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A Tributação das Sociedades Insolventes: Evidência Empírica em Portugal* 1 Sempre que nos referirmos aos AI estaremos considerando a posição da Associação Portuguesa dos Administradores Judiciais (APAJ).

Resumos

Este artigo discute a problemática da tributação das sociedades insolventes em Portugal, nomeadamente em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC). Para o efeito, em primeiro lugar, tecem-se algumas considerações sobre o regime jurídico das sociedades insolventes e, em segundo, analisa-se o seu regime fiscal. Seguidamente, procede-se a uma breve revisão dos principais estudos que, no contexto internacional, analisam e debatem os principais problemas criados pelo regime fiscal das sociedades insolventes, em especial no Brasil, na Espanha, nos Estados Unidos e na Itália. Finalmente, apresentam-se os resultados de um estudo empírico, conduzido em Portugal, em 2013, que avalia e confronta as opiniões de administradores da insolvência (AI), da autoridade tributária e aduaneira (AT) e dos magistrados judiciais (MJ), com o objetivo de contribuir para uma melhor solução na tributação de empresas nesse regime. Os entrevistados (AI, AT, MJ) apresentam pensamento objetivo sobre o fato de considerarem muito importante que o Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) e o Código do Imposto sobre o Rendimento das Pessoas Coletivas (CIRC) sejam alterados, ora para esclarecer se a liquidação do patrimônio da massa insolvente está sujeito a IRC, ora para atribuir um capítulo especialmente dedicado à matéria da tributação na insolvência em Portugal.

insolvência; tributação; imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas


This article discusses the issue of taxation of insolvent companies in Portugal, particularly regarding the Portuguese tax on revenue of legal entities (IRC). For this purpose, first, some considerations on the legal framework of insolvent companies are woven and, second, their tax regime is analyzed. Then, a brief review of the main studies that, in the international context, analyze and debate major issues derived from the tax regime of insolvent companies is conducted, particularly in Brazil, Spain, United States, and Italy. Finally, there are the results of an empirical study conducted in Portugal, in 2013, which evaluates and compares the opinions of insolvency administrators (IA), the tax and customs authority (TA), and court magistrates (CM), in order to contribute to a better solution concerning business taxation under this regime. Respondents (IA, TA, CM) demonstrate objective thinking about the fact they believe it is very important that the Portuguese Code of Insolvency and Business Recovery (CIRE) and the Portuguese Code of Tax on Revenue of Legal Entities (CIRC) are modified, now to make clear whether the settlement of property ownership of an insolvent estate is liable to the IRC, then to assign a chapter specifically devoted to the subject of taxation on insolvency in Portugal.

insolvency; taxation; Portuguese tax on revenue of legal entities


1 INTRODUÇÃO

Este estudo versa sobre o enquadramento fiscal das sociedades insolventes em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas coletivas (IRC), em uma realidade cingida às sociedades com sede ou direção efetiva em território português. Trata-se de saber, como já discutido por Dinis, Lopes e Marcelino (2014)Dinis, A. C. S. A., Lopes, C. M. M., Marcelino, P. M. J. (2014). As sociedades insolventes e a tributação em sede de imposto sobre o rendimento das pessoas colectivas (IRC) em Portugal. Revista de Finanças Públicas e Direito Fiscal, 7(2), 113-142., se a massa insolvente é sujeito passivo de imposto e se o produto da liquidação dos ativos insolventes deve estar sujeito a tributação em sede de IRC.

Os autores destacaram que não existe consenso entre os diversos intervenientes do processo de insolvência, no que diz respeito à sujeição a imposto destas sociedades. Pois, se, por um lado, "a autoridade tributária e aduaneira (AT) tem entendido a massa insolvente como um sujeito passivo e a consequente sujeição a IRC da liquidação dos ativos insolventes", por sua vez, "os administradores da insolvência (AI)1 defendem que uma sociedade insolvente não exerce a título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, e que, portanto, a partir do momento em que todos os bens são apreendidos para a massa insolvente, o produto da sua liquidação não está sujeito a tributação em sede IRC, sendo esta opinião corroborada por alguma jurisprudência nacional".

No plano jurídico, com a Lei n. 16/2012, de 20 de abril de 2012, procedeu-se à 6ª alteração do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE) e esperou-se a clarificação do regime aplicável ao cumprimento de obrigações fiscais das sociedades insolventes em Portugal, nomeadamente na sequência da decisão de deliberação de encerramento da atividade, caso em que se extinguiriam necessariamente todas as obrigações declarativas e fiscais. Todavia, ainda assim, não ficou devidamente esclarecida essa temática, por isso, as dúvidas continuam na fase de liquidação da massa insolvente.

No plano econômico, relativamente à aplicação do CIRE ao longo do tempo é possível verificar-se que a recuperação de empresas insolventes não logrou afirmar-se, na prática, como uma alternativa efetiva à liquidação da empresa (Portugal, 2010Portugal. (2003, 29 de outubro). Processo 01079/03. Lisboa, Portugal. Recuperado de http://www.dgsi.pt/jsta.nsf/35fbbbf22e1bb1e680256f8e003ea931/32e17fdc3a9cbdfc80256dea003ec11b?OpenDocument&ExpandSection=1
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, 2 de dezembro). Na maioria dos casos, as empresas declaradas insolventes estão de fato nessa situação há já bastante tempo, e a manutenção de um plano de insolvência acaba por, na prática, ser apenas uma forma de protelar a liquidação de uma sociedade que há muito já deveria estar extinta.

No plano da contabilidade, é pertinente analisar que existe um incumprimento generalizado da obrigação de manter a contabilidade organizada nas sociedades insolventes, situação que se agrava com o prolongamento do processo de insolvência.

No plano fiscal, verifica-se que a ciência fiscal tem dado mais atenção aos objetivos da equidade e da eficiência do que à simplicidade e aos problemas de viabilização ou funcionamento do sistema fiscal, situação que se acentua na temática da tributação das sociedades insolventes (Lopes, 2008).

É, assim, um assunto relevante que merece ser discutido junto da comunidade acadêmica e profissional.

Então, nossa investigação revela-se importante pelos motivos que seguidamente enumeramos. Em primeiro lugar, tanto quanto é do nosso conhecimento, não existem em Portugal muitos estudos que tenham abordado a tributação das sociedades insolventes e suas implicações. E, em segundo lugar, a atual conjuntura econômica, de crise e consequente aumento de falências e insolvências, torna o tema pertinente, atual e relevante.

Este artigo procura, então, apresentar uma visão crítica do regime fiscal das sociedades insolventes, analisando também no contexto internacional a problemática fiscal da tributação de sociedades insolventes, recorrendo a um estudo empírico com base em uma amostra referenciada, que incide no perfil e trabalho desenvolvido pelos AI, pela AT e pelos magistrados judiciais (MJ) em Portugal.

De forma a alcançar os objetivos propostos, estruturou-se este artigo em três seções. Seguem-se algumas considerações prévias sobre o regime jurídico das sociedades insolventes, uma breve análise do regime fiscal do processo de insolvência em Portugal e dos diferentes estudos realizados internacionalmente. Depois, dedicamos nosso estudo à metodologia de investigação e análise de dados e desenvolvemos os aspectos metodológicos da nossa investigação, com a realização de testes estatísticos, com vistas à confirmação das hipóteses e a discussão dos resultados obtidos. E, então, apresentamos nossas considerações finais.

2 O REGIME JURÍDICO DAS SOCIEDADES INSOLVENTES: ALGUMAS CONSIDERAÇÕES PRÉVIAS

O regime jurídico das sociedades insolventes em Portugal é regulado pelo Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (CIRE).

O conceito de massa insolvente é definido no art. 46 do CIRE. A massa insolvente, genericamente, destina-se a satisfazer os credores da insolvência e abrange todo o património da sociedade insolvente à data da declaração de insolvência, bem como os bens e direitos que ele adquira na pendência do processo.

Se existir insuficiência da massa insolvente ou havendo o pagamento das dívidas aos credores, o processo de insolvência é encerrado, e a sociedade insolvente pode continuar a sua atividade normalmente.

No decorrer do processo, a assembleia de credores pode deliberar sobre o encerramento ou manutenção da atividade do estabelecimento, ou outros estabelecimentos compreendidos na massa insolvente, tal como definido nos termos do art. 156 do CIRE.

Se a assembleia de credores deliberar a manutenção da atividade do estabelecimento, acordando um plano de insolvência, a atividade da empresa também pode continuar normalmente. Se a assembleia de credores deliberar o encerramento do estabelecimento, a empresa vai para liquidação.

3 O REGIME FISCAL DAS SOCIEDADES INSOLVENTES

3.1 A Tributação das Sociedades Insolventes em Portugal

A AT (Portugal, 2010, 16 de dezembro) defende que a sujeição às normas de incidência fiscal, mesmo em fase de liquidação dos ativos insolventes, nada terá de extraordinária à luz dos princípios subjacentes à tributação em sede de IRC, nos termos do CIRC. Isso porque para a AT uma vez declarada a insolvência, mesmo que cessada a prossecução do objeto social de uma sociedade, não significa que esta deixe de obter rendimentos sujeitos em IRC. Pois, segundo a AT, os rendimentos não derivam apenas do exercício efetivo de uma atividade económica, mas também das variações patrimoniais positivas não refletidas no resultado líquido do período. A AT defende, então, que, com a declaração de insolvência, não deixam de se verificar as condições de sujeição ao IRC, porque o que é relevante é que, ainda que se considere que as sociedades insolventes não exerçam uma atividade, nunca passariam, em razão da insolvência, a ser classificadas como uma entidade que não exerce a título principal uma atividade de natureza comercial, industrial ou agrícola, nos termos do CIRC.

Tiago (2012)Tiago, F. (2012). A empresa insolvente mantém a personalidade tributária. Recuperado de http://www.vidaeconomica.pt/gen.pl?p=stories&op=view&fokey=ve.stories/79852
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defende a posição tomada pela AT e considera que nas sociedades declaradas insolventes não é o fato de tratar-se de um processo de insolvência que impede que se possam verificar ganhos, com as vendas de bens por valores que podem, além de pagar todas as dívidas aos credores, gerar ainda incrementos patrimoniais. Como tal, nenhuma razão subsiste para se furtarem à tributação em sede de IRC. O lucro tributável da sociedade insolvente é, contudo, determinado com referência a todo o período de liquidação do patrimônio societário.

Entretanto, os AI (Portugal, 2010, 16 de dezembro) interpretam o art. 3º, n. 4, do CIRC a contrario, na medida em que entendem que uma sociedade insolvente não exerce a título principal uma atividade, de natureza comercial, industrial ou agrícola, quando a assembleia de credores delibera a liquidação da massa insolvente e a repartição do valor obtido pelos credores. Para os AI não se visa o lucro, mas, apenas o pagamento aos credores, não se realizando por isso operações económicas de carácter empresarial, e, defendem, por não se obterem rendimentos, a massa insolvente não deve ser sujeita a tributação.

Nesse sentido, de acordo com Portugal (2007), alguma jurisprudência nacional orienta-se também para o fato de que as normas da liquidação da sociedade não se devem confundir com as da liquidação dos ativos insolventes, porque enquanto aquelas se destinam a regular a partilha do patrimônio societário da sociedade dissolvida, sendo a liquidação feita no interesse dos sócios, estas regulam a venda dos bens arrolados para a massa insolvente, como se consistisse em um processo executivo, feita no interesse dos credores. Igualmente, atendendo ao conceito de rendimento acréscimo, para efeitos de IRC, e considerando que a tributação do rendimento em sede de IRC incide sobre a realidade econômica constituída pelo lucro, Portugal (2003) evidencia que a venda de bens que integrem o ativo imobilizado de uma sociedade declarada falida, efetuada nos autos de liquidação do respectivo ativo, não integra o conceito de mais-valias e menos-valias previsto no CIRC e, com a declaração de falência, não há mais ativo imobilizado, qua tale, sendo, antes, todos os bens apreendidos, passando a constituir um novo patrimônio, um acervo de bens e direitos retirados da disponibilidade da sociedade e que serve exclusivamente, depois de liquidado, para pagar, primeiramente, as custas processuais e as despesas de administração e, depois, os créditos reconhecidos. Mais, esclarece ainda que só por meio de uma ficção jurídica se poderia considerar lucro tributável o produto da alienação de patrimônio afetado ao pagamento de dívidas que já não consegue cobrir.

Conforme resulta do exposto, podemos concluir que esse tema constitui uma matéria muito polêmica e inacabada em discussões e conclusões, em Portugal.

Será esse um problema generalizado aos restantes países no mercado global?

É da resposta a esta questão que trata o ponto seguinte.

3.2 A Tributação das Sociedades Insolventes - Comparações Internacionais e Resultados de Estudos no Brasil, na Espanha, nos EUA e na Itália

Na literatura internacional, no âmbito da temática da tributação na falência das sociedades, a questão fiscal também não é pacífica. A nossa escolha recaiu sobre Brasil, Espanha, EUA e Itália, por serem os países com referências de autores que pudemos observar na nossa pesquisa bibliográfica, relativamente à temática em estudo.

3.2.1 A tributação das sociedades insolventes no Brasil.

No Brasil, o instituto da falência é atualmente regulado pelas disposições daLei de Recuperação de Empresas e Falências, a qual trata da recuperação extrajudicial e da falência do empresário individual e da sociedade empresária. No que toca à tributação das sociedades insolventes no Brasil, Fernandes e Mario (2010)Fernandes, C. M., & Mario, P. C. (2010). Ensaio sobre a essência contabil versus a forma jurídica: (d)efeitos na tributação de uma massa falida. Recuperado de http://www.congressousp.fipecafi.org/artigos102010/453.pdf
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dão o seu contributo e destacam que, com a falência, o falido é desapossado do seu patrimônio e surge a massa falida, como uma "entidade contábil para fins de análises e controles", mas que não possui personalidade jurídica no direito positivo brasileiro e que muito menos se equipara a "pessoa para fins tributários". Os autores referem, ainda, que existiram vários Pareceres Normativos da Secretaria da Receita Federal que reconheciam que a massa falida não se sujeitava às normas tributárias, já que possui apenas a propriedade nominal dos bens arrecadados, sendo a administração da responsabilidade do administrador judicial. Ainda que a lei brasileira tenha considerado várias alterações às normas vigentes, no que toca à sujeição da massa falida, é um assunto muito polêmico, sobretudo pelo fato de que para Fernandes e Mario (2010) "a tributação ou não da massa falida se relaciona diretamente com o pressuposto da essência econômica da entidade contábil em contraposição ao da forma jurídica personificada ou não, trazendo à dimensão atual pontos conflituantes e seus possíveis efeitos". A liquidação total dos ativos para pagamentos de credores, já que não se pode tratar a venda em bloco dos ativos como uma receita, pois se trata apenas do "melhor valor obtido" daqueles ativos em "processo forçado". A tributação sobre os recursos apreendidos para a massa falida para saldar suas dívidas não tem sustentação econômica, nem mesmo jurídica. O que se tributa é o patrimônio e não a receita e "mais ainda, as garantias que sobraram para os credores". Também, e à semelhança do que se refere em Portugal, para Marques (2005)Marques, L. A. (2005). O tributo e o seu tratamento no novo regime jurídico de insolvência empresarial. Recuperado de www.miggo.com.br/imgarq/176/248700_533.doc
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, o "tributo" é o principal elo entre o regime tributário e o regime falimentar, mas, no que se refere aos créditos fiscais, evidencia que existe uma ordem a ser seguida, sendo que os créditos ao administrador judicial e auxiliares, bem como os créditos aos serviços prestados à massa, despesas e custas judiciais com o processo de falência devem ser atendidos em primeiro lugar. Pois, somente após o cumprimento de todas as obrigações supramencionadas é que, finalmente, se pode pensar em pagar o "crédito tributário devido pela massa falida". A reestruturação do regime jurídico da insolvência era necessária, com o objetivo principal de aproximar os dois regimes. Por outro lado, Spadotto (2005)Spadotto, R. D. C. (2005). A venda de bens da massa falida e sua respetiva tributação sob a ótica da nova lei de falências. Recuperado de http://www.ibrademp.org.br/arquivos/nova_lei_de_falencias2.pdf
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refere que os "débitos tributários" constituem um dos principais entraves para a recuperação econômica de uma empresa e que pela "antiga sistemática, o adquirente da empresa cuja quebra tinha sido decretada sub-rogava-se nas obrigações tributárias da empresa a qual a alienação havia recaído", mas com essa "nova sistemática adotada pelo legislador, as dívidas tributárias que venham a recair sobre a venda dos bens do ativo da empresa não poderão ser exigidas do adquirente".

3.2.2 A tributação das sociedades insolventes na Espanha.

Em Espanha, a Ley Concursal estabelece um único procedimento judicial para tratar o processo desencadeado pela insolvência de um devedor, o denominado "concurso de acreedores" (falência). Para Moreno-Ternero e Villar (2002)Moreno-Ternero, J. D. & Villar, A. (2002). Bankruptcy rules and progressive taxation. Recuperado de http://www.researchgate.net/publication/5134429_BANKRUPTCY_RULES_AND_PROGRESSIVE_TAXATION
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o problema da falência é apontado ao fato de que se tem de atribuir uma determinada quantidade de um bem divisível quando não há o suficiente para satisfazer as exigências de todos os credores. Quanto às questões tributárias levantadas no processo de insolvência, no que se refere às implicações fiscais na reforma da Ley Concursal, nomeadamente ao fato de a reforma ter sido acompanhada por uma série de outras alterações legislativas, como, por exemplo, a da Ley General Tributaria, Medina (2012)Medina, J. R. S. (2012). Implicaciones fiscales de la reforma concursal. Recuperado de http://www.diariojuridico.com/implicaciones-fiscales-de-la-reforma-concursal/
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evidencia que essa alteração teve um impacto que não geraria qualquer benefício para o "concurso de acreedores", já que, ao favorecer a posição de crédito dos credores públicos em caso de falência, deixou de salvaguardar a posição dos credores, que é o principal interesse do processo de insolvência, para ceder ao interesse público, que sai favorecido em detrimento dos operadores econômicos. O autor refere ainda a prática de insolvência britânica que, após a abolição dos privilégios dos créditos públicos, propiciou uma satisfação maior dos credores, que permitiu aumentar suas "rentas disponibles" e, consequentemente, suas possibilidades de investimento e consumo, estimulando assim a economia e, naturalmente, a receita fiscal do governo. Escolà (2004) defende que, embora o Ministério da Justiça insista em destacar que a finalidade da nova regulação da falência é apoiar e assegurar a continuidade de empresas viáveis que estão temporariamente envolvidas em uma situação de insolvência, a regulamentação estará longe de facilitar a realização desse objetivo, pois, para a autora, o pagamento das dívidas é o principal objetivo do novo regulamento.

3.2.3 A tributação das sociedades insolventes nos EUA.

O processo de insolvência norte-americano é regulamentado pela lei federal, no Bankruptcy Code. No que se refere à temática da tributação na insolvência, ainda que apelando à consciência fiscal, Newton (2000)Newton, G.w. (2000). Bankruptcy and insolvency accounting practice and procedure (Vol. 1, 6. ed.). Hoboken, NJ: John Wiley & Sons. evidencia o efeito do imposto de determinadas operações, que pode impor maiores dificuldades às entidades que se encontram em insolvência, já de per se em uma posição financeira débil. Não é incomum na falência a realização de lucro tributável durante o período de administração, a partir da venda de todos ou parte dos ativos ou de recuperações tributáveis, no entanto, as transações operacionais líquidas de perdas e outras deduções fiscais são muitas vezes incapazes de compensação para minimizar o efeito do imposto.Krause e Kapiloff (1966)Krause, S., & Kapiloff, A. Y. (1966). Symposium, creditors' rights, the bankrupt estate, taxable income and the trustee in bankruptcy. Recuperado de http://ir.lawnet.fordham.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1859&context=flr
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afirmam que quando a massa falida é criada, existe uma imposição de imposto diretamente contra a propriedade e indiretamente contra os credores, pela redução do seu dividendo na falência, pelo que o efeito da falência é transferir a carga fiscal do devedor para os credores. O governo recebe um imposto em virtude do processo de falência, que é obtido à custa dos credores, por isso, a questão do lucro tributável, durante a administração de propriedade em uma falência, é repleta de considerações de ordem social e econômica.

3.2.4 A tributação das sociedades insolventes na Itália.

A legislação italiana considera a insolvência uma situação de fato, que pode conduzir à declaração de insolvência ou à instauração de outros processos destinados a subtrair bens à disponibilidade do devedor e à liquidação destes para satisfazer os credores com o ativo obtido. Os processos formais que decorrem da insolvência são os seguintes: a insolvência, a concordata e a liquidação sob administração judicial ("liquidazione coatta amministrativa"). Também no regime fiscal, a insolvência na Itália gera algumas controvérsias. A propósito da reforma da lei da insolvência italiana, Tosi (2005)Tosi, L. (2005). Problematiche fiscali del fallimento e prospettive di riforma (collana diretta da Francesco Moschetti e Loris Tosi). Torino: CEDAM/AEST.evidencia a utilidade de fazer um balanço da situação, tentando identificar as orientações do legislador de acordo com as perspetivas de inovação no sistema tributário - as implicações de natureza fiscal. E é necessário porque muitos dos problemas que surgem para a correta identificação do tratamento aplicável a processos fiscais acontecem por sobreposição entre as leis fiscais e a lei de falências, por isso, nesse contexto, é vantajoso para abordar as questões levantadas no passado sobre a disciplina fiscal no processo de insolvência que o legislador resolva definitivamente o quadro regulamentar. Trata-se de um dos principais problemas da tributação da liquidação dos ativos e a consequente satisfação dos credores, uma vez que é intenção do legislador submeter à tributação somente o resultado positivo do procedimento de insolvência, criando uma solução definitiva de continuidade do regime fiscal comum (Busa, 2005 como citado em Tosi, 2005). Essa exigência, no entanto, não está de acordo com o propósito de liquidação, principalmente a regra em vigor nos procedimentos de falência. Isso porque a solução definitiva para a atividade da empresa que se encontra em insolvência é a sua liquidação, pelo que não faz sentido existir a preocupação de tributação; a atividade empresarial após a insolvência não deve estar sujeita a imposto, pois se considera injustificável tal imposição.

3.3 Notas Conclusivas

Da revisão da literatura efetuada, parece poder-se concluir que existem, de fato, muitas dúvidas no que toca ao enquadramento fiscal de uma sociedade insolvente, nomeadamente quando se decide pela sua liquidação. É uma polêmica que vai além do caso de Portugal, como podemos observar.

A Tabela 1 apresenta uma síntese das conclusões dos diversos autores abordados neste estudo.

Tabela 1
Análise comparativa das principais abordagens sobre a tributação das sociedades insolventes

Seguidamente iremos, pois, aferir da perceção dos AI, da AT e dos MJ acerca da tributação das sociedades insolventes em sede de IRC, em Portugal. Pretendemos avaliar qualitativamente as diferentes opiniões e identificar as variáveis que nos permitam concluir da sujeição ou não sujeição a IRC da massa insolvente.

4 ESTUDO EMPÍRICO

Após o enquadramento teórico e revisão da literatura, procedemos nesta parte à apresentação da metodologia de investigação e análise de dados. A escolha da abordagem qualitativa (perspectiva interpretativa) para este estudo tem a ver com o fato de esta ter por objetivo a compreensão dos significados atribuídos pelos sujeitos às suas ações em dado contexto, o que possibilita a interpretação em vez da mensuração, em contraposição à abordagem quantitativa (perspectiva positivista), que busca informações por meio de dados quantitativos.

4.1 Objetivos de Estudo e Hipóteses de Investigação

Nesta fase, procuramos respostas para as seguintes questões: Será que em Portugal as sociedades insolventes devem ser tributadas em sede de IRC? O CIRE deve ser alterado de forma que esclareça se a liquidação do patrimônio da massa insolvente está sujeita a IRC? O CIRC deve ser alterado e incluir um capítulo especialmente dedicado à matéria da tributação na insolvência?

Consequentemente, o objetivo de nosso estudo é obter evidências empíricas da realidade portuguesa que possibilitem concluir se existe ou não fundamento para a tributação em sede de IRC das sociedades insolventes e necessidade de alteração da legislação aplicável às sociedades insolventes.

Para atingir os objetivos definidos, formalizamos as hipóteses de investigação a testar, as quais decorrem em grande medida da revisão da literatura efetuada anteriormente. Face aos objetivos e problemas identificados pelo nosso estudo, definimos as nossas hipóteses de investigação. Assim, temos:

Hipótese 1: A massa insolvente exerce uma atividade econômica.

Em diversas situações, é possível verificar que os AI entendem que não há atividade econômica quando se delibera a liquidação dos ativos insolventes, já que a repartição do produto obtido pelos credores não visa ao lucro, mas apenas ao pagamento aos credores, não se realizando, por isso, operações econômicas de caráter empresarial. Temos, então, como objetivo aferir se a massa insolvente exerce ou não uma atividade econômica.

Hipótese 2: O produto da liquidação da massa insolvente é rendimento.

Atendendo ao conceito de rendimento para efeitos de IRC, e uma vez que é o acréscimo de riqueza que é objeto de tributação, para a AT, por se considerar que a massa insolvente obtém rendimentos, não estará dispensada do pagamento de qualquer imposto, pretendemos saber se o produto da liquidação dos ativos insolventes será ou não rendimento.

Hipótese 3: A massa insolvente é sujeito passivo de IRC e tem capacidade contributiva/econômica.

Se tivermos em conta que o IRC não é um imposto de capitação2 e que os impostos não podem ser exigidos apenas pelo simples fato de uma sociedade existir e que há que ter em conta sua capacidade econômica, pretendemos averiguar em que medida a massa insolvente tem capacidade contributiva e se é sujeito passivo de IRC.

Hipótese 4: A legislação falimentar carece de harmonização com a legislação fiscal.

Tendo como ponto de partida o enquadramento normativo e revisão da literatura deste estudo, que abordamos na primeira parte, é possível verificar que a polêmica associada ao tema da tributação das sociedades insolventes prende-se no essencial com a falta de harmonização entre a legislação falimentar e a legislação fiscal. Temos, então, por objetivo avaliar se a sujeição a IRC das sociedades insolventes poderá ter interpretação diversa nas normas em estudo.

4.2 Metodologia e Caracterização da Amostra

As hipóteses que definimos anteriormente têm como seus pressupostos e população os AI, a AT e os MJ. A nossa análise baseou-se na população dos AI em Portugal, dos chefes, diretores de serviços e diretores de finanças da AT e dos MJ portugueses. Como ponto de partida para a coleta de dados, utilizou-se a base de dados dos AI, recebida da Comissão de Apreciação e Controlo da Atividade dos Administradores da Insolvência (CACAAI), a base de endereços eletrônicos dos serviços tributários da AT e a base de contatos dos tribunais portugueses, da Direção Geral da Administração da Justiça (DGAJ).

A técnica de coleta de informação foi aplicada recorrendo ao uso de questionários eletrônicos, criados e enviados por meio do programaLimeSurvey. Para Kawk e Radler (2002)Kawk, N., & Radler, B. (2002). A comparison between mail and web surveys: response pattern, respondent profile, and data quality. Recuperado de http://www.jos.nu/Articles/article.asp
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a escolha dessa metodologia assenta-se na relação eficácia - custo, dado que a utilização de questionários permite obter bons resultados com baixo custo, possibilitando o tratamento de uma grande quantidade de informação.

O questionário enviado aos entrevistados encontrava-se dividido em duas seções comuns aos três grupos estudados e uma seção apenas para o grupo dos AI. A primeira seção abordava os dados biográficos e caracterização do perfil acadêmico e profissional. A segunda seção tratava dos aspectos específicos do desempenho da profissão, no que diz respeito ao processo de insolvência. A seção apenas para o grupo dos AI referia-se às nomeações em processos de insolvência. O primeiro grupo de questões pretendia recolher informação sobre dados biográficos dos entrevistados, tal como gênero, grau e formação acadêmica, formação profissional complementar, experiência profissional, certificações ou reconhecimentos oficiais obtidos, bem como distrito de atividade profissional. Essa análise permitiu analisar as diferentes opiniões dos entrevistados em função dos seus dados biográficos. No que respeita ao segundo grupo, englobava um conjunto de questões de âmbito mais abrangente, sendo, consequentemente, uma das partes do questionário essencial para a posterior análise de resultados, tendente ao enquadramento da opinião desses grupos de profissionais na temática da tributação das sociedades insolventes. Era objetivo dessa parte do questionário recolher uma opinião dos profissionais visados, que possibilitaria posteriormente a comparação da opinião entre os três grupos de inquiridos, tendo por base aspectos específicos do desempenho da profissão. Por último, o terceiro grupo de questões pretendia obter informação sobre a experiência efetiva da classe profissional dos AI no âmbito do seu desempenho profissional, sendo as questões orientadas, à semelhança das partes anteriores do questionário, ao objetivo a que nos propusemos.

Os questionários foram enviados por e-mail, individualmente, a toda a população de entrevistados, um total de 1.150 indivíduos. Eliminaram-se 132 questionários em função de 70 deles estarem incompletos e os restantes 62 encontrarem-se por preencher. Após esse procedimento, obtiveram-se 126 questionários devidamente preenchidos, correspondendo a uma taxa de resposta de 10,96%, que consideramos razoável3. Assim, nossa amostra foi constituída por 126 observações.

Resumidamente, na Tabela 2, pode-se visualizar nossa amostra e a respetiva taxa de resposta.

Tabela 2
Amostra e taxa de resposta

A nossa pesquisa é classificada como um estudo exploratório. A amostra obtida não constitui uma amostra representativa nem aleatória resultante de um desenho experimental, portanto, não permite generalizações. Assim, ainda que os testes de hipóteses sejam usados para testar parâmetros populacionais a partir de estatísticas amostrais, sua utilização no nosso estudo poderia não fazer muito sentido, bastaria o uso de estatísticas simples, como, por exemplo, tabelas de distribuição de frequência, para chegar às mesmas conclusões. No entanto, entendemos que, de uma forma integrada, quer para analisarmos de que forma os grupos em estudo se comportam entre si, quer para percebermos a posição absolutamente clara de cada grupo relativamente às nossas hipóteses de investigação, o teste de "qui-quadrado"(χ2) para a independência e o teste binomial expõem melhor essa informação.

4.3 Análise e Discussão dos Resultados

Terminada a coleta de dados, estes foram submetidos a análise, tendo-se usado a versão 20 do programa Statistical Package for the Social Sciences (SPSS). Todos os testes foram elaborados com um nível de significância de 5%. A metodologia estatística para tratar os dados foi a mais ajustada, recorrendo-se à utilização de testes estatísticos mais adequados para o tratamento da informação qualitativa recolhida (Miles & Huberman, 1994Miles, B. M., & Huberman, A. M. (1994). A expanded sourcebook qualitative data analysis (2. ed.) . Thousand Oaks, CA: Sage.).

4.3.1 Análise bivariada: teste de "qui-quadrado" para a independência.

Neste estudo, e para esta análise, foram considerados três grupos, que se referem à profissão exercida pelos entrevistados, em que G1 corresponde aos AI, G2 corresponde à AT e G3 aos MJ; χ2 é utilizado para avaliar a associação entre duas variáveis qualitativas X e Y. As hipóteses desse teste são: H0 (hipótese nula): não há diferença de comportamento entre os grupos em relação a determinada variável especificada (os grupos comportam-se de forma semelhante ou de forma dependente); H1(hipótese alternativa): há diferença de comportamento entre os grupos no que se refere à determinada variável (os grupos comportam-se de forma independente em relação a determinada variável). Pode-se dizer que dois grupos se comportam de forma semelhante se as diferenças entre as frequências observadas e as esperadas em cada categoria forem muito pequenas. Se p < 0,05 (α =significância), rejeita-se a hipótese nula (H0) de que não há diferença de comportamento entre os grupos em relação a determinada variável. Apresentamos os resultados de χ2 para a independência na Tabela 3.

Tabela 3
χ2 para a independência (variável profissão)

Pela análise da Tabela 3, observamos que na comparação entre dois grupos, G1 e G3, não havia diferenças na variável "alteração ao regime jurídico" e que todas as outras diferenças entre as restantes variáveis foram significativas. Especificamente, conclui-se que apenas na variável "alteração ao regime jurídico" os grupos G1 e G3 têm comportamento semelhante.

Entre G2 e G3, apenas nas variáveis "alteração do regime jurídico" e "alteração do CIRC" não há variação, onde os grupos não apresentam diferenças de comportamento.

Entre G1 e G2 todas as diferenças são significativas, à exceção da variável "alteração do regime jurídico", situação em que os grupos se comportam de forma semelhante.

Testamos a seguir as nossas hipóteses de investigação.

4.3.2 Teste das hipóteses gerais de estudo: teste binomial.

Nesta fase, a nossa análise é feita para atender aos objetivos da pesquisa e para comparar e confrontar dados e provas, com o propósito de rejeitar ou não as nossas hipóteses de investigação. Tendo em conta a metodologia de investigação adotada, a confirmação ou negação das hipóteses formuladas consiste em avaliar se os resultados obtidos no estudo de cada uma das classes profissionais visadas (por meio de inquérito) vão ao encontro do enquadramento normativo e da revisão da literatura que definimos e abordamos teoricamente.

Por isso, nosso foco, nesta parte do estudo, incide na identificação dos fatores que poderão estar associados à análise da tributação das sociedades insolventes. Para esta análise, utilizamos o teste binomial, uma vez que pretendemos analisar variáveis de tipo nominal com duas categorias apenas. É útil para verificarmos se a proporção de sucesso observada na amostra pode pertencer a uma população com um determinado valor de p. A proporção a ser testada é 50%4. Podemos, assim, interpretar o valor p como o menor valor do nível de significância para o qual rejeitamos H0 (hipótese nula). Dessa forma, se o valorp foi maior que o nível de significância (α) proposto para o teste, não rejeitamos H0. Todos os testes foram elaborados com um nível de significância de 5%. Pretendemos, então, testar, entre os 3 grupos observados, a perceção que os diversos entrevistados têm acerca da temática em estudo. A utilização do teste binomial vai-nos servir para confirmar a posição absolutamente clara de cada grupo relativamente às nossas hipóteses de investigação5. Assim, a hipótese testada é a atitude ser clara entre os indivíduos de cada grupo, i.e., se atuam da mesma forma.

Consideremos a variável: Exercício da atividade econômica da massa insolvente. Fez-se a pergunta para os três conjuntos de indivíduos, a saber: AI, denominado na Tabela 4 G1; AT, denominado G2; e MJ, denominado G3. Cada um dos referidos conjuntos foram separados em dois grupos: Grupo 1 - Sim, denominado na Tabela 4 Grupo 1; Grupo 2 - Não, denominado Grupo 2. O Grupo 1 (Sim) considera que a massa insolvente exerce uma atividade econômica. O Grupo 2 (Não) considera que a massa insolvente não exerce uma atividade econômica.

Tabela 4
Teste binomial variável: exercício de uma atividade econômica pela massa insolvente

O resultado do teste binomial no caso de G3 indica que p = 50%, pelo que não rejeitamos H0. Isso significa que não existem evidências estatísticas significativas que nos levam a crer que a proporção de entrevistados MJ que têm a opinião de que a massa insolvente não exerce uma atividade econômica é significativamente diferente da dos entrevistados que consideram que exerce.

Já para G1 e G2, e porque p < 1%, rejeitamos H0, e verificamos que os entrevistados AI têm uma posição clara sobre o fato de considerarem que a massa insolvente não exerce uma atividade econômica, ao contrário dos entrevistados AT, que têm uma posição clara sobre o fato de considerarem que a massa insolvente exerce uma atividade econômica.

Como há divergências de opinião entre os três grupos, não nos é possível validar nossa hipótese de investigação: Hipótese 1: A massa insolvente exerce uma atividade econômica.

Consideremos a variável: Liquidação dos ativos insolventes é rendimento. Fez-se a pergunta para os três conjuntos de indivíduos, a saber: AI, denominado na Tabela 5 G1; AT, denominado G2; e MJ, denominado G3. Cada um dos entrevistados conjuntos foram separados em dois grupos: Grupo 1 (Sim), denominado na Tabela 5 Grupo 1; Grupo 2 (Não), denominado Grupo 2. O Grupo 1 (Sim) considera que a liquidação dos ativos insolventes é rendimento. O Grupo 2 (Não) considera que a liquidação dos ativos insolventes não é rendimento.

Tabela 5
Teste binomial variável: liquidação dos ativos insolventes é rendimento

Para G1 e G2, e porque p < 1%, rejeitamos H0. Isso significa que existem evidências estatísticas significativas que nos levam a crer que a proporção de entrevistados AI e AT que têm a opinião que o produto da liquidação da massa insolvente é rendimento é significativamente diferente da dos entrevistados que consideram que não é rendimento. Em específico, os entrevistados AI têm uma posição clara relativamente ao fato do produto da liquidação da massa insolvente não ser rendimento, ao contrário dos entrevistados AT, que têm uma posição clara acerca do fato de considerarem que o produto da liquidação da massa insolvente é rendimento.

O resultado do teste binomial no caso de G3 indica que p = 9%, pelo que não rejeitamos H0. Isso significa que não há razões para duvidarmos que a proporção de entrevistados MJ que têm a opinião que o produto da liquidação da massa insolvente é rendimento seja significativamente diferente da dos entrevistados que consideram que não é rendimento.

Como há divergências entre os grupos, não nos é possível validar nossa hipótese de investigação: Hipótese 2: O produto da liquidação da massa insolvente é rendimento.

Consideremos as variáveis: Sujeição a IRC da massa insolvente e Capacidade contributiva da massa insolvente. Fez-se a pergunta para os três conjuntos de indivíduos, a saber: AI, denominado na Tabela 6 G1; AT, denominado G2; e MJ, denominado G3. Cada um dos referidos conjuntos foram separados em dois grupos: Grupo 1 (Sim), denominado na Tabela 6 Grupo 1; Grupo 2 (Não), denominado Grupo 2. O Grupo 1 (Sim) considera que a massa insolvente é sujeito passivo de IRC e a massa insolvente tem capacidade contributiva. O Grupo 2 (Não) considera que a massa insolvente não é sujeito passivo de IRC e a massa insolvente não tem capacidade contributiva.

Tabela 6
Teste binomial variáveis: sujeição a IRC e capacidade contributiva da massa insolvente

Para a variável sujeição a IRC da massa insolvente, o resultado do teste binomial indica que o valor de prova associado ao teste é < 1%, em G1, G2 e G3, pelo que rejeitamos H0. Em específico, isso significa que os entrevistados AI e MJ têm uma posição clara de que a massa insolvente não deve ser sujeita a IRC e os entrevistados AT de que a massa insolvente deve ser sujeita a IRC.

Para a variável capacidade contributiva da massa insolvente, o resultado do teste binomial no caso de G3 indica que p = 50%, pelo que não rejeitamos H0. Isso significa que não há razões para duvidarmos que a proporção de entrevistados MJ que têm a opinião que a massa insolvente tem capacidade contributiva seja significativamente diferente da dos entrevistados que consideram que não tem capacidade contributiva. Para G1 e G2, o valor de prova associado ao teste é < 1%. Assim, para o nível de significância (α) de 5%, rejeitamos H0. Isso significa que podemos concluir que os entrevistados AI e AT têm uma posição clara ao considerarem, respetivamente, que a massa insolvente não tem capacidade contributiva ou tem capacidade contributiva.

Como há divergências entre os grupos, não nos é possível validar a nossa hipótese de investigação: Hipótese 3: A massa insolvente é sujeito passivo de IRC e tem capacidade contributiva/econômica.

Consideremos as variáveis: alteração do CIRE e alteração do CIRC. Fez-se a pergunta para os três conjuntos de indivíduos, a saber: AI, denominado naTabela 7 G1; AT, denominado G2; e MJ, denominado como G3. Cada um dos referidos conjuntos foram separados em dois grupos: Grupo 1 (Sim), denominado na Tabela 7 Grupo 1; Grupo 2 (Não), denominado Grupo 2. O Grupo 1 (Sim) considera que o CIRE e o CIRC devem ser alterados. O Grupo 2 (Não) considera que o CIRE e o CIRC não devem ser alterados.

Tabela 7
Teste binomial variáveis: alteração do CIRE e do CIRC

Em ambas as variáveis, alteração do CIRE e alteração do CIRC, o resultado do teste binomial para G1, G2 e G3 indica que p < α, pelo que rejeitamos H0. Isso significa que podemos concluir que há razões para duvidarmos que a opinião dos entrevistados (AI, AT, MJ) que consideram que o CIRE e o CIRC não devem ser alterados esteja em igual proporção dos entrevistados que consideram que o CIRE e o CIRC devem ser alterados. Especificamente, AI, AT e MJ têm uma posição clara sobre o fato de considerarem muito importante que o CIRE e o CIRC sejam alterados, ora para esclarecer de forma clara se a liquidação do patrimônio da massa insolvente está sujeito a IRC, ora para atribuir um capítulo especialmente dedicado à matéria da tributação na insolvência.

Pela concordância da posição entre os três grupos, é possível validar a nossa hipótese de investigação: Hipótese 4: A legislação falimentar carece de harmonização com a legislação fiscal.

Nesta fase, estamos em condições de sintetizar os resultados obtidos em nossa pesquisa e de explicitar se os objetivos foram atingidos e se as nossas hipóteses foram confirmadas ou rejeitadas, a fim de proporcionar respostas para nossas perguntas de investigação.

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Iniciamos este estudo convictos de que iríamos proporcionar respostas às nossas perguntas de investigação. A metodologia adotada na recolha de informação foi o uso de questionários, criados no programa LimeSurvey, e enviados por e-mail às classes de profissionais abrangidas por este estudo (AI, AT, MJ). A taxa de resposta foi de 10,96%, o que se justifica, em parte, pelo fato dos questionários terem sido enviados em período coincidente com as férias dos entrevistados. Entretanto, ainda que tenham sido enviados por apenas duas vezes, tinham a validade de um mês e muitos dos respondentes não consideraram o link seguro, por isso não concluíram suas respostas. A estender este estudo no futuro, para assegurar um bom nível de taxa de resposta, os questionários deverão ser enviados com maior frequência e por um período de validade mais extenso, bem como ser efetuado um contato prévio às entidades.

Ainda assim, obtivemos um total de 126 respostas, em que 38,1% das respostas são de AI (48 respostas), 34,1% são da AT (43 respostas) e 27,8% de MJ (35 respostas), o que proporcionou uma taxa de resposta considerada razoável. Entendemos que não existiu impacto da taxa de resposta nos resultados analisados, uma vez que pretendíamos aferir evidências empíricas em Portugal, nomeadamente no que dizia respeito à tributação das sociedades insolventes em sede de IRC.

Atendendo aos resultados obtidos, por meio dos diferentes testes das nossas variáveis, consideramos que, embora a metodologia utilizada exija prudência nas conclusões, como também na generalização dos resultados obtidos para a população, sobretudo em virtude de termos recebido apenas cerca de 11% das respostas, quando pretendíamos recolher informações do universo em questão, é inequívoco que não há evidências empíricas que permitam rejeitar as hipóteses formuladas. Do mesmo modo, também não as podemos confirmar. No entanto, é possível sugerir as respostas às nossas perguntas de investigação, tendo em conta os resultados obtidos e analisados.

No que se refere às hipóteses de estudo, os resultados são apresentados a seguir.

Os entrevistados AI e MJ consideram claramente que a massa insolvente não deve ser sujeita a IRC (respetivamente, 96% e 74%) e os entrevistados da AT indicaram que a massa insolvente deve ser sujeita a IRC (74%). Os entrevistados AI (94%) consideram objetivamente que a massa insolvente não exerce uma atividade econômica, ao contrário dos entrevistados AT (74%), que têm uma posição clara sobre o fato de considerarem que a massa insolvente exerce uma atividade econômica. Já os entrevistados MJ não apresentam uma opinião objetiva sobre esta matéria. Os entrevistados AI (88%) consideram nitidamente que o produto da liquidação da massa insolvente não deve ser rendimento, ao contrário dos entrevistados AT (91%), que consideram que é rendimento. Os entrevistados MJ não se definem objetivamente sobre o assunto. Os entrevistados AI e AT (respectivamente, 92% e 86%) têm uma opinião evidente ao considerarem, respectivamente, que a massa insolvente não tem capacidade contributiva ou tem capacidade contributiva. Os entrevistados MJ não apresentam uma ideia esclarecida sobre a temática. Os entrevistados (AI, AT, MJ) apresentam um pensamento objetivo sobre o fato de considerarem muito importante que o CIRE e o CIRC sejam alterados, ora para esclarecer de forma clara se a liquidação do patrimônio da massa insolvente está sujeito a IRC (respetivamente, 79%, 95% e 80%), ora para atribuir um capítulo especialmente dedicado à matéria da tributação na insolvência (respetivamente, 75%, 86% e 69%).

Tendo em vista os resultados obtidos, ainda que não possamos responder à pergunta referente à tributação em sede de IRC das sociedades insolventes, e tendo em conta os resultados analisados, consideramos que o sistema fiscal não está simplificado nessa matéria da tributação das sociedades insolventes e, por isso, julgamos muito interessante e útil a alteração do CIRE e do CIRC para um tratamento mais específico do imposto no processo de insolvência, de forma a acabar com todas as contestações que ainda coexistem.

O nosso trabalho é uma análise à tributação das sociedades insolventes em sede de IRC.

O processo de insolvência engloba, ainda, como é sabido, outros impostos, bem como custos de diversa ordem para o Estado.

Com este trabalho e com a análise do regime de tributação das sociedades insolventes, esperamos ter contribuído para a clarificação de um tema tão polêmico, que envolve os diferentes intervenientes no processo de insolvência em Portugal (AI, ATA, MJ).

Assim, esperamos que este seja um primeiro trabalho de um conjunto de trabalhos de investigação futura.

References

  • *
    Este artigo resulta da adaptação da dissertação de mestrado intitulada "A tributação das sociedades insolventes em sede de imposto sobre o rendimento de pessoas coletivas: evidência empírica em Portugal".
  • 1
    Sempre que nos referirmos aos AI estaremos considerando a posição da Associação Portuguesa dos Administradores Judiciais (APAJ).
  • 2
    A matéria tributável de um imposto de capitação é o próprio indivíduo, uma vez que, na sua forma mais primária (a capitação simples), o imposto é exigido pelo simples fato de existir, isto é, sem qualquer conotação com sua capacidade econômica (Santos, 2003).
  • 3
    Entendemos que não existiu impacto da taxa de resposta nos resultados analisados, uma vez que pretendíamos aferir evidências empíricas em Portugal, nomeadamente no que dizia respeito à tributação das sociedades insolventes em sede de IRC. Para um estudo mais aprofundado, ver, por exemplo, Moss e Hendry (2002).
  • 4
    Pretendemos averiguar se a proporção é significativamente diferente entre os entrevistados de cada grupo.
  • 5
    As hipóteses em estudo refletem a hipótese alternativa.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    01 Mar 2016
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2016

Histórico

  • Recebido
    28 Jan 2014
  • Aceito
    16 Abr 2015
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