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É tudo ganso? A (in)distinção entre usuários e traficantes de drogas e seus limites na perspectiva dos policiais militares do Rio de Janeiro

Is it all Goose? The (In)Distinction between Drug Users and Drug Dealers and their Limits from the Perspective of Military Police Officers in Rio de Janeiro

RESUMO

Ganso é um termo informalmente adotado por membros da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ) destinado a pessoas que apresentam alguma forma de envolvimento com drogas ilícitas. Neste artigo, analisaremos a adoção do termo para dois grupos distintos, o primeiro composto por indivíduos suspeitos de uso ou tráfico de drogas e o segundo por policiais usuários de drogas. Em ambos os grupos, o ganso representa um estigma, ou seja, um conjunto de comportamentos considerados deteriorados e reprováveis. Entretanto, há diferenças marcantes na gestão desse estigma a partir do grupo a que o termo se designa.

Palavras-chave:
ganso; drogas; polícia militar; abordagens policiais; estigma

ABSTRACT

Goose is a term informally adopted by members of the Military Police of the State of Rio de Janeiro (PMERJ) for people who have some form of involvement with illicit drugs. In Is it all Goose? The (In)Distinction between Drug Users and Drug Dealers and their Limits from the Perspective of Military Police Officers in Rio de Janeiro, we consider the use of this term directed to two distinct groups: one is composed of suspects of drug use or trafficking and the other, by police drug users. In both groups, the goose represents a stigma which means a set of deteriorated and condemned behaviors. However, there are marked differences in the management of this stigma from the group to which the term is designated.

Keywords:
goose; drugs; military police; police stops; stigma

Introdução

Por vezes me intitulam “gansóloga stricto sensu” numa tentativa de associar meu estudo à defesa dos “gansos”. Na linguagem policial, em conformidade com um subtenente com 17 anos de serviço prestados a polícia, “ganso é o usuário de drogas que, por andarem em grupo, e realizarem movimentos dos braços e do pescoço, assemelha-se a um bando de ganso”. E, por vezes, seja nas conversas ou através de grupos de aplicativos de celular, quando o assunto é algum fato envolvendo policiais militares e criminosos, sempre pontuam pedindo minha opinião e me atribuindo o título de “gansóloga” (COSTA, 2018COSTA, Perla Alvez Bento de Oliveira. Quando a gansóloga sou eu: Uma etnografia sobre as práticas dos policiais militares no Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Sociologia e Direito) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2018., p. 52, grifo das autoras).

- É que falavam que eu era ganso. Já sabiam. “E... esse cara... maluco... É ganso tá ‘bancado’”. Quando eu chegava atrasado, faltava, [dizerem]: “Tá cheirado.” Então o comentário rola dentro do batalhão. (Tadeu1 1 A fim de preservar o anonimato dos interlocutores, todos os nomes apresentados neste trabalho são fictícios. )

O grupo que se auto intitula “Caçadores de gansos também é acusado de Homicídios. Segundo a promotora as vítimas eram pessoas envolvidas com tráfico, mas também em outros crimes, além de usuários de drogas (O GLOBO, 18/07/2019, grifo das autoras).

O primeiro dos três fragmentos apresentados é parte da dissertação de mestrado de Costa (2018COSTA, Perla Alvez Bento de Oliveira. Quando a gansóloga sou eu: Uma etnografia sobre as práticas dos policiais militares no Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Sociologia e Direito) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2018.), que trata do tema das abordagens policiais a partir da perspectiva dos policiais militares do estado do Rio de Janeiro. O segundo é um trecho de uma entrevista realizada por Cruz (2019CRUZ, Fernanda Novaes. Os Doze Passos do “ganso”: A trajetória de policiais militares usuários de drogas em uma instituição reinterpretativa. Tese (Doutorado em Sociologia) -Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.) com policiais ex-usuários de drogas no contexto de uma clínica de reabilitação sediada no interior da Polícia Militar do Estado do Rio de Janeiro (PMERJ). Já o último fragmento é parte de uma reportagem publicada pelo jornal O Globo, em julho de 2019, sobre a prisão de um grupo de milicianos, atuante em um município da Baixada Fluminense, que se denominava “Caçadores de Ganso”. De acordo com outra reportagem sobre a atuação do grupo,

Numa página no Facebook, seus integrantes recebem, de moradores de Queimados, na Baixada Fluminense, fotos e informações de criminosos que atuam em determinada localidade no município. Traficantes de drogas, usuários e assaltantes apontados pela população são executados pelo bando. Em resposta, numa espécie de prestação de contas, fotos das vítimas são postadas na página (HERINGER, 22/10/2017HERINGER, Carolina. “Grupo de extermínio de Queimados recebe solicitação de ‘serviços’ pela internet”. Extra, Casos de Polícia, 22 out. 2017. Disponível em: https://extra.globo.com/casos-de-policia/grupo-de-exterminio-de-queimados-recebe-solicitacao-de-servicos-pela-internet-21975409.html
https://extra.globo.com/casos-de-policia...
).

Em comum, os três fragmentos fazem referência ao termo ganso a partir da perspectiva dos policiais militares fluminenses. Antes de prosseguirmos, é preciso destacar que no contexto da Polícia Civil de São Paulo o termo adquire outro significado. De acordo com Mingardi (1992MINGARDI, Guaracy. Tiras, gansos e trutas: Cotidiano e reforma na Polícia Civil. São Paulo: Scritta Editorial, 1992.), para os policiais paulistas, ganso é o “elemento que obtém sua renda da venda de informações à polícia. Alguns possuem carteirinha fornecida pela polícia que os identifica como inspetores de quarteirão, auxiliares leigos da polícia” (Ibid., p. 22). Já no contexto da PMERJ, o ganso é um indivíduo que apresenta uma série de comportamentos degradados relacionados ao uso ou tráfico de drogas. Entre esses comportamentos, podemos citar certas maneiras de se vestir, a postura, o modo de andar, entre outros. Em suma, trata-se de características relacionadas ao desleixo ou à “vagabundagem”. Considerando o contexto de proibição do uso e comércio de drogas, essa figura representa, ainda, transgressão e um potencial oponente ao trabalho policial.

Entretanto, o uso do mesmo termo para se referir a policiais usuários de drogas ilícitas sugere uma polissemia do termo ganso. Nesse contexto, ainda que o indivíduo não apresente os mesmos comportamentos que o ganso da rua, a relação que esses policiais estabelecem com as drogas é suficiente para defini-los como tal. Definir um policial como ganso é uma tentativa de afastá-lo dos valores e da imagem policial. Longe de ser visto como oponente ao trabalho policial, ele passa a ser considerado um sujeito degradado e inferior. Contudo, em vez de um possível alvo da atuação policial, esse ganso se torna digno da ridicularização por parte de seus colegas de farda.

Chama atenção que o rótulo de ganso se apresente em ambos os contextos de maneira tão reprovável que ser ganso se sobressai à identidade de policial militar. Neste artigo, analisamos as narrativas dos policiais de um batalhão de Polícia Militar no interior do Rio de Janeiro sobre os gansos e as narrativas de policiais que passaram por uma clínica de reabilitação no âmbito da corporação e são rotulados como gansos. Buscamos apresentar e analisar a categoria a partir das semelhanças e peculiaridades de cada contexto. Acreditamos que essas análises nos fornecerão pistas para compreendermos o trabalho policial no que tange à repressão ao uso e comércio de drogas.

Metodologia

Os dados aqui analisados foram coletados por meio de duas observações participantes, realizadas em dois contextos distintos - cada uma delas conduzida por uma das autoras deste artigo. Considerando que este trabalho foi feito a partir de um diálogo entre duas frentes empíricas, cabe ressaltar as distintas inserções no campo de cada uma delas. Enquanto uma delas é doutoranda e policial militar e realizou a pesquisa no interior do batalhão em que trabalha, a outra participou das atividades em uma clínica de reabilitação da Polícia Militar como pesquisadora. Evidentemente, a posição ocupada por cada uma das pesquisadoras no campo apresentou possibilidades e fragilidades. Ser um nativo no campo permite vivenciar situações que dificilmente um pesquisador não nativo vivenciaria; em contrapartida, ser um estranho no campo pode contribuir para observações e questionamentos de forma que muitas vezes não seria possível para um nativo. Em suma, não se trata de estabelecer um juízo de valor entre ambas as posições, mas de situar este trabalho a partir do diálogo entre as posições das pesquisadoras em relação ao objeto.

Uma das observações foi realizada em um batalhão da Polícia Militar localizado em um município do interior do estado do Rio de Janeiro. A partir do contato cotidiano com os policiais e suas práticas, foi possível realizar um exercício de estranhamento - tendo em vista o vínculo profissional da pesquisadora com a polícia - sobre o relacionamento entre os policiais militares e os gansos, a fim de explorar como as práticas entre ambos atores ocorrem e são por estes naturalizadas. A outra observação foi realizada no interior de uma clínica de reabilitação para policiais militares usuários de drogas localizada nas dependências do hospital da PMERJ.

No contexto do batalhão, a observação participante, bem como as interações e conversas informais, foram realizadas sobretudo entre 2016 e 2018. No entanto, por trabalhar no local pesquisado e continuar realizando a pesquisa no âmbito do doutorado, as reflexões apresentadas não se esgotam no período demarcado. No contexto da clínica, por sua vez, os dados apresentados resultam de 11 entrevistas com ex-pacientes e funcionários, além de relatos do campo registrados entre 2016 e 2017.

Por ocupar a posição de acadêmica e, ao mesmo tempo, membra da Polícia Militar, uma das autoras se percebe em posição de estranheza para os dois espaços: na instituição policial não é reconhecida como uma policial típica; já na academia, sendo uma policial que estuda, não seria uma estudante “típica”. Isso a coloca na posição de linearidade (TURNER, 1974TURNER, Victor. O processo ritual: Estrutura e antiestrutura. Petrópolis: Vozes, 1974.) entre as duas instituições. Reforçando o caráter dialógico da rotulação, situações vivenciadas na universidade também apontam o estranhamento da presença de uma policial naquele espaço. Em uma situação, ela foi categorizada em uma posição oposta aos usuários de maconha. Certa vez, uma colega disse: “A universidade é um exemplo de heterogeneidade. Somos um exemplo disso. Veja só: vários maconheiros e uma policial e está tudo certo. Cada um na sua”. Ao contrário do contexto policial, na universidade, causava estranhamento a certas pessoas o fato de alguém que estuda drogas não ser um consumidor de drogas: “Como assim você estuda maconha e não fuma? Nunca experimentou?”.

É interessante notar que a outra pesquisadora, ao estudar a clínica no interior da polícia, também foi questionada pelos interlocutores sobre seu envolvimento pessoal com a polícia, a fim de justificar o interesse por esse tema de pesquisa. Em suma, podemos dizer que nos dois contextos houve questionamento sobre o envolvimento das autoras em face do objeto estudado.

Para Becker (2008BECKER, Howard. Outsiders: Estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar, 2008., p. 22), o desvio não é uma qualidade do ato que a pessoa comete, mas uma consequência da aplicação por outros de regras e sanções a um “infrator”. Dessa forma, o desvio é criado pela sociedade (ou por um grupo), e as pessoas desviantes partilham em comum o rótulo e a experiência de serem rotuladas como tal. O diálogo entre os dois campos de pesquisa nos permitiu identificar tanto a perspectiva dos policiais como grupo que atribui o rótulo de ganso a um comportamento desviante, quanto a perspectiva dos policiais desviantes, atribuída aos policiais que receberam o rótulo de ganso. Considerando essas duas perspectivas e em diálogo com a literatura acerca do tema buscamos avançar na compreensão da categoria de ganso, bem como de seus impactos sobre os indivíduos que atribuem tal rótulo e aqueles que o recebem.

O ganso

Não há consenso entre os policiais sobre a origem do termo ganso. Enquanto alguns o associam à forma de andar sacudindo os braços, um policial conta que antigamente, nos cursos de formação, o alvo das aulas de tiro era um ganso: “Ele ficava se movimentando e você precisava acertar o tiro no ganso”. Oberling, em sua dissertação de mestrado intitulada Representações e práticas da Polícia Militar sobre o consumo e o comércio de drogas na Cidade do Rio de Janeiro (2011), apresenta o trecho de uma entrevista com um cabo da Corporação que caracteriza o ganso da seguinte maneira:

Principalmente a forma de expressão corporal ajuda a identificar o usuário de drogas. Porque todo usuário de drogas, eles adquirem uma expressão corporal que a gente até faz, assim, uma conexão com o andar do “ganso”. Aí diz: “Ih! Olha lá o ganso. Outro ganso...”. O usuário de drogas realmente... porque eles andam como se fosse... Os usuários de drogas, eles andam... uns balançando os braços de forma exagerada, parecendo até aqueles zumbis, entendeu? (Idem, ibid., p. 151).

Malanquini, em sua dissertação, intitulada Os UPP e os gansos: Um estudo sobre a relação entre jovens policiais e jovens moradores de favelas cariocas (2014), aborda o conceito e a descrição da categoria ganso sob a ótica dos policiais da Unidade de Polícia Pacificadora (UPP). Nessa perspectiva, o temor da presença da polícia seria um elemento constitutivo do ganso.

O Ganso é caracterizado pela maioria dos policiais como aqueles que “temem a presença da polícia”. Segundo a maioria dos policiais entrevistados, recebem este nome em referência ao animal ganso, pois quando estes jovens estão em becos e vielas, eles permanecem a maior parte do tempo “pescoçando” (ato de pescoçar) para observar a chegada dos policiais e poderem fugir rapidamente: segundo estes policiais, o ato de “pescoçar” ( ato de esticar o pescoço tendo como objetivo visualizar a chegada dos policiais) e fugir rapidamente, remete aos movimentos realizados pelo animal ganso. Outra explicação que obtive, menos recorrente, de alguns policiais é que a pessoa recebe o nome de Ganso, pois no momento da “fissura” (referência do momento em que os “gansos” estão sob o efeito de alguma droga. “Fissura” pode ser facilmente substituído pelos termos “doidão”, “chapado” ou outro termo que conote a perda da capacidade cognitiva do sujeito devido ao uso de drogas), em decorrência do uso de drogas, estas pessoas realizam movimentos com a cabeça parecido com o animal ganso, demonstrando momento de não lucidez e a impossibilidade de utilizar plenamente as suas faculdades mentais. Quando questionados sobre quem seria o Ganso, os policiais diziam que o Ganso normalmente é jovem, do sexo masculino e que normalmente não trabalha, não exerce atividades laborativas ou estuda. Sobre um estereótipo físico do Ganso não existe um consenso. Alguns policiais afirmam (em tom de brincadeira), que um policial de verdade sente o “cheiro do ganso”. Apenas um policial afirmou que é fácil identificar o Ganso: “normalmente, é aquele garoto metido a malandro, que acha que é o dono da verdade e pode fazer o que bem entende... se tiver o cabelo pintado de loiro então, é esse mesmo”! (Idem, ibid., p. 35, grifos das autoras).

Apesar da pluralidade das explicações para o termo ganso, pode-se dizer que ele representa comportamentos associados pelos policiais às drogas. Essa relação não se restringe ao consumo, pois engloba também os indivíduos relacionados ao tráfico de drogas. Em ambas as perspectivas, o termo carrega uma série de características moralmente reprováveis que passam a ser atribuídas ao indivíduo que o recebe, na tentativa de desumanizá-lo. Para Zaluar (1994ZALUAR, Alba. Drogas e cidadania: Repressão ou redução de riscos. São Paulo: Brasiliense, 1994., p. 120), a adoção de termos por parte dos agentes envolvidos em um conflito direcionado às outras partes dele - como bestas, feras, animais, monstros - é mais um ingrediente a alimentar o circuito de trocas odiosas, parte integrante da guerra simbólica entre esses agentes.

Propomos analisar o ganso a partir do conceito de estigma de Goffman (1980GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.). Segundo o autor, um estigma parte da constatação de uma característica ou um conjunto de características indesejáveis em um indivíduo, suficiente para colocá-lo em uma posição inferior aos considerados normais. O estigma esvazia ou torna menos importante os demais atributos desse sujeito, em detrimento de uma homogeneização com os demais portadores do mesmo estigma. Em paralelo, constrói-se uma teoria do estigma, uma ideologia para explicar sua inferioridade e dar conta do perigo que ela representa para os normais (Idem, ibid., p. 15).

Ao associarmos o ganso a um estigma, precisamos expandir esse debate do caso apresentado para a literatura acerca das drogas, buscando compreender como as construções sociais em torno delas conferiram posição de inferioridade aos sujeitos que têm relações com as drogas, bem como a construção de significados específicos aos usuários e aos traficantes. Esse percurso, que será apresentado de forma breve neste trabalho, já foi objeto de uma série de análises acadêmicas e pode ser visitado com maior profundidade em trabalhos como o de Hari (2015HARI, Johan. Chasing the Screen: The First and the Last Days of War On Drugs. Nova York: Bloomsbury, 2015.) e Batista (2009).

Defendemos que, como um estigma, o ganso se refere a uma tentativa de homogeneização dessa figura considerada odiosa por parte dos policiais. E que, embora haja diferenças legais entre usuários e traficantes, nessa construção as diferenças entre uso e tráfico, ou até mesmo a presença do uso, são menos importantes do que os atributos comportamentais escolhidos para os policiais para estigmatizarem um indivíduo.

A ausência de distinção nas percepções sobre usuários e traficantes de drogas não é inédita no cenário carioca. Em seu estudo, Zaluar (1994ZALUAR, Alba. Drogas e cidadania: Repressão ou redução de riscos. São Paulo: Brasiliense, 1994., p. 117) apontou que “os consumidores vivem para o próximo prazer, afetando no máximo a si mesmos, mas os cidadãos cumpridores da lei consideram os viciados, assim como os traficantes, agentes modernos do demônio”. Apesar de, na ocasião da pesquisa, já haver artigos penais distintos para uso e tráfico, a autora apresentou que os dados de apreensão de drogas oriundos da Secretaria de Estado da Polícia Civil e do batalhão estudado apresentavam indistinção entre usuários e traficantes nos registros, reforçando como a prática era reproduzida nas instituições policiais.

No caso analisado neste trabalho, dois exemplos podem nos ajudar a mapear a complexidade da categoria ganso, reforçando a ideia de que a distinção entre usuários e traficantes pode não ser percebida sob a perspectiva do estigma construído pelos policiais. A menção à existência do grupo Caçadores de Ganso na matéria do jornal O Globo apresenta uma extrapolação da figura do ganso para além da instituição policial. A relação entre o uso desse termo e a milícia pode ser justificada pelo fato de o miliciano preso ser um ex-policial militar. Cano e Duarte (2012CANO, Ignacio; DUARTE, Thais. “No sapatinho”: A evolução das milícias no Rio de Janeiro (2008-2011). Rio de Janeiro: Fundação Heinrich Böll, 2012.)destacaram a participação pública de agentes armados do Estado em posições de comando como um dos cinco traços centrais que, em confluência, compõem o fenômeno das milícias no estado do Rio de Janeiro2 2 O conceito de milícia pode ser resumido pela confluência de cinco traços centrais: (1) domínio territorial e populacional de áreas reduzidas por parte de grupos armados irregulares; (2) coação, em alguma medida, contra moradores e comerciantes; (3) motivação de lucro individual como elemento central, para além das justificativas retóricas oferecidas; (4) discurso de legitimação relativo à libertação do tráfico e à instauração de uma ordem protetora — diferentemente do tráfico, por exemplo, que se impõe simplesmente pela violência (ver Machado da Silva [2004]), as milícias pretendiam se apresentar como uma alternativa positiva; e (5) participação pública de agentes armados do Estado em posições de comando (CANO e DUARTE, 2012, p. 15). . A matéria sobre os Caçadores de Gansos afirmava que o grupo perseguia usuários de drogas e traficantes e mantinha um perfil em uma rede social em que os assassinatos eram divulgados. Portanto, ambos personagens estavam entre o alvo do grupo. Uma situação narrada por um policial militar para Cruz (2019CRUZ, Fernanda Novaes. Os Doze Passos do “ganso”: A trajetória de policiais militares usuários de drogas em uma instituição reinterpretativa. Tese (Doutorado em Sociologia) -Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 2019.) também aponta como o ganso extrapola o estereótipo do consumidor de drogas:

Eu tava em um churrasco na favela com uns colegas, e só um deles sabia que eu era policial. Em determinado momento, alguém na laje disse “Olha, o ganso!” eu me abaixei quase que imediatamente para me proteger [temendo ser atingido por um tiro ou reconhecido] e quando me dei conta eles estavam falando do ganso mesmo, o animal [sic] (Idem, ibid., p. 48).

Portanto, além de um indivíduo que teme a presença da polícia, o ganso pode ser um indivíduo que apresenta riscos potenciais para o trabalho policial, um “inimigo”. A situação relatada acima aponta que a sensação de medo é recíproca, ou seja, em alguns contextos, a presença do ganso também é temida pelos policiais.

É importante ressaltar que quando argumentamos no sentido de uma homogeneização do estigma - usuário e traficante - não estamos relativizando as diferentes formas de punição que as duas figuras recebem, tanto na esfera legal, quanto na atuação policial, nem sempre sustentada pelos parâmetros legais. Ao questionarmos se é “tudo é ganso”, buscamos avançar na construção das percepções desses policiais acerca do atributo direcionado aos indivíduos que fazem uso de drogas ou as comercializam. Nessa perspectiva, ambos os comportamentos são atributos estigmatizantes que posicionam esses indivíduos em situação de inferioridade perante os considerados “normais” (BECKER, 2008BECKER, Howard. Outsiders: Estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.; GOFFMAN, 1980GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.).

Um breve histórico do(s) estigma(s) em torno das drogas e o papel da polícia no que tange às drogas

Principalmente a partir da década de 1970, uma série de estudos têm se debruçado sobre a questão das drogas (BATISTA, 1998BATISTA, Vera Malagutti. Difíceis ganhos fáceis: Drogas e juventude pobre no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Revan, 1998.; LEMGRUBER E BOITEUX, 2014LEMGRUBER, Julita; BOITEUX, Luciana. “O fracasso da guerra às drogas”. In: LIMA, Renato Sérgio; RATTON, José Luiz; AZEVEDO, Rodrigo Ghiringhelli (orgs). Crime, polícia e justiça no Brasil. São Paulo: Contexto, 2014, pp. 357-362.; CAMPOS, 2019CAMPOS, Marcelo da Silveira. Pela metade: A lei de drogas do Brasil. São Paulo: Annablume, 2019.). Apesar de não ser o objetivo deste trabalho, nesta seção apresentamos brevemente algumas considerações acerca do tema, que podem contribuir a construção social que os policiais elaboram para os gansos.

Becker (2008BECKER, Howard. Outsiders: Estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.) sugere que o processo de criação da imposição de uma regra pode ter início na constatação de que determinado comportamento fere os valores de um determinado grupo. Isso faz com que esse grupo desenvolva regras específicas para lidar com essa transgressão, seja por meio de leis ou de sanções informais. Para o autor, a variável-chave para início desse processo é a existência da figura de um empreendedor, um indivíduo responsável por estabelecer a relação de incompatibilidade entre o comportamento e os valores. A seguir, é necessária a publicização do fenômeno. Por fim, é preciso que as pessoas deem visibilidade à ocorrência do comportamento, tornando a imposição da regra necessária.

Ao mesmo tempo, a imposição de uma regra não pressupõe igualdade em sua aplicação. Becker afirma que “atos de imposição não decorrem automaticamente da infração de uma regra. A imposição é seletiva, e diferencialmente seletiva entre tipos de pessoa, em diferentes momentos e em diferentes situações” (Idem, ibid., p. 140). A partir dessa perspectiva, ele analisa a lei americana de tributação da maconha, a fim de demonstrar o processo de criminalização da substância e de seus usuários e comerciantes. Para Becker, desenvolveu-se um conjunto de ideias tradicionais que definiu o uso dessas substâncias como uma violação de imperativos morais, como um ato que leva à perda do autocontrole, à paralisia da vontade e, por fim, à escravidão à droga (Idem, ibid., p.70).

No contexto da América Latina, foram realizadas análises semelhantes. Para Batista (2009), a transição democrática transferiu o “inimigo interno” do terrorista para o traficante. Para Karam (2015KARAM, Maria Lúcia. Legalização das drogas. São Paulo: Estúdio Editores, 2015., p. 11),

O inimigo é aquele que assume o perfil de estranho à comunidade, a quem, por sua apontada “periculosidade”, não se reconhece os mesmos direitos dos pertencentes à comunidade e que, assim, desprovido de dignidade e de direitos, perde sua qualidade de pessoa, tornando-se uma “não-pessoa”.

Soma-se a esse quadro o processo de medicalização acerca das drogas, responsável por criar uma diferenciação entre traficantes e usuários. Essa diferenciação é justificada pelo agravamento no uso de drogas entre consumidores das classes médias e altas (SILVA, 2014SILVA, Claudia Ciribielli Rodrigues da. “A aliança entre Justiça e psiquiatria no controle do uso de droga: Medicalização e criminalização na berlinda”. In: BATISTA, Vera Malaguti (org). A violência na berlinda. Rio de Janeiro: Contracapa/Faperj, 2014, pp. 13-36.). Como resultado, foi atribuído ao traficante o papel de criminoso e inimigo do Estado, e ao usuário (ou “viciado”), o papel de indivíduo portador de uma doença relacionada a suas faculdades mentais e a seu discernimento.

A construção ideológica do “viciado” e do traficante como agentes do mal, bem como a demonização da própria droga são consequências da proibição. Nesse contexto, emerge uma concorrência entre o estereótipo do criminoso e o da dependência, cabendo a figuras como o perito psiquiatra, o juiz e os policiais, a decisão de em qual estereótipo o indivíduo se encaixará (ZALUAR, 1994ZALUAR, Alba. Drogas e cidadania: Repressão ou redução de riscos. São Paulo: Brasiliense, 1994.).

Para Silva (2014SILVA, Claudia Ciribielli Rodrigues da. “A aliança entre Justiça e psiquiatria no controle do uso de droga: Medicalização e criminalização na berlinda”. In: BATISTA, Vera Malaguti (org). A violência na berlinda. Rio de Janeiro: Contracapa/Faperj, 2014, pp. 13-36.), no caso brasileiro, apesar de já haver discursos sobre as drogas no âmbito da Justiça e da psiquiatria desde as primeiras décadas do século XX, é a partir da década de 1970 que a mobilização em torno do tema passa a envolver, direta ou indiretamente, toda a sociedade. Para a autora, “formou-se, em síntese, uma verdadeira força-tarefa no combate ao uso de droga no cenário nacional quanto internacional” (Idem, p. 22).

A atual lei de drogas (lei nº 11.343) data de 2006. O avanço dessa lei, em comparação com a lei anterior, consistiu em retirar a possibilidade de penas privativas de liberdade para os usuários. Aos usuários podem ser aplicadas as seguintes penas: advertência sobre o efeito do uso de drogas, prestação de serviços à comunidade e medida educativa de comparecimento à programa ou curso socioeducativo. Em contrapartida, para os traficantes, a lei representou um recrudescimento, com o aumento do tempo de reclusão para o período de cinco até quinze anos (Idem, ibid.). Ao mesmo tempo, a lei não define critérios objetivos para a diferenciação entre os usuários e os traficantes. De acordo com seu art. 28, “[p]ara determinar se a droga se destina a consumo pessoal o juiz atenderá à natureza e à quantidade da substância apreendida, ao local e às condições em que se desenvolveu a ação, as circunstâncias sociais e pessoais” (BRASIL, 2006). Apesar de não ser objeto deste trabalho, é fundamental mencionar que alguns pesquisadores apontam para uma aplicação seletiva da lei nº 11.343/2006 no que tange à definição por uso ou tráfico de drogas (BATISTA, 2009; SILVA, 2014SILVA, Claudia Ciribielli Rodrigues da. “A aliança entre Justiça e psiquiatria no controle do uso de droga: Medicalização e criminalização na berlinda”. In: BATISTA, Vera Malaguti (org). A violência na berlinda. Rio de Janeiro: Contracapa/Faperj, 2014, pp. 13-36.).

Na prática, a administração do conflito diante de uma situação de flagrante passa a ser mediada pelas motivações dos policiais e pelo comportamento dos indivíduos. Pensando a partir dessa perspectiva, ao despenalizar o consumo, a lei contribuiu para que os próprios policiais se encarregassem de punir os infratores, aplicando a pena que considerem mais adequada, sem que sejam as penas previstas legalmente para esse crime (CRUZ, 2017CRUZ, Fernanda Novaes. “‘Rodei’: A perspectiva dos jovens cariocas sobre as experiências com a Polícia Militar ligadas à suspeição de uso ou tráfico de drogas”. Cadernos de Campo, vol. 22, pp. 197-220, 2017.; GRILLO, POLICARPO e VERÍSSIMO, 2011GRILLO, Carolina; POLICARPO, Frederico; VERÍSSIMO, Marcos. “A ‘dura’ e o ‘desenrolo’: Efeitos práticos da nova lei de drogas no Rio de Janeiro”. Revista de Sociologia e Política, vol. 19, pp. 135-148, 2011.). Especialmente nesses momentos, podemos dizer que os policiais estão agindo como empreendedores morais (BECKER, 2008BECKER, Howard. Outsiders: Estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.), isto é, indivíduos dispostos a criar e impor regras baseadas no que julgam ser o certo e adequado.

Uma gansóloga na Polícia Militar estudando a abordagem de gansos

A abordagem de indivíduos é considerada uma necessidade latente do trabalho policial. Para os policiais, essa é a única forma de se conhecer as pessoas. Em uma prática de controle e vigilância, eles transmitem o reflexo do interior da caserna, ou seja, o constante espírito de vigilância e origem social das praças que, como aponta Holloway (1997), eram oriundas da classe baixa não-escrava e atuavam no policiamento das ruas. Nessa perspectiva, enquanto em São Paulo o ganso é visto como um colaborador da polícia, no Rio de Janeiro ele é recorrentemente vítima de abordagens.

Além disso, comentários vexatórios e desqualificadores são frequentes quando o assunto é os usuários de drogas, como salientam os interlocutores a seguir:

- Essa nova lei de drogas é uma vergonha. Ela desmerece nosso trabalho. Do que adianta pegar o vagabundo se o delegado de polícia vai lá e solta porque a lei não permite que ele fique agarrado? Viciado tem que ficar preso. Viciado é quem financia o tráfico. Se não existisse o consumidor não existiria a oferta do produto. E se não existisse o tráfico não existiria essa guerra que se tornou o Rio de Janeiro. (Sargento Tomé)

- O vagabundo que está lá com o baseadinho dele tá patrocinando o tráfico. [Tem] um monte de gente morre todos os dias porque um monte de gente fuma o baseadinho igual ele. (Cabo Henrique)

As falas desses policiais reproduzem uma ideia amplamente defendida na sociedade - e entre os policiais - de que os usuários de drogas sustentam o tráfico de drogas. Portanto, a categorização do ganso é composta não apenas por atributos que inferiorizam e ridicularizam esse grupo, mas também por uma culpabilização acerca da violência urbana. Os usuários se tornam responsáveis por financiar uma guerra que os policiais precisam enfrentar diariamente. E, a partir dessa premissa, cria-se ou reforça-se o sentimento de repúdio que os policiais despendem aos gansos.

Esse repúdio pode ganhar ainda mais força, considerando que o combate ao tráfico de drogas é utilizado como justificativa para uma série de ações policiais que, por vezes, culminam em mortes de policiais ou civis. Em um estudo realizado por Cano e Magaloni (2016MAGALONI, Beatriz; CANO, Ignácio. Determinantes do uso da força policial no Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Editora da UFRJ, 2016.) com policiais militares fluminenses, eles afirmaram que “posse e uso de drogas” e “tráfico de drogas” eram os maiores incidentes - o segundo e o terceiro maior, respectivamente - que enfrentavam em suas rotinas de trabalho, o que reforça a percepção dos agentes sobre a presença do combate às drogas no cotidiano do trabalho policial.

O saber prático (OBERLING, 2011OBERLING, Alessandra. Maconheiro, dependente, viciado ou traficante? Representações e práticas da Polícia Militar sobre o consumo e o comércio de drogas na Cidade do Rio de Janeiro. Dissertação (Mestrado em Antropologia) - Universidade Federal Fluminense, Niterói, 2011.) que se faz presente na prática dos policiais militares nos auxilia a entender o processo de sujeição criminal (MISSE, 2008MISSE, Michel. “Sobre a construção social do crime no Brasil esboços de uma interpretação”. In: MISSE, Michel. Acusados e acusadores. Rio de Janeiro: Faperj/Revan, 2008, pp 13-32.) presente nas abordagens policiais. A sujeição criminal pode ser entendida como um processo socialmente estabelecido em que previamente se rotulam determinados sujeitos com um tipo social visto como propenso ao cometimento de um crime. Como aponta Misse (Ibid.), a construção social do crime começa e termina com base em algum tipo de acusação social.

Como compete ao policial militar selecionar quem vai ingressar ou não no sistema judicial, e, para isso, ele se baseia em um universo de subjetividades - tendo em vista que seu serviço na rua é um mar de imprevisibilidades e subjeções -, ao ganso é atribuído um tratamento diferenciado, considerando que esse é o enquadramento da sujeição criminal. Por ser considerado um inimigo da polícia, usualmente ele recebe um tratamento desrespeitoso e vexatório quando abordado.

No decorrer da pesquisa conduzida no interior do batalhão e aqui apresentada, por mais que a autora tenha deixado claro que seu interesse era compreender as relações sociais envolvendo os policiais militares e os atores que figuram no universo das drogas, alguns policiais interpretaram a pesquisa como uma defesa dos criminosos, o que fica claro com a adoção da titulação pejorativa de defensora dos gansos, conforme demonstra o fragmento que inicia este artigo. Em outros momentos, o fato de a autora na ocasião da pesquisa desempenhar trabalho interno no batalhão também contribuiu para desqualificá-la a partir de argumentos de autoridade, como “na rua é assim” (em referência as diferenças nas visões de mundo de quem desempenha trabalho interno ou externo) e ou “falar é fácil porque você não está na viatura”. De acordo com esses argumentos, quanto mais expostos ao contato com a sociedade e, sobretudo, com a violência os policiais estiverem, mais aptos eles estão para emitir opiniões, já que eles conhecem as coisas como elas “realmente” são.

Ainda na tentativa de desqualificação da posição acadêmica da autora, foram direcionadas a ela ainda colocações como: “Você fica lá com esses maconheiros da universidade e fica aí cheia de ideias”; ou então: “Não me assusto se um dia você chegar aqui dizendo que tá fumando”. Essas falas sugerem que a proximidade com o tema e a universidade pudessem fazer a autora se tornar um ganso. Os policiais tiveram dificuldades de entender que a pesquisa não tinha o intuito de defender ou acusar ninguém, mas de compreender como as práticas aconteciam. O estranhamento com a ideia de não defender um determinado ponto de vista pode estar associado à preocupação com a defesa e o ataque da instituição policial, própria da lógica do contraditório, que representa embates contrários e paralelos remetidos ao infinito (FERREIRA, 2013FERREIRA, Marco Aurélio Gonçalves. A construção da verdade e a ressunção da inocência: Contrastes e confrontos em perspectiva comparada (Brasil e Canadá). Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2013., p. 87).

É possível ser ganso e policial?

Desde a formação policial, tem-se início um processo de fortalecimento de uma identidade institucional policial militar em detrimento da identidade individual (SOUZA, 2020SOUZA, Adilson Paes de. Policial que mata: Um estudo sobre a letalidade praticada por policiais militares do Estado de São Paulo. Tese (Doutorado em Psicologia) - Universidade de São Paulo, São Paulo, 2020.). Um reflexo disso seria a premissa, apresentada por Ramos e Musumeci (2005RAMOS, Sílvia; MUSUMECI, Leonarda. Elemento suspeito: Abordagem policial e discriminação na cidade do Rio de Janeiro. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2005.), de que “policial não tem cor, tem farda”, ao demonstrarem que a cor da pele do policial não interfere no tratamento dispensado a cidadãos negros. Para as autoras, “mais importante que a cor ou raça é a cultura da corporação, que opera como identificador mais forte” (Idem, p. 83). Muniz (1999MUNIZ, Jacqueline. “Ser policial é, sobretudo, uma razão de ser”: Cultura e Cotidiano da Polícia Militar no Estado do Rio de Janeiro. Tese (Doutorado em Ciência Política) -Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro, Rio de Janeiro, 1999.), ao realizar um estudo sobre a cultura institucional na PMERJ, identificou que:

Muitos policiais militares quando se reportam à sua vocação, à sua escolha profissional - em verdade, uma escolha de vida - e às suas atribuições como servidores que receberam a missão de “proteger e servir”, fazem uso de uma estrutura de narrativa muito próxima dos testemunhos de vida que informam as conversões religiosas e demais processos profundos de reconstrução biográfica (Idem, p. 103).

O senso de pertencimento entre os policiais é tão forte que, no convívio cotidiano com eles, é facilmente identificável tentativas de relativização do mau comportamento de outros policiais. Evidentemente, contextos de convívio com alta letalidade - de policiais e de civis - como vivenciado no Rio de Janeiro, tornam esses processos ainda mais intensos, considerando que por vezes a entrada de um policial na corporação pode representar mudanças importantes na vida desses indivíduos - eles podem passar, por exemplo, a evitar locais e situações nas quais sua identidade pode ser revelada, o que colocaria o policial e seus familiares em risco.

Ao mesmo tempo que uma série de comportamentos - nem sempre lícitos - são aceitos internamente, há aqueles que não o são. Entre estes, estão determinados comportamentos associados ao uso abusivo de drogas. Ser um ganso policial está mais associado à constatação da presença de atributos degradados relacionados ao uso de drogas do que ao uso em si. Em outras palavras, o ganso, em uma perspectiva goffmaniana, está mais associado à visibilidade dos comportamentos estigmatizantes - como estar visivelmente sob o uso de drogas ou não cumprir com o asseio e a disciplina esperada para um policial - do que com o uso em si.

Ao atribuir aos policiais usuários de drogas ilícitas o termo ganso, ocorre uma tentativa de desvinculação daquele sujeito da identidade da instituição. E, mais do que isso, coloca esses policiais como equivalentes aos inimigos que eles combatem diariamente. Ser um ganso dentro da corporação reforça a todo momento o quão desacreditado (GOFFMAN, 1980GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.) um indivíduo está. Os impactos desse rótulo na vida desses policiais estão tanto na esfera simbólica, por meio de comentários ou piadas de seus pares, quanto em uma influência direta no cotidiano de trabalho. Os policiais que buscam atendimento na clínica de reabilitação da corporação, em razão do diagnóstico da dependência química3 3 Esse processo é descrito com maiores detalhes em Cruz (2019). , perdem o porte de arma e são transferidos para realizar atividades internas de pouco prestígio, como faxina, almoxarife, auxiliar de cozinha, entre outros.

Há variações na publicidade desse estigma. Enquanto alguns policiais narraram serem chamados diretamente de gansos, outros disseram que sabiam que eram reconhecidos por esse estereótipo entre os demais, ainda que não se dirigissem dessa forma a eles. Para um dos entrevistados, a posição hierárquica dos gansos pode ajudar a explicar a forma que esse estigma será vivenciado internamente. Assim, ainda que todos esses policiais sejam reconhecidos como gansos, os valores hierárquicos podem alterar a experiência com esse rótulo, preservando aqueles em posição hierárquica superior das humilhações diretas, ainda que não evite o descrédito e os comentários entre os demais policiais.

Ao mesmo tempo, é interessante identificar os esforços dos policiais gansos em se dissociarem dessa figura. No caso dos policiais institucionalizados pela clínica, uma das formas de se dissociar do ganso é justificar o comportamento por meio do diagnóstico da dependência química. Isso implica uma reinterpretação do conjunto de comportamentos degradados que compunham a identidade desses indivíduos, que passam, com o diagnóstico médico, a ser efeitos de uma doença. O diagnóstico seria a capa defensiva desses indivíduos perante o estigma (GOFFMAN, 1980GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.).

Outra forma de dissociação consiste em traçar diferenças entre si e os demais gansos, na tentativa de afastar-se daquele estigma. Duas situações vivenciadas em campo ajudam a ilustrar esse argumento. A clínica para dependentes químicos da Polícia Militar recebe policiais usuários de drogas lícitas e drogas ilícitas. O tratamento adotado na clínica - inspirado nos programas de Doze Passos4 4 O programa é oriundo de irmandades como Alcóolicos Anônimos e Narcóticos Anônimos. Para seus membros, a dependência química é uma doença hereditária, incurável e mortal. Por não existir cura, a única forma de tratamento possível é a abstinência não apenas da substância, mas também dos locais, pessoas e situações que rememorem o uso das substâncias. - defende a existência de um rótulo único de dependente químico. Portanto, não existiria diferenciação entre eles. Ao mesmo tempo, na corporação, existe um termo específico para os usuários de álcool: o gambá. Ao se engajarem na proposta de tratamento, é esperado desses policiais que passem a se reconhecer como dependentes químicos independentemente da substância de que fazem uso. Entretanto, apesar da expectativa do tratamento, nem sempre os usuários de drogas lícitas são capazes de se ver como iguais aos gansos. Luis era um gambá, conta que não suportava usuários de drogas ilícitas e que costumava se ver como diferente dos gansos. Para ele, os gansos faziam coisas que ele nunca fez e nunca faria. Quando questionado se mesmo após o tratamento ele ainda via diferença entre eles, ele respondeu:

- Verdade ou mentira?... Vejo! Vejo! Eu tenho ainda uma grande dificuldade de lidar com o usuário de droga ilícita, eu ainda tenho. Eu sei que eu sou igual a ele, mas eu ainda tenho. Não que eu seja melhor ou pior do que ele, mas eu ainda tenho uma grande dificuldade de lidar com ele. (Sargento Luis)

Luis reconhece que existe semelhança entre ele e os gansos, mas relata dificuldade em concebê-los como semelhante. Cabe destacar que Luis, assim como a maior parte dos interlocutores do campo na clínica de reabilitação, é um conselheiro estagiário, isto é, um indivíduo que já passou pela internação e atualmente trabalha ajudando na internação dos pacientes que ainda estão na clínica. Portanto, é esperado desses indivíduos uma introjeção ainda maior dos valores propagados pelo tratamento.

A segunda situação, narrada por Cézar - um usuário de drogas ilícitas - propõe uma diferenciação entre ele e os demais gansos (não policiais).

- (...) eu fiquei puto pra caramba, mas eu adaptei essa escala ruim, nesse modo ruim, no caso, pra mim era bom porque eu tava... Todo dia eu usava droga. Por causa do vício, eu usava a droga todo dia. Porque a gente trabalhava na rua, aí eu prendia coisa de viciado, de vez em quando, até roubava algum dinheiro na rua... para pagar a minha passagem, porque no caso não daria... Metade do meu pagamento ficava na passagem e pra usar. Então, nessa época, foi uma época de todo dia eu usar. Todo dia, chegava... Eu já vinha trabalhar antes de [inaudível] com o dinheiro eu comprava, antes de assumir o serviço... Aí ia para o BPM [Batalhão de Polícia Militar], pegava o armamento e coisa... Mas eu sempre fui um cara que nunca fiz coisas anormais na cocaína, então não percebiam... A não ser chegar atrasado ou faltar, o meu trabalho eu conduzia normal. (Cézar)

Cézar se refere aos indivíduos de quem ele havia apreendido as drogas como “viciados”. Entretanto, em nenhum momento da entrevista ele utiliza o mesmo termo para referir a si próprio. Outro marcador de diferença presente nessa fala, e comum entre os policiais gansos, é o reforço da sua capacidade de conduzir o trabalho de maneira normal. O desempenho do trabalho apareceu diversas vezes como um elemento de distinção em relação aos demais usuários de drogas, que são considerados sujeitos desocupados.

Apesar das tentativas de se dissociarem desse estereótipo, no cotidiano da corporação, esses policiais serão sempre vistos como gansos. Mesmo nos casos em que se submetem ao tratamento e ficam “limpos5 5 Termo nativo oriundo do programa de Doze Passos para se referir ao período em que o indivíduo não está fazendo uso de drogas. ”, internamente continuarão sendo vistos como gansos ou se sentindo vistos como tal pelos pares. Lucas conta sobre a recepção que teve no trabalho após a internação:

- Até então, quando eu saí eu segurei a onda um tempo, né? Comecei a desempenhar o trabalho tranquilo, normal, até elogiado. Mas só foi questão de tempo. Aí depois desse vai e volta, aí nego já perde a confiança, né? Algumas brincadeiras de colega... (Lucas, ex-policial)

Lucas explica que as brincadeiras começaram depois da internação. Ele tinha dúvidas se já sabiam que ele era um ganso antes da internação. Mas ao retornar teve certeza. Como outros policiais entrevistados na clínica, a internação representou uma transição do desacreditável para o desacreditado (GOFFMAN, 1980GOFFMAN, Erving. Estigma: Notas sobre a manipulação da identidade deteriorada. Rio de Janeiro: Zahar, 1980.). A partir daquele momento, ele identificou que era visto como um ganso.

O diagnóstico de dependente pode operar sobre ele mesmo na tentativa de buscar explicações para o seu comportamento e pode operar ainda formalmente sobre a instituição, que não pode punir um indivíduo doente. Entretanto, não opera sobre os pares, considerando que mesmo após o tratamento ele continua sendo reconhecido com um ganso. Estar “limpo” parece não fazer diferença.

Apesar de argumentarmos na linha de não diferenciação entre os “gansos da rua” e os “gansos da corporação”, precisamos entender os limites dessas semelhanças. Ao mesmo tempo que os policiais gansos experienciam situações de descrédito na corporação antes e depois do tratamento, suas experiências com flagrantes de drogas tiveram desfecho distinto daquelas dos gansos não policiais. Em todos os casos de flagrantes narrados pelos policiais, foram adotadas resoluções informais e nenhum deles envolveu extorsão ou agressões. Os dois depoimentos a seguir narram essas situações:

- Várias vezes, saindo do Açu6 6 Os nomes dos locais e dos interlocutores são fictícios. , por exemplo, que é na Av. dos Pinheiros. Frequentemente. E eu até gostava, que eu ia muito com mulher, às vezes, à comunidade, que usava droga. “Tá com o soldado aqui, tá tranquilo”. Ficava rezando pra tomar uma dura, pra dar uma carteirada, né? Pra meter o pé, e eu me achar o cara, né? Isso acontecia. Mas nunca sofri reflexo ou retaliação da Polícia Militar em si, não, só sacanagem mesmo de, às vezes, o cara ficar falando: “Porra, meu irmão, tá de sacanagem? Vem aí, compra droga, toma tiro e não sei o quê”. Contava uma história e ia embora. (Gabriel)

- (...) só uma vez, eu fui parado, mas eu nem estava com droga, eu tinha mandado um garoto ir comprar pra mim. Isso foi lá em Acari, uma vez... Aí me pararam, me perguntaram o que eu tava fazendo, eu me identifiquei... Eles não deixaram nem eu me identificar muito porque era local de risco, né? Para me resguardar [eu disse]: “Não, tá tranquilo...valeu!”. E nas outras vezes... Na época que eu ficava na área do BPM [Batalhão de Polícia Militar] ali, geralmente, eu não era abordado por ninguém porque eu era da guarda do BPM, então eu conhecia todos os policiais, então eles me viam e nem me paravam. (Cézar)

Portanto, argumentamos que, apesar de os policiais gansos estarem sujeitos ao descrédito dos seus pares e os superiores, e de sofrerem com piadas ou demais formas de humilhações no cotidiano de trabalho, os trechos indicam a existência de uma mediação distinta do flagrante de drogas quando há policiais envolvidos, sugerindo que, nesses momentos, uma ética corporativa se sobrepõe ao estereótipo do ganso. Ainda que um dos relatos apresente uma preleção moral por parte dos policiais que realizaram a abordagem, em ambas as situações há uma tentativa de preservação desses policiais gansos.

Considerações finais

Respondendo à questão colocada pelo título do trabalho, é possível identificar que ganso é um termo que contempla diferentes formas de envolvimento com as drogas - usuários ou traficantes - e pode ser usado para se referir a diferentes atores sociais - policiais ou não policiais. Em todas essas formas, o ganso representa um indivíduo portador de um estigma composto por partir de características consideradas deterioradas pelos policiais.

No entanto, a gestão desse estigma não será a mesma para os dois grupos. Becker (2008BECKER, Howard. Outsiders: Estudos de sociologia do desvio. Rio de Janeiro: Zahar, 2008.) afirma que graus de desvio variam caso a caso, e que essas variações dependem de quem o comete e de quem se sente prejudicado por seu cometimento. Nessa perspectiva, a gestão dos “gansos da rua” é composta por tentativas de criminalização por meio de mecanismos, legais ou não. E, aos gansos policiais, caberá a invisibilidade e o descrédito, em uma tentativa de afastar esses indivíduos da imagem esperada para um policial militar.

Institucionalmente, a partir do momento em que é possível a existência da uma clínica para policiais usuários de drogas dentro da própria corporação, identificamos uma diferença de postura no tratamento dado aos gansos “de dentro” e “de fora”. Além disso, os desfechos das abordagens aos policiais gansos destacam uma maior “camaradagem” entre os pares do que em relação aos demais gansos. Nesses momentos, constatamos os limites do estereótipo do policial ganso, ou seja, apesar de ser desacreditado internamente, nas situações de abordagem, os policiais avaliam que a exposição do policial ganso pode colocar em risco sua vida ou afetar a imagem da corporação. Nesse sentido, a lógica corporativista se sobressai e o policial é preservado.

Identificamos, ainda, uma extrapolação do ganso para além do cotidiano da Polícia Militar, por meio da atuação do grupo miliciano Caçadores de Gansos. Por se tratar de um acontecimento recente, ainda é preciso aprofundar análises desse grupo. No entanto, a manutenção de uma página em uma rede social que estimulava e divulgava as mortes dos gansos já indica como a categoria extravasa o cotidiano policial, em uma tentativa de regulação moral da sociedade, ampliando o escopo desse estigma ao colocar o termo em diálogo com contextos e indivíduos externos à corporação.

Além das categorias, é importante notar como elas se atravessam. Em um momento, o policial utiliza a categoria ganso como critério de desqualificação; em outro, pode ser desqualificado por ela. Ser desqualificado por ela implica em tornar-se tão desqualificado e repulsivo como os gansos que são alvos preferenciais do trabalho policial. Aos policiais gansos caberão os olhares desconfiados e a posição de exemplo de uma falácia pessoal, ou seja, alguém que não representa a instituição em seus valores e representações.

Considerando a perspectiva de que nem todos os policiais gansos estão em tratamento ou ocupando posições internas de baixo prestígio nas unidades, sugerimos também a possibilidade de que ambos os papéis possam ser ocupados simultaneamente pelos policiais. Ou seja, de que existam policiais gansos abordando “gansos da rua” ou policiais abordando policiais gansos. Com isso, chamamos atenção para a complexidade das formas de controle do uso e comércio de drogas e para a possibilidade de fluidez entre os papeis de quem as consome e quem controla o consumo.

O ganso se torna um indivíduo desprezível para a polícia por representar um símbolo da “guerra” a que os policiais são diariamente expostos, seja no confronto direto com os policiais ou no “sustento do tráfico”. Em qualquer dos contextos, lidar com os gansos é parte do trabalho policial. No entanto, a interação entre eles e os demais policiais pode interferir na forma como experimentarão o poder policial, que pode envolver desde sermões, isolamento institucional, tentativas de tratamento e prisão até medidas mais duramente punitivas, nem sempre previstas pela lei.

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  • FERNANDA NOVAES CRUZ

    (fernandanovaescruz@gmail.com) é pesquisadora de pós-doutorado no Núcleo de Estudos da Violência (NEV) da Universidade de São Paulo (USP, Brasil). É doutora pelo Programa de Pós-Graduação em Sociologia (PPGS), do Instituto de Estudos Sociais e Políticos (Iesp), da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj, Brasil), mestre pelo Programa de Pós-Graduação em Ciências Sociais (PPCIS), da Uerj, e tem graduação em ciências sociais pela mesma universidade e em comunicação social pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ, Brasil). É bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) (processo nº 2019/09663-9).

Notas

  • 1
    A fim de preservar o anonimato dos interlocutores, todos os nomes apresentados neste trabalho são fictícios.
  • 2
    O conceito de milícia pode ser resumido pela confluência de cinco traços centrais: (1) domínio territorial e populacional de áreas reduzidas por parte de grupos armados irregulares; (2) coação, em alguma medida, contra moradores e comerciantes; (3) motivação de lucro individual como elemento central, para além das justificativas retóricas oferecidas; (4) discurso de legitimação relativo à libertação do tráfico e à instauração de uma ordem protetora — diferentemente do tráfico, por exemplo, que se impõe simplesmente pela violência (ver Machado da Silva [2004]), as milícias pretendiam se apresentar como uma alternativa positiva; e (5) participação pública de agentes armados do Estado em posições de comando (CANO e DUARTE, 2012, p. 15).
  • 3
    Esse processo é descrito com maiores detalhes em Cruz (2019).
  • 4
    O programa é oriundo de irmandades como Alcóolicos Anônimos e Narcóticos Anônimos. Para seus membros, a dependência química é uma doença hereditária, incurável e mortal. Por não existir cura, a única forma de tratamento possível é a abstinência não apenas da substância, mas também dos locais, pessoas e situações que rememorem o uso das substâncias.
  • 5
    Termo nativo oriundo do programa de Doze Passos para se referir ao período em que o indivíduo não está fazendo uso de drogas.
  • 6
    Os nomes dos locais e dos interlocutores são fictícios.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    05 Fev 2021
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2021

Histórico

  • Recebido
    26 Nov 2019
  • Aceito
    09 Set 2020
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