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Uma visão crítica de Chimamanda Adiche

A critical view of Chimamanda Adiche

BRAGA, Cláudio R. V.. A literatura movente de Chimamanda Adichie: pós-colonialidade, descolonização cultural e diásporaBrasíliaEditora Universidade de Brasília2019172 p.

Entre os variados acontecimentos do XVI Congresso Internacional ABRALIC, realizado entre os dias 15 e 19 de julho de 2019, na Universidade de Brasília (UnB), consta o lançamento do livro A literatura movente de Chimamanda Adichie: pós-colonialidade, descolonização cultural e diáspora, de autoria de Cláudio Roberto Vieira Braga, professor adjunto de literaturas de língua inglesa na UnB. O olhar crítico para as mobilidades literárias, proposto pela obra, condiz com o tema daquele Congresso da ABRALIC: “Circulação, tramas & sentidos na Literatura”. Doutor em Literatura Comparada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), Braga se especializou no estudo de textos e contextos marcados pelo fenômeno conhecido na academia como diáspora. Desde o seu mestrado também na UFMG, o autor investiga a experiência diaspórica na produção criativa da escritora e professora estadunidense de ascendência nipônica Karen Tei Yamashita, sob cuja orientação Braga realizou o seu estágio de doutorando na Universidade da Califórnia, Santa Cruz, nos Estados Unidos. Dos vários anos dedicados à eclosão da arte escrita vis-à-vis à mobilidade de sujeitos na contemporaneidade, resultaram artigos de sua autoria ou em parceria com sua orientadora de mestrado e doutorado, a professora Gláucia Renate Gonçalves, os quais têm servido como referências bibliográficas de dissertações e teses na área.

O impacto dessa crítica conceitual made in Brazil não se restringe ao ambiente acadêmico de origem, mas alcança uma diversificada audiência de língua inglesa ainda restrita a muitos estudiosos lusófonos, sobretudo os que publicam apenas em português. Além de assinar publicações nos Estados Unidos e na Inglaterra, Braga está entre os raros professores brasileiros que cooperam com um programa de pós-graduação na Índia, onde participou de bancas de doutorado. Publicada em 2019 pela Editora da UnB com o selo “Pesquisa, Inovação & Ousadia”, A literatura movente de Chimamanda Adichie está listada juntamente com mais quatro artigos de Braga na fortuna crítica especializada na literatura de Adichie do portal The Chimamanda Ngozi Adichie Website, hospedado pela Universidade de Liège, na Bélgica. Chama a atenção o fato de a obra de Braga ser apenas o quarto livro publicado sobre os escritos dessa autora.

O interesse do autor pela literatura diaspórica pode ser explicado, como ele admite, “tanto pela tradição familiar quanto pelo local de nascimento” (p. 14), Minas Gerais, o estado brasileiro com a maior quantidade de pessoas que emigram. Com esse “sentimento do mundo”, que o poeta mineiro Carlos Drummond de Andrade (2001ANDRADE, Carlos Drummond de. Sentimento do mundo. 12ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2001., p. 133-134) traduziu em poesia, Braga explora as fronteiras de “mundos em movimento” (p.15) pela crítica. Trata-se de uma crítica que come pelas beiradas, para usar uma expressão típica do vocabulário mineiro. Subjaz ao seu texto uma refinada astúcia crítica capaz de empregar teorias de disciplinas como sociologia, antropologia, geografia, e estudos culturais e literários, para, através da dialética da mineiridade, por assim dizer, manifestar os contornos teóricos de um “pensamento movente” (p. 20), derivado de seus anos de estudos dedicados a fenômenos diaspóricos.

O que surpreende na elegante prosa de seu livro é a capacidade de contextualizar ideias, como se afinasse o ouvido do leitor para aqueles elementos de importância histórica que escapam de leituras apressadas. Como bom mineiro que não perde a oportunidade de contar causos, o autor evade-se ao “perigo de uma história única” (p. 157), seguindo Chimamanda Adichie, para desvelar as várias camadas ignoradas pelos registros históricos oficiais.

Com isso, A literatura movente de Chimamanda Adichie desempenha uma função política, que se propõe a conectar os leitores com o reconhecimento da dignidade humana e do propósito da vida de pessoas que sobrevivem em espaços eivados por variadas formas de discriminação (p. 28). O leitor que aceitar a sua proposta não vai perder o trem da História, desta vez, recontada pelos “conhecimentos alternativos” produzidos nas estruturas de poder ocidentais e não ocidentais (p. 30). Nessa viagem epistemológica por textos de autores das Américas, África, Ásia, Europa e Oceania, a crítica movente de Braga será uma bússola de leituras e tessituras de novas ideias e referências, sem que o viajante necessite inquirir sua localização.

Na prosa com Braga, os leitores têm acesso ao significado de expressões necessárias para a compreensão da condição contemporânea, tais como: pós-colonialidade, descolonização, hibridismo, imperialismo, diáspora e globalização. Cada um desses termos já renderia um livro e anos de estudo, mas, na obra, os conceitos aparecem em discussões promovidas por intelectuais de várias partes do mundo. Uma característica da maioria dos pensadores referenciados é o seu diálogo com as realidades não hegemônicas globais.

Os tópicos teóricos, no entanto, são postos à prova por aquilo que brilha no livro de Braga: a literatura de Chimamanda Ngozi Adichie, uma jovem e premiada escritora nigeriana cuja obra já figura entre os principais romances pós-coloniais existentes. Com uma escrita muito bem articulada criticamente com as implicações das reflexões conceituais, o livro oferece um estudo da prosa literária adichieana. Com base em anos de pesquisa, que incluem estágios de pós-doutorado nas Universidades de São Paulo e de Leeds, na Inglaterra, Braga ancora sua apreciação da literatura de Adichie na contribuição desse corpus literário para pensar alguns dos rumos da humanidade na contemporaneidade (p. 21).

Enfatizando a experiência da mobilidade como central em textos adichieanos, a exemplo do aclamado romance global Americanah - que retrata as complexidades da vida africana na diáspora -, Braga investiga os temas fundamentais da narrativa de Adichie à procura das “pós-colonialidades dos cidadãos comuns” (p. 39). Em uma crítica subjacente à reflexão pós-colonial limitada aos estudos acadêmicos, o autor reconhece a pós-colonialidade como um “estado geral de ser” que atinge milhões de pessoas em diversas localidades (p. 40). Esse conceito é tão abrangente que é tratado como “uma condição mundial contemporânea multifacetada” (p. 40), na qual há mais diversidade, heterogeneidade e particularidade na formação dos sujeitos do que se espera.

A literatura movente de Chimamanda Adichie se destaca, portanto, por trazer à baila a historicidade dos sujeitos na pós-colonialidade. Na leitura de obras diaspóricas, o leitor pode se perguntar onde estão esses sujeitos. Como se trata de uma pesquisa em literatura, o acesso às subjetividades passa pela escrita de textos, que, no caso desse estudo, são palimpsestos de (sobre)vivências e mobilidades. Para desafiar a prevalência dos danos psicológicos e físicos dos legados coloniais nos sujeitos africanos, Adichie efetua aquilo que Braga descreve como “descolonização cultural” (p. 25), isto é, um processo de redefinição identitária dentro dos contraditórios ambientes marcados pela colonização. Assim, a literatura de Adichie pode conter rastros do que Conceição Evaristo (2008EVARISTO, Conceição. Escrevivências da afro-brasilidade: história e memória. Releitura, Belo Horizonte, Fundação Municipal de Cultura, nº 23, 2008.) teoriza como “escrevivências”, ou, nos termos de Braga, aponta para o “reposicionamento do sujeito pós-colonial” (p. 160). Com sua escrita, Adichie se reposiciona ontologicamente para rever os efeitos destrutivos da dominação colonial nas mentes e corpos negros, o que acarreta passar em revista “a ideia do que significa ser humano” (p. 153). Essa reivindicação literária da ideia de humanidade descoloniza o próprio ser humano, canonizado na história como homem, branco e eurodescendente, enquanto a humanidade plena das pessoas de ascendência africana foi historicamente vilipendiada.

Por engendrar novas ideias e inspirar reflexões críticas e teóricas, a obra seminal de Braga oferece valiosas contribuições para os estudos literários. Com esta resenha, apresento apenas uma amostra daquilo que o leitor terá o prazer de descobrir com algumas agradáveis sentadas poeanas, quando (re)encontrará a literatura como um artifício de mobilização de histórias, pensamentos e vidas.

REFERÊNCIAS

  • ANDRADE, Carlos Drummond de. Sentimento do mundo 12ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2001.
  • EVARISTO, Conceição. Escrevivências da afro-brasilidade: história e memória. Releitura, Belo Horizonte, Fundação Municipal de Cultura, nº 23, 2008.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    08 Maio 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2020

Histórico

  • Recebido
    03 Nov 2019
  • Aceito
    20 Dez 2019
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