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A indústria cultural invade a escola brasileira

The cultural industry invades the Brazilian school

Resumos

Este artigo trata de uma das variáveis presentes no meio escolar que a cada dia ganha mais espaço nas áreas sociais -- a Indústria Cultural. Este termo conhecido desde 1947, através de Adorno & Horkheimer, com o lançamento da obra Dialética do Esclarecimento, denuncia que, nas relações de troca de mercadorias a que são reduzidas todas as relações sociais, o produto cultural perde seu brilho, sua unicidade, sua especificidade de valor de uso. Quando se transforma em um valor de troca, dissolve a verdadeira arte ou cultura.

Indústria Cultural; Escola


Culture Industry invades school: This article deals with the culture industry, which nowadays is a most effective influence on the school system and on several social areas. Coined by Adorno and Horkheimer in the Dialectic of Enlightenment in 1947, this term denounces that in the relations of exchanging merchandise into which all social relations are reduced the cultural work loses its luminosity, its uniqueness, its especific qualities as value of use. By becoming a value of exchange it consumes the real art and culture.

Culture Industry; School


A INDÚSTRIA CULTURAL INVADE A ESCOLA BRASILEIRA

ELIZIARA MARIA OLIVEIRA MEDRANO* * Psicóloga, membro do Grupo de Pesquisa "O Potencial Pedagógico da Teoria Crítica", PPGE, da UFSCar (coordenado pelos Profs Drs Bruno Pucci, Newton Ramos-de-Oliveira, Antonio A.S. Zuin e Renato Franco) e do Gepice (Grupo de Estudos e Pesquisa: Indústria Cultural e Educação) da Unesp/FCL/Ar, coordenado pela Profª Drª Leda Aparecida Pedroso. E-mail: eliziaram@hotmail.com

LUCY MARY SOARES VALENTIM** ** Pedagoga, mestranda no PPGE da UFSCar, Área de fundamentos da educação; integrante dos grupos de pesquisa: "O Potencial Pedagógico da Teoria Crítica", UFSCar; e do Gepice da Unesp/FCL/Ar. E-mail: jalumatim@hotmail.com

RESUMO: Este artigo trata de uma das variáveis presentes no meio escolar que a cada dia ganha mais espaço nas áreas sociais ¾ a Indústria Cultural. Este termo conhecido desde 1947, através de Adorno & Horkheimer, com o lançamento da obra Dialética do Esclarecimento, denuncia que, nas relações de troca de mercadorias a que são reduzidas todas as relações sociais, o produto cultural perde seu brilho, sua unicidade, sua especificidade de valor de uso. Quando se transforma em um valor de troca, dissolve a verdadeira arte ou cultura.

Palavras-chave: Indústria Cultural, Escola.

A Educação no Brasil tem sido alvo de muitos estudos e pesquisas no sentido de não só descobrir seus problemas, mas, também, contribuir para a solução dos mesmos. Este trabalho procura revelar uma pequena parte da escola na sua imanência e levantar alguns pontos para reflexão dos educadores e interessados na educação brasileira.

Segundo Otaíza de O. Romanelli (1986, p. 23), a educação no Brasil é profundamente marcada por desníveis e, por isso, a ação educativa se processa de acordo com a compreensão que se tem da realidade social em que se está submerso. Nesse processo, dois aspectos se distinguem: o gesto criador ¾ que resulta do fato de o homem "estar-no-mundo e com ele relacionar-se" transformando-o e transformando-se; e o gesto comunicador ¾ que o homem executa e, assim, transmite a outros os resultados de sua experiência. Desta forma, na medida em que se transforma, pelo desafio que aceita e que lhe vem do meio para o qual volta sua ação, o homem se educa.

É, portanto, no campo das relações e transformações sociais, apontado pela autora, que caminharemos no desafio de descobrir o que acontece na escola, que permite ao nosso aluno este exercício de se educar.

Um primeiro aspecto a considerar, embora não seja novidade para quem já está inserido no meio educacional, é a existência das camadas dominantes que, com o objetivo de servir e alimentar seus próprios interesses e valores, organizam o ensino de forma fragmentada. A história da nossa Educação está marcada por momentos em que, por puro interesse da burguesia, sofremos transformações no nosso sistema escolar, com o único objetivo de atender a tais interesses capitalistas. No aforismo O ensino na esteira de Ford, Ramos-de-Oliveira (1998, p. 21-22) revela-nos uma fotografia deste fato, mostrando que se faz "moderno" automatizar vários campos e atividades:

Eis aí o ensino modernizado: grandes unidades para produção do conhecimento. Tudo segundo a ciência norte-americana pragmática e sistêmica: a escola é a grande caixa preta industrial, seu input são os alunos ignorantes, seus output são os alunos diplomados, ou melhor, alguns como produtos com o selo do controle de qualidade, outros destinados ao submercado ou simplesmente refugados. Estamos entrando no industrialismo moderno, na mecânica do fordismo.

Outra realidade que cerca a estrutura escolar é a política. Quem se aventura a entender a educação não poderá jamais ignorar as questões políticas envolvidas no processo educativo. Ela se apresenta como um jogo que procura mostrar uma realidade deformada, mais uma vez, pelos interesses dos poderosos, menosprezando o contexto social em que o homem está inserido.

Um outro fato que a cada dia se faz mais real no meio escolar e que talvez não seja tão conhecido ainda é a Indústria Cultural, que a cada dia ganha mais espaço dentro das mais variadas áreas sociais. Chega e invade também a Escola, sem que nos apercebamos de seus perigos e influências.

Indústria Cultural é um termo conhecido desde 1947 com o lançamento da obra Dialética do Esclarecimento, de Adorno e Horkheimer. A intenção destes autores era denunciar que, nas relações de troca de mercadorias a que são reduzidas todas as relações sociais, o produto cultural perde seu brilho, sua unicidade, sua especificidade de valor de uso. Quando se transforma em um valor de troca, dissolve a verdadeira arte ou cultura.

Bárbara Freitag (1989, p. 57-60), numa leitura desses autores, afirma que o produto (original ou reproduzido) da Indústria Cultural visa entorpecer e cegar os homens da moderna sociedade de massa, ocupar e preencher o espaço vazio deixado para o lazer, para que não percebam a irracionalidade e a injustiça do sistema capitalista. Assim sendo, preenche sua função de seduzir as massas para o consumo, com "promessa de felicidade", transformando o consumidor em um indivíduo acrítico e inconsciente.

Um dos instrumentos usados pela Indústria Cultural, de fácil acesso à população, é a televisão. Ela chega à escola, quer através de programas governamentais, quer através de informações veiculadas por professores, alunos, diretores e funcionários. Com isso, cria necessidades que muitas vezes não se tem, por meio dos mais diversos recursos visuais, com efeitos especiais e publicidade, com uma linguagem de sedução e convencimento, despertando o desejo de consumo. Reforça estereótipos muitas vezes criticados por todos nós quanto a preconceitos, raças, classes sociais etc. Desta maneira, contribui para deformar a percepção da realidade, por meio da reprodução de situações que passam a fazer parte do cotidiano.

O pedagogo espanhol Joan Ferrés, autor de livros como Televisão e educação, Televisão subliminar e Vídeo e educação, em entrevista à Revista Nova Escola (dez. 1998), afirma que "uma escola que não ensina como assistir à televisão é uma escola que não educa". Observa ainda que o meio escolar tende a adotar atitudes unilaterais diante do fenômeno da televisão. Citando Umberto Eco, Ferrés ainda lembra que atitudes extremistas acabam confluindo para resultados semelhantes:

A atitude mais adequada é a aceitação crítica, o equilíbrio entre o otimismo ingênuo e o catastrofismo estéril, um equilíbrio que assuma a ambivalência do meio, as suas possibilidades e limitações, as suas contradições internas. (Nova Escola, dez. 1998)

Pierre Bourdieu, em Sobre a televisão (p. 65), referindo-se a sua estrutura invisível e seus efeitos, tomando como referência o mundo do jornalismo que tem suas leis próprias e que é definido por sua posição no mundo global, afirma: "Nossos apresentadores de jornais televisivos, nossos animadores de debates, nossos comentaristas esportivos tornaram-se pequenos diretores de consciência que se fazem, sem ter que forçar muito, os porta-vozes de uma moral tipicamente pequeno-burguesa, que dizem `o que se deve pensar' sobre o que chamam de `os problemas de sociedade', as agressões nos subúrbios ou a violência na escola. A mesma coisa é verdade no domínio da arte e da literatura: os mais conhecidos dos programas ditos literários servem ¾ e de maneira cada vez mais servil ¾ aos valores estabelecidos, ao conformismo e ao academicismo ou aos valores do mercado."

É fundamental que a escola abra um canal pelo qual as crianças possam se manifestar, verbalizar, elaborar porque vêem televisão, o que gostam de ver na televisão e o que as atrai.

A escola não deve ignorar nem abolir, mas saber usar, sem ser usada. Adaptar-se aos usos e costumes atuais, mas não se deixando deformar. Zuin, em seu texto: "Seduções e simulacros ¾ considerações sobre a Indústria Cultural e os paradigmas da resistência e da reprodução em educação", alerta-nos para o fato de que

Os meios de comunicação de massa, enquanto instrumentos responsáveis pela propagação de valores e normas de comportamento, tão bem como as formas como suas lógicas medeiam e estruturam as relações sociais, inclusive as desenvolvidas nas escolas, são questões que necessariamente devem ser debatidas e pesquisadas. Ainda mais num país como o nosso, onde os interesses políticos e financeiros determinam, na maioria das vezes mais direta do que indiretamente, a produção dos bens culturais. (Zuin, 1995, p. 172)

Além dos meios de comunicação, a Indústria Cultural também invade a escola através de material pedagógico-didático. Sob o pretexto da modernização, tem-se a impressão de que quem não adere a este movimento está trabalhando de maneira retrógrada.

O grande apelo das editoras, que a cada ano fazem seus inúmeros lançamentos, conquistando professores e alunos com materiais atraentes, ganha a cada dia um terreno maior e rendoso. Com isso, também a escola tem auxiliado na fabricação de pequenos consumidores. Como exemplo disso, podemos citar o que acontece em escolas particulares, onde se adota o uso obrigatório de agendas escolares com personagens em destaque no momento: Menino Maluquinho, Xuxa, Angélica etc. Não se procura despertar o aluno para a função em si (da agenda), mas para o consumismo desenfreado de mercadorias capazes de promover a identificação e adequação sociais.

Um outro aspecto da chegada da Indústria Cultural na escola a ser considerado são os "pacotes" de programas curriculares destinados aos professores, definindo seus conteúdos, estratégias e recursos a serem usados, deixando pouca ou nenhuma liberdade de trabalho para o profissional, tolhendo sua criatividade e desempenho. Em decorrência disso, perdas são inevitáveis: o aluno deixa de ser beneficiado por aquilo que o professor poderia oferecer, além do sugerido, e o professor acaba se tornando acrítico, desempenhando seu trabalho simplesmente para cumprir obrigações.

O problema é que nos acomodamos em receber ordens sem questioná-las ou saber o porquê. Não fazemos uso da Filosofia da Educação, que aprendemos em nossos cursos de formação, se é que aprendemos, pois ela nos indica que devemos dialogar com aquilo que lemos e fazemos, levando-nos a refletir e analisar o nosso comportamento.

Em seu texto "Educação e emancipação", Adorno (1995) adverte-nos quanto à necessidade de mantermos uma postura crítica permanente e vai além, tentando despertar os educadores para os efeitos negativos de um processo educacional que visa apenas passar informações aos alunos sem lhes permitir um conhecimento histórico e político em que esta educação está se concretizando. Para ele "quanto mais a educação procura se fechar ao seu condicionamento social, tanto mais ela se converte em mera presa da situação social existente" (p. 11).

Aliás, Adorno (1994) aponta para esses efeitos como sendo alguns dos fatores que contribuíram para a barbárie na Segunda Guerra Mundial, mostrando que a presença deles pode muito bem reforçar e reascender aquele horror.

É necessário, portanto, considerar a individualidade do ser humano, com suas origens próprias, suas diferenças individuais e sua história de vida.

Enfatizando estes três aspectos, Zuin (1999, p. 123), ao referir-se ao conceito de adaptação desenvolvido por Adorno, afirma:

Quando Adorno diz que a educação seria imponente e ideológica, caso ignorasse o objetivo de adaptação, está fazendo uma alusão ao necessário processo de estranhamento do espírito, presentes na construção do conceito de formação. No mesmo movimento está também ciente do perigo de absolutização da subjetividade que nega a história humana responsável por sua produção.

Para concluir, queremos lembrar que na concepção de Adorno não temos o direito de modelar as pessoas a partir de seu exterior, nem tampouco lhes transmitir meramente conhecimentos. Parafraseando-o, na Teoria da Semicultura, sem tirar-lhe o sentido, podemos dizer que ele nos indica a solução: as mudanças não devem ser isoladas... a única possibilidade de sobrevivência que resta à... educação... é a sua auto-reflexão.

THE CULTURAL INDUSTRY INVADES THE BRAZILIAN SCHOOL

ABSTRACT: Culture Industry invades school: This article deals with the culture industry, which nowadays is a most effective influence on the school system and on several social areas. Coined by Adorno and Horkheimer in the Dialectic of Enlightenment in 1947, this term denounces that in the relations of exchanging merchandise into which all social relations are reduced the cultural work loses its luminosity, its uniqueness, its especific qualities as value of use. By becoming a value of exchange it consumes the real art and culture.

Key words: Culture Industry, School

  • ADORNO, T. W. Educaçăo e emancipaçăo Trad. de Wolfgang Leo Maar. Săo Paulo: Paz e Terra, 1995.
  • žžžžžžž. "Educaçăo após Auschwitz". In: Cohn, G (org.). Sociologia Săo Paulo: Ática, 1994.
  • žžžžžžž. Teoria da Semicultura. Trad. de Newton Ramos-de-Oliveira, Bruno Pucci e Cláudia B. Moura Abreu. Educaçăo & Sociedade, nş 56, ano XVII, Campinas: Papirus/Cedes, dez. 1997, p. 388-411.
  • Educadores dividem-se em "apocalípticos" e "integrados". Entrevista com J. Ferrés, Nova Escola, dez. 1998.
  • FREITAG, B. Política educacional e Indústria Cultural Coleçăo Polęmicas do Nosso Tempo, 26. Săo Paulo: Cortez/Autores Associados, 1989.
  • RAMOS-DE-OLIVEIRA, N. "Reflexőes sobre a educaçăo danificada". In: A educaçăo danificada: Contribuiçőes ŕ Teoria Crítica da Educaçăo. Petrópolis: Vozes/Săo Carlos: UFSCar, 1998.
  • ROMANELLI, Otaíza de O. História da educaçăo no Brasil (1930/1973) 8Ş Ed. Petrópolis: Vozes, 1986.
  • ZUIN, A.A.S. "Seduçőes e simulacros ž Consideraçőes sobre a Indústria Cultural e os paradigmas da resistęncia e da reproduçăo em educaçăo". In: Pucci, B.(org.) Teoria Crítica e Educaçăo: A questăo da formaçăo cultural na Escola de Frankfurt. Petrópolis: Vozes/Săo Carlos: Edufscar, 1994.
  • ¾¾¾¾¾¾¾. "Educação e emancipação: A auto-reflexão da critica da formação convertida em semiformação". In: Industria Cultural e educação: O novo Canto da Sereia. Campinas: Autores Associados, 1999.
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    Psicóloga, membro do Grupo de Pesquisa "O Potencial Pedagógico da Teoria Crítica", PPGE, da UFSCar (coordenado pelos Profs Drs Bruno Pucci, Newton Ramos-de-Oliveira, Antonio A.S. Zuin e Renato Franco) e do Gepice (Grupo de Estudos e Pesquisa: Indústria Cultural e Educação) da Unesp/FCL/Ar, coordenado pela Profª Drª Leda Aparecida Pedroso.
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    Pedagoga, mestranda no PPGE da UFSCar, Área de fundamentos da educação; integrante dos grupos de pesquisa: "O Potencial Pedagógico da Teoria Crítica", UFSCar; e do Gepice da Unesp/FCL/Ar.
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  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      09 Ago 2001
    • Data do Fascículo
      Ago 2001
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