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O que se pode aprender com a "MTV de papel" sobre juventude e sexualidade contemporâneas?

What can we learn with the "MTV on paper" about contemporary youth and sexuality?

Resumos

Fundamentando-se em pressupostos da teorização cultural contemporânea, o artigo problematiza um artefato cultural específico - a revista MTV, Music Television - para discutir possíveis relações entre educação, cultura de mídia, juventude e sexualidade. Essa revista é analisada, aqui, como fazendo parte de uma pedagogia cultural - o "mundo MTV" - que produz significados, ensina determinados comportamentos e os institui como sendo comportamentos juvenis adequados. Argumenta-se que problematizações como essas podem ser produtivas para se pensar como os artefatos culturais - revistas, programas de televisão e filmes, por exemplo - estão ajudando a constituir formas de ser e viver a sexualidade e a juventude, na contemporaneidade.

estudos culturais; educação; mídia; sexualidade; juventude


Based on presuppositions of contemporary cultural theory, this article problematises a specific cultural artefact - the magazine MTV Music Television - as a means of discussing possible relations between education, media culture, youth and sexuality. The magazine is analysed as constituting a cultural pedagogy - the MTV "world"-, which produces meanings and teaches certain behaviours that are, in turn, established as youth-appropriate. The article argues that problematisations like these can be productive for thinking about how cultural artefacts - magazines, television programmes and films, for example - are helping to constitute forms of being and living sexuality and youth, in the contemporary world.

cultural studies; education; media; sexuality; youth


ARTIGOS

O que se pode aprender com a "MTV de papel" sobre juventude e sexualidade contemporâneas?* * Versão modificada e ampliada de trabalho apresentado por Rosângela F. Soares no IV Seminário de Pesquisa em Educação da Região Sul, realizado em Florianópolis (SC), de 26 a 29 de novembro de 2002.

What can we learn with the "MTV on paper" about contemporary youth and sexuality?

Rosângela de F. R. Soares; Dagmar E. Estermann Meyer

Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Faculdade de Educação

RESUMO

Fundamentando-se em pressupostos da teorização cultural contemporânea, o artigo problematiza um artefato cultural específico - a revista MTV, Music Television - para discutir possíveis relações entre educação, cultura de mídia, juventude e sexualidade. Essa revista é analisada, aqui, como fazendo parte de uma pedagogia cultural - o "mundo MTV" - que produz significados, ensina determinados comportamentos e os institui como sendo comportamentos juvenis adequados. Argumenta-se que problematizações como essas podem ser produtivas para se pensar como os artefatos culturais - revistas, programas de televisão e filmes, por exemplo - estão ajudando a constituir formas de ser e viver a sexualidade e a juventude, na contemporaneidade.

Palavras-chave: estudos culturais, educação, mídia, sexualidade, juventude

ABSTRACT

Based on presuppositions of contemporary cultural theory, this article problematises a specific cultural artefact - the magazine MTV Music Television - as a means of discussing possible relations between education, media culture, youth and sexuality. The magazine is analysed as constituting a cultural pedagogy - the MTV "world"-, which produces meanings and teaches certain behaviours that are, in turn, established as youth-appropriate. The article argues that problematisations like these can be productive for thinking about how cultural artefacts - magazines, television programmes and films, for example - are helping to constitute forms of being and living sexuality and youth, in the contemporary world.

Key-words: cultural studies, education, media, sexuality, youth

Educação, cultura e sexualidade juvenil: um recorte necessário

James Donald (apud Ellsworth, 2001, p. 71) afirma que "os educadores podem aprender algo sobre educação ao estudar a cultura popular". Da mesma forma, analisando as relações entre a cultura juvenil e a crescente globalização da mídia e suas relações com a escolarização, Bill Green e Chris Bigun (1995, p. 214) afirmam que uma "nova" identidade juvenil está emergindo e que devemos pensá-la "a partir do nexo entre a cultura juvenil e o complexo global crescente da mídia". Ou seja, o contexto no qual se processa a construção discursiva e social da juventude inclui a experiência da escolarização, mas não se limita a ela, incluindo o contexto cultural mais amplo, como a cultura do rock, os meios de comunicação de massa e outros espaços pedagógicos. O presente trabalho compartilha da discussão desses autores, ao problematizar um artefato cultural específico - a revista MTV, Music Television - para discutir possíveis relações entre educação, cultura da mídia, juventude e sexualidade.

A revista MTV, Music Television é o mais jovem dos produtos com a marca MTV. Seu lançamento ocorreu em março em 2001, sendo que apenas a MTV Brasil possui uma revista. Essa revista - tomada aqui como um artefato cultural que produz significados, ensina determinados comportamentos aos(às) jovens e os institui como sendo "os" comportamentos adequados - constitui o corpus a partir do qual pretendemos descrever e discutir relações entre juventude e sexualidade na cultura da mídia contemporânea. A nosso ver, tal discussão pode ser produtiva para pensarmos como os artefatos culturais - revistas, programas de televisão e filmes, por exemplo - estão ajudando a constituir formas de ser e viver a sexualidade e a juventude, na contemporaneidade.

Para encaminhar a discussão proposta, delineamos a seguir o campo teórico-metodológico que lhe dá suporte e apresentamos a revista em foco, no contexto mais amplo daquilo que constitui o "mundo MTV".

Possíveis relações entre teorizações culturais contemporâneas e educação

Os argumentos dos autores com que iniciamos este artigo, inscrevem-se em um amplo espectro de estudos que ressignificaram, ampliaram e/ou complexificaram noções como linguagem, cultura, currículo e pedagogia, tal como estas vinham sendo enfocadas no âmbito das discussões desencadeadas pelas Teorias Educacionais Críticas, desde os anos de 1970. Nestes campos de estudo, reunidos sob a denominação genérica de Teorias Educacionais Pós-Críticas, a produção do conhecimento e das práticas sociais e culturais a ela vinculadas é entendida como um movimento sempre provisório, inserido e imbricado em relações de poder, cujo produto (a verdade sobre a juventude ou a sexualidade juvenil, por exemplo) está circunscrito ao espaço daquilo que é possível em um dado contexto histórico, social, cultural e lingüístico. Ou seja, trabalha-se, nesta perspectiva, com o pressuposto de que nada é natural, nada está dado de antemão e tudo pode, por isso, ser problematizado.

No contexto dessa teorização, a linguagem - em sentido amplo - é posicionada como sendo a instância privilegiada da produção dos sentidos que atribuímos ao mundo e a nós mesmos e, a partir dessa perspectiva, ela funciona como um elemento central da organização social e da cultura. A compreensão de que a linguagem é um locus de produção de sentidos a serem compartilhados implica compreender, também, que este é um processo ativo, conflitivo, instável e dinâmico, profundamente enredado em relações de poder. A linguagem é, pois, fruto de relações de poder, gera efeitos de poder e está intrinsecamente relacionada e implicada com a produção daquilo que reconhecemos como sendo nós e eles, certo e errado, igual e desigual, equivalente e diferente; ou seja, a linguagem está implicada com a produção das identidades e das diferenças, das hierarquizações e das desigualdades dentro e entre diferentes sociedades e/ou culturas, e é com esse sentido que o conceito é utilizado neste trabalho.

Na perspectiva das teorizações pós-críticas, pode-se (ou deve-se), também, problematizar conhecimentos que sustentam noções estritas de uma dada separação entre natureza e cultura bem, como as idéias de homogeneidade, fixidez e herança biológica e cultural que subjazem a estas noções de natureza/biologia e cultura, ainda mobilizadas com freqüência no campo educacional. Entendida como um campo de luta e contestação, que envolve também, mas não apenas, os sentidos e práticas compartilhados por um dado grupo ou segmento social, cultura refere-se, aqui, aos "processos, categorias e conhecimentos através dos quais as comunidades são definidas (e se definem) de formas específicas e diferenciadas" (Donald & Rattansi, 1992, p. 4). Isso significa que, longe de limitar-se a englobar a totalidade das experiências compartilhadas pelos grupos, a cultura está implicada com as formas pelas quais tais experiências, práticas, crenças, tradições etc. são produzidas nos sistemas de significação, estruturas de poder e instituições sociais.

A teorização cultural tem afirmado, também exaustivamente, que as possíveis respostas à pergunta Quem e o que nós somos? - enquanto corpo e enquanto sujeito - que nos é colocada, cotidiana e reiteradamente, pelas diversas instâncias culturais contemporâneas, se definem nas mesmas relações que nos permitem reconhecer o que nós não somos, e a operação de poder que está envolvida nestas definições nos posiciona de diferentes formas, em diferentes lugares, com diferentes efeitos, nas sociedades e grupos em que vivemos.

Silva (2000, p. 76) é, no Brasil, um dos autores que defende a necessidade de termos uma "teoria da diferença e da identidade" que nos permita operar com a diferença, considerando-a "não simplesmente como resultado de um processo, mas como o processo mesmo pelo qual tanto a identidade quanto a diferença - compreendida aqui como resultado - são produzidas". Nessa perspectiva, diferença e identidade são tomadas como sendo culturalmente produzidas, e não naturalmente dadas; e, ainda, são consideradas como sendo relacionais e mutuamente dependentes porque, para existir, a identidade fundamenta-se em algo externo, sobre outra identidade que ela não é - o "outro", ou a "diferença". Isso significa entender que a identidade é marcada pela diferença, sendo ambas produzidas, ao mesmo tempo, no interior de processos de diferenciação, cujos resultados são, exatamente, a diferença e a identidade. O corpo é tomado, aqui, tanto como um operador quanto como um território importante dos processos de diferenciação, e isso é ainda muito mais evidente e significativo quando se trata de discutir questões relativas à sexualidade e ao gênero, em sua relação com a juventude, por exemplo (Meyer, 2001). Tornar-se hétero ou homossexual, ou homem e mulher, envolve aprendizagens profundamente inscritas no corpo, aprendizagens essas que são invisibilizadas e apresentadas como comportamentos normais, "naturalmente" decorrentes de uma dada anatomia sexual e/ou de uma dada configuração hormonal que marcaria estes corpos com determinadas identidades sexuais e de gênero desde o nascimento.

Como operador e como território, o corpo está, pois, centralmente envolvido tanto nos processos de classificação e hierarquização social e cultural das diferenças quanto nos processos que buscam definir e fixar identidades de gênero e sexual. Os pressupostos biologicistas e psicologizantes que dão suporte à maioria das teorizações acerca da sexualidade humana utilizadas no campo da educação, no entanto, fazem com que esse corpo operador/território seja pouco problematizado. Ele é apresentado como "sendo ou tendo um dado sexo e um dado gênero", que seriam definidos, de uma vez para sempre, desde o nascimento (segundo a biologia), ou nos primeiros anos de vida (segundo vertentes da psicologia).

Mas se, como enfatizamos anteriormente, identidade e diferença são produzidas e posicionadas discursivamente em relações sociais e culturais, que estão longe de ser simétricas, sua definição depende das relações de poder que estão em ação nos sistemas de significação. Assim, a questão central a ser feita não é porque um é "heterossexual" e outro é "homossexual", por exemplo (o que levaria à constatação de uma diversidade naturalmente dada), mas perguntar-se quais são os mecanismos que permitem produzir a heterossexualidade como sendo a norma (a medida do aceitável e do desejável) e a homossexualidade como desviante. Norma, desvio e risco de tornar-se desviante - noções correntes quando se trata de discutir sexualidade e gênero - são fortemente marcadas por relações de poder que envolvem, basicamente, sistemas de classificação e formas de inserção social, envolvem processos discursivos, simbólicos e sociais, os quais nomeiam, descrevem, classificam e/ou hierarquizam práticas e sujeitos. Envolvem, portanto, os meios pelos quais damos sentidos a tais práticas e sujeitos sociais, definindo, por exemplo, quem é normal e quem é desviante, quem está saudável e quem está doente, o que é ser branco ou ser negro, o que é ser criança, jovem, adulto ou velho, gordo ou magro, homem ou mulher e, concomitantemente, os modos pelos quais cada uma destas situações é, ou pode ser, vivida nas relações sociais.

Ao fazer essa conexão entre corpo, identidade e diferença, nesta abordagem teórica, é preciso não cair na armadilha de tentar fazer uma separação entre linguagem e aquilo que está fora dela. Admitir que existem processos e "coisas" naturais, físicas ou biológicas que preexistem à linguagem não significa dizer que elas não estão sujeitas à atribuição de sentidos, que estão fora dos processos de significação. Deste ponto de vista, o que passa a ser importante para a discussão não é aquilo que não pertence à linguagem, mas aquilo que o único recurso de significação que temos expressa precária e provisoriamente. No que se refere à identidade e à diferença, essas características da linguagem têm conseqüências importantes, pois, em sendo produções lingüísticas, elas são também marcadas pela indeterminação, pela fragmentação e pela instabilidade. É nesse sentido que se passa a usar a noção de identidades múltiplas, fragmentadas, mutantes. Nós somos muitas identidades, que vivemos ao mesmo tempo ou em tempos diferentes, muitas vezes de forma conflituosa, ao longo da nossa vida. Um argumento que se torna ainda mais complexo se considerarmos que nem mesmo o corpo, como vimos argumentando, que aprendemos a tomar como o reduto mais concreto de nossa identidade, escapa à significação. No contexto dessa argumentação, o culto à juventude, ou melhor, o orgulho de ser ou parecer jovem pode ser um exemplo de significados construídos no e sobre o corpo na contemporaneidade: o "culto ao corpo" para tornar-se jovem e belo é, ao mesmo tempo, "amplamente revelador de uma história que lhe é paralela, ou seja, aquela que redefine e conjura, sem cessar, a ociosidade, a doença, a feiúra e a velhice" (Sant'Anna, 1995, p. 13).

Teorizações como estas ampliaram, portanto, a noção do educativo para além dos espaços e dos processos formais de aprendizagem, chamando a atenção para o fato de que indivíduos e grupos aprendem, desde muito cedo, a ocupar e/ou a reconhecer seus lugares sociais por meio de estratégias tão sutis e refinadas que são, por vezes, muito difíceis de perceber. Essas aprendizagens envolvem um complexo de forças e de processos que incluem instâncias como os meios de comunicação de massa, os brinquedos, a literatura, o cinema, a música, e produzem, por exemplo, diferentes e conflitantes formas de conceber e de viver a juventude, o corpo e a sexualidade; de conceber e de se relacionar com as autoridades instituídas; de conhecer o eu e o outro, e que redefinem mesmo os modos com que temos teorizado os processos de ensino e aprendizagem.

Reconhecer isso não significa dizer que a escola deixou de ser uma instituição social intensamente disputada por diferentes movimentos sociais e políticos. Pelo contrário, ela continua sendo um importante espaço de aprendizagens específicas e diferenciadas que não podem ocorrer em outros locais, como também uma instituição que interfere, aprofunda ou fragiliza aprendizagens que fazemos em outras instâncias sociais - e decorre daí o conceito de pedagogias culturais. O conceito de pedagogias culturais remete, exatamente, para o reconhecimento e problematização da importância educacional e cultural da imagem, das novas tecnologias da informação, enfim, da relação entre educação e cultura da mídia nos processos de organização das relações sociais e na produção das identidades. Remete, também, para um importante deslocamento no qual o currículo se desvincula e se projeta para além da escola, o que impõe uma reconceptualização das próprias noções de escola, de currículo, de conhecimento escolar. É nessa direção que, em nosso ponto de vista, análises como a que empreendemos neste artigo, sobre as relações entre juventude e sexualidade na cultura MTV, podem ser produtivas. Elas podem contribuir, por exemplo, para se pensar/problematizar políticas e práticas educativas direcionadas aos jovens de nosso tempo, que envolvem questões de gênero, corpo ou sexualidade.

Apresentando o "admirável mundo MTV"

A MTV (Music Television) Network Inc. começou como produto da associação entre a Warner Communications e a American Express. Foi inaugurada, nos Estados Unidos, em 1º de agosto de 1981, como um canal para televisão a cabo e sistemas acessórios (Klein, 2002). Em 1985, a MTV Network transformou-se em propriedade da companhia Viacom International Inc. - um dos maiores grupos de comunicação existentes -, proprietário, além da MTV, da Nickelodeon, da Vídeo Hits One (VHI) e da Blockbuster, por exemplo (Loiola, 2001). Desde a primeira versão, a MTV objetivava atingir a faixa etária dos 14 aos 34 anos - público tradicionalmente difícil de ser atingido pela televisão. Uma das formas encontradas para alcançar tal objetivo foi o rock. Assim, nasceu a união desse gênero musical com um canal de televisão a cabo. Som e imagem, durante 24 horas, foram especificamente destinados ao público jovem (Rapping, 1994).

Além de divulgar produtos dos patrocinadores, a MTV, desde o início, divulgou a si mesma: "a primeira rede verdadeiramente de grife" (Klein, 2002, p. 67). "Para nós, a MTV era a estrela", palavras de Tom Freston (apud Klein, 2002, p. 68), fundador da rede e autor do empreendimento que transformou uma emissora de TV em uma marca.1 1 De acordo com Klein (2002), a marca é um meio de vida, um conceito, um conjunto de valores construído sobre um determinado produto. A autora estabelece a seguinte diferença entre marca e publicidade: marca é a construção de significados, o sentido essencial da corporação moderna, enquanto publicidade é o veículo utilizado para levar esse sentido ao mundo. Os patrocinadores não apenas anunciam na MTV, mas assumem a "cara da MTV", um tom irreverente, ousado e com bom humor, numa espécie de associação de marcas famosas. É interessante apontar que essa tendência de divulgar a si mesma, embora não seja mais uma exclusividade da MTV, é ainda um traço presente no site, na emissora e na revista. Um exemplo de divulgação da MTV na revista é o bloco Bastidores, cujas matérias abordam desde acontecimentos cotidianos, como, por exemplo, o local onde os funcionários e os dirigentes da MTV fazem seus lanches, ou os bastidores do Video Music Brasil (VMB), acontecimento em que ocorre a premiação da MTV aos melhores videoclipes do ano.

A MTV, de acordo com Naomi Klein (2002), é uma marca que pretende "fabricar" uma cultura juvenil global. Na perspectiva do mercado, a parcela juvenil tem uma participação tão decisiva que Klein afirma que, desde os anos de 1990, o marketing vem constituindo uma terceira nacionalidade em relação à juventude: "não americana, nem local, mas que una as duas, através das compras" (p. 144).

E de que forma a MTV se relaciona a isso? As afirmações de Klein sobre o mercado global juvenil apóiam-se nos resultados da pesquisa Estudo do Adolescente no Novo Mundo, realizada em 1996 e dirigida pela divisão BrainWaves da agência de publicidade de Nova York DMB?tB. O levantamento, feito com 27.600 adolescentes de 15 a 18 anos em 45 países, concluiu que a MTV era um dos fatores mais significativos para os gostos e comportamentos compartilhados pelos adolescentes de classe média que participaram de tal pesquisa.

Além de pertencer à categoria consumidor e, portanto, corresponder a um público de classe média, o(a) jovem também deve refletir o "Cidadão MTV" (Fridman, 2002, p. 183), um jovem que teria consciência profunda do seu lugar na sociedade. O tipo de juventude ao qual a emissora se dirige é descrito no editorial da revista MTV, Music Television, onde se lê:

Esta revista acredita que existe vida inteligente entre os jovens. Acredita que é possível falar de comportamento com seriedade, profundidade, humor e leveza. Acredita que tem muito mais coisa legal para ser dita do que fuxicar sobre a vida alheia. Esta revista - e as pessoas que trabalham nela - acreditam que a gente pode fazer diferença com nosso trabalho, nossas risadas, nossas dúvidas e principalmente nossas buscas. (Figueiredo, 2001a, p. 8)

Talvez a frase "faça a sua parte" sintetize o posicionamento dessa revista em relação aos temas sociais que aborda. As campanhas por ela promovidas exemplificam isso. Desde o número 5, houve um tema condutor em cada uma de suas edições,2 2 O tema de cada campanha aparece ao longo da revista nas aberturas visuais de cada bloco. Por exemplo, o tema do "Desperdício" consta na abertura (página que antecede a primeira matéria de cada bloco) do bloco "Bastidores", referindo-se à água pelas palavras "insípida, inodora, incolor e cada vez mais rara". Logo abaixo dessas palavras há um pequeno texto sobre a situação da água no Brasil e no planeta, acompanhado de uma imagem com moléculas de água. Por sua vez, na abertura do bloco "Diversão" aborda-se o desperdício de tempo, e assim sucessivamente. e o motivo para tal mudança corresponde aos seguintes argumentos:

[...] adoro essa coisa de ter na revista estas páginas visuais, assim mesmo meio loucas, bonitas. Viva a beleza, sempre, em tudo nesta vida. Mas começamos a achar que a beleza pela beleza estava ficando gratuita. Não queríamos ter uma série de páginas tipo "inútil paisagem", sabe? E assim, uma coisa levando a outra, resolvemos "usar" estas páginas melhor. [...] A cada mês um tema. Para começar, desperdício. [...] E acho mesmo que a gente não anda podendo desperdiçar nada, nem páginas, luz, água, saliva, nem nenhum tipo de energia, nem afeto, nem atenção, nem tempo. [...] O lance é concentrar. E acreditar. E cada um faz a sua parte. (Figueiredo, 2001b, p. 8)

Outro exemplo de campanha é a sobre a Boa Educação, expressa em imagens que retratam situações cotidianas no elevador, no trabalho, no restaurante, na fila de um lugar qualquer, no bar e no ônibus. Para simbolizar a falta de educação - ou o "outro" mal-educado -, é apresentada a figura de um homem pré-histórico, vestido com pele de animal, com um osso de algum animal na mão, o corpo coberto de pêlos, o cabelo comprido, desgrenhado e em completo desalinho, representando um homem sujo e que ocupa muito espaço. Ele é o foco da cena, e as outras pessoas que fazem parte da situação estão fora de foco. Cada cena é acompanhada de um texto intitulado "Manual de etiqueta Neanderthal", na realidade um manual anti-etiqueta, pois descreve comportamentos que devem ser evitados, tais como "entrar no elevador antes de os outros saírem, não dar bom-dia nem boa-tarde no trabalho, ser desconfiado, fazer intriga, falar alto no restaurante, fazer barulho tomando sopa, não deixar gorjeta, não ceder lugar para pessoas mais velhas na fila ou no ônibus, encoxar as mulheres, dar cantadas na recepcionista ou secretária". Estes são alguns exemplos dos diversos locais por onde circula o homem não-civilizado. É interessante destacar que essa edição veicula uma entrevista com Gabriel, o Pensador, que entre outras coisas afirma que o Brasil pode mudar a partir de "pequenas mudanças no dia-a-dia que a gente pode fazer, como [...] 'pagar imposto, ficar na fila'..." (Tordino et al., 2001, p. 28).

O "Cidadão MTV", além de considerar a MTV como uma referência para sua própria educação/aprendizagem, também deve ter uma perspectiva global. Tal perspectiva se torna mais evidente se levarmos em conta a abrangência da marca MTV. O título deste item, "Admirável mundo MTV", origina-se de uma matéria da revista MTV brasileira em que são apresentadas as MTV de outros países. O título é uma clara referência ao famoso romance de Aldous Huxley, Admirável mundo novo, de 1932, que se tornou um clássico do século XX. O romance narra uma história que se passa por volta do ano de 2500 e tem uma perspectiva pessimista em relação aos efeitos do progresso científico. Nessa obra, a sociedade é descrita pelo autor como homogênea, e as pessoas, como despersonalizadas. Na sociedade prenunciada por Huxley, entre outras coisas, o sexo não seria mais tabu, e sim o amor; a velhice deixaria de existir, todos seriam jovens e belos e teriam a ilusão de estarem vivendo em uma sociedade perfeita, na qual não seria possível falar em condição humana, pois os homens seriam, eles mesmos, máquinas (Semerene, 2002). Ignacio Ramonet (2002) afirma que o Admirável mundo novo é um "manifesto humanista" em oposição à sociedade stalinista, além de ser uma sátira à sociedade mecanicista e automatizada que já se prefigurava no cenário dos Estados Unidos, e à americanização do planeta.

Ao livro relaciona-se a matéria da revista, não evidentemente na mesma direção de Huxley. Os braços gigantes de uma emissora norte-americana, a homogeneização dos seus programas e da sua linguagem, a juventude, tanto do seu público como de seus VJs, são, para a MTV, um "lugar incrível", e não o pesadelo de Huxley. A matéria informa que, na atualidade, se assiste à MTV em todos os continentes. Dominando a tecnologia de transmissão televisiva mundial, uma linguagem juvenil e produtos culturais relativos à geração jovem, a MTV Network Inc. completou 20 anos em 2001 como "uma das maiores marcas jovens de multimídia do mundo - além da TV, lança CDs, filmes, livros e revista - e pode ser vista em mais de 350 milhões de lares, 140 países e em 17 idiomas" (Cruz, 2001, p. 78). A dimensão global da linguagem MTV refere-se a uma nova linguagem televisiva implementada pela rede, com planos curtos e rápidos, clipes, fragmentos, poses provocativas e sensuais (Marín, 2000). Inclusive é possível, na revista, observar tal linguagem, tanto na abordagem dos temas como nas imagens veiculadas por ela.

Há uma similaridade da linguagem da MTV nos vários locais onde ela é assistida, conforme uma matéria da revista MTV sobre os(as) VJs de outros locais, no intercâmbio World Chart Express. Informa a matéria que o programa Top 20 Brasil apresenta, a cada semana, um(a) VJ de outra MTV, que exibe, em seu idioma, com legendas, os clipes mais tocados de sua região ou país. "Portanto, não se assuste quando Ruth, Ivete, [...] Teppei ou um Fulanov, Beltranelli ou Sicranischen qualquer aparecer na sua tela, se dizendo VJ. Ele é, sim! Só não fala a sua língua. Mas que fala a língua da MTV, ah, isso a gente garante que fala" (Loiola, 2001, p. 82). Fica evidente que há uma linguagem que não se perde de vista e que é combinada aos diversos estilos das programações locais. É possível relacionar isso às afirmações de Stuart Hall (1997) sobre o processo de globalização. Diz ele que talvez ocorram muito mais identificações que incorporam tanto o global quanto o local do que propriamente a produção de uma cultura uniforme e homogênea que possa ser identificada como "a" cultura global. De acordo com Hall, o global não está, necessariamente, substituindo o local; o mais interessante seria

[...] pensar numa nova articulação entre "o global" e "o local". Este "local" não deve, naturalmente, ser confundido com velhas identidades, firmemente enraizadas em localidades bem delimitadas. Em vez disso, ele atua no interior da lógica da globalização. [...] É mais provável que ela vá produzir, simultaneamente, novas identificações "globais" e novas identificações "locais". (p. 83-84)

E como se combinam esses domínios - global e local - na cultura MTV? Tal perspectiva está estabelecida nos princípios da emissora, que tem uma estrutura e uma padronização mundial aliada a um espaço para a programação e decisões locais, pois, conforme a filosofia da empresa, deve-se "pensar globalmente e agir localmente". Cada afiliada adere ao estilo musical do país onde está estabelecida, organizando sua programação de acordo com a filosofia e a integridade da marca MTV, e, ao mesmo tempo, promovendo a cultura e os talentos locais (Uflacker, 1992).

Com a MTV Brasil, foi inaugurada a primeira emissora brasileira direcionada exclusivamente ao público jovem, com uma estrutura segmentada. A emissora brasileira, desde o início, em 1990, incluiu tanto videoclipes quanto outros tipos de programas. Um dos motivos para isso, comenta Zeca Camargo (1995), foi o fato de o número de bandas existentes no Brasil, comparado ao dos Estados Unidos, ser muito menor; assim, a MTV Brasil tentou cobrir tal ausência de videoclipes com matérias sobre comportamentos sociais. Em conseqüência, a ênfase na abordagem de temas ligados ao comportamento social chegou a cobrir quase 40% da pauta de programação em 1995, o que foi considerado, por Camargo, como um grande acerto para a conquista de uma identificação forte com o público. Luis Carlos Fridman (2002) afirma que, em uma pesquisa encomendada pela central, a MTV do Brasil se posicionou em primeiro lugar nos critérios referentes ao conteúdo da programação e à aceitação da "marca MTV". Indica Fridman que em tais quesitos superou a própria MTV norte-americana. A revista MTV, Music Television é a única revista com a marca MTV e, portanto, é um bom exemplo para se analisar o que, e como, a cultura MTV ensina sobre juventude e sexualidade.

Juventude e sexualidade na MTV de papel

Uma das primeiras afirmações possíveis sobre a sexualidade e a juventude é a centralidade de ambas na nossa cultura. Juventude e sexualidade foram construídas por uma diversidade de discursos originados de diversos campos disciplinares, como a biologia e a psicologia, que propuseram como olhar, viver e pensar a sexualidade juvenil e como intervir nesse processo. A tal processo, controvérsias, discussões e preocupações não faltaram. Houve discordâncias e, algumas vezes, sobreposições, na nossa cultura, entre os campos disciplinares que se propuseram a dizer, afinal, o que é ser jovem na cultura ocidental e como os(as) jovens devem viver a sexualidade. Conforme Guacira Louro (2000a),

[...] a sexualidade vem sendo descrita, compreendida, explicada, regulada, saneada, educada, normatizada, a partir de várias perspectivas e campos disciplinares, constituindo-se em meio a propósitos e interesses igualmente variados. Não basta, contudo, descrevê-la ou demarcá-la como uma área multidisciplinar, é preciso reconhecer que essa foi - e é - uma área em disputa. (Louro, 2000a, p. 64)

A sexualidade é, então, central no pensamento ocidental (Weeks, 1999; Louro, 2000a), e essa centralidade parece ter um realce ainda maior quando é relacionada à juventude.

A juventude e a sexualidade, sob uma perspectiva cultural, não escapam à história. Como já indicamos anteriormente, nessa perspectiva as identidades juvenis e sexuais, tal como todas as identidades, são concebidas como sendo produções histórico-culturais, ou seja, sua universalidade e naturalidade são contestadas e problematizadas, uma vez que sua validade está limitada ou circunscrita à cultura na qual se inserem.

A centralidade da juventude na nossa cultura, no entanto, é parodoxal. Ela é objeto de desejo e de repulsa. Existe uma supervalorização da juventude e, portanto, manter-se jovem e bonito é um ideal da nossa sociedade. Phillip Ariès (1986) afirma que o século XX foi a era da adolescência e que ser jovem não é uma fase com determinada faixa etária, mas um ideal a ser alcançado. Ao mesmo tempo, a relação da cultura ocidental com a juventude parece ser feita de desconfiança, medo e repressão preventiva. A juventude é objeto de ambivalência, pois ela amedronta e atrai. Henry Giroux (1996a) afirma que, ao mesmo tempo em que a juventude é exaltada, ela é também demonizada, sendo que ambos os movimentos parecem muitas vezes se relacionar com a forma como os(as) jovens vivem ou devem viver sua sexualidade.

A idade parece ter um papel definidor na importância que a sexualidade ocupa na vida dos indivíduos. Vertentes da psicologia e da biologia defendem que é na juventude que a direção (ou a identidade) sexual vai se consolidar e fixar; além disso, a heterossexualidade é posicionada nessas vertentes como o desenlace não só desejado, mas normal. Assim, a heterossexualidade é concebida, nessas perspectivas, como sendo uma identidade acabada e pronta, que estaria em algum lugar, cabendo aos homens e mulheres incorporá-la conforme seu sexo biológico.

Contudo, se a sexualidade (a heterossexualidade) e a juventude são admitidas como naturais à nossa existência, por que são continuamente colocadas em discurso e por que se investe tanto nos corpos para inscrever neles essas marcas identitárias? Sobre isso, Guacira Louro (1999) observa que

[...] a heterossexualidade é concebida como "natural" e também como universal e normal. Aparentemente supõe-se que todos os sujeitos tenham uma inclinação inata para eleger como objeto de seu desejo, como parceiro de seus afetos e de seus jogos sexuais alguém do sexo oposto. Conseqüentemente, as outras formas de sexualidade são constituídas como antinaturais, peculiares e anormais. É curioso observar, no entanto, o quanto essa inclinação, tida como inata e natural, é alvo da mais meticulosa, continuada e intensa vigilância, bem como do mais diligente investimento. (p. 17)

As escolas podem ser um exemplo da reiteração dessa norma central, pois, de acordo com Louro (2002, p. 2), elas norteiam seus currículos e práticas a partir de um padrão único: "haveria apenas um modo adequado, legítimo, normal de masculinidade e de feminilidade e uma única forma sadia e normal de sexualidade, a heterossexualidade; afastar-se desse padrão significa buscar o desvio, sair do centro, tornar-se excêntrico". A escola nega outras sexualidades ou tenta "corrigi-las". Já a MTV parece colocar a sexualidade na tônica de seus debates e de sua programação. Em vista disso, talvez se pudesse (ou se devesse) identificar a MTV como sendo um espaço de maior aceitação de diversos comportamentos sexuais. Mas será esta a conclusão mais simples e imediata a que podemos chegar? Segundo Tamsin Spargo (1999), ao mesmo tempo em que há uma maior receptividade a esses comportamentos e uma popularização de gays e de lésbicas em diversos setores da mídia, também é possível constatar que persistem velhos preconceitos, que há um recrudescimento de valores morais conservadores e que novas crises estão sempre sendo geradas. Ao comentar essa reedição de preconceitos, ela os questiona:

[...] como nós sabemos o que faz uma atividade erótica boa e outra má? Isto significa uma ordenação divina, da natureza biológica ou convenção social? Podemos nós realmente estar certos que nossos próprios desejos e prazeres são normais, naturais, belos - ou que nós somos? Por que sexo importa tanto? (Spargo, 1999, p. 5, tradução nossa)

A compreensão da sexualidade em termos culturais não é imediata; assim como o gênero, parece simplesmente estar lá. Além disso, ela é colocada como o lugar principal de nossos desejos mais íntimos, "quem nós queremos, o que nós queremos e como nós queremos" (idem, p. 13, tradução nossa). A sexualidade se tornou o lugar da verdade do sujeito, um lugar visto como incontestável na expressão de um suposto eu íntimo e mais verdadeiro. Michel Foucault (1985) é um dos autores que contestou a perspectiva da sexualidade como biológica e íntima do indivíduo, ao priorizar análises que buscaram explorar os modos pelos quais os discursos e as instituições produziram conhecimentos sobre nossa sexualidade. O sexo não pode ser entendido como uma fundação biológica sobre a qual se agregariam aspectos culturais. A noção de sexo como dada e como o fundamento da identidade é, ela mesma, efeito de um regime discursivo da sexualidade. Foucault também rejeitou a idéia de que houve uma proibição em falar sobre o sexo. Na sua perspectiva, desde o século XIX, o que houve de fato foi uma proliferação de discursos sobre a sexualidade.

Se a sexualidade é continuamente colocada em discurso, há, segundo Spargo (1999), determinados períodos históricos em que ela se torna mais contestada e debatida. É nesses períodos que o domínio da vida erótica é abertamente politizado e renegociado. Acredita a autora que estamos vivendo um desses tempos e, por isso, a forma como entendemos e como vivemos nossa sexualidade é explorada em uma miríade de contextos.

Assim como a sexualidade, a juventude também tem sido continuamente colocada em debate. É possível afirmar que a partir das décadas de 1950 e 1960 a juventude ganha um estatuto próprio, ou seja, suas roupas, seu comportamento, sua música e sua linguagem distinguem-se em relação ao mundo adulto. Os jovens passaram a ocupar um lugar importante nos diversos campos discursivos, como o da ciência, o do Estado e o da Igreja, além de passarem a ser alvo do mercado (Louro, 2000b). Analisando o cinema como uma pedagogia cultural significativa, Louro afirma que a juventude brasileira tinha como referência de Modernidade, nos anos de 1950, os padrões de comportamento e de estética da juventude norte-americana, a qual se tornava, a partir dessa década, um mercado consumidor lucrativo e separado do mercado adulto. A juventude norte-americana dos anos de 1950, conforme crônica de Luiz Fernando Veríssimo (apud Louro, 2000b), podia ser "'transviada', desde que fosse transviada para dentro das lojas", ou seja, a rebeldia era interessante desde que rendesse dividendos.

Desde então, o fenômeno jovem não parou de crescer. Os anos de 1990 no Brasil, como demonstra Rosa Fischer (1996), marcam um crescimento massivo do mercado para o público jovem. Os "preferidos da mídia", como a autora os denomina, são freneticamente citados na literatura, seja mediante temas ou problemáticas jovens, como na peça de teatro Confissões de adolescente, seja mediante versões adaptadas de best-sellers, como Pés no chão e cabeça nas estrelas e A magia da comunicação, baseados nos livros O sucesso não ocorre por acaso e Comunicação global, do neurolingüista Lair Ribeiro. Por sua vez, nos jornais brasileiros, continua Fischer, pululam encartes direcionados aos jovens, tais como a Folhateen, da Folha de São Paulo. Além disso, Carícia, Capricho e Todateen são alguns dos títulos de revistas que se multiplicam nas bancas. Já na televisão, o assédio se verifica na criação sem precedentes de programas de auditório e de novelas, entre as quais o destaque é Malhação, da Rede Globo, no ar desde sua estréia, em 1995, até o momento. Ainda no que se refere à televisão, o destaque nessa década é a inauguração da MTV Brasil. E na década atual, a revista MTV, Music Television pode ser um exemplo de um produto totalmente direcionado a esse público.

Juventude e sexualidade - dimensões tão centrais de nossa cultura - são também centrais na MTV. Nessa emissora, os dois domínios parecem ser inerentes um ao outro, associados, confundidos, intrinsecamente "colados". A atuação da MTV no que se refere à sexualidade juvenil é abrangente, já que inclui campanhas como a da prevenção da AIDS, além de abordar diversos outros aspectos da sexualidade. A MTV é uma emissora que pretende se situar como referência para a juventude na área do comportamento, especialmente em relação à sexualidade. E, de uma certa forma, ela desempenha mesmo tal função. Há uma diversidade de programas com essa temática que compõem a programação da emissora, entre eles, o MTV Erótica, inteiramente dedicado ao tema da sexualidade (desde 2002, tal programa não está mais no ar; em seu lugar está Peep MTV, apresentado por Jairo Bouer, a "irreverente" Penélope Nova e a "romântica" Didi). Há ainda o Meninas Veneno, que tem como tema central a sexualidade e o comportamento das meninas.

A revista MTV, Music Television, em continuidade a essa perspectiva, dedica várias matérias à sexualidade e à juventude com a "cara da MTV". Essa revista pode, então, ser tomada como exemplo de um local de debates e de popularização da sexualidade, e também pode exemplificar o quanto esse domínio está, contemporaneamente, relacionado à juventude. Os processos culturais plurais em relação à sexualidade, tais como rituais, linguagens, fantasias, desejos, corpos, prazeres e comportamentos (Weeks, 1999), acontecem nos diversos blocos da revista, nos quais são veiculadas matérias sobre aspectos da vida juvenil. Além disso, a sexualidade parece permear outros contextos, como, por exemplo, em uma matéria sobre a história da música, quando se descreve que a relação entre a sexualidade e a música ocorre desde 1953, com a penetração do rock'n'roll na cultura americana, até 2001, com o funk carioca, que afirma que "um tapinha não dói" (Plasse e Gomyde, 2001).

Ao longo das páginas da revista, há várias matérias sobre a prevenção da aids e a importância de cada um fazer a sua parte:

[...] Não adianta se preocupar com o fim do mundo, com a ecologia, com a guerra, com sei lá o que, se na hora de transar, você transa sem camisinha. É básico! Então, vamos lá, chover no molhado, na boa: para mudar e melhorar o mundo, amigo, é bom a gente começar pela gente mesmo... A medida é o respeito com que a gente se trata. (Figueiredo, 2001c, p. 14)

Alguns dos aspectos ressaltados em relação à sexualidade dizem respeito aos encontros e aspirações dos(das) jovens. O interessante a observar nessas matérias é quais modelos são apresentados para os/as jovens. Uma seção que chama a atenção é a denominada Ele x Ela, que trata de histórias de vida de um jovem e uma jovem. Cabe registrar que o escolhido e a escolhida para tais matérias são sempre jovens definidos como "talentosos e interessantes", como os seguintes: na revista número 1 aparecem Maria Prata e Beto Strumpf. Ela faz faculdade de moda, tem sonhos de morar no Japão, já morou em Londres. Atualmente está trabalhando no São Paulo Fashion Week. Ele faz biologia na USP, foi surfista, adora restaurante japonês e gostaria de morar em Fernando de Noronha. "Ela não vê a hora de ir pro Japão. Ele é o cara que dá os ratinhos vivos pras cobras. Eles lêem esta revista" (Prata, 2001a, p. 48-49). Maria Del Castilho e Bruno Buarque estão na revista número 2. Ela é trapezista, nasceu no Panamá, aos 5 anos foi para Cuba, aos 9 para o Uruguai e aos 15 veio para o Brasil. Antes de entrar para a escola de circo, fez nado sincronizado, caratê, ginástica olímpica, dança e balé. Ele atua como percussionista e baterista e também como ator e cantor. Está ensaiando o novo musical de Chico Buarque e Edu Lobo, Cambaio. "Ela faz circo e quer viajar pelo mundo. Ele é percussionista e vai atuar num musical de Chico Buarque. Eles lêem esta revista" (Prata, 2001b, p. 60-61).

Na mesma direção, no bloco Corpo/Alma se conta a história de amor de dois jovens, Laura (22 anos) e Kiko (28 anos). Chama a atenção a seguinte parte: "A gente podia falar que ele é diretor de TV e ela produz eventos culturais, mas isso não importa aqui. O currículo dos dois, nesta sessão, inclui apenas dois anos e pouco de namoro (os dois não têm muita certeza). Não é o que importa?" (Prata, 2001c, p. 95). Como na outra seção, Laura e Kiko são jovens de sucesso que aparecem representando outros jovens.

Outra matéria específica sobre encontro entre jovens tem a seguinte chamada: "Diversão é tudo - De beijar na boca a dar a volta ao mundo. De saltar de pára-quedas a passear com a família. Festas, aventuras radicais, música, namoro. Quase 3.000 jovens, de todo o Brasil, contaram pra gente o que fazem pra se divertir" (Schmaedel, 2001, p. 84). Apesar de terem sido entrevistados milhares de jovens, eles não passam de estatísticas e sobre eles são feitas apenas algumas afirmações. O que se destaca na matéria são jovens do mundo artístico e da moda, como os/as jovens que ilustraram a coluna Ele x Ela. O que essas matérias permitem pensar é que, embora a MTV busque por meio de pesquisas aproximar-se do seu público alvo, há um(a) jovem ideal e talentoso(a) - a identidade juvenil - definido(a) como o que seria um(a) jovem MTV.

A forma como é apresentada a sexualidade na revista pode ser exemplificada, ainda, pela matéria sobre o "sexo normal", que tem a seguinte chamada: "Você não tem a fantasia de transar com cinco pessoas na casa das máquinas do seu prédio? Você não usa chicote e chantilly na cama? Será que você é normal?" (Sexo..., 2001, p. 98). Interessante aqui é a crítica do texto às representações da sexualidade nos filmes, na televisão, nas revistas; ou seja, o texto acusa a mídia de veicular idéias preconceituosas sobre a sexualidade e de produzir insegurança nos(nas) jovens. O texto acentua que "[...]o problema é que esse turbilhão de fantasias, essa suposta liberdade que rola nas revistas, tvs e rádios... será que rola na cama?" (Sexo..., 2001, p. 100). Na verdade, essas representações poderiam ser encontradas também em programas da própria MTV, embora ela procure se colocar acima da mídia em geral e, portanto, como um modelo para a juventude, uma marca para a cultura sexual juvenil. Esse aspecto talvez possa ser reforçado se levarmos em conta que a MTV se apresenta como uma emissora ousada e em permanente processo de mudança, e, na sua opinião, é isso que a distingue das outras emissoras:

[...] se um pai de família for congelado e voltar à vida ativa em 2010, uma certeza ele terá: ligando a TV na Globo no final da tarde, verá a novela das 6, a das 7, o Jornal Nacional e a novela das 8: o esquema "imexível" do Roberto Marinho. No entanto, se o mesmo acontecesse com o filho desse pai, ele fosse descongelado dali a um ano e ligasse na MTV, muita coisa teria mudado. A MTV é o canal mais mutante da televisão brasileira porque tem os pés fincados na música - que está sempre se transformando. Não bastasse estar apoiada sobre um solo tão dinâmico, como o pop e o rock, é ainda feita por jovens e para jovens - faixa etária que não é conhecida exatamente pelo amor às tradições e aos costumes. (Siqueira, 2001, p. 90)

Diversos autores e autoras, como Henry Giroux (1996b), Bill Green e Chris Bigun (1995) e Helena Abramo (1997), defendem que aquilo que se define como a problemática juvenil incorpora aspectos do momento histórico e representa uma espécie de lente de aumento sobre a crise cultural que caracteriza o mundo contemporâneo. O que é atribuído ao jovem - instabilidade, incerteza, mobilidade e transitoriedade- parece assumir conotações da cultura de amplo significado. O que Green e Bigun (1995, p. 209) registram é que a juventude necessita ser teorizada como um campo de contradições e discursos diversos. Tais afirmações fazem sentido para nós e por isso argumentamos que é potencialmente interessante e produtivo problematizar os produtos culturais como um espaço/meio onde se ensina e se aprende acerca de determinados modos de ser jovem e de viver a sexualidade, na atualidade.

Recebido em janeiro de 2003

Aprovado em março de 2003

ROSÂNGELA DE F. R. SOARES é professora assistente na Faculdade de Educação da UFRGS, pesquisadora do Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero (GEERGE) e doutoranda em educação na mesma instituição. Dentre suas publicações recentes destacam-se: Adolescência: monstruosidade cultural? Revista Educação & Realidade, Porto Alegre, v. 25, n° 2, p.151-159, jul./dez. 2000 e A vida em preto e branco: mídia e construção do eu. Revista Reflexão e Ação, v. 9, n° 2, p. 63-80, jul./dez., 2001. E-mail: rosangel@portoweb.com.br

DAGMAR E. ESTERMANN MEYER é professora Adjunta na Faculdade de Educação da UFRGS, doutora em educação, pesquisadora e atual coordenadora do Grupo de Estudos de Educação e Relações de Gênero (GEERGE) da mesma instituição. Dentre suas últimas publicações destacam-se Identidades traduzidas, cultura e docência teuto-brasileiro-evangélica no Rio Grande do Sul, publicado pela EDUNISC (Santa Cruz do Sul/RS) em 2000; As mamas como constituintes da maternidade: uma história do passado? Publicado em Mercado, FJ; Gastaldo, D; Calderón, C. Paradigmas y diseños de investigación cualitativa em salud. Uma antología Ibero-americana. Guadalajara: Universidad de Guadalajara /Universidad Autónoma de Nuevo Leon, em 2002 e Como conciliar humanização com tecnologia na formação de enfermeiras? Publicado na Revista Brasileira de Enfermagem, em jun/jul de 2002. E-mail: esterman.ez@brturbo.com

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  • *
    Versão modificada e ampliada de trabalho apresentado por Rosângela F. Soares no IV Seminário de Pesquisa em Educação da Região Sul, realizado em Florianópolis (SC), de 26 a 29 de novembro de 2002.
  • 1
    De acordo com Klein (2002), a marca é um meio de vida, um conceito, um conjunto de valores construído sobre um determinado produto. A autora estabelece a seguinte diferença entre marca e publicidade: marca é a construção de significados, o sentido essencial da corporação moderna, enquanto publicidade é o veículo utilizado para levar esse sentido ao mundo.
  • 2
    O tema de cada campanha aparece ao longo da revista nas aberturas visuais de cada bloco. Por exemplo, o tema do "Desperdício" consta na abertura (página que antecede a primeira matéria de cada bloco) do bloco "Bastidores", referindo-se à água pelas palavras "insípida, inodora, incolor e cada vez mais rara". Logo abaixo dessas palavras há um pequeno texto sobre a situação da água no Brasil e no planeta, acompanhado de uma imagem com moléculas de água. Por sua vez, na abertura do bloco "Diversão" aborda-se o desperdício de tempo, e assim sucessivamente.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      06 Nov 2006
    • Data do Fascículo
      Ago 2003

    Histórico

    • Aceito
      Mar 2003
    • Recebido
      Jan 2003
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