voto às mulheres (Nicolau, 2002NICOLAU, Jairo Marconi. História do voto no Brasil. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. , p. 37).

Viúva aos 24 anos e mãe de uma menina, Eugênia tinha profissão: parteira/obstetrícia. É importante salientar que, no registro do segundo casamento, datado de 1932, consta a informação de que Eugênia era “parteira”. Já no atestado de óbito, datado de 1957, consta a palavra “obstetrícia” no campo profissão. Considerando que o tio materno de Eugênia tinha formação em Farmácia e Medicina e o cunhado, Abdicai Albano Bahia, era médico, é possível situar Eugênia numa rede de sociabilidade de pessoas ligadas à medicina, o que torna bastante plausível a hipótese de que ela possuísse formação e fosse diplomada em obstetrícia. Ou seria Eugênia uma “parteira leiga”?

A formação em obstetrícia, considerada uma profissão liberal, durava quatro anos, sendo uma escolha feita por muitas mulheres: “existiram também iniciativas de formação de parteiras por outras parteiras e, sobretudo, pelos médicos” (Palharini; Figueirôa, 2018PALHARINI, Luciana Aparecida; FIGUEIRÔA, Silvia Fernanda de Mendonça. Gênero, história e medicalização do parto: a exposição “Mulheres e práticas de saúde”. História, Ciências, Saúde - Manguinhos, Rio de Janeiro, v. 25, n. 4, pp. 1039-1061, 2018., p. 1045). Para o ano de 1922, de acordo com o Dr. Arnaldo Morais, 85,2% dos partos eram realizados por curiosas e 14,8% por parteiras diplomadas e médicos no Rio de Janeiro (Mott, 2002MOTT, Maria Lúcia. Assistência ao parto: do domicílio ao hospital (1830-1960). Projeto História, São Paulo, v. 25, pp. 197-219, dez. 2002., p. 206). Nas primeiras décadas do século XX, as taxas de mortalidade no parto eram altas e a “obstetrícia começava a dominar novas técnicas que prometiam maiores chances de sobrevivência para a mãe e para o filho” (Mott, 2002MOTT, Maria Lúcia. Assistência ao parto: do domicílio ao hospital (1830-1960). Projeto História, São Paulo, v. 25, pp. 197-219, dez. 2002., p. 203). No período compreendido entre 1920 a 1950, “o contexto de disputa pelo mercado de trabalho vinculado à prestação da assistência obstetrícia no Brasil passou por um período de acirramento, principalmente a partir dos anos de 1950, quando as parteiras foram defrontadas com a possibilidade de fusão com a enfermagem” (Silva; Ferreira, 2011SILVA, Tânia Maria de Almeida; FERREIRA, Luiz Otávio. Parteiras em conexão: um perfil socioprofissional das associadas ao Sindicato das Parteiras do Rio de Janeiro, 1950-1980. Cadernos de História da Ciência - Instituto Butantan, v. 7, n. 2, pp. 25-44, 2011. , p. 28). Segundo Silva (2010SILVA, Tânia Maria de Almeida. Curiosas, obstetrizes, enfermeiras obstétricas: a presença das parteiras na saúde pública brasileira: 1930-1972. Tese (Doutorado em História das Ciências e da Saúde) - Casa de Oswaldo Cruz/Fiocruz. Rio de Janeiro, 2010. 259 f., p. 118), na década de 1940 “a parteira recebia pelo seu trabalho o salário de Cr$ 500,00 ao mês”, quando o salário-mínimo era de Cr$ 380,00.

OUTRAS “EUGÊNIAS”: AS COINCIDÊNCIAS DOS NOMES

Para mulheres negras, assim como para os homens negros, é evidente que, se nós não nos definirmos, seremos definidos pelos outros, para proveito deles e nosso prejuízo (Lorde, 2019LORDE, Audre. Irmã outsider: ensaios e conferências. Belo Horizonte: Autêntica, 2019., p. 58).

Era primeiro de julho de 1985 quando a auxiliar de enfermagem Emily da Conceição compareceu a um cartório localizado na cidade de São Gonçalo, região metropolitana do Estado do Rio de Janeiro. Exibindo atestado de óbito assinado pelo médico Dr. Luiz Carlos Guimarães Marinho, declarou o óbito de Eugênia Alpheu Martins Ramos, “do sexo feminino, cor preta, com sessenta e quatro anos”. Ainda de acordo com este atestado de óbito, é possível saber que Eugênia Alpheu era viúva e “do lar”. Nascida em 1921, era a filha única de Eugênia Luíza Gumes Martins e João de Souza Martins: “A falecida era viúva de Braulino Ramos, deixando três filhos, sendo um menor” (Ramos, 1985RAMOS, Eugênia Alpheu Martins. Registro Civil, 1829-2012; Atestado de óbito [de] Eugênia Alpheu Martins Ramos, Óbitos, p. 253 (Registro em 1 jul. 1985), São Gonçalo, RJ. 1985. Disponível em: Disponível em: https://www.familysearch.org/search/collection/1582573 . Acesso em: 04 mar. 2021.
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). Tal mãe, tal filha. Duas mulheres negras. Duas Eugênias que se tornaram viúvas. Diferente da mãe, Eugênia Alpheu deixou bens. Mas elas não eram as únicas Eugênias da família.

Filha de Bonifácio de Almeida e Cândida de Almeida, Eugênia de Almeida nasceu no Rio de Janeiro no ano de 1895. Adulta, casou-se com Sebastião Soares Gumes, único irmão homem de Eugênia Luiza Gumes (Gomes), nascido em 20 de janeiro de 1899. Em regime de comunhão de bens, o registro civil de casamento datado de 16 de novembro de 1926 informa que o noivo era “solteiro, do comércio”, sendo “filho legítimo de Celestino Gumes e Francisca Antonia Soares Gumes” (Almeida; Gumes, 1926ALMEIDA, Eugênia de; GUMES, Sebastião Soares. Registro civil de casamento; Registro Civil, 1829-2012, pp. 187-189, Rio de Janeiro (Corregedoria Geral da Justiça, RJ). 16 nov. 1926.). Passou a se chamar Eugênia de Almeida Gumes. Por meio do registro de casamento, é possível verificar a assinatura de Sebastião Soares Gumes, que era alfabetizado (Figura 3).

Figura 3
Fragmento do registro de casamento de Eugênia de Almeida e Sebastião Soares Gumes

Logo após o casamento, nasceu o primeiro filho do casal, registrado com o mesmo nome do avô paterno, Celestino Gumes. Por meio do registro de nascimento do filho, é possível saber que tanto a mãe, Eugênia de Almeida Gumes, como o bebê eram da cor parda (Gumes, 1926GUMES, Celestino. Registro de nascimento; Registro Civil 1829-2012, Registro de nascimento [de] Celestino Gumes, Certificado 1622, p. 89 (Registro em 07 dez. 1926), Rio de Janeiro, RJ. 1926. Disponível em Disponível em https://www.familysearch.org/search/collection/1582573 . Acesso em: 01 dez. 2020.
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).

Em 1928, o casal Sebastião Soares Gumes e Eugênia de Almeida Gumes teve um segundo filho, registrado com o nome de Orlando Gumes, “de cor preta”. O menino morreu quando ainda era um bebê, aos 9 meses, em decorrência de uma bronquite (Gumes, 1929GUMES, Orlando. Registro Civil, 1829-2012; Atestado de óbito [de] Orlando Gumes, Certificado 1248, p. 260 (Registro em 16 dez. 1929), Rio de Janeiro, RJ. 1929. Disponível em Disponível em https://www.familysearch.org/search/collection/1582573 . Acesso em: 01 dez. 2020.
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).

Eugênia de Almeida Gumes foi a mais longeva das três Eugênias da família. Morreu aos 82 anos, em 15 de junho de 1977, sendo “viúva de Sebastião Soares Gumes, profissão do lar, residente a rua São Francisco Xavier, 102/602, filha de Bonifacio de Almeida e de Candida de Almeida”. Eugênia de Almeida Gumes “deixa um filho maior, não deixa bens, nem testamento” (Gumes, 1977GUMES, Eugênia de Almeida Gumes. Registro Civil, 1829-2012; Atestado de óbito [de] Eugênia de Almeida Gumes, n. 7.793, p. 61 (Registro em 15 jun. 1977), Rio de Janeiro, RJ. 1977. Disponível em Disponível em https://www.familysearch.org/search/collection/1582573 . Acesso em: 01 dez. 2020.
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). Não consegui descobrir quando Sebastião Soares Gumes morreu, mas sei que foi ele o declarante da morte da mãe, Francisca Antonia Soares Gumes.

“MAS AS MULHERES SOBREVIVERAM”: ENTRE DORES, AFETOS E REDES DE SOLIDARIEDADE

Mas as mulheres sobreviveram. Como poetas. E não existem novas dores. Já as sentimos antes. E escondemos esse fato no mesmo lugar onde temos escondido nosso poder (Lorde, 2019LORDE, Audre. Irmã outsider: ensaios e conferências. Belo Horizonte: Autêntica, 2019., p. 48).

Quais são os pontos de aproximação e de diferenças nas trajetórias das mulheres da família de Eugênia Luíza? Estiveram lado a lado? Estabeleceram laços, alianças, afetos? O que as une? A partir do Quadro 1, abaixo, é possível traçar algumas possibilidades em torno delas.

Quadro 1
Dados biográficos de algumas mulheres da família de Eugênia Luíza

Uma das dificuldades de reconstituir as experiências de mulheres deve-se à mudança nos nomes, devido ao casamento. Esta foi uma constante nas trajetórias de muitas das mulheres da família de Eugênia Luíza. Por isso é importante atentar para os nomes de nascimento e de óbito. Interrogar os significados do casamento e da mudança de nome na experiência de mulheres negras, numa família em que a matriarca nasceu na escravidão, é fundamental. O casamento, nesses casos, poderia significar pertencimento, proteção, respeitabilidade e mesmo estratégia de sobrevivência e de transmissão de algum patrimônio, como foi o caso de Antonia Botelho Soares, “que deixou bens” (Soares, 1945SOARES, Antonia Botelho. Registro Civil, 1829-2012; Atestado de óbito [de] Antonia Botelho Soares, Atestado n. 39.627, p. 227 (Registro em 24 ago. 1945), Rio de Janeiro, RJ. 1945. Disponível em Disponível em https://www.familysearch.org/search/collection/1582573 . Acesso em: 02 fev. 2021.
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).

Outro aspecto importante é o investimento na educação. Pude observar que muitas das mulheres da família de Eugênia Luíza sabiam assinar os próprios nomes. No que se refere à profissão, Eugênia provavelmente era diplomada em obstetrícia e dedicava-se ao ofício de parteira. As irmãs mais novas, Emma e Celestina, eram professoras. Acredito que esta família negra, a exemplo de outras, investiu em educação como estratégia de mobilidade social e respeitabilidade, conforme pesquisas têm evidenciado (Villela, 2012VILLELA, Heloísa de O. S. A trajetória de um professor negro no Brasil escravocrata. In: OLIVEIRA, Iolanda (Org.). Relações raciais no contexto social, na educação e na saúde: Brasil, Cuba, Colômbia e África do Sul. Rio de Janeiro: Quartet, 2012. pp. 153-180.; Silva, 2019SILVA, Luara dos Santos. Coema Hemetério dos Santos: a “flor de beleza” e “luz de amor”: trajetória de uma intelectual negra no pós-abolição carioca. Canoa do tempo: Revista do Programa de Pós-graduação em História da Universidade Federal do Amazonas, v. 11, n. 2, pp. 28-50, out.-dez. 2019.; Santos, 2019SANTOS, Mayara Priscilla de Jesus dos. Maria Odília Teixeira: a primeira médica negra da Faculdade de Medicina da Bahia (1884-1937). Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2019.; Santos, 2017SANTOS, Jucimar Cerqueira dos. Escolas noturnas para trabalhadores na Bahia (1870-1889). Dissertação (Mestrado em História) - Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas, Universidade Federal da Bahia. Salvador, 2017. ; Sousa, 2006SOUSA, Ione Celeste Jesus de. Escolas ao povo: experiências de escolarização de pobres na Bahia - 1870 a 1890. Tese (Doutorado em História) - Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. São Paulo, 2006. 400 f.). Há também menções à profissão “doméstica” e “do lar”. Seriam a mesma coisa? No caso daquelas que se dedicavam à profissão “do lar”, não resta dúvida de que se tratava de trabalho não remunerado em casa: cozinhar, lavar roupa, lavar louça, arrumar a casa, passar roupa, fazer compras etc. Mas o que se entendia por profissão “doméstica”? Seria o trabalho remunerado realizado nas casas de outras famílias? A respeito da relação mulheres negras e trabalho “doméstico”, Angela Davis (2016DAVIS, Angela. Mulheres, raça e classe. São Paulo: Boitempo, 2016., p. 233) defende que “embora raramente tenham sido ‘apenas donas de casa’, elas sempre realizaram tarefas domésticas. Desta forma, carregaram o fardo duplo do trabalho assalariado e das tarefas domésticas”. Em alguns documentos, existe também o silêncio sobre a cor. Das 13 mulheres mapeadas, 11 eram mulheres negras (pardas e pretas). Em 2 casos não foi possível saber. Desconfio que sejam mulheres negras também. E, no caso de Eugênia, o mais curioso: nasceu parda e morreu preta.

Qual é a importância das redes de solidariedade e afeto nas experiências dessas mulheres? Acompanhando bell hooks (2021HOOKS, bell. Tudo sobre o amor: novas perspectivas. São Paulo: Elefante, 2021. , p. 162), acredito que muitas delas construíram e ressignificaram a noção de família para muito além da ideia de “família nuclear, constituída por mãe, pai e preferencialmente um ou dois filhos”. Pelos indícios da documentação analisada, interpreto que as configurações familiares procuravam fortalecer os laços de pertencimento, afeto e comunhão. Antonia Botelho Soares, Francisca Antonia, Eugênia Luíza, Eugênia de Almeida Gumes, Eugênia Alpheu: todas se tornaram viúvas em algum momento da vida e assim permaneceram por bastante tempo. Acredito que tenham praticado entre elas o entendimento de família também como “comunidade de afeto”. Neste aspecto, é importante ampliar o entendimento de viuvez e envelhecimento para além da solidão (Motta, 1997MOTTA, Alda. Viúvas: o mistério da ausência. Estudos interdisciplinares envelhecimento, Porto Alegre, v. 7, 1997.; Beauvoir, 1990BEAUVOIR, Simone de. A Velhice. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1990 [1970]. [1970]), pois a manutenção das redes de cuidado entre tais mulheres sinaliza a existência de comunidades femininas de apoio e ajuda mútua. Para além de laços sanguíneos e sobrenomes, família, na experiência dessas mulheres, era praticada como um laço de afeto.

A POÉTICA DA VIDA EM FRAGMENTOS: À GUISA DE CONCLUSÃO

Os pedaços (e apenas os pedaços) são o que começa o processo criativo para mim. E o processo pelo qual junto esses pedaços até que eles formem uma parte é criação. Memória, então, não importa quão diminuto seja o pedaço lembrado, exige meu respeito, minha atenção, minha confiança (Morrison, 2020MORRISON, Toni. A fonte da autoestima: ensaios, discursos e reflexões. São Paulo: Companhia das Letras , 2020., p. 419).

Uma das minhas inspirações para a escrita deste artigo foi a experiência de Toni Morrison, que, a partir de um recorte de jornal a respeito de uma escravizada de nome Margaret Garner, deu à luz o aclamado romance Amada.

Foi também em um fragmento de jornal que localizei os nomes das mulheres em torno da figura do liberto e velho abolicionista:

Israel Antonio Soares

Antonia Botelho Soares, Francisca Soares Gomes (sic) e filhos, Marieta Soares de Faria e filhos, Rosa Ferreira, Marcelino da Silva Campos e filhos, profundamente reconhecidos a todas as pessoas que lhes trouxeram o grande conforto de sua amizade na ocasião do falecimento de seu idolatrado esposo, pai, sogro, avô e tio Israel Antonio Soares, de novo as convidam para a assistir a missa de sétimo dia que em sufrágio de sua alma mandam celebrar hoje, sábado, 27 do corrente, às 9 horas, na igreja de São Elesbão e Santa Ephigenia, à rua da Alfândega, próximo à Avenida Passos, e por esse acto de religião se confessam sumariamente agradecidos (Israel Antonio Soares, 1916ISRAEL ANTONIO SOARES. Correio da Manhã, Rio de Janeiro, p. 11, 27 mai. 1916. , p. 11).

A partir destes nomes, localizei outros, escondidos, eclipsados muitas vezes em homenagens prestadas à memória dos homens da família. Tais mulheres, muitas delas esquecidas, foram as guardiãs das memórias familiares. Entre esses nomes que apareceram na pesquisa, a experiência de uma me chamou a atenção.

Escolhi Eugênia para conduzir a escrita deste artigo porque as pegadas que deixou foram se tornando nítidas e cheias de sentidos. A mais velha de nove filhos, filha de pai, mãe e avós negros, por que foi registrada como “parda” ao nascer? Por que decidiu ser parteira? Por que se casou a primeira vez? Por que se casou pela segunda vez? Por que deu o próprio nome à única filha? Por que foi registrada como “preta” ao morrer? Durante muito tempo, Eugênia Luíza, tendo enviuvado aos 24 anos, criou sozinha a única filha, Eugênia Alpheu. Diferentemente de algumas das suas irmãs, exerceu profissão remunerada. Acredito que Eugênia tenha aprendido, na prática, a transformar “o silêncio em ação” (Lorde, 2019LORDE, Audre. Irmã outsider: ensaios e conferências. Belo Horizonte: Autêntica, 2019., p. 51).

O documento com o qual iniciei este texto diz que Eugênia Luíza “não deixou bens”. Tendo a discordar. Mulheres como Eugênia deixaram como legado suas próprias histórias.

REFERÊNCIAS

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  • XAVIER, Giovana; FARIAS, Juliana Barreto; GOMES, Flávio (Orgs.). Mulheres negras no Brasil escravista e do pós-emancipação. São Paulo: Selo Negro Edições, 2012.
  • 1
    De acordo com o atestado de óbito e as notas publicadas na imprensa, o filho médico de Israel Soares faleceu em 1913 e não em 1914. Possivelmente, Evaristo de Moraes foi traído pela memória.
  • 2
    A respeito dos usos de registros civis na pesquisa histórica, ver Costa (2020COSTA, Carlos Eduardo Coutinho da. “Faltam braços nos campos e sobram pernas na cidade”: famílias, migrações e sociabilidades negras no Pós-Abolição do Rio de Janeiro (1888-1940). Curitiba: Appris, 2020.).
  • 3
    A respeito dos usos dos registros paroquiais e eclesiásticos na História Social, ver Guedes e Fragoso (2016GUEDES, Roberto; FRAGOSO, João (Orgs.). História social em registros paroquiais (Sul-Sudeste do Brasil, séculos XVIII-XIX). Rio de Janeiro: Mauad X, 2016.).
  • 4
    Por meio do site Family Search (s.d.FAMILY SEARCH. s. d. Disponível em: Disponível em: https://www.familysearch.org/pt/ . Acesso em: 10 jun. 2021.
    https://www.familysearch.org/pt/...
    ), foi possível localizar muitos documentos digitalizados, o que foi muito importante nesta pesquisa, realizada durante a pandemia de ­COVID-19.
  • 5
    Segundo Campos (2016CAMPOS, Walter de Oliveira. A Lei Afonso Arinos e sua repercussão nos jornais (1950-1952): entre a democracia racial e o racismo velado. Tese (Doutorado em História) - Faculdade de Ciências e Letras. Universidade Estadual Paulista “Júlio de Mesquita Filho”. Assis, 2016. 156 f., p. 11): “Lei nº 1.390, de 3 de julho de 1951, conhecida como Lei Afonso Arinos, em homenagem ao jurista e deputado federal Afonso Arinos de Melo Franco, autor do projeto de lei. Ela incluía entre as contravenções penais a prática de atos resultantes de preconceito de raça ou de cor, definidos em seus nove artigos, e vigorou até ser revogada pela Lei nº 7.716, de 5 de janeiro de 1989, ainda vigente.”.
  • **
    Agradeço à FAPERJ, ao CNPQ e ao programa Prociência da UERJ, e também aos colegas Alessandra Schueler e Carlos Eduardo Costa, pela interlocução.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Ago 2022
  • Data do Fascículo
    May-Aug 2022

Histórico

  • Recebido
    15 Jun 2021
  • Aceito
    31 Mar 2022
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