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Faticidade e polidez em vereditos de vídeos tutoriais do YouTube

Phaticity and politeness in of YouTube video tutorials

Resumo

O objetivo deste estudo é investigar como/se a comunicação fática (Zuckerman, 2016ZUCKERMAN, Charles. Phatic Violence? Gambling and the Arts of Distraction in Laos. Journal of Linguistic Anthropology, v. 26, n. 3, p. 294–314, 2016.), bem como o exercício da polidez (Locher; Watts, 2005LOCHER, Miriam; WATTS, Richard. Politeness Theory and Relational Work. Journal of Politeness Research, v. 1, n. 1, p. 9–33, 2005. DOI: 10.1515/jplr.2005.1.1.9.
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; Miller, 2008MILLER, Vincent. New Media, Networking and Phatic Culture. Convergence, v. 14, n. 4, p. 387–400, 2008. DOI: 10.1177/1354856508094659.
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), atuam na emissão de vereditos não-oficiais (Austin, 1975AUSTIN, John Langshaw. How to Do Things with Words. Oxford: Oxford University Press, 1975. ISBN 9780198245537. DOI: 10.1093/acprof:oso/9780198245537.001.0001.
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; Labinaz; Sbisà, 2021LABINAZ, Paolo; SBISÀ, Marina. The problem of knowledge dissemination in social network discussions. Journal of Pragmatics, v. 175, p. 67–80, 2021. ISSN 0378-2166. DOI: 10.1016/j.pragma.2021.01.009.
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), emitidos em vídeos tutoriais do YouTube. Os dados foram coletados em abril e maio de 2020, por meio da lista dos vídeos mais visualizados na área de informática básica. A análise foi feita seguindo uma metodologia qualitativa e visou à identificação de recursos ligados à polidez relacional e à linguagem fática empregados nos vereditos. Os resultados revelaram que os vereditos foram construídos nesses vídeos com o objetivo de legitimar a informação comunicada, o que foi feito juntamente com o emprego de elementos ligados à polidez e ao trabalho relacional. O papel da comunicação fática foi também atestado como um traço significativo da comunicação não-oficial na esfera digital.

Palavras-chave:
Faticidade; Polidez; Vereditos; Vídeos tutoriais

Abstract

The aim of this study is to investigate how/if phatic communication (Zuckerman, 2016ZUCKERMAN, Charles. Phatic Violence? Gambling and the Arts of Distraction in Laos. Journal of Linguistic Anthropology, v. 26, n. 3, p. 294–314, 2016.) serves to foster the production of non-official verdicts (Austin, 1975AUSTIN, John Langshaw. How to Do Things with Words. Oxford: Oxford University Press, 1975. ISBN 9780198245537. DOI: 10.1093/acprof:oso/9780198245537.001.0001.
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; Labinaz; Sbisà, 2021LABINAZ, Paolo; SBISÀ, Marina. The problem of knowledge dissemination in social network discussions. Journal of Pragmatics, v. 175, p. 67–80, 2021. ISSN 0378-2166. DOI: 10.1016/j.pragma.2021.01.009.
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; Locher; Watts, 2005LOCHER, Miriam; WATTS, Richard. Politeness Theory and Relational Work. Journal of Politeness Research, v. 1, n. 1, p. 9–33, 2005. DOI: 10.1515/jplr.2005.1.1.9.
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; Miller, 2008MILLER, Vincent. New Media, Networking and Phatic Culture. Convergence, v. 14, n. 4, p. 387–400, 2008. DOI: 10.1177/1354856508094659.
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) in YouTube tutorial videos. The data were collected in April and May 2020 among the most watched videos in the field of basic informational technology. The analysis followed the qualitative method, and aimed at identifying the resources linked to relational politeness and phatic language in the veredicts. Our results revealed that the verdicts were performed in these videos with the aim of legitimizing the information imparted, which was also done together with the resources associated with politeness and relational work. The role of phatic communication was also asserted in the data as a significant feature of non-official communication in the digital sphere.

Keywords:
Phaticity; Politeness; Verdicts; Tutorial videos

1 Introdução

Quando o conhecimento pronto para uso (ready-made knowledge) é o objetivo principal da comunicação, caso dos vídeos tutoriais do YouTube, tende a ser depositada uma maior confiança na autonomia do público espectador que, em geral, é composto por estranhos, representando, tipicamente, uma audiência abstrata. Os autores de vídeos tutoriais tendem, então, a produzir atos de fala do tipo vereditivos e a empregar recursos fáticos, associados ao engajamento social, com a finalidade de sugerir o pertencimento da audiência. Uma das maneiras de atingir esse propósito, é pelo exercício da polidez positiva (Brown; Levinson, 1987BROWN, Penelope; LEVINSON, Stephen. Politeness: Some Universals in Language Usage. Cambridge: Cambridge University Press, 1987.; Leech, 2014LEECH, Geoffrey. The Pragmatics of Politeness. [S. l.]: Oxford University Press, 2014. ISBN 9780195341386. DOI: 10.1093/acprof:oso/9780195341386.001.0001.
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; Miller, 2008MILLER, Vincent. New Media, Networking and Phatic Culture. Convergence, v. 14, n. 4, p. 387–400, 2008. DOI: 10.1177/1354856508094659.
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), ligada ao sentimento de pertencimento de grupo. Na proposta deste artigo, hipotetizamos que a comunicação de conhecimento pronto para uso, que circula na esfera digital, pode ser investigada da perspectiva da pragmática linguística, especificamente no que diz respeito ao fenômeno da polidez em interface com a faticidade.

Ao tomar emprestado o termo de Malinowski (1923MALINOWSKI, Bronisław. The Problem of Meaning in Primitive Languages. In: OGDEN, Charles K.; POSTGATE, John P.; RICHARDS, Ivor A. (ed.). The Meaning of Meaning: A Study of the Influence of Language upon Thought and of the Science of Symbolism. New York: Harcourt, Brace & Company, 1923. p. 451–510.), Jakobson (1960JAKOBSON, Roman. Linguistics and Poetics. In: JAKOBSON, Roman (ed.). Style in Language. MA: MIT Press, 1960. p. 350–377.) introduziu a função fática como uma das seis funções da linguagem, associada à orientação para o contato, ou seja, para o canal físico de comunicação. A faticidade pode indicar, também, a preocupação em produzir efeitos gregários, para criar vínculos sociais pela linguagem. Para fazer isso, são tipicamente empregados enunciados considerados semanticamente ‘vazios’, utilizados a fim de enriquecer o pertencimento social, tal como ocorre com as saudações formulaicas em conversas casuais. Por essa razão, o conceito de faticidade combina o conteúdo semântico-referencial com os aspectos socialmente orientados da comunicação humana (Hazaparu, 2015HAZAPARU, Marius-Adrian. Phatic Uses of Language in Print Media Discourse: Designing a New Model for Reader Engagement. Journal of Humanistic and Social Studies, Editura Universității Aurel Vlaicu, v. 6, n. 1, p. 77–9, 2015.; Meltzer; Musolf, 2003MELTZER, Bernard; MUSOLF, Gil Richard. Phatic communion: Bringing unfocused interaction into focus. In: MUSOLF, Gil Richard (ed.). Structure & agence in everyday life. [S. l.]: Rowman & Littlefield, 2003. p. 141–154.; Zuckerman, 2016ZUCKERMAN, Charles. Phatic Violence? Gambling and the Arts of Distraction in Laos. Journal of Linguistic Anthropology, v. 26, n. 3, p. 294–314, 2016.).

De um ponto de vista mais amplo, os aspectos fáticos da interação atuam, de acordo com Simmel e Hughes (1949, p. 255SIMMEL, Georg; HUGHES, Everett C. The Sociology of Sociability. American Journal of Sociology, University of Chicago Press, v. 55, n. 3, p. 254–261, 1949. ISSN 00029602, 15375390.), para gerar afiliação e para mitigar a “solidão do indivíduo”. Esses elementos levaram Ogden; Richards e Malinowski (1946OGDEN, Charles Kay; RICHARDS, Ivor Armstrong; MALINOWSKI, Bronisław. The Meaning of Meaning. New York: Harcourt, Brace & World, 1946.) a caracterizarem a comunicação fática como “um tipo de discurso em que os laços sociais são criados por uma mera troca de palavras” (Ogden; Richards; Malinowski, 1946, p. 315OGDEN, Charles Kay; RICHARDS, Ivor Armstrong; MALINOWSKI, Bronisław. The Meaning of Meaning. New York: Harcourt, Brace & World, 1946.). Para além do aspecto gregário, (Núñez, 1983NÚÑEZ, Luis. Para un Tratamiento Autónomo de la Noción y las Funciones del Medio de Comunicación de Masas. Reis, v. 83, p. 101–118, 1983.) afirma que a faticidade apresenta um componente dual, já que, ao reforçar os laços sociais, ela também pode enriquecer a comunicação de conteúdo informacional.

Na proposta deste estudo, o conceito de faticidade é combinado à análise dos elementos emergentes da situação de comunicação, particularmente aqueles ligados à polidez e ao trabalho relacional (Locher; Watts, 2005LOCHER, Miriam; WATTS, Richard. Politeness Theory and Relational Work. Journal of Politeness Research, v. 1, n. 1, p. 9–33, 2005. DOI: 10.1515/jplr.2005.1.1.9.
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; Miller, 2008MILLER, Vincent. New Media, Networking and Phatic Culture. Convergence, v. 14, n. 4, p. 387–400, 2008. DOI: 10.1177/1354856508094659.
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). Nessa perspectiva, a comunicação fática pode ser vista como um recurso cumulativo, forjado pelos interlocutores por meio da participação em interações sociais cotidianas, por exemplo, uma reunião de trabalho, um jantar entre amigos, ou nos casos em que a audiência pode ser ampla e abstrata, como em um vídeo tutorial.

Diante desse panorama, as seguintes perguntas de pesquisa guiam este estudo: os vídeos tutorais do YouTube podem apresentar características ligadas aos atos de fala vereditivos? Se sim, qual o papel da faticidade e da polidez na produção desses vereditos? Mais especificamente, nossa hipótese é de que os vídeos tutoriais, produzidos por amadores para o YouTube, possam apresentar atos de fala vereditivos (Austin, 1975AUSTIN, John Langshaw. How to Do Things with Words. Oxford: Oxford University Press, 1975. ISBN 9780198245537. DOI: 10.1093/acprof:oso/9780198245537.001.0001.
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; Labinaz; Sbisà, 2021LABINAZ, Paolo; SBISÀ, Marina. The problem of knowledge dissemination in social network discussions. Journal of Pragmatics, v. 175, p. 67–80, 2021. ISSN 0378-2166. DOI: 10.1016/j.pragma.2021.01.009.
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), já que emitem um julgamento, ou uma avaliação, sobre um tópico de interesse do público, bem como possam conter elementos associados à comunicação fática (Yus, 2019YUS, Francisco. An Outline of Some Future Research Issues for Internet Pragmatics. Internet Pragmatics, v. 2, n. 1, p. 1–33, 2019.; Zuckerman, 2016ZUCKERMAN, Charles. Phatic Violence? Gambling and the Arts of Distraction in Laos. Journal of Linguistic Anthropology, v. 26, n. 3, p. 294–314, 2016.) e à polidez (Locher, 2006LOCHER, Miriam. Polite Behavior within Relational Work: The Discursive Approach to Politeness. Multilingua, v. 25, n. 3, p. 249–267, 2006. DOI: 10.1515/MULTI.2006.015.
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; Miller, 2008MILLER, Vincent. New Media, Networking and Phatic Culture. Convergence, v. 14, n. 4, p. 387–400, 2008. DOI: 10.1177/1354856508094659.
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), que servem para garantir engajamento com a audiência. Feito esse panorama inicial, nas seções seguintes, discutimos o embasamento teórico do estudo.

2 A faticidade e a polidez

A comunicação fática é caracterizada, por um lado, pela criação de laços sociais em situações em que os objetivos gregários prevalecem sobre os demais, caso dos bate-papos informais (Coupland, 2010COUPLAND, Nikolas. Other representation. Society and language use, John Benjamins Amsterdam, v. 7, p. 241–260, 2010.; McCarthy, 2009MCCARTHY, Joshua. Utilising Facebook: immersing Generation-Y students into first year university. The Journal of the Education Research Group of Adelaide, v. 1, n. 2, p. 39–50, 2009. ISSN 1835-6850.). Nessas situações, conforme (Laver, 1975LAVER, John. Communicative Functions of Phatic Communion. In: KENDON, Adam; HARRIS, Richard M.; KEY, Mary R. (ed.). Organization of Behavior in Face-to-Face Interaction. The Hague: Mouton & Co., 1975. p. 215–238. DOI: 10.1515/9783110907643.215.
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), o emprego de recursos fáticos é também uma forma de exercer a competência sociopragmática, na medida em que os interlocutores selecionam os recursos disponíveis de modo a “afirmar laços de união ou de solidariedade social, mas simultaneamente também limitando a força destes mesmos laços” (Laver, 1975, p. 225LAVER, John. Communicative Functions of Phatic Communion. In: KENDON, Adam; HARRIS, Richard M.; KEY, Mary R. (ed.). Organization of Behavior in Face-to-Face Interaction. The Hague: Mouton & Co., 1975. p. 215–238. DOI: 10.1515/9783110907643.215.
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).

Por outro lado, a faticidade também é registrada em contextos em que a comunicação de conteúdo informacional é a tônica, por exemplo, no caso de textos jornalísticos, como mostrado por Hazaparu (2015HAZAPARU, Marius-Adrian. Phatic Uses of Language in Print Media Discourse: Designing a New Model for Reader Engagement. Journal of Humanistic and Social Studies, Editura Universității Aurel Vlaicu, v. 6, n. 1, p. 77–9, 2015.). De forma similar, na visão de (Laver, 1975LAVER, John. Communicative Functions of Phatic Communion. In: KENDON, Adam; HARRIS, Richard M.; KEY, Mary R. (ed.). Organization of Behavior in Face-to-Face Interaction. The Hague: Mouton & Co., 1975. p. 215–238. DOI: 10.1515/9783110907643.215.
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), o emprego de recursos fáticos é também um modo de exercer a competência socio-pragmática, na medida em que os recursos fáticos disponíveis são selecionados de modo a “afirmar laços de união ou de solidariedade social, mas simultaneamente também limitando a força destes mesmos laços” (Laver, 1975, p. 225LAVER, John. Communicative Functions of Phatic Communion. In: KENDON, Adam; HARRIS, Richard M.; KEY, Mary R. (ed.). Organization of Behavior in Face-to-Face Interaction. The Hague: Mouton & Co., 1975. p. 215–238. DOI: 10.1515/9783110907643.215.
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).

Nos cenários em que tradicionalmente a comunicação referencial (ou informacional) é considerada hegemônica, os recursos fáticos são, em geral, empregados de duas formas principais: por meio da modalidade participativa e da modalidade discursiva, de acordo com Hazaparu (2015HAZAPARU, Marius-Adrian. Phatic Uses of Language in Print Media Discourse: Designing a New Model for Reader Engagement. Journal of Humanistic and Social Studies, Editura Universității Aurel Vlaicu, v. 6, n. 1, p. 77–9, 2015.). Na modalidade participativa, a proximidade entre os interlocutores ocupa papel central, sugerindo cumplicidade e favorecendo a criação de uma cognição conjunta (common ground), que convida à coparticipação, principalmente por meio de trocas verbais, que visam ao engajamento social da audiência.

Na modalidade discursiva, a faticidade é forjada no nível da estrutura interna do discurso. Essa modalidade pode ser atingida, segundo Hazaparu (2015HAZAPARU, Marius-Adrian. Phatic Uses of Language in Print Media Discourse: Designing a New Model for Reader Engagement. Journal of Humanistic and Social Studies, Editura Universității Aurel Vlaicu, v. 6, n. 1, p. 77–9, 2015.), por meio da organização lógica do discurso, ainda que a interação com a audiência não seja simultânea. Em suma, e ainda mais importante para este estudo, em todas as modalidades apresentadas por Hazaparu (2015HAZAPARU, Marius-Adrian. Phatic Uses of Language in Print Media Discourse: Designing a New Model for Reader Engagement. Journal of Humanistic and Social Studies, Editura Universității Aurel Vlaicu, v. 6, n. 1, p. 77–9, 2015.), os componentes interacionais são considerados fáticos quando visam a formar vínculos de participação com o interlocutor (real ou presumido), o que é feito pela combinação dos aspectos sociais da linguagem com o conteúdo informacional comunicado.

Por estar relacionada a expressões convencionalizadas, por exemplo, cumprimentos, perguntas retóricas e sinalizações de entendimento (back-channel clues), a faticidade permeia múltiplos contextos da comunicação humana. No âmbito jornalístico, por exemplo, esse aspecto corresponde ao conceito de “informação social”. Na perspectiva deste estudo, especula-se que o caráter fático da linguagem possa estar presente também mediante a emissão de vereditos não-oficiais, divulgados em ambiente digital, como ocorre com os vídeos tutorais produzidos por não-especialistas, no YouTube.

No contexto digital, a faticidade ganha proeminência pois, nos termos de Miller (2008, p. 395MILLER, Vincent. New Media, Networking and Phatic Culture. Convergence, v. 14, n. 4, p. 387–400, 2008. DOI: 10.1177/1354856508094659.
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), cria-se uma “cultura fática”, na qual manter e enriquecer vínculos sociais pode ser tão ou mais importante do que comunicar ideias ou conteúdo informacional. Dessa forma, nos ambientes cibernéticos, a comunicação fática ocorre, por exemplo, por meio do emprego de variados elementos multimodais, tais como imagens, sons, emojis, stickers, além de alterações tipográficas (Oliveira; Cunha; Avelar, 2018OLIVEIRA, Ana Larissa; CUNHA, Gustavo Ximenes; AVELAR, Fernanda Teixeira. Emojis como Estratégias de Reparo em Pedidos de Desculpas: Um Estudo sobre Conversas em Ambiente Digital. Trabalhos em Linguística Aplicada, v. 57, n. 3, p. 1615–1635, 2018.; Cunha; Oliveira, 2020CUNHA, Gustavo Ximenes; OLIVEIRA, Ana Larissa. Teorias de im/polidez linguística: revisitando o estado da arte para uma contribuição teórica sobre o tema. Estudos da Língua (gem), v. 18, n. 2, p. 135–162, 2020. DOI: 10.22481/el.v18i2.6409.
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; Oliveira; Carneiro, 2020OLIVEIRA, Ana Larissa; CARNEIRO, Marisa. A Pragmatic View of Hashtags: The Case of Impoliteness and Offensive Verbal Behavior in Brazilian Twitter. Acta Scientiarum. Language and Culture, v. 42, n. 1, p. 1–13, 2020.), que correspondem ao que Yus (2019YUS, Francisco. An Outline of Some Future Research Issues for Internet Pragmatics. Internet Pragmatics, v. 2, n. 1, p. 1–33, 2019.) caracteriza como “internet fática".

A esse respeito, Yus (2019YUS, Francisco. An Outline of Some Future Research Issues for Internet Pragmatics. Internet Pragmatics, v. 2, n. 1, p. 1–33, 2019.) também postula que, embora a comunicação fática seja tradicionalmente considerada como insubstancial, ou seja, apresentando conteúdo proposicional pouco relevante, ela também pode exercer um papel gregário importante, ao veicular o que o autor chama de "conteúdo social", ligado à necessidade de permanente conexão entre os usuários de redes sociais.

Do ponto de vista do trabalho relacional, variados recursos de (im)polidez são empregados nas interações sociais, visando à manutenção e à projeção das imagens públicas dos interlocutores e, portanto, também fortalecendo os vínculos sociais temporários entre os participantes da interação. O trabalho de face, portanto, na proposta de Brown; Levinson (1987BROWN, Penelope; LEVINSON, Stephen. Politeness: Some Universals in Language Usage. Cambridge: Cambridge University Press, 1987.), é feito por meio da projeção da face positiva dos interlocutores, ligada ao pertencimento de grupo e à solidariedade, bem como da preservação da face negativa, direcionada ao respeito pelo espaço físico e psicológico do outro, ou seja, ao direito à não-imposição.

Na visão de Miller (2008MILLER, Vincent. New Media, Networking and Phatic Culture. Convergence, v. 14, n. 4, p. 387–400, 2008. DOI: 10.1177/1354856508094659.
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), a polidez é também condicionada por variáveis sociológicas. Essas variáveis podem ser de dois tipos principais:

  • Distância social entre falante e ouvinte (relação simétrica/horizontal);

  • Poder relativo de falante e ouvinte (relação assimétrica/vertical).

Vista dessa forma, a distância social é uma função do grau de intimidade ou de proximidade entre falante e ouvinte. Por essa razão, ela é maior entre desconhecidos e menor entre colegas, familiares e amigos, por exemplo. Ao empregar estratégias de polidez, os falantes, em geral, reconhecem a distância social como um elemento importante, ligado ao encadeamento discursivo, e necessário para que a interação possa prosseguir, atingindo os objetivos comunicativos propostos.

Além disso, ao postular o Princípio de Polidez, (Leech, 2014, p. 87LEECH, Geoffrey. The Pragmatics of Politeness. [S. l.]: Oxford University Press, 2014. ISBN 9780195341386. DOI: 10.1093/acprof:oso/9780195341386.001.0001.
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) argumenta que a polidez “é uma restrição observada no comportamento comunicativo humano, que nos influencia a evitar a discordância ou a ofensa comunicativa e a manter ou a aumentar concordância ou a cortesia comunicativa”. Além desse aspecto, para os estudos da polidez, é também de primeira importância considerar que a noção de trabalho de face é um fenômeno dinâmico e emergente da interação, além de mutuamente construído (Culpeper; Bousfield; Wichmann, 2003CULPEPER, Jonathan; BOUSFIELD, D.; WICHMANN, A. Impoliteness Revisited: The Special Reference to Dynamic and Prosodic Aspects. Journal of Pragmatics, v. 35, n. 10, p. 1545–1555, 2003. ISSN 0378-2166. DOI: 10.1016/S0378-2166(02)00118-2.
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; Spencer-Oatey, 2007SPENCER-OATEY, Helen. Theories of Identity and the Analysis of Face. Journal of Pragmatics, v. 39, n. 4, p. 639–656, 2007. ISSN 0378-2166. DOI: 10.1016/j.pragma.2006.12.004.
https://doi.org/10.1016/j.pragma.2006.12...
; Grainger, 2018GRAINGER, Karen. We’re Not in a Club Now: A Neo-Brown and Levinson Approach to Analyzing Courtroom Data. Journal of Politeness Research, v. 14, n. 1, p. 19–38, 2018. DOI: doi:10.1515/pr-2017-0039.
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).

A noção de polidez é também consoante com a proposta teórica iniciada por Goffman (1967[1955]GOFFMAN, Ervin. On Face-Work: An Analysis of Ritual Elements in Social Interaction. In: GOFFMAN, Ervin (ed.). Interaction Ritual: Essays on Face-to-Face Behavior. New York: Pantheon Books, 1967[1955]. p. 5–45.), em que o trabalho de face se refere às ações linguísticas (e não linguísticas), realizadas pelos participantes para “reivindicar seus valores sociais, ou para manter sua autoimagem, de forma considerada satisfatória para a interação” (Haugh, 2013, p. 65HAUGH, Michael. Im/Politeness, Social Practice and the Participation Order. Journal of Pragmatics, v. 58, p. 52–72, 2013. ISSN 0378-2166. DOI: 10.1016/j.pragma.2013.07.003.
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). Dessa forma, ao empreenderem o trabalho de face, os interlocutores lançam mão de estratégias de polidez que visam a reduzir antagonismos e objeções, colaborando para uma desejada harmonia interacional (Brown; Levinson, 1987BROWN, Penelope; LEVINSON, Stephen. Politeness: Some Universals in Language Usage. Cambridge: Cambridge University Press, 1987.; Kerbrat-Orecchioni, 1992KERBRAT-ORECCHIONI, Catherine. Les Interactions Verbales. [S. l.: s. n.], 1992. v. 3.).

A polidez atua, ainda, como um recurso de coesão social, diminuindo a agressividade e a possibilidade de confronto direto. Essa concepção de polidez reside na base da teoria clássica, que preconiza o falante racional e estratégico, hábil em empregar as estratégias de polidez de forma instrumental, com vistas à consecução de objetivos interacionais variados, bem como com a intenção de evitar ameaças de face (Brown; Levinson, 1987BROWN, Penelope; LEVINSON, Stephen. Politeness: Some Universals in Language Usage. Cambridge: Cambridge University Press, 1987.; Leech, 2014LEECH, Geoffrey. The Pragmatics of Politeness. [S. l.]: Oxford University Press, 2014. ISBN 9780195341386. DOI: 10.1093/acprof:oso/9780195341386.001.0001.
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).

Nas abordagens mais recentes, contudo, os atos de fala não são vistos como inerentemente ameaçadores de face, isso porque, ao lado dos atos ameaçadores, há também aqueles que enaltecem a face do interlocutor (face-enhancing acts ou face-maintaining acts), conforme observado por Kerbrat-Orecchioni (1992KERBRAT-ORECCHIONI, Catherine. Les Interactions Verbales. [S. l.: s. n.], 1992. v. 3.) e por Leech (2014LEECH, Geoffrey. The Pragmatics of Politeness. [S. l.]: Oxford University Press, 2014. ISBN 9780195341386. DOI: 10.1093/acprof:oso/9780195341386.001.0001.
https://doi.org/10.1093/acprof:oso/97801...
). Assim sendo, outro aspecto importante nos estudos da (im)polidez é a ideia de que o comportamento harmônico dos falantes nem sempre representa uma centralidade. Nesses casos, a impolidez e a falsa polidez também obtêm destaque (Culpeper, 2016CULPEPER, Jonathan. Impoliteness Strategies. Interdisciplinary Studies in Pragmatics, Culture and Society, v. 27, p. 421–445, 2016.), já que a linguagem pode ser usada para debochar, atacar, provocar e difamar o outro (Cunha; Tomazi, 2019CUNHA, Gustavo Ximenes; TOMAZI, Micheline Mattedi. O uso agressivo da linguagem em uma audiência: uma abordagem discursiva e interacionista para o estudo da im/polidez. Calidoscópio, v. 17, n. 2, p. 297–319, 2019.; Oliveira; Carneiro, 2020OLIVEIRA, Ana Larissa; CARNEIRO, Marisa. A Pragmatic View of Hashtags: The Case of Impoliteness and Offensive Verbal Behavior in Brazilian Twitter. Acta Scientiarum. Language and Culture, v. 42, n. 1, p. 1–13, 2020.; Cunha; Oliveira, 2020CUNHA, Gustavo Ximenes; OLIVEIRA, Ana Larissa. Teorias de im/polidez linguística: revisitando o estado da arte para uma contribuição teórica sobre o tema. Estudos da Língua (gem), v. 18, n. 2, p. 135–162, 2020. DOI: 10.22481/el.v18i2.6409.
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).

De relevância para o trabalho de face e a polidez, é também a ideia de que diferentes objetivos comunicativos possam produzir diferentes tipos de avaliação sobre “a adequação discursiva e a conformidade social” (Spencer-Oatey, 2007, p.107-108) dos enunciados produzidos. Por essa razão, uma classificação amplamente aceita dos objetivos comunicativos engloba dois tipos principais de propósitos:

  1. Os transacionais (por exemplo, realizar uma determinada tarefa);

  2. Os relacionais (por exemplo, enriquecer a solidariedade dentro do grupo).

Nos dois tipos de objetivos, a noção de orientação fática é um componente subjacente, já que o aspecto gregário da comunicação é reconhecido.

3 A comunicação de informação e os vereditos

Em sua teoria, Austin (1975AUSTIN, John Langshaw. How to Do Things with Words. Oxford: Oxford University Press, 1975. ISBN 9780198245537. DOI: 10.1093/acprof:oso/9780198245537.001.0001.
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) apresenta os "vereditos", que geralmente expressam a avaliação de fatos e de valores com base em evidências ou em crenças. Os vereditos podem ser oficiais ou não-oficiais. A principal diferença reside no fato que os vereditos não-oficiais prescindem da apresentação de evidências. Os vereditos oficiais, por outro lado, expõem evidências e/ou fatos que são geralmente aceitos como verdades científicas, ou como conhecimento válido e autorizado. Ao atualizarem o conceito de vereditos, Labinaz e Sbisà (2021, p. 80LABINAZ, Paolo; SBISÀ, Marina. The problem of knowledge dissemination in social network discussions. Journal of Pragmatics, v. 175, p. 67–80, 2021. ISSN 0378-2166. DOI: 10.1016/j.pragma.2021.01.009.
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) postulam que, ao desempenhar esses atos de fala, os interactantes:

  1. Pressupõem que o locutor esteja em posição de proferir o veredito, ou seja, que é competente para emitir julgamentos sobre o tema em questão.

  2. Comprometem o locutor com a verdade, a justiça ou a correção do seu veredito.

  3. Comprometem o locutor com o fornecimento de evidências ou de razões usadas para embasar os vereditos comunicados, caso esses elementos sejam solicitados pela audiência.

  4. Autorizam a audiência a confiar no julgamento do locutor e em seu comportamento verbal e não verbal subsequente: ou seja, a audiência sente-se licenciada para emitir o mesmo tipo de julgamento, ou utilizá-lo como premissa, ou como base, para tomar uma decisão futura (Labinaz; Sbisà, 2021, p. 80LABINAZ, Paolo; SBISÀ, Marina. The problem of knowledge dissemination in social network discussions. Journal of Pragmatics, v. 175, p. 67–80, 2021. ISSN 0378-2166. DOI: 10.1016/j.pragma.2021.01.009.
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    ).

Conforme Labinaz e Sbisà (2021LABINAZ, Paolo; SBISÀ, Marina. The problem of knowledge dissemination in social network discussions. Journal of Pragmatics, v. 175, p. 67–80, 2021. ISSN 0378-2166. DOI: 10.1016/j.pragma.2021.01.009.
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) salientam, o sucesso da comunicação de conteúdo informacional está ligado ao reconhecimento, pelo público, de que a informação comunicada é verdadeira e que deve, portanto, ser legitimada. Por isso, uma estratégia importante para alcançar o êxito da comunicação de informação reside na própria autoridade do locutor, que deve ser visto como portador de verdade e de conhecimento, seja ele científico, técnico, prático ou outro.

De todo modo, como o contexto imediato afeta a forma pela qual a informação é comunicada, podem ser necessários alguns ajustes para que esta seja bem-aceita pela audiência. Esses ajustes envolvem, entre outros aspectos, o grau de familiaridade que a audiência tem com respeito ao tema tratado, bem como os tipos de laços sociais que a comunicação informacional é capaz de forjar (Miller, 2008MILLER, Vincent. New Media, Networking and Phatic Culture. Convergence, v. 14, n. 4, p. 387–400, 2008. DOI: 10.1177/1354856508094659.
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; Xie; Yus, 2021XIE, Chaoquin; YUS, Francisco. Approaches to Internet Pragmatics: Theory and Practice. [S. l.]: John Benjamins Publishing Company, 2021. v. 318.). Por essa razão, na visão deste estudo, vídeos tutoriais produzidos por amadores para o YouTube podem conter elementos pragmáticos ligados aos atos de fala vereditivos, já que emitem um julgamento, ou uma avaliação, sobre um tópico de interesse do público, como se verá a seguir.

4 Os vídeos tutoriais e a comunicação de informação pronta para o uso

O termo “tutorial” tem origem em “tutoria”, expressão usada em referência a um tipo de instrução, geralmente oferecida por um professor em formação a um grupo reduzido de alunos. Etimologicamente ligado à ideia de “indivíduo mais maduro ou mais treinado, designado para orientar outros em algum ponto de seus estudos” (Tarquini; McDorman, 2019TARQUINI, Gianna; MCDORMAN, Richard. Video Tutorials: An Expanding Audiovisual Genre. The Journal of Specialised Translation, v. 32, p. 146–170, 2019.), o termo “tutor” tornou-se bastante pervasivo na educação formal. Também muito comum nos ambientes digitais de aprendizagem remota, em vários níveis, é a figura do tutor, que exerce um papel específico, sendo responsável pela mediação entre os alunos e o professor/instrutor.

Mais recentemente, o público em geral tem recorrido aos chamados “vídeos tutoriais”, principalmente no YouTube, em busca de explicações ou de instruções sobre como resolver problemas do cotidiano, tais como, instalar um programa no computador, montar um móvel ou fazer uma maquiagem. Na perspectiva de Tarquini e McDorman (2019, p. 148TARQUINI, Gianna; MCDORMAN, Richard. Video Tutorials: An Expanding Audiovisual Genre. The Journal of Specialised Translation, v. 32, p. 146–170, 2019.), os vídeos tutoriais podem ser definidos “como vídeos de instrução assíncronos, que fornecem orientação passo a passo para atividades especializadas”. De forma similar, para Mogos e Constantin (2015MOGOS, Andrea; CONSTANTIN, Trofin. YouTube Video Genres: Amateur How-To Videos versus Professional Tutorials. Acta Universitatis Danubius. Communicatio, v. 1, p. 9–22, 2015.), o sucesso dos vídeos tutoriais do YouTube reside, fundamentalmente, em sua utilidade, determinada pelos próprios espectadores (ou consumidores) do canal. Ao fator utilidade, ainda segundo Mogos e Constantin (2015MOGOS, Andrea; CONSTANTIN, Trofin. YouTube Video Genres: Amateur How-To Videos versus Professional Tutorials. Acta Universitatis Danubius. Communicatio, v. 1, p. 9–22, 2015.), soma-se o nível de credibilidade e de confiança que os vídeos tutoriais podem despertar na audiência.

Do ponto de vista comunicativo, os vídeos tutoriais do YouTube apresentam um padrão estruturante para a comunicação de informação não-oficial. Isso ocorre porque, na chamada “modernidade líquida”, conforme apontou Knorr-Cetina (1997, p. 139KNORR-CETINA, Karin. Sociality with Objects. Theory, Culture & Society, v. 14, n. 4, p. 1–30, 1997.), os indivíduos encontram-se em permanente transformação de suas relações sociais, que são substancialmente mediadas por um objeto (o computador ou o telefone celular, por exemplo). Nos referidos tutoriais, o objetivo da comunicação tende, então, a ser o de estabelecer/fortalecer conexões por meio de recursos digitais variados (imagem, som, entre outros), além de elementos linguísticos, que atuam para superar a ausência da comunicação face-a-face e em tempo real.

Além disso, os vídeos tutoriais, em geral, comunicam conhecimento “pronto-para uso” (Xie; Yus, 2021XIE, Chaoquin; YUS, Francisco. Approaches to Internet Pragmatics: Theory and Practice. [S. l.]: John Benjamins Publishing Company, 2021. v. 318.), ou seja, são moldados frente às expectativas utilitárias e imediatistas da audiência. A esse respeito, de acordo com a página do YouTube, “os vídeos tutoriais são utilizados não só para partilhar conhecimentos, mas também para ajudar as empresas a comercializarem as suas marcas e a fornecerem mais documentação visual aos clientes” (disponível em https://creatoracademy.youtube.com/page). No caso deste estudo, no entanto, os tutoriais apresentavam um caráter não-oficial, eram abertos e destinados à resolução de problemas cotidianos dos usuários, na área de instalação de sistemas operacionais. Eles podiam atingir, por essa razão, uma audiência bastante diversificada e ampla.

Diante dos aspectos apontados nesta seção, passamos, a seguir, para a descrição dos procedimentos de coleta e de análise de dados empregados neste estudo.

5 Metodologia de coleta e de análise de dados

Os dados coletados foram retirados de canais públicos do YouTube, falados em língua portuguesa brasileira, contendo 20 mil inscritos ou mais, na época da coleta de dados (julho/21). Destinados à disseminação de conhecimento não-oficial no campo da informática, esses canais são produzidos por "amadores”, empregando-se aqui a terminologia proposta por Tarquini e McDorman (2019TARQUINI, Gianna; MCDORMAN, Richard. Video Tutorials: An Expanding Audiovisual Genre. The Journal of Specialised Translation, v. 32, p. 146–170, 2019.). Neles, são oferecidos vídeos tutoriais acerca de tópicos ligados ao uso de dispositivos como notebooks, desktops, celulares e seus respectivos sistemas operacionais. Postados em abril e em maio de 2020, os quatro vídeos selecionados para a análise apresentavam entre 20 e 30 min de duração e tinham mais de 2 milhões de visualizações cada um. Esses números sugerem que os referidos tutoriais eram representativos desse tipo de artefato digital. Além disso, os vídeos figuravam entre os mais vistos sobre esse tema no YouTube naquele ano, o que nos autorizou a selecioná-los para análise como pertencendo a um padrão relevante desse tipo de material.

Nossa análise centrou-se, exclusivamente, no conteúdo verbal dos vídeos e não se estendeu aos comentários da audiência sobre eles. Já que nosso objetivo era examinar a comunicação de conhecimento não-oficial pronto para uso, feita pela via digital, não nos concentramos na recepção dos vídeos e, por essa razão, os comentários a eles não foram analisados. Nosso indicativo de engajamento se restringiu ao número de visualizações e à lista dos vídeos mais assistidos, como detalhado anteriormente.

Mediante os scripts completos dos tutoriais, os procedimentos de análise de dados envolveram a identificação e a classificação qualitativa dos seguintes elementos, adaptados de Hazaparu (2015HAZAPARU, Marius-Adrian. Phatic Uses of Language in Print Media Discourse: Designing a New Model for Reader Engagement. Journal of Humanistic and Social Studies, Editura Universității Aurel Vlaicu, v. 6, n. 1, p. 77–9, 2015.):

  1. Movimentos de início, de continuidade e de fechamento dos vídeos ou de suas seções.

  2. Estratégias de engajamento social, empregadas com vistas à criação de comunicação fática.

Na amostra apresentada na análise, serão discutidos quatro extratos, considerados prototípicos e selecionados aleatoriamente. Do ponto de vista ético, embora os vídeos tutoriais sejam públicos e com acesso aberto, optamos por não mencionar nenhuma informação que identifique seus autores, já que esses dados não são de interesse direto da pesquisa, que se centra em aspectos linguísticos recorrentes nos vídeos tutoriais, especificamente no que concerne ao elemento fático da comunicação de informação, à polidez e à ocorrência de atos de fala vereditivos.

6 Análise de dados

Nesta seção, por razões de espaço, será discutida uma amostra de cinco extratos, selecionados aleatoriamente dos dados, com o objetivo de identificar se/como os seguintes componentes estão presentes na comunicação de informação nos vídeos tutoriais analisados:

  1. Movimentos de início, de continuidade e fechamento dos vídeos ou de suas seções.

  2. Estratégias de engajamento social, empregadas com vistas à criação de efeitos fáticos, conforme será demonstrado no Extrato 1, a seguir:

Extrato 1

Fala, conectados! Estamos aqui para um rápido tutorial para explicar para vocês como que faz a atualização do Windows 7 para o Windows 10 gratuitamente.

O Extrato 1 representa a abertura do vídeo e pode ser segmentado em duas etapas:

  1. O chamamento da audiência, feito pelo bordão "Fala, conectados!"

  2. A apresentação do objetivo central do tutorial: Estamos aqui para um rápido tutorial para explicar para vocês como fazer a atualização do Windows 7 para o Windows 10 gratuitamente, que serve para comprometer o locutor com o fornecimento de evidências utilizadas para embasar o veredito comunicado (Labinaz; Sbisà, 2021LABINAZ, Paolo; SBISÀ, Marina. The problem of knowledge dissemination in social network discussions. Journal of Pragmatics, v. 175, p. 67–80, 2021. ISSN 0378-2166. DOI: 10.1016/j.pragma.2021.01.009.
    https://doi.org/10.1016/j.pragma.2021.01...
    ).

Nesse Extrato, o tutorial é também descrito como “rápido e gratuito”, duas características que podem ser consideradas importantes para garantir o êxito perante o público que, em geral, recorre aos vídeos tutoriais do YouTube em busca de soluções ágeis e simples para problemas do cotidiano (Mogos; Constantin, 2015MOGOS, Andrea; CONSTANTIN, Trofin. YouTube Video Genres: Amateur How-To Videos versus Professional Tutorials. Acta Universitatis Danubius. Communicatio, v. 1, p. 9–22, 2015.), que também comprometem o locutor do vídeo com a correção do conteúdo por ele comunicado em seu veredito (Labinaz; Sbisà, 2021LABINAZ, Paolo; SBISÀ, Marina. The problem of knowledge dissemination in social network discussions. Journal of Pragmatics, v. 175, p. 67–80, 2021. ISSN 0378-2166. DOI: 10.1016/j.pragma.2021.01.009.
https://doi.org/10.1016/j.pragma.2021.01...
).

Note-se, ainda, o emprego do nós inclusivo (estamos). Sobre esse uso, como um tutorial contém aspectos injuntivos, ligados ao "como fazer", a ocorrência de estamos, além de encorajar a filiação da audiência, caracteriza a modalidade participativa, como descrita por Hazaparu (2015HAZAPARU, Marius-Adrian. Phatic Uses of Language in Print Media Discourse: Designing a New Model for Reader Engagement. Journal of Humanistic and Social Studies, Editura Universității Aurel Vlaicu, v. 6, n. 1, p. 77–9, 2015.). Utilizada para sugerir cumplicidade e favorecer a formação de uma cognição conjunta (common ground), a modalidade participativa é também essencial para a promover a orientação fática da comunicação (oral ou escrita) e pode ser identificada nesse e em outros pontos do vídeo.

Além disso, considerando que a distância social é uma função do grau de intimidade ou de proximidade entre falante e ouvinte (Brown; Levinson, 1987BROWN, Penelope; LEVINSON, Stephen. Politeness: Some Universals in Language Usage. Cambridge: Cambridge University Press, 1987.), ao empregar estratégias de aproximação, o locutor reconhece a distância social como um elemento decisivo, principalmente porque a comunicação da informação do vídeo é feita para uma audiência em abstrato. Do ponto de vista da polidez, o emprego de “estamos” atua para mitigar imposições, maximizando a liberdade de ação da audiência e também forjando o sentimento de grupo (Leech, 2014LEECH, Geoffrey. The Pragmatics of Politeness. [S. l.]: Oxford University Press, 2014. ISBN 9780195341386. DOI: 10.1093/acprof:oso/9780195341386.001.0001.
https://doi.org/10.1093/acprof:oso/97801...
; Miller, 2008MILLER, Vincent. New Media, Networking and Phatic Culture. Convergence, v. 14, n. 4, p. 387–400, 2008. DOI: 10.1177/1354856508094659.
https://doi.org/10.1177/1354856508094659...
).

Extrato 2

Mais operacional aí. O pessoal que acompanha tecnologia deve ter sentido uma estranheza quando eu falei isso porque faz tempo porque o Windows 10 tá disponível. Então parece que esse tutorial já sai meio velho. Mas o fato é que muita gente ainda usa o Windows 7 só que ele vai ter o suporte dele vai ser encerrado em 14 de janeiro de 2021.

Nesse trecho, o status deôntico do locutor do vídeo é afirmado, pois ele apresenta-se como alguém capaz de comunicar uma informação válida, ou seja, alguém que “entende de tecnologia” e, portanto, habilitado a emitir um veredito, ainda que não-oficial (Austin, 1975AUSTIN, John Langshaw. How to Do Things with Words. Oxford: Oxford University Press, 1975. ISBN 9780198245537. DOI: 10.1093/acprof:oso/9780198245537.001.0001.
https://doi.org/10.1093/acprof:oso/97801...
; Labinaz; Sbisà, 2021LABINAZ, Paolo; SBISÀ, Marina. The problem of knowledge dissemination in social network discussions. Journal of Pragmatics, v. 175, p. 67–80, 2021. ISSN 0378-2166. DOI: 10.1016/j.pragma.2021.01.009.
https://doi.org/10.1016/j.pragma.2021.01...
). O público é, então, encorajado a confiar no julgamento do autor do vídeo para uma tomada de decisão futura (atualizar ou não o sistema operacional), legitimando-o, assim, como uma autoridade não-oficial acerca do tema abordado no vídeo.

Observa-se, ainda, no trecho, que possíveis objeções quanto à legitimidade da informação comunicada no vídeo são antecipadas e/ou previamente refutadas pelo locutor (pessoal que acompanha tecnologia deve ter sentido uma estranheza quando eu falei isso. Mas o fato é muita gente ainda usa o Windows 7, ele vai ter o suporte dele vai ser encerrado em 14 de janeiro de 2021). Na mesma direção, a utilidade prática do tutorial é ressaltada, já que o argumento acerca da necessidade de atualização do Windows 10, tema central do tutorial, é fortalecido (o suporte dele vai ser encerrado em 14 de janeiro de 2021). Esse aspecto também ressalta o caráter “pronto para uso” do tutorial, reforçando a ideia de que os vídeos atuam para ajudar a audiência a resolver problemas de forma rápida e eficaz, ou seja, são centrados no caráter instrumental de seu conteúdo.

Extrato 3

A gente agora vai mostrar rapidinho como se faz porque realmente é muito simples. Primeiramente, vamos começar falando dos ingredientes que você precisa para fazer essa atualização.

Como pode ser observado, o Extrato 3 é construído para reforçar a centralidade temática do tutorial. Para fazer isso, o objetivo (ou a utilidade) do vídeo é novamente destacado: A gente agora vai mostrar rapidinho como se faz. Em seguida, o caráter procedimental do tutorial é ratificado por meio da analogia a uma receita, sugerida pelo emprego do termo “ingredientes”, bem como pela apresentação de seus passos sequenciais, indicados, principalmente, pelo uso de “primeiramente”. Esses elementos também contribuem para que a audiência reconheça a credibilidade do locutor do vídeo como alguém que comunica uma informação válida, útil e acessível, fatores importantes em tutoriais em geral (Tarquini; McDorman, 2019TARQUINI, Gianna; MCDORMAN, Richard. Video Tutorials: An Expanding Audiovisual Genre. The Journal of Specialised Translation, v. 32, p. 146–170, 2019.).

Dois atributos importantes para caracterizar um vídeo tutorial são ainda empregados nesse trecho: “muito simples” e “rapidinho”. Ambos remetem à eficácia desse tipo de comunicação, associada ao benefício direto esperado pela audiência, que deve ser atingido sem muito dispêndio de tempo ou de energia (Xie; Yus, 2021XIE, Chaoquin; YUS, Francisco. Approaches to Internet Pragmatics: Theory and Practice. [S. l.]: John Benjamins Publishing Company, 2021. v. 318.). De forma similar, o emprego de “a gente” e “rapidinho” são também dignos de nota por assinalarem um tom informal e íntimo à interação, correspondendo ao que é classificado como “informação social”, ou seja, ligada ao caráter fático, presente na comunicação de informação (Zuckerman, 2016ZUCKERMAN, Charles. Phatic Violence? Gambling and the Arts of Distraction in Laos. Journal of Linguistic Anthropology, v. 26, n. 3, p. 294–314, 2016.). Esse aspecto também pode ser observado em:

Extrato 4

A gente vai dar uma mencionada nisso tudo aqui daqui a pouco. Detalhe: se seu Windows é pirata e é craqueado, é provável que vai aparecer isso aqui igual e na hora da atualização a Microsoft vai pegar.

Nesse ponto, a afirmação A gente vai dar uma mencionada nisso tudo aqui (relativa às configurações do sistema operacional), representa uma interrupção do tópico central do tutorial (a atualização do sistema operacional), bem como o anúncio de sua retomada em breve (daqui a pouco). Empregado para potencialmente garantir que o espectador identifique a conexão entre temas diferentes e possa, portanto, mais facilmente acompanhar o vídeo, esse trecho também incentiva a afiliação da audiência, que é encorajada a permanecer conectada até o final do tutorial, ou, ao menos, até um ponto mais adiante de sua transmissão.

Em seguida, o trecho Detalhe: se seu Windows é pirata e é craqueado, é provável que vai aparecer isso aqui igual e na hora da atualização a Microsoft vai pegar realça a relevância do caráter injuntivo do vídeo tutorial, ou seja, uma vez mais, destaca a sua utilidade prática, ligada ao "como fazer". Ao mesmo tempo, o locutor imprime a si mesmo o status de alguém apto para aconselhamentos e para emissões de alertas sobre como seus seguidores devem (ou não) agir, destacando, novamente, sua autoridade não-oficial sobre o tema do tutorial.

Também é digno de nota o fato de que o termo “detalhe” remete ao próprio discurso do locutor, (um detalhe acerca do que eu vou dizer nesse vídeo), ou seja, consubstancia o emprego de estratégias meta-discursivas e pragmáticas ligadas à validade do que é dito e, principalmente, do como é dito (Austin, 1975AUSTIN, John Langshaw. How to Do Things with Words. Oxford: Oxford University Press, 1975. ISBN 9780198245537. DOI: 10.1093/acprof:oso/9780198245537.001.0001.
https://doi.org/10.1093/acprof:oso/97801...
). Ademais, ao lado da expressão “detalhe”, o uso de se seu Windows é craqueado aponta para elementos que, segundo Hazaparu (2015HAZAPARU, Marius-Adrian. Phatic Uses of Language in Print Media Discourse: Designing a New Model for Reader Engagement. Journal of Humanistic and Social Studies, Editura Universității Aurel Vlaicu, v. 6, n. 1, p. 77–9, 2015.), indicam atenção destinada à audiência (seu Windows), bem como familiaridade com os termos informais da área (craqueado). Em combinação, esses componentes também atuam para promover faticidade, potencialmente permitindo que laços com a audiência sejam forjados com vistas à consecução de um objetivo transacional específico (Spencer-Oatey, 2007SPENCER-OATEY, Helen. Theories of Identity and the Analysis of Face. Journal of Pragmatics, v. 39, n. 4, p. 639–656, 2007. ISSN 0378-2166. DOI: 10.1016/j.pragma.2006.12.004.
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), nesse caso, instalar a atualização de um sistema operacional.

Extrato 5

Agora vamos finalmente realmente pôr a mão na massa para ver a instalação como se faz. Primeiro passo, vou acessar aqui de novo porque já tem um cadinho.

No Extrato 5, os adverbiais “agora”, “finalmente” e “cadinho” situam a audiência tanto na temporalidade do próprio vídeo, como também no percurso da fala de seu autor. Nesse sentido, eles contribuem para tornar o vídeo tutorial mais acessível, mediante a apresentação de uma linha temporal facilmente seguida. Ressalta-se ainda a tentativa de reforçar a face positiva dos interlocutores, promovendo engajamento e afiliação por meio do trabalho relacional, o que fica também saliente no uso de termos indicativos de proximidade social e/ou de informalidade, tais como “pôr a mão na massa” e “cadinho”, além do emprego do intensificador “realmente”, que serve para reforçar a validade do conteúdo comunicado.

Como observado até aqui, é importante salientar que, mediante os extratos analisados nesta seção, a comunicação informacional apresenta um componente fático, que incide no alinhamento relacional dos interlocutores, mesmo que eles estejam apenas virtualmente conectados, ou sejam presumidos. Dito de outro modo, ao promover as condições necessárias para a comunicação de conteúdo informacional, ou seja, ao perseguir os objetivos transacionais da interação virtual, o componente fático é destacado pelos locutores dos vídeos, ainda que a audiência não esteja fisicamente presente, ou esteja apenas abstratamente definida. Na próxima seção, faremos uma breve discussão dos dados apresentados, antes de nos encaminharmos para as considerações finais do estudo.

Discussão

Embora o conceito de faticidade e de pertencimento a uma comunidade digital estejam essencialmente correlacionados com a noção de convencionalização, na medida em que “quanto mais convencional for o significado de uma expressão particular, menos diretamente relacionado ele estará com a polidez individualizada” (House, 1989, p. 176HOUSE, Juliane. Politeness in English and German: The Functions of Please and Bitte. In: BLUM-KULKA, Shoshana; HOUSE, Juliane; KASPER, Gabriel (ed.). Cross-Cultural Pragmatics: Requests and Apologies. Norwood: N.J. Press, 1989. p. 96–119.), nossos dados sugerem que houve espaço para algum grau de criatividade nos vídeos que constituem o corpus deste estudo. Conforme atestado em nossa análise, ao emitir vereditos não-oficiais, os locutores dos vídeos empregaram recursos linguísticos idiossincráticos, ligados à busca pela facticidade, tais como o uso de intensificadores e as marcas de postura avaliativa. Ademais, as variadas expressões de postura positiva, por eles manifestas, também sugerem que a criatividade verbal é uma função do esforço acentuado dos locutores dos vídeos para simbolicamente retribuírem à audiência pelo engajamento social nos vídeos, atestado pelo grande número de visualizações que eles receberam.

Quanto aos elementos ligados aos atos de fala vereditivos, em específico, foi possível identificar as estratégias linguísticas empregadas para reafirmar o status deôntico do locutor, que visavam afirmá-lo como um detentor de conhecimento válido, autorizando a emissão de vereditos, ainda que não-oficiais. Em conjunto, esses aspectos podem estar subjacentes ao êxito dos tutoriais aqui examinados, listados entre os mais visualizados do YouTube, conforme mencionado anteriormente neste texto. A seguir, serão tecidas as considerações finais deste estudo.

Considerações finais

Este texto objetivou lançar luz sobre o componente fático e relacional, presente na comunicação de informação, especificamente por meio de vídeos tutoriais. Na tentativa de investigar esse tema, foram analisados quatro vídeos, listados entre os mais visualizados no YouTube em 2020. Destinados à resolução de problemas práticos na área de informática básica, que afetam o usuário comum, tais como a atualização de sistemas operacionais, esses vídeos foram produzidos por amadores, que emitiram vereditos não-oficiais.

Ao fazerem julgamentos e produzirem avaliações sobre o tema dos tutoriais, os locutores procuraram garantir a credibilidade do conhecimento comunicado, comprometendo-se explicitamente com a validade das informações veiculadas. Eles também lançaram mão de elementos ligados à faticidade e à polidez, empregados para evitar imposições e ameaças diretas de face, além de também servirem para antecipar possíveis objeções e encorajarem a filiação e o pertencimento de grupo. Diante desses elementos, nossos resultados indicam que a faticidade, em combinação com as noções de polidez, contribui para o engajamento social da audiência, ainda que esta seja constituída em abstrato. Nesse sentido, uma implicação importante deste estudo é que a criação e a manutenção de laços sociais são importantes para o êxito da comunicação de informação não-oficial, haja vista o alto número de visualizações dos referidos vídeos.

Outra implicação importante é que, nos extratos apresentados na análise, foi possível identificar pelo menos três elementos ligados à comunicação fática e à polidez. O primeiro, de caráter instrumental, é associado à explicitação da utilidade e da praticidade do tutorial. Afirmados em vários trechos dos vídeos, esses aspectos incentivam a audiência a engajar-se, ao anteciparem um benefício imediato, ligado à solução rápida de problemas específicos. O segundo elemento, associado à explicitação da conexão entre os tópicos apresentados no vídeo, assinala a tentativa de encorajar o público a permanecer conectado e a seguir os passos indicados, evitando o abandono da audiência e a consequente diminuição nos índices de visualização. O terceiro componente é relativo ao emprego de linguagem informal e criativa, e de termos de filiação, em que o público é diretamente evocado, o que potencialmente objetiva gerar proximidade e pertencimento social, valorizando o trabalho relacional. Em conjunto, esses elementos confirmam a nossa hipótese inicial de que, nos vídeos tutoriais do YouTube analisados, o objetivo da comunicação de informação também está ligado ao estabelecimento e ao fortalecimento de conexões sociais, necessárias para que o conteúdo informacional possa ser comunicado, mas também atingindo engajamento social e, como consequência, o maior número de visualizações possível.

Finalmente, é importante salientar que, tendo em vista que os vídeos tutorias permitem não apenas comunicar conhecimento não-oficial, por meio da emissão de vereditos, mas também estreitar a comunicação com uma audiência em abstrato, formada por estranhos, a criação de laços fáticos parece ser fator substancial. Nesse sentido, acreditamos que nossos resultados possam abrir caminhos para que novas pesquisas surjam em áreas interfaciais à faticidade e à comunicação de conhecimento, dentro e fora do ambiente dos vídeos tutoriais do YouTube. Consideramos serem esses temas importantes para o pesquisador interessado em melhor entender a comunicação de conteúdo informacional nas mais variadas formas em que ela se apresenta na contemporaneidade.

Agradecimentos

Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico - CNPq. Processo número: 309492/2020-3.

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Editor de seção:

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    24 Jul 2023
  • Aceito
    20 Set 2023
  • Publicado
    07 Nov 2023
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