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Danos de cartel em contratos com a Petrobras

CARTEL DAMAGE IN CONTRACTS WITH PETROBRAS

Resumo

Este artigo estuda o dano produzido à Petrobras decorrente de atuação de um cartel de empreiteiras. Seu objetivo é responder à pergunta: Como quantificar a diferença entre o valor cobrado por licitações públicas em um ambiente cartelizado e o respectivo valor que deveria ser cobrado em um ambiente competitivo? Foram utilizados métodos econométricos de avaliação de impacto (regressão simples, diferenças em diferenças e propensity score matching) sobre uma nova base de dados de licitações de Construção de Refinarias da Petrobras, realizadas entre 2002 e 2014. Foram encontradas evidências empíricas de que licitações vencidas por empresas cartelizadas apresentam desconto inferior às licitações vencidas pelas empresas não cartelizadas em 17 pontos percentuais. Um grupo de empresas participantes de licitações da Petrobras mudou seu comportamento depois de 2006, passando a atuar como cartel. A cartelização em contratos com entes públicos ou empresas estatais como a Petrobras tem o potencial de gerar grande prejuízo econômico à sociedade, o que reforça a necessidade de regulação e de fiscalização constante dos contratos por órgão independentes.

Licitação; cartel; óleo e gás; Petrobras; avaliação de impacto

Abstract

This paper studies the damage done to Petrobras (Brazilian oil exploration and production company) resulting from a contractor cartel. It aims to answer the question: How to quantify the difference between the amount charged for public bids in a cartel environment and the respective amount that should be charged in a competitive environment? Econometric techniques for impact evaluation (e.g. regression analysis, differences in differences and propensity score matching) were used on a new Petrobras refinery construction bidding database, conducted between 2002 and 2014. Empirical evidence was found that bids won by cartel companies have a lower discount than bids won by non-cartel companies by 17 percentage points. A group of companies participating in Petrobras biddings started to behave as Cartel after 2006. Cartelization in contracts with public entities or state-owned companies such as Petrobras has the potential to cause great economic damage to society, which reinforces the need for constant regulation and supervision of contracts by independent bodies.

Public procurement; collusion; oil and gas; Petrobras; impact evaluation

Introdução

Para uma empresa operando em mercado competitivo – portanto com capacidade limitada de definir os preços finais de seus produtos –, a contratação de obras de um cartel de empreiteiras com sobrepreço na prestação de serviços colocaria em risco sua viabilidade econômica. Entretanto, se essa empresa for monopolista, conseguirá repassar o ônus do cartel de fornecedores para o consumidor final quanto mais inelástica for a demanda por seu produto. No Brasil, essa situação é especialmente pertinente a diversas empresas públicas, que demandam serviços de empreiteiras e ao mesmo tempo são monopolistas em seus respectivos mercados.

No mercado brasileiro de combustíveis, em especial, a Petrobras se depara constantemente com a necessidade de contratação de obras públicas. Sobrepreços nessas obras terão grandes chances de ser repassados para os preços finais, gerando ineficiência econômica (perda de peso morto), que recairá mais fortemente sobre o consumidor em um mercado com demanda tão inelástica como o de combustíveis. Entre 2010 e 2020, a Petrobras despendeu R$ 640 bilhões com investimentos (valores nominais), o que representou, em média, 24% de suas receitas anuais.1 1 Ver demonstrações financeiras da Petrobras em: https://www.investidorpetrobras.com.br/servicos-aos-investidores/central-de-downloads/. Acesso em: 20 jul. 2021. Mesmo um pequeno sobrepreço em obras públicas representaria bilhões de prejuízo aos consumidores.

Este artigo procura quantificar a diferença entre o valor cobrado por licitações públicas em um ambiente cartelizado e o respectivo valor que deveria ser cobrado em um ambiente competitivo, tendo como foco a Petrobras, empresa responsável por uma receita de vendas de R$ 302 bilhões em 2019,2 2 Informação disponível em: https://petrobras.com.br/pt/quem-somos/perfil/. Acesso em: 20 jul. 2021. e com participação no Produto Interno Bruto (PIB) de cerca de 10%, considerando toda a cadeia em que está inserida. Assim, as estimativas de danos do cartel podem contribuir para reavaliar ou cancelar contratos, estabelecer compensações e penalidades em favor da sociedade.

A metodologia de avaliação sobre o comportamento cartelizado tem aplicação que extrapola o caso proposto e é válida para quaisquer empresas públicas contratantes de fornecedores por licitação, especialmente em mercados em que a empresa pública é monopolista e a demanda pelo produto final é relativamente inelástica.

Valemo-nos de dados de processos judiciais para identificar as obras em que o cartel atuou e também para precisarmos a data de seu início. A maioria das técnicas de detecção de conluio necessita de uma base de dados que contenha informações de todos os lances (vencedores e perdedores). Infelizmente, somente constam de nossa base os dados das empresas vencedoras da licitação. Por outro lado, possuímos informações de processos judiciais que indicam as licitações que sofreram a ação de conluio entre participantes, permitindo, assim, estimar modelos para cálculo do dano do cartel.

A base de dados usada neste trabalho é nova e contém informações sobre as licitações nas quais o cartel atuou; e a partir de que data o cartel se fortaleceu e passou a agir mais eficientemente (de 2006 em diante). Para analisar os dados, empregamos três abordagens econométricas: (i) pooled OLS log-linear, que considera efeitos fixos para tempo, indústria e firma; (ii) propensity score macthing; e (iii) diferenças em diferenças, que separa períodos pré e pós-ocorrência de cartel.3 3 Cada metodologia é explicada na Seção 4. Contudo, de forma resumida, temos dados de empresas prestadoras de serviços para a Petrobras para vários anos. Modelos log-lineares nos preços com dados empilhados estimados por OLS não exploram a natureza longitudinal dos dados e supõem que, depois de controlar por outras variáveis, empresas cartelizadas e não cartelizadas seriam bons contrafactuais umas das outras. A diferença nos preços de ambos os grupos de empresas se daria somente por causa da cartelização. O modelo de Propensity Score Matching parte de pressupostos semelhantes, mas cria um indicador de probabilidade de cartelização dadas as características observáveis das empresas e dos contratos e “pareia” contratos de empresas cartelizadas com os de não cartelizadas mas com probabilidades semelhantes de cartelização. As diferenças de preços cobrados em licitações cartelizadas e não cartelizadas, por hipótese, seriam provenientes somente da cartelização. O modelo de diferenças em diferenças supõe que, na ausência de cartelização, as empresas do cartel mudariam seus preços ao longo do tempo da mesma forma que as empresas não cartelizadas. Isto é, teriam tendências de fixação de preços paralelas. Então, a tendência das empresas não cartelizadas seria um bom contrafactual da tendência das empresas cartelizadas se não aderissem ao cartel. Assim, a metodologia tira a diferença de preços pós e pré-cartel das empresas cartelizadas e dessa diferença subtrai a diferença de preços pós e pré-cartel das empresas não cartelizadas, removendo a “tendência contrafactual”.

Os resultados encontrados neste trabalho sugerem que empresas (supostamente) pertencentes a um cartel de prestadores de serviços de construção civil para a Petrobras, de fato, mudaram seus comportamentos na definição de preços depois de 2006, coincidindo com depoimentos colhidos em delações.4 4 Ver manual disponível em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/centrais-de-conteudos/publicacoes/guias-e-manuais/estimating-cartel-damages/@@download/file/manual_seprac_en_final.pdf. Acesso em: 20 jul. 2021. Essas evidências apontam para a necessidade de melhoria dos mecanismos de compliance de empresas públicas. Tais melhorias têm o potencial de prevenir comportamentos oportunistas, resultando em enormes benefícios sociais.

Este trabalho está dividido em cinco seções, além desta Introdução. A Seção 1 discute a estimativa dos danos de cartel e apresenta estudos nacionais que empregam estratégias econométricas para estimar esses danos. A Seção 2 descreve o ambiente institucional da Petrobras. A Seção 3 apresenta os dados. A Seção 4 descreve a metodologia. Finalmente, a Seção 5 apresenta os resultados.

1. Danos de cartel

1.1. A estimação dos danos de cartel

A existência de condutas anticompetitivas como a formação de cartéis leva a situações de preços e lucros altos. Segundo Hovenkamp (2011)HOVENKAMP, Herbert J. Quantification of Harm in Private Antitrust Actions in the United States. [S.l.: s.n.], 2011. Disponível em: https://scholarship.law.upenn.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2864&context=faculty_scholarship. Acesso em: 21 jul. 2021.
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, o principal efeito decorrente dessa prática anticompetitiva é o overcharge, entendido como a diferença entre o valor cobrado por determinado produto em um ambiente com cartel e o valor que deveria ser cobrado caso esse produto fosse vendido em um ambiente competitivo. Segundo pesquisas empíricas de Connor (2007)CONNOR, John M. Price-Fixing Overcharges: Legal and Economic Evidence. Research in Law and Economics, v. 22, p. 59-153, 2007., os cartéis geram em média um overcharge de 25%, comparado ao preço em um mercado competitivo.

O ponto fundamental da quantificação do overcharge é estimar o preço contrafactual no cenário de ausência de cartel, ou seja, o preço provavelmente cobrado pelo produto se a infração não tivesse ocorrido. Connor (2007)CONNOR, John M. Price-Fixing Overcharges: Legal and Economic Evidence. Research in Law and Economics, v. 22, p. 59-153, 2007. e Hovenkamp (2011)HOVENKAMP, Herbert J. Quantification of Harm in Private Antitrust Actions in the United States. [S.l.: s.n.], 2011. Disponível em: https://scholarship.law.upenn.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=2864&context=faculty_scholarship. Acesso em: 21 jul. 2021.
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afirmam que os métodos mais comuns de quantificação de danos reconhecidos pela literatura e pelos tribunais americanos procuram comparar o mercado cartelizado com o mesmo mercado em outro momento do tempo ou, alternativamente, com outros mercados considerados comparáveis e competitivos.

Segundo Korenblit (2012)KORENBLIT, Claire. Quantifying Antitrust Damages Convergence of Methods Recognized by U.S. Courts and the European Commission. CPI Antitrust Chronicle, v. 1, 2012., as cortes americanas têm aceitado amplamente a utilização de análise de regressão para os métodos comparativos, sendo considerada, quando realizada corretamente, um meio confiável para provar os danos antitrustes por produzir estimativas robustas. Law (2005) também afirma que as evidências econométricas, somadas a outros elementos de prova, têm sido usadas para determinar a existência de prejuízos e a quantificação de danos antitruste.

A literatura empírica relacionada à ocorrência de cartéis se concentra em testes para detectar a presença de conluio. Porter e Zona (1993)PORTER, Robert H.; ZONA, J. Douglas. Detection of Bid Rigging in Procurement Auctions. The Journal of Political Economy, v. 101, n. 3, p. 518-538, 1993., Porter (1999)PORTER, Robert H. Ohio School Milk Markets: An Analysis of Bidding. RAND Journal of Economics, v. 30, n. 2, p. 263-288, 1999., Baldwin, Marshall e Richard (1997), Pesendorfer (2000)PESENDORFER, Martin. A Study of Collusion in First-Price Auctions. Review of Economic Studies, v. 67, n. 3, p. 381-411, 2000. Disponível em: https://academic.oup.com/restud/article-lookup/doi/10.1111/1467-937X.00136. Acesso em: 21 jul. 2021.
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e Bajari e Ye (2003)BAJARI, Patrick; YE, Lixin. Deciding Between Competition and Collusion. The Review of Economics and Statistics, v. 85, n. 4, p. 971-989, 2003. propõem testes para detectar conluio em mercados de leilão. Porter e Zona (1993)PORTER, Robert H.; ZONA, J. Douglas. Detection of Bid Rigging in Procurement Auctions. The Journal of Political Economy, v. 101, n. 3, p. 518-538, 1993. elaboram um teste baseado na distribuição de classificação de cartel e não cartel. Eles aplicam testes sobre dados de construção de rodovias de Long Island e rejeitam a hipótese de que não houve conluio. Porter (1999)PORTER, Robert H. Ohio School Milk Markets: An Analysis of Bidding. RAND Journal of Economics, v. 30, n. 2, p. 263-288, 1999. testa a presença de conluio para a provisão de leite escolar de Ohio e estima seu custo. Baldwin, Marshall e Richard (1997) estudam as vendas de madeira florestal e estimam modelos estruturais de conluio de proponentes e comportamento competitivo. Pesendorfer (2000)PESENDORFER, Martin. A Study of Collusion in First-Price Auctions. Review of Economic Studies, v. 67, n. 3, p. 381-411, 2000. Disponível em: https://academic.oup.com/restud/article-lookup/doi/10.1111/1467-937X.00136. Acesso em: 21 jul. 2021.
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investiga as diferenças nas estruturas de custos em leilões selados de primeiro preço. Bajari e Ye (2003)BAJARI, Patrick; YE, Lixin. Deciding Between Competition and Collusion. The Review of Economics and Statistics, v. 85, n. 4, p. 971-989, 2003. utilizaram um modelo de regressão para predizer o conluio, considerando apenas três variáveis ​​independentes. Formas de calcular os danos dos cartéis são propostas em diversos estudos (HOWARD e KASERMAN, 1989HOWARD, Jeffrey H.; KASERMAN, David. Proof of Damages in Construction Industry Bid-Rigging Cases. Antitrust Bulletin, v. 34, 1989.; NELSON, 1993NELSON, Jon P. Comparative Antitrust Damages in Bid-Rigging Cases: Some Findings from a Used Vehicle Auction. Antitrust Bulletin, v. 38, n. 2, p. 369-394, 1993.; LEE e HAHN, 2002LEE, In Kwon; HAHN, Kyungdong. Bid-Rigging in Auctions for Korean Public-Works Contracts and Potential Damage. Review of Industrial Organization, v. 21, n. 1, p. 73-88, 2002.).

Especificamente em relação a conluios em obras públicas, os casos mais significativos são descritos em McMillan (1991)MCMILLAN, John. Dango: JAPAN’S Price‐Fixing Conspiracies. Economics & Politics, v. 3, n. 3, p. 201-218, 1991., que expõe as negociações entre os licitantes de cartel em obras públicas japonesas; em Allen e Mills (1989)ALLEN, Gary; MILLS, Cheryl. Economic Framework for Understanding Collusive Market Behavior: Assessment in Support of VDOT´S Antitrust Monitoring and Detection Unit. [S.l.: s.n.], 1989., que relatam os esforços do Departamento de Transportes da Virgínia para evitar licitações colusivas; em Ishii (2008)ISHII, Rieko. Collusion in Repeated Procurement Auction: A Study of a Paving Market in Japan. [S.l.: s.n.], 2008., que descreve comportamento colusivo no mercado de pavimentação no Japão. Bajari (2001)BAJARI, Patrick. Comparing Competition and Collusion in Procurement Auctions: A Numerical Approach. Economic Theory, v. 205, p. 187-205, 2001. afirma que há manipulação de propostas nas licitações em Nova Iorque e Chicago para construção de escolas, reparos de pontes, reforma de interiores, pavimentação e muitos outros tipos de construção. Dorée (2004)DORÉE, André G. Collusion in the Dutch Construction Industry: An Industrial Organization Perspective. Building Research & Information, v. 32, n. 2, p. 146-156, 2004. também relata o uso generalizado de cartéis e aparelhamento de propostas estruturais dentro da indústria de construção pública holandesa. Por fim, Vee e Skitmore (2003)VEE, Charles; SKITMORE, Martin. Professional Ethics in the Construction Industry. Engineering, Construction and Architectural Management, v. 10, n. 2, p. 117-127, 2003. e Bowen et al. (2007) observam as ofertas colusivas nos setores de obras públicas da Austrália e da África do Sul, respectivamente.

1.2. Estimações de danos de cartéis para casos no Brasil

Afonso e Feres (2017)AFONSO, Nathalie, G.; FERES, J. Cartel Damage Evaluation: A Case Study of the Liquefied Petroleum Gas Sector in Pará, BRAZIL. 45º Encontro Nacional de Economia, p. 1-20, 2017. testam duas diferentes metodologias de mensuração do dano de cartel aplicadas ao mercado de gás liquefeito de petróleo no estado do Pará. A reclamação data de março de 2005 e foi registrada no Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) pela Federação Nacional de Revendedores de Gás Liquefeito de Petróleo (Fergas) contra três distribuidores de gás no estado do Pará: (i) Minasgás; (ii) Paragás; e (iii) Tropigás. Os autores notam uma diferença entre as magnitudes das estimativas obtidas por diferenças em diferenças e por regressão multivariada, ainda que ambas apontem para a ocorrência de sobrepreço (iguais a, respectivamente, 17% e 10%).

Seixas e Lucinda (2019)SEIXAS, Renato N. L.; LUCINDA, Cláudio R. de. Computing Cartel Overcharges: When Theory Meets Practice. Estudos Econômicos, v. 49, n. 3, 2019. estudam o mercado de peróxido de hidrogênio no Brasil. Duas empresas, a Bragussa e a Peróxidos do Brasil, foram acusadas de formar um cartel para obter vantagens econômicas. Os autores usam três metodologias (estrutural, séries de tempo e diferenças em diferenças) e encontram evidências de danos expressivos por esse cartel, entre R$ 75 e R$ 150 milhões em valores de 2016. Os autores notam que a multa (de R$ 97 milhões) imposta às empresas, apesar de recuperar grande parte do dano infligido, não teria o efeito de inibir comportamentos colusivos futuros e, portanto, deveria ser majorada. Os autores notam que, depois do fim do cartel, em 2004, os preços reduziram entre 15,5% e 22%.

Cuiabano (2019)CUIABANO, Simone M. Competition Policy Evaluation Through Damage Estimation in Fuel Retail Cartel in Londrina, Brazil. Revista de Economia Contemporânea, v. 23, n. 2, p. 1-24, 2019. estuda os danos de um cartel de postos de gasolina, identificado na cidade de Londrina, no estado do Paraná. Depois de uma guerra de preços que reduziu as margens de lucro dos postos da região, as empresas começaram a se articular para definir preços. O cartel operou somente no ano de 2007, até que buscas e apreensões e prisões temporárias fossem efetuadas. A autora usa modelos estruturais para gasolina e etanol e encontra evidências de sobrepreços entre 4,6% e 6,6% na comercialização de gasolina e até 12% no mercado de etanol.

Silveira et al. (2019) aplicam modelos Markov-Switching GARCH (MSGARCH) e de Correlação Gaussiana Local (CGL) para estimar comportamentos de cartel com séries temporais por cidades da Agência Nacional de Petróleo. Os resultados preferidos dos autores são baseados no primeiro modelo (MSGARCH) e sugerem comportamentos de cartel no setor para várias cidades, especialmente Goiânia, Rio de Janeiro e São Paulo. Os autores não chegam a estimar o tamanho médio do sobrepreço praticado.

À medida que cresce a quantidade de dados disponíveis, é possível usar ferramentas estatísticas para identificar condutas e arranjos anticompetitivos como nos estudos mencionados. Pensando em padronizar procedimentos e disseminar o uso de ferramentas estatísticas para combater tais condutas, a Secretaria para a Produtividade e Advocacia da Competitividade editou um manual de procedimentos para estimar danos de cartel.5 5 Ver manual em: https://www.gov.br/fazenda/pt-br/centrais-de-conteudos/publicacoes/guias-e-manuais/estimating-cartel-damages/@@download/file/manual_seprac_en_final.pdf. Acesso em: 20 jul. 2021. Essa iniciativa deve tornar mais frequentes processos e punições contra práticas anticompetitivas.

Por fim, os modelos para cálculo para danos de cartel são aplicações ex-post. Guerriero (2010)GUERRIERO, Ian R. O caso Nestlé-Garoto e reflexões para o uso de modelos de simulação na análise antitruste. 38º Encontro Nacional de Economia, p. 1-20, 2010. destaca a necessidade de ferramentas de avaliação ex-ante. Nesse sentido, modelos simulados baseados na teoria econômica e em elasticidades estimadas e outros parâmetros permitem calcular ex-ante os potenciais danos de uma fusão, cartelização e adoção de outras práticas não competitivas.

2. Ambiente institucional da Petrobras

A Petrobras é uma das maiores empresas em valor de mercado do Brasil. Apesar de não haver monopólio da cadeia produtiva do petróleo desde 1997 (Lei n. 9.478/1997), ele vigorou desde 1953 até 1997 (Lei n. 2.004/1953), provocando um monopólio de facto até os dias atuais. Investigações recentes descortinaram esquema vultoso de conluio de grandes empreiteiras no Brasil, atuantes na Petrobras, com práticas anticompetitivas identificadas por meio de delações premiadas, acordos de leniência, escutas telefônicas e trocas de mensagens eletrônicas.6 6 G1. Cartel na Petrobras era “regra do jogo” e quem não pagava “estava fora”, diz delator. Rio de Janeiro, 21 abr. 2017. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/operacao-lava-jato/noticia/cartel-na-petrobras-era-regra-do-jogo-e-quem-nao-pagava-estava-fora-diz-delator.ghtml. Acesso em: 21 jul. 2021.

Dados de treze anos de contratações de obras realizadas pela Diretoria de Abastecimento da Petrobras, somados a informações provenientes de processos judiciais em curso na “Operação Lava Jato” (operação de persecução penal a agentes envolvidos em corrupção) – ou fornecidas pela própria Petrobras e pelo Poder Judiciário –, viabilizaram nosso estudo, cujos resultados foram apreciados recentemente pelo Tribunal de Contas da União (TCU – órgão competente para fiscalizar os gastos públicos no Brasil), por meio do Acórdão 3.089/2015-Plenário.7 7 A fonte de dados dos contratos e dos processos judiciais está disposta na tabela no apêndice on-line, que pode ser acessado em: https://drive.google.com/file/d/1CBEX5bLbDPzb6_SLI3cNyaXntx808gZi/view?usp=sharing. Os dados dos processos também estão disponíveis se requeridos aos autores. É interessante notar que esse foi o primeiro caso de quantificação de dano de cartel levado a uma corte de contas no país.

A Advocacia-Geral da União (AGU – órgão responsável por representar judicialmente o Estado brasileiro) ajuizou diversas ações de improbidade contra empresas suspeitas de envolvimento no esquema de corrupção descoberto pela Operação Lava Jato. Os valores cobrados nos processos, somados, chegam a R$ 11 bilhões, R$ 3 bilhões correspondentes a 17% sobre cada um dos respectivos contratos fraudulentos, com base no estudo econométrico apreciado pelo TCU por meio do Acórdão 3.089/2015-Plenário.8 8 Ver Processos 5017254-05.2017.4.04.7000 e 50113962720164047000.

Essas ações administrativas e jurídicas estão relacionadas às investigações do Ministério Público Federal (MPF – órgão titular das ações de persecução penal da Operação Lava Jato). Sobre a atuação desse cartel de empreiteiras, o MPF acusou:9 9 Disponível em: www.lavajato.mpf.mp.br. Acesso em: 30 jul. 2021.

A Operação Lava Jato é a maior investigação de corrupção e lavagem de dinheiro que o Brasil já teve. Estima-se que o volume de recursos desviados dos cofres da Petrobras, maior estatal do país, esteja na casa de bilhões de reais. Foram investigadas e processadas quatro organizações criminosas lideradas por doleiros, que são operadores do mercado paralelo ou negro de câmbio. Por lavar dinheiro de modo profissional, doleiros fizeram parte dos maiores esquemas criminosos já descobertos na história recente do Brasil. Um dos principais modos de operação do esquema investigado era o sobrepreço (overcharge) de contratos por um cartel de empreiteiras em obras da Petrobras [...].

Em função da ocorrência de cartel na Petrobras, o Cade formalizou acordo de leniência com uma das empresas envolvidas. Nesse acordo, descreveu um histórico de conduta dessas empresas, e citou que pelo menos 23 delas estão envolvidas, em maior ou menor grau, nas ações ilegais.10 10 Disponível em: https://drive.google.com/file/d/1CCrB6O-5MI3FChq3McCg-XnhpOrkHBqJ/view?usp=sharing. Acesso em: 9 ago. 2021. O cartel de empresas ampliou-se com o passar do tempo. Outras empresas passaram a “negociar” obras e contratos. A Figura 1, a seguir, elaborada pelo Cade, demonstra a atuação de dezesseis empresas como um cartel e outras sete envolvidas em outras irregularidades (representadas pelos círculos menores).

figura 1
– Diagrama de empresas atuantes no cartel

A decisão judicial que condenou diversos executivos de empreiteiras à prisão – decorrente da prática de cartel na Petrobras – descreve os mecanismos de sua atuação:11 11 Processo 5024251-72.2015.4.04.7000/PR, em 15 jun. 2015, de acesso público na internet. Disponível em: http://s.conjur.com.br/dl/moro-manda-prender-presidentes.pdf. Acesso em: 30 jul. 2021.

Em grande síntese, na evolução das apurações, foram colhidas provas, em cognição sumária, de um grande esquema criminoso de cartel, fraude, corrupção e lavagem de dinheiro no âmbito da Petrobras, cujo acionista majoritário e controlador é a União Federal. Grandes empreiteiras do Brasil teriam formado um cartel, através do qual teriam sistematicamente frustrado as licitações da Petrobras para a contratação de grandes obras. Em síntese, as empresas, em reuniões prévias às licitações, definiriam, por ajuste, a empresa vencedora dos certames relativos aos maiores contratos. Às demais cabia dar cobertura à vencedora previamente definida, deixando de apresentar proposta na licitação ou apresentando deliberadamente proposta com valor superior àquela da empresa definida como vencedora. O ajuste prévio entre as empreiteiras propiciava a apresentação de proposta, sem concorrência real, de preço próximo ao limite aceitável pela Petrobras, frustrando o propósito da licitação de, através de concorrência, obter o menor preço [...]. Não só há prova oral da existência do cartel e da fixação prévia das licitações entre as empreiteiras, mas igualmente prova documental consistente em tabelas, regulamentos e mensagens eletrônicas [...].

O cálculo do dano do cartel de empreiteiras à Petrobras – objetivo deste artigo – é fundamental, e os requisitos para esse cálculo estão todos presentes neste caso. Em primeiro lugar, como mostram Boas, Hidalgo e Richardson (2014), há ampla evidência de relação espúria envolvendo obras públicas entre empresários, políticos e Estado no Brasil. Em segundo lugar, há indícios processuais. Por exemplo, o presidente de uma empreiteira chegou a falar em delação premiada que o “Cartel na Petrobras era regra do jogo e quem não pagava estava fora”.12 12 G1. Cartel na Petrobras era “regra do jogo” e quem não pagava “estava fora”, diz delator. Rio de Janeiro, 21 abr. 2017. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/operacao-lava-jato/noticia/cartel-na-petrobras-era-regra-do-jogo-e-quem-nao-pagava-estava-fora-diz-delator.ghtml. Acesso em: 9 abr. 2019. Há uma série de provas colhidas sobre a ocorrência de cartel nessa estatal, além de relatos processuais obtidos pela “Operação Lava Jato” de que a Petrobras teria sido alvo do maior esquema de corrupção na história brasileira. Em terceiro lugar, há ampla disponibilidade de dados das licitações da Petrobras para a realização dos cálculos. Por fim, o cálculo do dano do cartel pode contribuir para a recuperação dos valores correspondentes no âmbito administrativo e judiciário, o que justifica que esforços sejam feitos para a realização desses cálculos.

Para executarmos o cálculo do dano do cartel de empreiteiras, levamos em consideração a forma de contratação da Petrobras. As obras da petroleira são licitadas por meio da modalidade chamada “convite”, na qual são convidadas empresas atuantes no setor de óleo e gás. Inicialmente, as empresas convidadas apresentam documentação de habilitação técnica e financeira em uma primeira fase (envelope A). As empresas habilitadas então participam de um leilão selado de primeiro preço (envelope B), no qual não têm ciência do preço estimado pela Petrobras antes de apresentarem suas propostas.

A melhor proposta apresentada (menor valor) é comparada com o preço estimado pela Petrobras, devendo obedecer a limites superior e inferior em relação à estimativa. Do contrário, a proposta é desclassificada por preços inexequíveis (muito abaixo da estimativa) ou preços superestimados (muito acima da estimativa). O leiloeiro pode negociar os preços com os primeiros colocados no certame, com intuito de abaixá-los. Por fim, não havendo propostas habilitadas, ou somente com lances inexequíveis ou superestimados, a licitação é encerrada, reestudada e sujeita a novo processo licitatório.

3. Dados

Nossos estudos basearam-se em informações de 136 contratos da área de refino (Diretoria de Abastecimento da Petrobras), oriundos de solicitação de dados das obras da Petrobras ocorridas entre 2002 e 2014 e com valores superiores a R$ 100 milhões. Além dessas informações, coletamos dados dos processos judiciais que condenaram diversas empresas e executivos por lavagem de dinheiro e dano do cartel de empreiteiras nessas obras. Os dados dos contratos das obras e dos processos judiciais podem ser requeridos aos autores ou acessados em link disponível na nota de rodapé.13 13 A fonte de dados dos contratos e dos processos judiciais está disposta na tabela no apêndice on-line, que pode ser acessado em: https://drive.google.com/file/d/1CBEX5bLbDPzb6_SLI3cNyaXntx808gZi/view?usp=sharing.

Empregamos uma variável qualitativa para indicar quando o cartel atuou e se saiu vitorioso na licitação. Essa variável foi construída individualmente para cada um dos 136 contratos em alinhamento com um conjunto de evidências provenientes de documentos compartilhados no âmbito da “Operação Lava Jato” obtidos de processos judiciais e administrativos do Cade. Essa variável qualitativa teve por objetivo montar o cenário contrafactual descrito pela literatura técnica internacional. Quando essa variável qualitativa assume valor 1, indica que o cartel atuou na licitação e se saiu vitorioso, e assume valor igual a 0 quando não há menções da atuação do cartel nos processos judiciais ou administrativos ou o cartel tentou se articular mas não obteve sucesso, visto que uma empresa não cartelizada ganhou a licitação.

Outra variável qualitativa importante que usamos é aquela que indica se a empresa vencedora faz parte do grupo de 16 empresas cartelizadas, segundo o Cade (Clube das 16). Importante frisar que uma empresa que faz parte do cartel pode ter vencido a licitação sem a prática de conluio, seja porque o certame ocorreu em data anterior à formação do cartel, seja por razões de concorrência que impossibilitaram a atuação desse cartel. Usamos essa variável para estudar as licitações sem necessidade do conjunto de provas judiciais anteriormente descritas, exceto da data de início do cartel, para usarmos a técnica de diferenças em diferenças (Diff-in-Diff).

As informações que temos disponíveis impõem alguns desafios para a estimativa do tamanho efetivo de sobrepreço. Temos dados em três dimensões: (1) empresa; (2) tempo; e (3) licitação. Primeiro, com dados seccionais – usados nos modelos de regressão linear e Propensity Score Matching –, podemos identificar a licitação que teve atuação de cartel e a que não teve, e estimar o sobrepreço. Não temos dados longitudinais de licitações, mas somente de empresas, e usamos o método de diferenças em diferenças para analisá-los. Por isso, nesse caso só podemos estimar o sobrepreço imposto por empresas participantes de cartel, o que difere do sobrepreço do cartel. Podemos pensar nessa estimativa por diferenças em diferenças como um limite inferior do sobrepreço cobrado pelas empresas cartelizadas, pois inclui preços em que essas empresas não atuaram como cartel, puxando a média para baixo. Ainda assim, seria interessante estimar um limite inferior, que nos permitiria ter uma noção do tamanho do problema.

A descrição de nossas variáveis está no Quadro 1. As estatísticas básicas estão na Tabela 1.

quadro 1
– Definição das variáveis
tabela 1
– Estatísticas básicas

4. Metodologia

Nesta seção, apresentamos as três metodologias econométricas usadas para estimar o dano do cartel de empreiteiras prestadoras de serviços para a Petrobras.

Nas três metodologias definimos que licitações cartelizadas teriam como contrafactuais (grupos de comparação) as licitações não cartelizadas, no caso das metodologias de regressão linear e Propensity Score Matching, e as empresas não integrantes do cartel, no caso do modelo de diferenças em diferenças.

A diferença entre primeiro e segundo preços de integrantes do cartel não é uma medida consistente do sobrepreço do cartel. Certamente o preço médio ganhador terá viés para cima em relação ao contrafactual de uma licitação não cartelizada, mas o preço esperado do segundo licitante participante do cartel poderá estar enviesado para cima ou para baixo, dependendo da sinalização que queiram dar para órgãos de controle, acionistas, etc. Nesse caso, o segundo preço não constituirá um bom contrafactual e a diferença será endógena. Os preços das licitações não cartelizadas serão, portanto, melhores contrafactuais para medir o sobrepreço do cartel.14 14 Agradecemos a um parecerista anônimo por apontar razões para a inadequação do segundo preço como contrafactual.

Por outro lado, quando um cartel atua em uma licitação com concorrentes externos, seu poder de definição de preços é demasiadamente reduzido. Em uma análise intralicitação, o sobrepreço só será possível se o cartel tiver algum integrante mais eficiente que os não integrantes do cartel. E seu sobrepreço será limitado pelo lance do concorrente não cartelizado. Isto é, não é possível verificar sobrepreço de cartel se as empresas estiverem agindo de forma concorrencial.

Assim, os lances perdedores não serão bons contrafactuais. Por isso optamos por usar como contrafactuais os preços cobrados de empresas não pertencentes ao cartel e os preços cobrados em licitações em que não houve atuação do cartel.

4.1. Modelo Log-linear

Nosso modelo segue um tradicional modelo de leilão selado de primeiro preço, de valor privado e independente, no qual os licitantes sabem que os custos são distribuídos independentemente entre as empresas, e a empresa i conhece seus próprios custos e apenas a distribuição dos custos de seus concorrentes no contrato j, ou seja, [cjmin, cjmax]. Outras suposições são a de que o conjunto de licitantes em qualquer contrato em particular é de conhecimento comum e a de que as empresas são neutras ao risco. A função que descreve a probabilidade de a oferta da empresa i, bi ser menor que qualquer outra quantia específica da proposta b é a função de distribuição cumulativa com o vetor de parâmetros σi:Fi(b;σi)= prob (bib). A letra grega σ denota o vetor de todos os parâmetros específicos do contrato para capturar o conluio implícito ou explícito no leilão.

Vamos examinar o problema de apenas um dos licitantes. Se o lance vencedor for b e se o custo de completar o contrato for c, então seu lucro será b – c. Se ele perder a licitação, seus lucros serão zero. O lance b do licitante é vitorioso precisamente quando todos os outros licitantes apresentam propostas mais altas. Assim, se houver N licitantes, a probabilidade de que um lance b vença todos os demais, dado σ, é p(b)=[1F(b;σ)]N1 e o lucro esperado desse licitante é igual a essa probabilidade vezes a margem de lucro da oferta, p(b;σ)(bc). Um licitante determina sua oferta para maximizar esse lucro esperado.

max b E ( b ; σ ) = p ( b ; σ ) ( b c ) (1)

Em equilíbrio, a oferta da firma i satisfará a condição de primeira ordem.

p i ( b i ; σ ) + ( b i c i ) p i ( b i ; σ ) / b = 0 (2)

A condição de primeira ordem determina a relação de equilíbrio entre a probabilidade de a empresa ganhar a licitação e o valor de seu lance. O equilíbrio para esse modelo é caracterizado como a solução para um sistema de equações diferenciais. Assumimos que a função de lances de equilíbrio segue uma regra de licitação log-linear. O modelo Log-linear que aplicamos é o mesmo adotado nos modelos propostos por Nelson (1993)NELSON, Jon P. Comparative Antitrust Damages in Bid-Rigging Cases: Some Findings from a Used Vehicle Auction. Antitrust Bulletin, v. 38, n. 2, p. 369-394, 1993. e Howard e Kaserman (1989)HOWARD, Jeffrey H.; KASERMAN, David. Proof of Damages in Construction Industry Bid-Rigging Cases. Antitrust Bulletin, v. 34, 1989. para o cálculo de dano em cartéis, seguindo esta forma:

log ( b i ) = α i + k β k X k + γ i D i + j β j firma j + l β 1 tipo_obra 1 + m β m ano m + e i (3)

Os parâmetros da fórmula são: intercepto (αi); vetor de características observáveis da obra/projeto e da empresa (Xk); variável qualitativa “Cartel atuou e venceu a licitação” (Di); tipo de obra (tipo_obra); efeitos fixos para firma e ano; ei é um elemento de erro aleatório. O parâmetro de interesse a ser estimado é γi. As características observáveis das empresas relacionam-se à sua estrutura de custos: capacidade da firma e utilização da capacidade. Para defini-las, seguimos o disposto em Porter e Zona (1993)PORTER, Robert H.; ZONA, J. Douglas. Detection of Bid Rigging in Procurement Auctions. The Journal of Political Economy, v. 101, n. 3, p. 518-538, 1993.; os estudos de Pesendorfer (2000)PESENDORFER, Martin. A Study of Collusion in First-Price Auctions. Review of Economic Studies, v. 67, n. 3, p. 381-411, 2000. Disponível em: https://academic.oup.com/restud/article-lookup/doi/10.1111/1467-937X.00136. Acesso em: 21 jul. 2021.
https://academic.oup.com/restud/article-...
, Chotibhongs e Arditi (2012)CHOTIBHONGS, Ranon; ARDITI, David. Detection of Collusive Behavior. Journal of Construction Engineering and Management, v. 138, n. 11, p. 1251-1258, 2012., Bajari e Ye (2003)BAJARI, Patrick; YE, Lixin. Deciding Between Competition and Collusion. The Review of Economics and Statistics, v. 85, n. 4, p. 971-989, 2003. e Ishii (2008)ISHII, Rieko. Collusion in Repeated Procurement Auction: A Study of a Paving Market in Japan. [S.l.: s.n.], 2008. também utilizam essas variáveis para definir o custo das empresas.

As características observáveis das obras/projetos são: valor estimado da obra; número de propostas apresentadas na licitação; prazo para conclusão da obra em anos; e tipo de obra. Essas características das obras e dos projetos foram utilizadas, por exemplo, nos modelos econométricos de: Lee e Hahn (2002)LEE, In Kwon; HAHN, Kyungdong. Bid-Rigging in Auctions for Korean Public-Works Contracts and Potential Damage. Review of Industrial Organization, v. 21, n. 1, p. 73-88, 2002. para tipo de obra e valor estimado da obra; Pesendorfer (2000)PESENDORFER, Martin. A Study of Collusion in First-Price Auctions. Review of Economic Studies, v. 67, n. 3, p. 381-411, 2000. Disponível em: https://academic.oup.com/restud/article-lookup/doi/10.1111/1467-937X.00136. Acesso em: 21 jul. 2021.
https://academic.oup.com/restud/article-...
e Chotibhongs e Arditi (2012)CHOTIBHONGS, Ranon; ARDITI, David. Detection of Collusive Behavior. Journal of Construction Engineering and Management, v. 138, n. 11, p. 1251-1258, 2012. para número de propostas apresentadas e prazo da obra. Conjuntamente, essas variáveis indicam o grau de complexidade da obra/projeto e as condições de concorrência, reduzindo nossas preocupações sobre endogeneidade.

As características observáveis valor estimado da obra, prazo para conclusão da obra em anos e tipo de obra podem influenciar a percepção de risco tomado pelo empreendedor, na medida em que uma obra de grande porte, de longa duração e de alta especificidade apresenta maiores incertezas, o que pode refletir no lance ofertado na licitação. Assim, ao incluir essas características observáveis, isolamos seus efeitos, de forma a não incluir valores espúrios sobre o efeito do cartel.

Já o número de propostas apresentadas na licitação se relaciona ao caráter competitivo do certame. Maior concorrência pressupõe maiores descontos nos lances. Dessa forma, ao incluirmos essa variável, garantimos o efeito do cartel livre da variação do ambiente concorrencial, que poderia enviesá-lo.

A estratégia econométrica do modelo proposto considera a classificação das ofertas vencedoras em dois grupos: manipuladas ou não manipuladas (ocorrência de cartel ou não). O efeito da manipulação da proposta é obtido pela estimativa do parâmetro γi do modelo. A hipótese de independência condicional para identificação causal do parâmetro de interesse pressupõe que as duas equações que modelam as duas amostras – cartelizadas e não cartelizadas – difiram apenas quanto ao intercepto do modelo (αi).

Essa é uma suposição forte, e um procedimento para determinar se a suposição é válida consiste em estimar os parâmetros do modelo usando diferentes amostras agrupadas em licitações com lances vencedores competitivos e não competitivos. Posteriormente, utilizamos o Teste de Chow (1960)CHOW, Gregory C. Tests of Equality Between Sets of Coefficients in Two Linear Regressions. Econometrica, v. 28, n. 3, p. 591-605, 1960. para identificar se os coeficientes (exceto o intercepto) diferem estatisticamente entre as amostras. O resultado do teste demonstrou que não se rejeita a hipótese nula de igualdade dos coeficientes do modelo econométrico. Ou seja, é possível estimar o dano do cartel com base no coeficiente da variável dummy do modelo completo, com todas as amostras (licitações cartelizadas e competitivas). Essa abordagem foi utilizada em Nelson (1993)NELSON, Jon P. Comparative Antitrust Damages in Bid-Rigging Cases: Some Findings from a Used Vehicle Auction. Antitrust Bulletin, v. 38, n. 2, p. 369-394, 1993. e Howard e Kaserman (1989)HOWARD, Jeffrey H.; KASERMAN, David. Proof of Damages in Construction Industry Bid-Rigging Cases. Antitrust Bulletin, v. 34, 1989..

Caso se rejeitasse a hipótese nula de igualdade dos coeficientes, não se poderia utilizar o modelo proposto. Nesse caso, a solução seria adotar a metodologia de previsão, também descrita em Nelson (1993)NELSON, Jon P. Comparative Antitrust Damages in Bid-Rigging Cases: Some Findings from a Used Vehicle Auction. Antitrust Bulletin, v. 38, n. 2, p. 369-394, 1993. e Howard e Kaserman (1989)HOWARD, Jeffrey H.; KASERMAN, David. Proof of Damages in Construction Industry Bid-Rigging Cases. Antitrust Bulletin, v. 34, 1989.. Na metodologia de previsão, estima-se a regressão (sem a variável dummy) somente para as licitações sem a ocorrência de cartel (competitivas). A partir dos coeficientes da equação, estima-se qual seria o preço competitivo e compara-se com o preço obtido na licitação com participação do cartel. Isso é possível porque licitantes competitivos se comportam de maneira idêntica quando enfrentam a mesma estrutura de custos. Bajari e Ye (2003)BAJARI, Patrick; YE, Lixin. Deciding Between Competition and Collusion. The Review of Economics and Statistics, v. 85, n. 4, p. 971-989, 2003., Pesendorfer (2000)PESENDORFER, Martin. A Study of Collusion in First-Price Auctions. Review of Economic Studies, v. 67, n. 3, p. 381-411, 2000. Disponível em: https://academic.oup.com/restud/article-lookup/doi/10.1111/1467-937X.00136. Acesso em: 21 jul. 2021.
https://academic.oup.com/restud/article-...
e Porter e Zona (1993)PORTER, Robert H.; ZONA, J. Douglas. Detection of Bid Rigging in Procurement Auctions. The Journal of Political Economy, v. 101, n. 3, p. 518-538, 1993. também concordam que os coeficientes do modelo de estrutura de custos devem ser idênticos em um ambiente de licitação competitiva.

4.2. Modelo diferenças em diferenças

No modelo anterior, nós partimos da informação prévia de quais obras/projetos foram objeto de atuação e vitória do cartel. Em outras palavras, não tivemos o objetivo de identificar em quais licitações o cartel atuou. Essa informação já era conhecida por meio de provas em processos judiciais já citados anteriormente.

Nós então flexibilizamos essa hipótese de identificação de quais obras/projetos foram objeto de atuação e vitória do cartel. Consideramos três outras informações: quais empresas eram integrantes do cartel (informação disponibilizada pelo Cade); a partir de que data o cartel começou a atuar (a partir do ano de 2006, de acordo com diversas delações convergentes de executivos de empreiteiras);15 15 G1. Cartel na Petrobras era “regra do jogo” e quem não pagava “estava fora”, diz delator. Rio de Janeiro, 21 abr. 2017. Disponível em: https://g1.globo.com/politica/operacao-lava-jato/noticia/cartel-na-petrobras-era-regra-do-jogo-e-quem-nao-pagava-estava-fora-diz-delator.ghtml. Acesso em: 9 abr. 2019. e a hipótese de tendências paralelas para identificação causal do parâmetro de interesse entre os períodos avaliados.16 16 Realizamos o teste de tendências paralelas (leads) entre 2002 e 2006, com o grupo tratado sendo observado entre 2005 e 2006. O coeficiente não foi estatisticamente significativo, o que sugere tendências paralelas. Entretanto, o número de observações não tratadas (sete no total do período) é pequeno, o que diminui o poder desse tipo de teste. De posse dessas informações, realizamos uma estratégia de diferenças em diferenças, considerando apenas dois períodos: pré e pós-ocorrência de cartel (antes de 2006, inclusive; e depois de 2006), bem como uma variável qualitativa que indica que a licitação foi vencida por uma das dezesseis empresas cartelizadas. Nosso modelo empírico é descrito como:

log ( b i ) = α i + k β k X k + γ i D i + j β j firma j + I β 1 tipo_obra 1 + θ i pos + ρ i D i pos + e i (4)

Nessa estratégia, adotamos os mesmos controles descritos na seção anterior (Xk); tipo de obra (tipo_obra) bem como efeitos fixos para as firmas (firma). Adicionamos uma variável qualitativa (pos), que possui o valor 1 para período posterior a 2006 e 0 para período anterior (inclusive). Incluímos também uma variável qualitativa que indica que a licitação foi vencida por uma das dezesseis empresas cartelizadas (Di). O parâmetro de interesse é 𝜌i, que representa o coeficiente da interação entre a variável qualitativa (Di) e a variável qualitativa que indica período posterior a 2006 (pos). Dessa forma, o coeficiente da interação entre essas duas variáveis nos indicará se a partir da data de atuação do cartel, as empresas cartelizadas apresentaram menores descontos nas licitações vencidas, comprovando assim a existência do cartel e o dano provocado.

4.3. Modelo Propensity Score Matching

Nossa última estratégia econométrica é o Propensity Score Matching. Nosso grupo de tratados é composto das licitações nas quais o cartel obteve êxito. Em síntese, comparamos o desconto obtido em licitações similares: que foram objeto de ação do cartel com outras que foram competitivas. A diferença do desconto de ambas é o nosso parâmetro de interesse (ATT), supondo a hipótese de independência condicional Y(T), Y(C) ⊥ T| p(x) para identificação causal do parâmetro de interesse.

Realizamos simulações de diversos cenários: forçando o pareamento para mesmo ano da licitação e mesmo tipo de obra; para mesmo tipo de obra; para mesmo ano, apenas; e sem imposições. Para o pareamento (para definição do cálculo do pscore), consideramos duas variáveis observáveis para as empresas: capacidade e utilização da capacidade; e três para o projeto licitado: preço estimado para o projeto, prazo para conclusão e número de propostas, variáveis já descritas anteriormente. Isso significa que comparamos objetos similares nessas variáveis observáveis.

Além do algoritmo de pareamento pelo vizinho mais próximo, também definimos um algoritmo que monta um controle formado pela ponderação de unidades ao redor da unidade tratada com pesos decrescentes conforme uma função kernel Epanechnikov dentro de bandas de 25p.p. e 50p.p. Não pudemos restringir ainda mais as bandas devido à baixa sobreposição de tratados e controles no suporte comum e ao reduzido número de observações. Os resultados se encontram na Tabela 4.

tabela 4
– Estimações propensity score matching

5. Resultados

Iniciamos a interpretação e discussão dos resultados das estimações dos modelos dispostos na Seção 4. A Tabela 2 mostra nosso resultado da equação 3, robusto ao teste de Chow (modelo 1 na tabela). O resultado do teste de Chow demonstrou que não se rejeita a hipótese nula de igualdade dos demais coeficientes do modelo econométrico sob diferentes regimes de cartelização (estatística F = 1,45, com p-valor = 0,195). A interpretação do coeficiente da variável qualitativa “O cartel atuou e venceu a licitação”, nosso parâmetro de interesse, faz-se a partir de variação percentual, por se tratar de um modelo Log-linear. Dessa forma, interpretamos o parâmetro de interesse dos modelos como: licitações com ocorrência de cartel possuem preço 17% superior ao preço das licitações competitivas para o modelo 1. Já no modelo 2, com inclusão de efeitos fixos para firma e ano, o parâmetro de interesse cai para 14%.17 17 A amostra de 136 observações é relativamente pequena, o que pode aumentar o tamanho da variância do estimador. Com isso, o poder do teste se reduz, e aumenta a chance de aceitar a hipótese nula (de que o efeito é nulo) quando ela é falsa (probabilidade de cometer o erro do tipo II).

tabela 2
– Modelo Log-linear sem efeitos fixos (1) e com efeitos fixos de “firma” e “ano” (2)

Essa técnica já foi estudada na literatura, por exemplo, por Nelson (1993)NELSON, Jon P. Comparative Antitrust Damages in Bid-Rigging Cases: Some Findings from a Used Vehicle Auction. Antitrust Bulletin, v. 38, n. 2, p. 369-394, 1993. e Howard e Kaserman (1989)HOWARD, Jeffrey H.; KASERMAN, David. Proof of Damages in Construction Industry Bid-Rigging Cases. Antitrust Bulletin, v. 34, 1989., entretanto para objetos diferentes dos nossos. Dessa forma, nossa contribuição é estudar uma amostra de contratos de obras de construção de refinarias, assunto ainda não abordado pela literatura, bem como trazer dados do mercado brasileiro.

A Tabela 3 dispõe os resultados para o modelo de diferenças em diferenças. O nosso parâmetro de interesse é a interação da variável qualitativa “Empresa pertencente ao cartel venceu a licitação” com a variável qualitativa pos. O resultado do modelo nos diz que no período pós-2006 as empresas pertencentes ao Clube das 16, ou seja, que faziam parte do cartel, apresentaram preço 16% superior às demais licitações. Ressaltamos que, conforme delações, o cartel passou a operar fortemente a partir de 2006.18 18 G1. “Clube de empreiteiras” fraudava licitações da Petrobras. Rio de Janeiro, 8 mar. 2016. Disponível em: http://g1.globo.com/jornal-nacional/noticia/2016/03/clube-de-empreiteiras-fraudava-licitacoes-da-petrobras.html. Acesso em: 21 jul. 2021. Assim, resta demonstrar que essas dezesseis empresas mudaram seu comportamento depois desse ano, ou seja, de fato passaram a atuar como um cartel de empresas a ofertar preços maiores para execução de contratos da Petrobras. Ressaltamos a diferença da variável qualitativa dessa estimativa: “Empresa pertencente ao cartel venceu a licitação” e da variável do modelo anterior: “Cartel atuou na licitação”. No primeiro caso, a empresa cartelizada pode ter participado da licitação com presença de concorrência; no segundo caso, não.

tabela 3
– Estimações por diferenças em diferenças

Essa técnica de diferenças em diferenças já foi utilizada perante os tribunais americanos e europeus para determinar o dano dos cartéis (CONNOR, 2007CONNOR, John M. Price-Fixing Overcharges: Legal and Economic Evidence. Research in Law and Economics, v. 22, p. 59-153, 2007.). Nosso artigo contribui para a literatura com casos brasileiros que começam a enfrentar os julgamentos nos tribunais de contas, inexistentes até então (Acórdãos 3.089/2015 e 1.568/2020, ambos do Plenário do TCU).

A Tabela 4 dispõe nossos resultados para o modelo Propensity Score Matching. Para cálculo do score de propensão (pscore) por meio de um modelo Logit, utilizamos as seguintes variáveis observáveis para todos os modelos: estimativa da Petrobras para a licitação; prazo de conclusão da obra; capacidade da empresa; utilização da capacidade; número de propostas válidas. Estimamos quatro modelos, forçando o matching para ano e indústria (tipo de obra); para ano; para indústria (tipo de obra); e “sem imposições”. Os resultados por Nearest Neighbor (NN) confirmam nossas estimações anteriores: encontramos um efeito médio de tratamento para os tratados (ATT) de -20,6%. Ou seja, em média, a diferença de desconto entre licitações em que o cartel atuou (-12,5%, valor mais alto do que o preço estimado pela Petrobras, na verdade, um ágio ou desconto negativo) e licitações com concorrência (8,1%, valor mais baixo do que o preço estimado pela Petrobras, de fato um desconto) foi de -20,6% (-12,5% - 8,1%). As diferenças obtidas pelos algoritmos de pareamento por Kernel com banda (BW) igual a 0,25 e 0,50 apresentam resultados próximos, respectivamente iguais a -14,11% e -20,9%.

A Tabela 5 dispõe o resultado do pareamento, demonstrando a redução de viés na amostra. É preciso fazer uma ressalva adicional. O pareamento para balancear os grupos em termos de variáveis observáveis pode reduzir as diferenças entre os grupos em termos de algumas variáveis não observáveis, mas não garante que todas estarão balanceadas.

tabela 5
– Resultado do pareamento (matching sem imposições)

O algoritmo de pareamento usado para gerar as Figuras 2, 3 e 4 é o Kernel Propensity Score Matching, que dá peso declinante aos controles de acordo com uma função kernel ao redor da unidade tratada (o peso é zero para unidades muito distantes). O controle resultante é uma média ponderada de unidades ao redor da unidade tratada. A Figura 2 mostra o suporte comum para o pareamento, em um modelo sem imposições, e consiste em um histograma rebatido de tratados e controles. Como se pode notar, há alguma sobreposição entre tratados e controles, mas com poucas observações. As Figuras 3 e 4 mostram o histograma por Kernel density pré e pós-pareamento, que indicam que após o pareamento – Figura 4 – as distribuições dos propensity scores de tratados e controles são mais parecidas. Os eixos da Figura 4 mostram intervalos diferentes, por isso temos a impressão de a densidade dos tratados ser um pouco distinta da Figura 3, quando são de fato idênticas. Por fim, é esperado que a Figura 4, que consiste na densidade das unidades de controle após a ponderação e o pareamento, seja diferente das Figuras 2 e 3, em que não houve pareamento.

figura 2
– Suporte comum do pareamento (matching sem imposições)

figura 4
– Histograma por kernel density pós-pareamento (matching sem imposições)

Finalmente, nossas estimativas supõem que fatores não observáveis não estejam correlacionados ao mesmo tempo com os preços cobrados na licitação e com a probabilidade de participação do cartel na licitação. No entanto, é possível pensar em situações nas quais essa hipótese não se mantém. Por exemplo, se as licitações cartelizadas forem realizadas por diretorias que licitem as obras mais caras e ao mesmo tempo forem geridas por amigos de empresas integrantes do cartel, poderíamos ter um viés nas estimativas. Esse problema poderia ocorrer em nossas estimativas por regressão linear e Propensity Score Matching. No caso das estimativas por diferenças em diferenças, pode-se pensar também que – ainda que seja pouco provável – empresas integrantes do cartel poderiam ser aquelas enfrentando aumentos de custos nos últimos anos, e por isso aumentaram mais seus preços ofertados – e não necessariamente por terem atuado como cartel.

Conclusão

Nosso artigo contribui para a literatura de cálculo de danos decorrentes da formação de cartéis, a qual, apesar da evidente importância, não conta com muitos estudos empíricos. Até mesmo nos Estados Unidos, país que lidera o ranking global de competitividade global19 19 Ver relatório disponível em: http://www3.weforum.org/docs/WEF_TheGlobalCompetitivenessReport2019.pdf. Acesso em: 30 jul. 2021. – excluindo cidades-estado como Cingapura –, e portanto, apresenta uma preocupação marcante com um ambiente competitivo, não há uma quantidade expressiva de estudos empíricos usados em julgamentos de mérito nos tribunais sobre danos causados por cartéis (CONNOR, 2007CONNOR, John M. Price-Fixing Overcharges: Legal and Economic Evidence. Research in Law and Economics, v. 22, p. 59-153, 2007.). No caso brasileiro, em particular, não há relatos de estudos empíricos nessa temática que contem com dados de obras públicas e que tenham sido levados a julgamento em órgão de controle externo. Nosso artigo utiliza dados até então não estudados no mundo, referentes a obras de refinarias de petróleo, e seus resultados tiveram uma aplicação prática ao fornecer (em uma versão anterior e preliminar) subsídios para acórdão do TCU.20 20 Ver Acórdão 3.089/2015-TCU-Plenário.

Nossos resultados indicam que licitações com atuação de cartel possuem preço aproximadamente 17% superior ao preço das licitações competitivas. Os resultados dos três modelos econométricos são convergentes, quer comparemos o mercado cartelizado com o mercado competitivo, quer comparemos o mercado antes e depois do início de atuação do cartel.

Assim, os dados e estimativas obtidos sugerem que as empresas analisadas pertencentes ao suposto cartel de fato mudaram seu comportamento depois de 2006 e passaram a cobrar preços maiores para executar contratos junto à Petrobras.

figura 3
– Histograma por kernel density pré-pareamento (matching sem imposições)

Agradecimentos

Os autores agradecem a Luiz Esteves, Economista-Chefe do Conselho Administrativo de Defesa Econômica (Cade) à época dos trabalhos de campo, bem como ao Ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Benjamin Zymler pelo apoio institucional da Corte de Contas Federal ao desenvolvimento do trabalho.

Referências

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  • João Ricardo Pereira Auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (TCU). Engenheiro Civil pelo Instituto Militar de Engenharia (IME). Mestre e Doutor em Economia pela Universidade de Brasília (UnB). joaoricardopereira@gmail.com
  • Rafael Terra Professor Associado do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB). Economista. Doutor em Economia pela Escola de Economia de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EESP-FGV). rterra@unb.br
  • Ana Carolina Zoghbi Professora Adjunta do Departamento de Economia da Universidade de Brasília (UnB). Economista. Doutora em Administração Pública pela Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas (EAESP-FGV). acpzoghbi@gmail.com
  • Rafael Martins Gomes Auditor de Controle Externo do Tribunal de Contas da União (TCU). Professor, perito em Engenharia e escritor. Pós-graduado em Engenharia Diagnóstica (Unicid) e pós-graduado em Controle e Repressão a Desvios de Recursos Públicos pela Estácio. Pós-graduando em Análise Econômica do Direito pelo Instituto Serzedello Corrêa do Tribunal de Contas da União (ISC-TCU) e em Data Science e Analytics pela Escola Superior de Agricultura Luiz de Queiroz da Universidade de São Paulo (Esalq-USP). rafael.concreta@gmail.com

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Set 2021
  • Data do Fascículo
    2021

Histórico

  • Recebido
    23 Out 2019
  • Aceito
    22 Maio 2021
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