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EDUCAÇÃO PROFISSIONAL E TECNOLÓGICA: ESPAÇO-TEMPO DE FORMAÇÃO HUMANA?

PROFESSIONAL AND TECHNOLOGICAL EDUCATION: SPACE-TIME OF HUMAN FURTHERANCE?

EDUCACIÓN PROFESIONAL Y TECNOLÓGICA: ¿ESPACIO-TIEMPO DE LA FORMACIÓN HUMANA?

RESUMO

O presente artigo, situado no campo da filosofia da educação, tematiza a educação profissional e tecnológica enquanto espaço-tempo de formação humana. Para defender a tese da precedência da formação humana e cidadã, estrutura o argumento em três partes: na primeira, revisita os gregos antigos, fundadores da ideia educativa e raiz do dualismo entre formação profissional e formação geral; na segunda, analisa a concepção de educação omnilateral em Marx, a qual critica a herança da educação clássica e propõe a superação de tal dualismo pela união entre ensino e trabalho; e na terceira, com base na ideia-força grega da skholé, reinterpretada por Rancière e Masschelein, pensa a educação profissional e tecnológica como espaço-tempo de formação humana, enquanto possibilita o tempo livre que coloca em suspensão a lógica desigual do mundo do trabalho.

Palavras-chave:
Educação profissional; Formação humana; Skholé

ABSTRACT

This philosophy of education article discusses professional and technological education as a space-time in human furtherance. The argument is structured in three parts: first, it revisits the ancient Greeks, founders of the educational idea of the dualism between professional education and general education. Second, it analyzes Marx’s conception of omnilateral education, which criticizes the legacy of classical education and proposes overcoming such dualism by uniting teaching and work. Third, based on the Greek strength-idea of skholé, revisited by Rancière and Masschelein, it presents professional and technological education as a space-time of human furtherance, while enabling free time that suspends the unequal logic of the world of work.

Keywords
Professional education; Human furtherance; Skholé

RESUMEN

Este artículo, ubicado en el campo de la filosofía de la educación, discute la educación profesional y tecnológica como un espacio-tiempo de formación humana. Para defender la tesis de la precedencia de la formación humana y ciudadana, el argumento se estructura en tres partes: primero, se revisita a los antiguos griegos, fundadores de la idea educativa y raíz del dualismo entre formación profesional y formación general; en segundo lugar, analiza la concepción de educación omnilateral de Marx, que critica la herencia de la educación clásica y propone superar tal dualismo uniendo enseñanza y trabajo; tercero, a partir de la idea-fuerza griega de skholé, reinterpretado por Rancière y Masschelein, piensa la educación profesional y tecnológica como espacio-tiempo de formación humana, mientras posibilita el tiempo libre que pone en suspensión la lógica desigual del mundo del trabajo.

Palabras clave
Educación professional; Formación humana; Skholé

INTRODUÇÃO

A sociedade brasileira historicamente tem, como uma de suas características centrais, uma enorme e ampla desigualdade social. Essa desigualdade está intimamente relacionada com a história da educação brasileira, marcada pelo dualismo e pela diferenciação entre a educação possibilitada aos trabalhadores e aquela oferecida às classes mais favorecidas (FRIGOTTO, 2010FRIGOTTO, G. A relação da educação profissional e tecnológica com a universalização da educação básica. In: MOLL, Jaqueline (org.). Educação profissional e tecnológica no Brasil contemporâneo: desafios, tensões e possibilidades. Porto Alegre: Artmed, 2010. p. 25-41., p. 32). Tal dualismo na educação pode ser compreendido pela existência de dois itinerários formativos, um de caráter técnico e profissionalizante, voltado para a formação de mão de obra, e o outro com caráter de formação geral voltado às classes dominantes (ZATTI, 2012ZATTI, V. Educação técnico-científica emancipatória nos IFETs: um olhar através de Habermas e Freire. Tese (Doutorado em Educação) 209f. – Universidade Federal do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2012., p. 142). Nessa lógica educacional dualista, a educação profissional e tecnológica (EPT)1 1 Considera-se como definição de educação profissional e tecnológica (EPT) a modalidade de educação estabelecida pela Lei nº 9.394/1996, em seu artigo 39, ou seja, a formação voltada às dimensões do trabalho, da ciência e tecnologia, tendo como finalidade preparar para o exercício profissional, por meio dos diferentes níveis e modalidades de cursos previstos na Lei nº 11.741/2008. é restrita à formação do “cidadão produtivo”, resultando em trabalhadores submissos e adaptados às necessidades do capital e do mercado (FRIGOTTO, 2010FRIGOTTO, G. A relação da educação profissional e tecnológica com a universalização da educação básica. In: MOLL, Jaqueline (org.). Educação profissional e tecnológica no Brasil contemporâneo: desafios, tensões e possibilidades. Porto Alegre: Artmed, 2010. p. 25-41., p. 27), o que contribui para reproduzir uma sociedade desigual.

A revisão da história da EPT brasileira feita por Moura (2010, p. 61-76)MOURA, D. Ensino médio e educação profissional: dualidade histórica e possibilidade de integração. In: MOLL, Jaqueline (org.). Educação profissional e tecnológica no Brasil contemporâneo: desafios, tensões e possibilidades. Porto Alegre: Artmed, 2010. p. 58-79. evidencia seu caráter dual. Recentemente, em 2008, os Institutos Federais de Educação (IFs) foram criados com a pretensão de superar tal dualidade histórica, de modo a integrar a capacitação profissional à formação geral, reconhecendo a precedência da formação humana e cidadã, sem a qual não há desenvolvimento social (PACHECO; REZENDE, 2009PACHECO, E; REZENDE, C. Institutos federais: um futuro por armar. In: REZENDE, Caetana (org.). Institutos Federais lei 11.892, de 29/11/2008: comentários e reflexões. Natal: IFRN, 2009. p. 6-11., p. 9). Trazemos tais considerações iniciais com as intenções de contextualizar a questão e justificar a importância de tratarmos dela: a histórica separação dos trabalhadores da possibilidade de uma formação geral, bem como o caráter recente das tentativas de construção de uma formação integral na educação profissional (no caso dos IFs), explica a relevância de uma abordagem filosófica sobre a questão da formação humana na EPT.

Este artigo situa-se no campo da filosofia da educação, e as reflexões aqui apresentadas constituem uma hermenêutica fundada em revisão bibliográfica. Fundamentamo-nos na tese de que a educação possui um caráter formativo de modo incontornável, o que se aplica também à EPT.

Para argumentar em favor da tese de que a questão da formação humana e cidadã possui precedência também na EPT, estruturamos o artigo em três partes. Primeiramente, retornamos aos gregos antigos, aqueles que moldaram a ideia educativa em seu alvorecer2 2 Afirmar que os gregos moldaram a ideia educativa em seu alvorecer não significa negar que outros povos, até mais antigos, tiveram uma educação, pois, como afirma Jaeger (2001, p. 3), “todo povo que atinge um certo grau de desenvolvimento sente-se inclinado à prática da educação”. Todavia, foram os gregos que nos legaram a materialidade de uma tradição literário-filosófica, a qual está na origem do que compreendemos como educação, por estabelecer pela primeira vez de modo consciente um ideal de cultura como princípio formativo (JAEGER, 2001, p. 8). , para revisarmos tanto a elaboração do ideário educativo como um processo de formação humana quanto as origens do dualismo entre formação profissional e formação geral. Em seguida, analisamos a concepção de educação omnilateral em Marx, que critica a herança da educação clássica e busca pensar a educação como um processo formativo em que o trabalho e a formação geral estão necessariamente indissociados. Por fim, revisitamos a concepção grega de skholé, por meio de abordagens contemporâneas, para pensar a EPT como espaço-tempo de formação humana.

Formação Humana e Educação Profissional na Antiguidade Grega

Os gregos antigos definiram, originariamente, o que entendemos como educação. Desde o período arcaico, está presente, de modo embrionário, o sentido educativo posteriormente consolidado. Com Homero, a educação converteu-se pela primeira vez em formação do ser humano em sua integralidade, a exemplo do que vemos em Ilíada, quando retrata Fênix declarando que ensinou tudo a Aquiles, “como ser orador de discursos e fazedor de façanhas” (HOMERO, 2013HOMERO. Ilíada. São Paulo: Penguin-Companhia das Letras, 2013., IX, v. 443). Nota-se que Fênix, ao falar do “tudo” que ensinou a Aquiles, não menciona a instrução militar, o que corresponderia ao aspecto técnico de sua formação. Menciona sim os aspectos relacionados com a ação política (orador de discursos) e ética (fazedor de façanhas), demonstrando seu zelo pela formação de Aquiles enquanto homem e cidadão, e não apenas como guerreiro.

O que está anunciado embrionariamente em Homero foi desenvolvido no período clássico por meio do conceito de paideia3 3 Paideia é uma expressão grega de difícil tradução. Representa a unidade de conceitos como educação, cultura, civilização, tradição, literatura. Para saber mais, ver Jaeger (2001). . Esta inaugurou a compreensão da educação enquanto processo de formação humana, não restrita a apenas um aspecto: capacitação, instrução, profissionalização. A paideia foi concebida como um ideal de formação geral cujo objetivo era cultivar o ser humano em sua completude. Visava à modelagem de um ser humano integral, tendo em vista o desenvolvimento humano em sua máxima potencialidade, em sua excelência, ou, em outras palavras, de acordo com uma imagem ideal ou universal de humanidade.

Assim, a educação foi concebida fundamentalmente como uma tarefa moral, com base em uma imagem universal de humanidade: formar a individualidade para o desenvolvimento da autonomia espiritual. Desse modo, paideia designa educação enquanto “estado de um espírito plenamente desenvolvido, tendo desabrochado todas as suas virtualidades, o do homem tornando verdadeiramente homem” (MARROU, 1990MARROU, H. I. História da educação na Antiguidade. São Paulo: EPU, 1990., p. 158-159). Por isso, é a expressão mais genuína da liberdade humana, pela qual o ser humano empreende um esforço para realizar a si mesmo.

Por sua vez, na Grécia Antiga tal possibilidade de educação para desenvolver na individualidade a excelência humana era demarcada pela condição de homem livre (eleuthéros). A liberdade (eleuthería) tinha como principal característica certa condição de nobreza estabelecida em oposição àqueles que tinham a obrigação de garantir seu sustento pela submissão à determinada ocupação ou ofício, uma téchne (SPINELLI, 2017SPINELLI, M. Ética e política: a edificação do éthos cívico da paideia grega. São Paulo: Loyola, 2017., p. 158). Só aqueles que não precisavam submeter-se ao exercício de um ofício para prover a sobrevivência eram considerados efetivamente livres, pois tinham o tempo livre necessário para dispor a si próprios em vista do que quisessem, incluindo o autoaperfeiçoamento pela educação (SPINELLI, 2017SPINELLI, M. Ética e política: a edificação do éthos cívico da paideia grega. São Paulo: Loyola, 2017., p. 159).

A principal condição de liberdade derivava essencialmente da posse de riqueza econômica, que concedia o tempo livre, o ócio, em oposição àqueles que tinham seu tempo esgotado no exercício de um ofício. A possibilidade de reger a si mesmo decorre do tempo livre, da não necessidade de ocupar-se com o trabalho. “Assim, por princípio, era o tempo livre (o ócio, a desocupação) que viabilizava a condição de homem livre (o estar disponível)” (SPINELLI, 2017SPINELLI, M. Ética e política: a edificação do éthos cívico da paideia grega. São Paulo: Loyola, 2017., p. 159). Portanto, a condição de reger a si mesmo, ser livre, na pólis grega antiga, decorria do tempo livre de que se dispunha.

Esses homens com tempo livre tinham a possibilidade de dedicar-se ao estudo desinteressado, simplesmente por contribuir com o autodesenvolvimento, e sem nenhum vínculo profissionalizante. Essa educação desinteressada que visava à formação do homem enquanto homem ficou conhecida como educação liberal e os saberes que a compunham como artes liberais4 4 Para saber mais sobre a origem das artes liberais, ver Spinelli (2017, p. 160-162). Para saber mais sobre a divisão das artes liberais em Trivium e Quadrivium a partir do fim da Antiguidade, ver Marrou (1990, p. 277). .

É atribuída ao filósofo e matemático Pitágoras a proposição da escolaridade como uma ocupação liberal, referida não à capacitação para os ofícios, mas à possibilidade de dispor de si mesmo, em função do ócio, para buscar a ilustração e cultivar o espírito livre, no entanto foi Aristóteles quem conotou de liberal as artes ou disciplinas que compunham o ciclo de escolaridade básica (a egkýklios paideia) grega (SPINELLI, 2017SPINELLI, M. Ética e política: a edificação do éthos cívico da paideia grega. São Paulo: Loyola, 2017., p. 162).

Essas artes liberais eram consideradas ocupações dignas dos homens livres, pois excluíam as ocupações laborais, estas tidas como indignas de um homem livre: “As artes, os ofícios e em geral o trabalho manual, [...] julgado próprio do escravo” (ABBAGNANO, 1962ABBAGNANO, N. Dicionário de filosofia. 2. ed. São Paulo: Mestre Jou, 1962., p. 210). Por isso, a pedagogia clássica desdenhava da formação técnica, buscava formar o ser humano em si, tendo como base uma cultura geral desinteressada. Desse modo, as artes liberais compunham a paideia do cidadão livre (ZATTI; PAGOTTO-EUZEBIO, 2022ZATTI, V; PAGOTTO-EUZEBIO, Marcos. Educação como processo de formação humana: uma revisão em filosofia da educação ante a premência da utilidade. São Paulo: Feusp, 2022. https://doi.org/10.11606/9786587047294
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, p. 30), porém cabe um adendo: a visão depreciativa em relação à experiência e à técnica caracteriza com maior propriedade o período clássico, especialmente Platão; em outros períodos da Antiguidade grega, como o dos filósofos naturalistas pré-socráticos, tal desvalorização não ocorreu com a mesma intensidade (FARRINGTON, 1961FARRINGTON, B. A ciência grega. São Paulo: Ibrasa, 1961.).

Essa elaboração de uma paideia como formação humana integral pelas artes liberais que, no entanto, excluía do processo formativo qualquer vínculo com o mundo do trabalho supunha uma divisão social radical entre aqueles que ocupavam seu tempo com o trabalho para sobreviver e aqueles que estavam dispensados do trabalho e, por isso, podiam utilizar o tempo livre para fins não produtivos. Tal divisão social fazia com que os chamados homens livres desprezassem o trabalho – algo indigno, inferior, impróprio para eles. É o que mostra Domenico de Masi (2022)MASI, D. O trabalho no século XXI. Rio de Janeiro: Sextante, 2022. ao falar sobre a sociedade grega antiga: “Os trabalhos físicos e os trabalhos assalariados devem ser considerados desprezíveis. Os primeiros porque impedem que o corpo e a alma exerçam a virtude; os segundos ‘porque eliminam o ócio da mente e a fazem mesquinha’” (DOMENICO D. MASI, 2022MASI, D. O trabalho no século XXI. Rio de Janeiro: Sextante, 2022., p. 218). Essa divisão social em que o trabalho é tratado como algo indigno fez com que no âmbito da educação a formação com vistas à excelência humana desconsiderasse completamente os saberes técnicos e profissionalizantes.

Domenico de Masi (2022, p. 218)MASI, D. O trabalho no século XXI. Rio de Janeiro: Sextante, 2022. afirma que, para os gregos, em relação ao trabalho, havia três condições diferentes:

  • A atividade, ou seja, o trabalho físico, artesanal ou comercial;

  • O descanso puro e simples;

  • O ócio ou tempo livre (skholé), que possuía um sentido quase nobre. É o tempo que os homens livres dispunham para dedicar-se às artes liberais.

Haja vista essa relação social com o trabalho, existem dois tipos de formação distinta, uma voltada para o treinamento técnico, e outra, para o ócio. Em Aristóteles (2019)ARISTÓTELES. Política. Tradução: Maria Aparecida de Oliveira Silva. São Paulo: Edipro, 2019., há um delineamento apartando a formação orientada para a atividade (trabalho) e aquela orientada para o ócio, pois elas visam ao cultivo de virtudes distintas. “Portanto, há a necessidade de coragem e de resistência para o trabalho, e da filosofia para o tempo livre, da paz e da justiça em ambos os momentos” (ARISTÓTELES, 2019, VII, 1334a23-25). Dois aspectos importantes a se notar nessa citação. O primeiro é que Aristóteles não identifica o ócio com o simples descanso ou com o entretenimento. Para Masi (2022, p. 219)MASI, D. O trabalho no século XXI. Rio de Janeiro: Sextante, 2022., essa compreensão de ócio é a principal distinção entre nós e os gregos. Quanto ao segundo aspecto, o ócio diz respeito à filosofia, ao amor pela sabedoria. Portanto, o ócio é tempo típico da paideia, utilizado para cultivar a si mesmo, fazer-se virtuoso em sentido mais nobre.

É da possibilidade do ócio ou tempo livre (skholé), próprio dos cidadãos livres, que não necessitavam se ocupar com o trabalho, que surgiu uma das grandes criações culturais gregas, a forma escolar5 5 A skholé não coincide com o que entendemos hoje como escola, no entanto é com a skholé que se estabelece uma forma simbólica, a forma escolar, o que está na origem de nossas escolas contemporâneas e das demais experiências escolares construídas ao longo do tempo. Na Grécia Antiga, a skholé representava a condição dos homens livres, que não tinham seu tempo esgotado nas atividades produtivas, por isso podiam dedicar seu tempo livre a atividades desinteressadas, incluindo o estudo. Já as escolas como conhecemos na atualidade são instituições que se consolidaram na modernidade. Estas, mesmo tributárias à forma escolar estabelecida pelos gregos com a skholé, caracterizam-se pelo caráter de disciplinamento do tempo e do espaço. . Na “escola”, a educação grega voltada para o ócio possibilitava a imersão na formação ética, política, estética. Visava à formação do homem enquanto homem e cidadão, por isso constituída de saberes desinteressados, as artes liberais, desvinculadas de interesses propriamente úteis para o mundo produtivo. “Que assim existe um tipo de educação que deve ser dada aos filhos, não porque seja algo útil nem algo necessário, mas porque é digna de um homem livre e bela” (ARISTÓTELES, 2019ARISTÓTELES. Política. Tradução: Maria Aparecida de Oliveira Silva. São Paulo: Edipro, 2019., VIII, 1338a31-33). Então, essa paideia, fundada em uma formação geral desinteressada, era para os gregos a educação considerada digna dos homens livres e, na prática, restrita a eles, aos que possuíam tempo livre.

Portanto, a escola cuja forma os gregos inauguraram não estava voltada para a formação dos trabalhadores, mas, como a própria palavra skholé (ócio, tempo livre) sugere, o tempo escolar era destinado aos livres (eleuthérois). A formação para a atividade (ofícios, trabalho) não era algo do âmbito escolar. As aprendizagens ligadas à téchne (artes e ofícios, técnicas) se davam no próprio mundo produtivo por intermédio da realização do trabalho sob a orientação de um trabalhador experiente, hábil na téchne a ser ensinada ao aluno-trabalhador.

A divisão social entre aqueles que trabalhavam e eram ensinados na própria dinâmica do processo produtivo e aqueles que tinham tempo livre e, por essa razão, usufruíam o espaço-tempo escolar para sua formação está refletida, talvez também legitimada, no pensamento dos grandes filósofos gregos do período clássico. Platão (2019)PLATÃO. A República. Tradução: Edson Bini. 3. ed. São Paulo: Edipro, 2019., por exemplo, em A República, apresenta as “artes e ofícios” como vis e mecânicos.

Tal definição precisa ser situada no quadro ontológico platônico, que compreende a realidade cindida em dois mundos, o sensível (material) e o inteligível (ideal – mundo das ideias), do qual decorre uma compreensão antropológica dualista, o corpo como algo inferior, enquanto pertencente ao plano sensível, e a alma (psyché) como algo superior, enquanto pertencente ao plano inteligível. As atividades ligadas ao corpo seriam inferiores, o que está em consonância com o desprezo que os gregos tinham pelo trabalho. Desse desprezo pelo trabalho decorre a ideia de que a instrução nas “artes e ofícios”, ou uma educação profissional para o trabalho, é algo vil e mecânico, algo inferior a uma educação filosófica, esta sim capaz de formar para a virtude, tornar virtuosa a parte superior em nós, a alma, pois “retira a alma do vir a ser para o ser” (Platão, 2019PLATÃO. A República. Tradução: Edson Bini. 3. ed. São Paulo: Edipro, 2019., 521d).

Para aqueles que não se ocupariam com as artes nem com os ofícios, só para eles, e teriam tempo livre para cultivar a excelência das virtudes da alma (psyché), era considerada imprescindível uma educação propriamente dita. Em A República, Platão (2019)PLATÃO. A República. Tradução: Edson Bini. 3. ed. São Paulo: Edipro, 2019. propõe como clímax de sua paideia a formação do governante-filósofo, este uma espécie de herói capaz de trazer justiça à pólis. Ao referir-se a esse governante-filósofo, Platão (2019)PLATÃO. A República. Tradução: Edson Bini. 3. ed. São Paulo: Edipro, 2019. explicita a importância dada à educação: “Ora, acho que a natureza do filósofo tal como a definimos se desenvolverá necessariamente no sentido de atingir toda a virtude se receber o ensino apropriado” (PLATÃO, 2019PLATÃO. A República. Tradução: Edson Bini. 3. ed. São Paulo: Edipro, 2019., 492a). Nessa citação, deixa claro que, para ele, tal educação não se refere à capacitação para nenhuma atividade técnica ou profissionalizante, mas constitui uma tarefa moral; o ensino apropriado é posto como condição para que se possa atingir a virtude.

De fato, a educação dos homens livres na Grécia Antiga era compreendida como uma tarefa moral, formação ética e política para cultivar a virtude do homem-cidadão, isso concebido como algo separado da formação para o trabalho, pois esta última não corresponderia às virtudes próprias nem dignas desses homens livres.

Tal separação entre paideia (educação) e trabalho resultou na época helenística no que Marrou (1990, p. 300)MARROU, H. I. História da educação na Antiguidade. São Paulo: EPU, 1990. diagnostica: a ausência de escolas de ensino técnico, ou disciplinas técnicas, com exceção da medicina. Engenheiros, agrimensores, marinheiros e outras profissões que exigiam alguma qualificação técnica não eram formados em escolas, mas na relação de convivência do aprendiz com seu artífice na dinâmica do trabalho (MARROU, 1990MARROU, H. I. História da educação na Antiguidade. São Paulo: EPU, 1990., p. 301), ou a qualificação era passada de pai para filho como um dote que garantiria a sobrevivência da família (SPINELLI, 2017SPINELLI, M. Ética e política: a edificação do éthos cívico da paideia grega. São Paulo: Loyola, 2017., p. 125).

Desse modo, a Antiguidade grega estabeleceu, originariamente, a ideia de educação como um processo de formação integral do ser humano. Ao fazer isso, desenvolveu uma paideia fundada na ideia de formação geral e desinteressada voltada para o cultivo da excelência humana. Os gregos antigos criaram também a forma escolar, destinando aos homens livres um espaço-tempo próprio para sua formação, no entanto mantiveram os aspectos formativos ligados ao exercício profissional, apartados do espaço-tempo escolar. Assim, sua definição de formação humana integral careceu de um aspecto da totalidade do humano, aquele relacionado ao trabalho. Por isso, o dualismo entre uma formação geral e a educação profissional remonta à concepção da forma escolar na Antiguidade grega.

Formação Humana e Educação Profissional no Pensamento Marxista

A pedagogia marxista é herdeira da tradição educativa clássica, enquanto também entende a educação como processo de formação humana, no entanto, ao mesmo tempo, a contrapõe ao tomar o trabalho como princípio educativo. Se os gregos antigos conceberam uma ideia de formação integral do humano excetuando o aspecto da formação para o trabalho, como tematizado no item anterior, por outro lado em Marx o trabalho é o princípio pelo qual se pode edificar uma formação integral, ou formação omnilateral6 6 Para saber mais sobre o termo omnilateralidade, ver Sousa Junior (2009) e Manacorda (2017, p. 88-94). , termo este utilizado pelos marxistas.

A formação omnilateral (ou onilateral) é um conceito dorsal da pedagogia marxista. Representa a educação que busca levar em conta a totalidade das dimensões humanas com o objetivo de desenvolver plenamente o ser humano. Manacorda (2017, p. 88)MANACORDA, M. Marx e a pedagogia moderna. 3. ed. Campinas: Alínea, 2017. define-a como “um desenvolvimento total, completo, multilateral, em todos os sentidos, das faculdades e das forças produtivas, das necessidades e da capacidade de satisfação”. Portanto, representa uma compreensão de educação integral pela qual o ser humano tem a possibilidade de seu desenvolvimento total ou completo. Sousa Junior (2009)SOUSA JUNIOR, J. Omnilateralidade. In: Dicionário da Educação Profissional em Saúde. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz / Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, 2009. Disponível em: http://www.sites.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/omn.html. Acesso em: 7 ago. 2022.
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faz uma definição de omnilateralidade por oposição, ou seja, define o homem unilateral para inferir o homem omnilateral como seu oposto, sua ruptura e superação.

A unilateralização do ser humano é definida como um fenômeno da sociedade de classes, em que há a divisão do trabalho. Tal divisão torna o ser humano unilateral, pois aqueles que não são donos dos meios de produção, os trabalhadores, precisam vender a única coisa que possuem, sua força de trabalho, a qual passa a ser igualada a qualquer mercadoria. “A existência do trabalhador é reduzida à condição de qualquer outra mercadoria” (Marx, 2010MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2010., p. 24). Assim, o trabalho, que, segundo o materialismo histórico, originariamente está relacionado com a totalidade da constituição do humano, passa a ser reduzido a apenas um aspecto, produção de mercadoria para reproduzir o capital, enquanto é vendido também como mercadoria.

O filósofo alemão entende ser a propriedade privada o elemento decisivo para a imposição da unilateralidade no capitalismo, pois reduz a atividade vital à posse: “A propriedade privada nos fez tão cretinos e unilaterais que um objeto somente é nosso se o temos, portanto, quando existe para nós como capital ou é por nós imediatamente [...] usado” (MARX, 2010MARX, K. Manuscritos econômico-filosóficos. São Paulo: Boitempo, 2010., p. 108). A divisão social instituída pela propriedade privada acaba por negar ao trabalhador o resultado do seu trabalho, pelo qual poderia se desenvolver omnilateralmente. Em vez disso, torna sua existência unilateralizada ao restringi-la à atividade produtiva.

A superação da condição unilateral supõe, então, a superação dos elementos que dividem a sociedade em classes. Dito de outro modo, supõe a superação da propriedade privada, para que a totalidade das forças produtivas esteja disponível para o desenvolvimento humano omnilateral. Ou seja, a omnilateralidade supõe a apropriação da totalidade das forças produtivas pela totalidade dos indivíduos livremente associados: “A apropriação de uma totalidade de instrumentos de produção é, precisamente por isso, o desenvolvimento de uma totalidade de capacidades nos próprios indivíduos” (MARX; ENGELS, 2007MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007., p. 73). Tal citação explicita que, para Marx e Engels (2007)MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007., o desenvolvimento humano “espiritual” e o material não estão dissociados. Logo, ambos entendem a propriedade privada e sua superação como a questão-chave para eliminar a unilateralização humana e possibilitar uma formação omnilateral.

A unilateralização aliena o ser humano, pois o trabalho é reduzido a um meio para a subsistência. Para Marx, o trabalho também consiste em um meio de vida, mas não apenas; é fundamentalmente atividade vital pela qual o ser humano se autoproduz enquanto tal. Isso significa que o filósofo entende o trabalho como princípio ontológico: “O processo do ser humano produzir a si mesmo, na relação com os outros, efetiva-se socialmente e pela atividade prática do trabalho na produção dos bens materiais que lhes garantem a sua produção e reprodução vital” (FRIGOTTO, 2021FRIGOTTO, G. Marx, educação e estado democrático de direito. In: CAETANO, Maria Raquel; PORTO JÚNIOR, Manoel José; CRUZ SOBRINHO, Sidinei (org.). Educação profissional e os desafios da formação humana integral: concepções, políticas, contradições. Curitiba: CRV, 2021. p. 47-64., p. 51).

A ontologia materialista de Marx se fundamenta no fato de que o ser humano é historicamente constituído nas relações sociais. Isso significa que não nascemos humanos; tornamo-nos humanos em sociedade (FRIGOTTO, 2021FRIGOTTO, G. Marx, educação e estado democrático de direito. In: CAETANO, Maria Raquel; PORTO JÚNIOR, Manoel José; CRUZ SOBRINHO, Sidinei (org.). Educação profissional e os desafios da formação humana integral: concepções, políticas, contradições. Curitiba: CRV, 2021. p. 47-64., p. 50). Tal caráter social do ser humano é explicitado na Tese VI sobre Feuerbach: “Mas a essência humana não é uma abstração intrínseca ao indivíduo isolado. Em sua realidade, ela é o conjunto das relações sociais” (MARX; ENGELS, 2007MARX, K.; ENGELS, F. A ideologia alemã. São Paulo: Boitempo, 2007., p. 534). Ou seja, nossa humanização depende do desenvolvimento histórico do trabalho socialmente concebido. Enquanto produz seus meios de vida, o ser humano autoproduz-se como ser genérico, como humanidade. Por isso, o trabalho possibilitou o nascimento do homem como obra de si mesmo.

Da compreensão marxista do trabalho como princípio ontológico, deriva outra, a do trabalho como princípio educativo: “O trabalho como princípio educativo deriva, em Marx, do fato de que é pelo trabalho que o ser humano se torna humano e por ele produz e reproduz a sua vida” (FRIGOTTO, 2021FRIGOTTO, G. Marx, educação e estado democrático de direito. In: CAETANO, Maria Raquel; PORTO JÚNIOR, Manoel José; CRUZ SOBRINHO, Sidinei (org.). Educação profissional e os desafios da formação humana integral: concepções, políticas, contradições. Curitiba: CRV, 2021. p. 47-64., p. 54). Na medida em que se autoproduz pelo trabalho, o ser humano gera uma série de instrumentos e conhecimentos estruturantes para seu ser genérico (humanidade). A reprodução da vida humana depende do ensino e da aprendizagem desses saberes. Originariamente, o ser humano não sabe produzir-se enquanto tal, bem como cada ser humano quando nasce não sabe produzir-se como humano. Tanto a espécie quanto cada um quando nasce precisa aprender a produzir a própria existência, o que estabelece um vínculo incontornável entre a formação e o trabalho. Há uma relação originária de identidade entre trabalho e educação tendo em vista que o ser humano aprende a produzir sua existência no próprio ato de produzi-la (ZATTI; PAGOTTO-EUZEBIO, 2022ZATTI, V; PAGOTTO-EUZEBIO, Marcos. Educação como processo de formação humana: uma revisão em filosofia da educação ante a premência da utilidade. São Paulo: Feusp, 2022. https://doi.org/10.11606/9786587047294
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, p. 127).

Dados tais vínculos entre trabalho e educação, a tradição literária marxista entende o trabalho como um princípio educativo, por isso propõe itinerários formativos que integrem os conhecimentos gerais, que na tradição clássica estavam voltados para aqueles que possuíam tempo livre, às técnicas e aos conhecimentos necessários para o trabalho. A união entre trabalho social produtivo e educação escolar em Marx deriva do fato de que as necessidades materiais às quais todos estão sujeitos para sobreviver têm sua satisfação mediada pelo desenvolvimento de instrumentos e conhecimentos, estes ensinados e aprendidos pela atividade educativa. Eliminar o dualismo entre educação para o trabalho e educação como formação geral desinteressada é parte da afirmação do trabalho como atividade vital, o que supõe o fim da divisão social entre donos dos meios de produção e trabalhadores.

O dualismo entre uma modalidade de educação voltada para a formação de homens livres e outra voltada para a capacitação daqueles cuja vida será esgotada no trabalho produtivo possui suas raízes históricas na divisão entre educação e trabalho (ZATTI; PAGOTTO-EUZEBIO, 2022ZATTI, V; PAGOTTO-EUZEBIO, Marcos. Educação como processo de formação humana: uma revisão em filosofia da educação ante a premência da utilidade. São Paulo: Feusp, 2022. https://doi.org/10.11606/9786587047294
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, p. 136).

Na sociedade grega antiga, essa divisão fez com que, no tempo livre daqueles que não precisavam trabalhar, surgisse a skholé. “A educação dos membros da classe que dispõe de ócio, de lazer, de tempo livre passa a organizar-se na forma escolar, contrapondo-se à educação da maioria, que continua a coincidir com o processo de trabalho” (SAVIANI, 2007SAVIANI, D. Trabalho e educação: fundamentos ontológicos e históricos. Revista Brasileira de Educação, v. 12, n. 34, p. 152-180, 2007. https://doi.org/10.1590/S1413-24782007000100012
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, p. 156). A educação com caráter de formação geral, por meio das artes liberais, era voltada para os homens livres, detentores de tempo livre (skholé). Daí a invenção da forma escolar. Já para os trabalhadores, não havia uma educação (paideia) propriamente dita, pois a aprendizagem de seus ofícios se dava na própria dinâmica do trabalho, o que fazia formação e trabalho coincidirem. É essa educação (paideia) destinada àqueles que tinham tempo livre a modalidade que foi identificada com a educação propriamente dita. Saviani (2007, p. 155)SAVIANI, D. Trabalho e educação: fundamentos ontológicos e históricos. Revista Brasileira de Educação, v. 12, n. 34, p. 152-180, 2007. https://doi.org/10.1590/S1413-24782007000100012
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entende que essa identificação da educação propriamente dita com a skholé perpetrou a separação entre educação e trabalho, cuja origem da educação dualista separa itinerários formativos entre os trabalhadores, que se ocupam com os ofícios, e as elites, a quem cabem pensar, liderar e decidir. Portanto, na perspectiva marxista: “A união entre ensino e trabalho [...] parte de um processo de recuperação da integralidade do homem, comprometida pela divisão do trabalho e da sociedade” (MANACORDA, 2017MANACORDA, M. Marx e a pedagogia moderna. 3. ed. Campinas: Alínea, 2017., p. 75).

Nas sociedades divididas em classes, aqueles que não possuem a propriedade dos meios de produção, e por isso precisam vender sua força de trabalho, trabalham não apenas o tempo necessário para garantir sua subsistência, mas também um tempo excedente para produzir a subsistência dos donos dos meios de produção (MARX, 2017MARX, K. O capital: crítica da economia política. 2. ed. São Paulo: Boitempo, 2017. Livro 1., p. 309). Ou seja, além do trabalho necessário, há o trabalho excedente: “A segunda metade da jornada de trabalho é trabalho forçado, trabalho excedente” (MARX, 2011MARX, K. Grundrisse. São Paulo: Boitempo; Rio de Janeiro: Editora UFRJ, 2011., p. 255). O trabalho excedente constitui uma jornada de mais-trabalho, que retira a possibilidade de tempo livre para o trabalhador.

Essa apropriação do trabalho excedente do trabalhador, negando-lhe a possibilidade do tempo livre, é o grande elemento de unilateralização no capitalismo, porque expropria do trabalhador o tempo livre que poderia possibilitar o desenvolvimento integral. Por isso, Manacorda (2017, p. 68)MANACORDA, M. Marx e a pedagogia moderna. 3. ed. Campinas: Alínea, 2017. afirma que a possibilidade de uma vida plenamente humana está ligada ao problema do tempo de trabalho. No capitalismo os donos dos meios de produção tendem a prolongar o trabalho excedente para maximizar seus lucros. Inversamente, a formação omnilateral demanda o trabalho como suporte para criar condições materiais de vida que facultem o tempo livre, o qual poderá ser dedicado a múltiplas tarefas visando ao desenvolvimento omnilateral. “O mundo propriamente humano amplia-se no tempo livre” (FRIGOTTO, 2021FRIGOTTO, G. Marx, educação e estado democrático de direito. In: CAETANO, Maria Raquel; PORTO JÚNIOR, Manoel José; CRUZ SOBRINHO, Sidinei (org.). Educação profissional e os desafios da formação humana integral: concepções, políticas, contradições. Curitiba: CRV, 2021. p. 47-64., p. 60).

Na elaboração pedagógica marxista, a superação do dualismo em educação, por meio da formação omnilateral, reconcilia o trabalhador com o tempo livre e os não trabalhadores com o trabalho, o que representa a superação da unilateralidade caracterizada em ambos. Nessa perspectiva, teríamos uma educação integrada para todos: considerando o trabalho como princípio educativo, todos teriam um elemento profissionalizante em sua formação. Ao mesmo tempo, todos teriam uma formação geral como parte da construção da própria liberdade.

Assim, o pensamento marxista, ao mesmo tempo que é herdeiro da ideia de formação humana integral do mundo clássico, denuncia a divisão social radical que a pressupõe, a qual cria o antagonismo entre profissionalização e formação de homens livres. O aspecto problemático da educação clássica desvelado pelos marxistas, isto é, pensar a educação como formação humana integral excetuando o trabalho do itinerário formativo, é que isso só é possível na suposição de uma sociedade em que a maioria apenas se capacita para o trabalho sem ter uma educação propriamente dita, enquanto alguns estão dispensados do trabalho e por isso podem dedicar-se a uma educação generalista e desinteressada. Ou seja, a formação para a liberdade espiritual de alguns se dá à custa da exploração da maioria.

Marx vislumbra a superação dessa desigualdade, por isso uma educação omnilateral para todos, em que o trabalho é tomado como princípio educativo, e a aprendizagem dos saberes voltados ao exercício laboral, integrada a uma formação geral. A integração dos saberes como parte do mesmo processo educativo humanizador está imbricada com a superação da exploração do trabalho humano para que todos tenham um tempo livre (skholé) de liberdade e cultivo integral de si mesmos.

Educação Profissional e Tecnológica como Espaço-Tempode Formação Humana

Após tematizarmos os gregos antigos e sua concepção de educação como processo de formação humana, a qual, por outro lado, funda o dualismo entre formação profissional e formação geral, e analisarmos a concepção de educação omnilateral marxista, que busca superar esse dualismo e integrar ensino e trabalho, por fim abordamos a EPT contemporânea enquanto espaço-tempo de formação humana.

A forma escolar, como espaço-tempo para a formação humana, é uma herança dos gregos antigos, de seu conceito de skholé (traduzido comumente como ócio ou tempo livre). A skholé representa a invenção da forma escolar, que faculta um tempo livre7 7 Para Masschelein e Simons (2019, p. 29), é o formato do tempo livre que constitui a ligação comum entre as escolas atenienses livres e as instituições escolares de nossa época. ou não produtivo, em que as hierarquizações do mundo produtivo e do familiar são suspensas para criar um ambiente propício para a formação. Esse tempo escolar é considerado como um tempo apartado, em que certos determinismos sociais ficam em suspensão para que se possa criar um ambiente formativo apropriado para o cultivo de espíritos livres.

Como esse tempo escolar, na Grécia Antiga, estava disponível apenas àqueles que não eram escravizados pelo exercício de um ofício, a liberação a que estavam sujeitos se referia às atividades próprias de sua classe social: os negócios e as atividades políticas. Hannah Arendt (2016)ARENDT, H. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2016., por isso, entende a skholé como dupla liberação, do trabalho (ou negócios) e das atividades políticas – nesse caso, não o trabalho comum, naquela circunstância considerado indigno de homens livres. Essa dupla liberação era a condição para o ócio estudioso, para o desenvolvimento de uma vida contemplativa: “Esta dupla liberação, do trabalho assim como da política, havia sido para os filósofos a condição de uma biós theoretikós, uma vida devotada à Filosofia e ao conhecimento no sentido mais amplo da palavra” (ARENDT, 2016ARENDT, H. Entre o passado e o futuro. São Paulo: Perspectiva, 2016., p. 46). A criação de um espaço-tempo em que o estudante estivesse apartado das ocupações políticas (da pólis), bem como das econômico-familiares (da oikos), foi a condição para o exercício do estudo como uma atividade contemplativa, não interessada primeiramente no resultado produtivo.

Faz parte do legado clássico a ideia de que é pelo contato com a cultura geral (filosofia, artes, história, literatura etc.) que cada um pode cultivar seu espírito e desenvolver sua personalidade liberado das contingências de sua ascendência familiar e das expectativas predeterminadas quanto ao seu papel social (CARVALHO, 2017CARVALHO, J. S. A experiência escolar ainda tem algum sentido? In: CARVALHO, José Sérgio de; CUSTÓDIO, Crislei de Oliveira (org.). Hannah Arendt: a crise na educação e o mundo moderno. São Paulo: Intermeios; Fapesp, 2017. p. 29-39., p. 35-36). Com a ideia de cultura geral, o humanismo clássico estabelece como objetivo da educação a formação humana, ou seja, o cultivo de um ser humano autoconsciente e livre. Desse modo, estabelece-se a precedência da formação humana e cidadã sobre qualquer interesse utilitário que possa atravessar o processo educativo8 8 Para saber mais sobre a relação entre utilitarismo e formação humana, ver Zatti e Pagotto-Euzebio (2021). . A cultura geral como base comum da educação se justifica por si mesma, independentemente dos resultados que pode gerar para além do contexto escolar.

Quando os humanistas renascentistas resgataram esse legado clássico, conceberam-no como uma formação inicial comum e prévia a todos. Conforme Carvalho (2017)CARVALHO, J. S. A experiência escolar ainda tem algum sentido? In: CARVALHO, José Sérgio de; CUSTÓDIO, Crislei de Oliveira (org.). Hannah Arendt: a crise na educação e o mundo moderno. São Paulo: Intermeios; Fapesp, 2017. p. 29-39., essa cultura humanística geral visou, a partir de então, a “uma formação inicial comum e prévia à preparação profissional especializada; um tipo de formação escolar na qual o contato com o legado cultural de uma civilização tinha uma dimensão simultaneamente, ética, estética e política” (CARVALHO, 2017CARVALHO, J. S. A experiência escolar ainda tem algum sentido? In: CARVALHO, José Sérgio de; CUSTÓDIO, Crislei de Oliveira (org.). Hannah Arendt: a crise na educação e o mundo moderno. São Paulo: Intermeios; Fapesp, 2017. p. 29-39., p. 37). Então, uma paideia como cultivo desinteressado do espírito, na Antiguidade grega possibilitada pela skholé, restrita aos que não se ocupavam com os ofícios, do Renascimento em diante foi proposta como algo comum a todos, formação inicial prévia à capacitação profissional.

No século XIX, Marx deu um passo além dos renascentistas, pois buscou superar a divisão entre cultura geral e formação profissional em favor de um processo formativo omnilateral, cuja finalidade é a formação humana em sua totalidade ou múltiplas dimensões. Todavia, a compreensão marxista, ao assumir o trabalho como princípio educativo, tomou distância daquela noção clássica da forma escolar como tempo livre, tempo não produtivo.

Autores contemporâneos como Rancière (2018)RANCIÈRE, J. Escola, produção e igualdade. Proposições. v. 29, n. 3, p. 669-686, 2018. https://doi.org/10.1590/1980-6248-2018-0121
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e Masschelein e Simons (2019)MASSCHELEIN, J.; SIMONS, M. Em defesa da escola: uma questão pública. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2019. são herdeiros do ideário pedagógico marxista da proposição de uma educação emancipatória, no entanto eles assumiram uma posição crítica em relação a Marx. Romperam com a ideia do trabalho enquanto princípio educativo que ancora a união entre educação e mundo produtivo, para reelaborar a ideia do escolar como um tempo livre que põe em suspensão o mundo produtivo. Este é colocado em suspensão no espaço-tempo escolar, pois segue uma lógica instrumental cujas finalidades são eficiência e lucro. Enquanto tal, estrutura-se de modo hierarquizado e desigual e, assim, incompatível com a tarefa formativa.

Autores como Jürgen Habermas (1983)HABERMAS, J. Para a reconstrução do materialismo histórico. São Paulo: Brasiliense, 1983. anteriormente fizeram a crítica à tese do materialismo histórico, que toma o trabalho como princípio ontológico e educativo, defendendo que a reprodução da vida humana não depende apenas do trabalho (regido pela racionalidade instrumental), mas principalmente da interação (regida pela racionalidade comunicativa), porém o caminho adotado por Rancière e seguido por Masschelein foi distinto daquele de Habermas.

Rancière (2019)RANCIÈRE, J. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Tradução: Lílin do Valle. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2019., em O mestre ignorante, apresenta sua tese, que é central na crítica a Marx9 9 Para saber mais sobre a crítica de Rancière ao pensamento marxista, que se dá principalmente no embate com o pensamento de Althusser, ver Araujo (2021). , sem discutir a categoria trabalho. Nessa obra, busca no pedagogo francês do começo do século XIX Joseph Jacotot “inspiração para o que chama de ‘axioma da igualdade’: a igualdade como um pressuposto, ou seja, um ponto de partida a ser verificado” (BENZAQUEN, 2022BENZAQUEN, G. F. Rancière, crítico de Marx: igualdade e política. Revista Pós Ciências Sociais, v. 19, n. 1, p. 3-18, 2022. https://doi.org/10.18764/10.18764/2236-9473v19n1.2022.1
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, p. 5). A defesa da igualdade é elaborada com base na ideia de Jacotot da existência de uma igual racionalidade em cada sujeito. A racionalidade é uma capacidade universal; mesmo em contextos desiguais, há igual capacidade que se manifesta na comunicação: igualdade como princípio dos seres falantes (RANCIÈRE, 2019RANCIÈRE, J. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Tradução: Lílin do Valle. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2019., p. 64).

Ao assumir o postulado do “axioma da igualdade”, Rancière (2019) faz a crítica ao marxismo por depositar na autoridade do saber o poder de gerar a igualdade como um resultado. Nesse sentido, sobre sua crítica ao marxismo, afirma: “Minha ruptura com o marxismo [...] é uma recusa do pressuposto [...] de que os homens são dominados porque eles não têm consciência das leis de sua dominação e que, para libertá-los, é preciso primeiro lhes dar ciência” (apud HALPERN, 2015HALPERN, C. Rancière: “A emancipação é um problema de todos”. LavraPalavra, 2015. Tradução: Daniel Alves Teixeira. Disponível em: https://lavrapalavra.com/2015/12/09/ranciere-a-emancipacao-e-um-problema-de-todos/. Acesso em: 9 set. 2022.
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).

A emancipação em Rancière (2019)RANCIÈRE, J. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Tradução: Lílin do Valle. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2019. não é o resultado do processo educativo que promove a consciência, mas o reconhecimento igualizador das capacidades e das consequências desse reconhecimento. É o que mostra Jacotot, apresentado pelo filósofo como um mestre ignorante, não um mestre explicador; seu método da igualdade é um método da vontade em que todos podem aprender sozinhos pela tensão do próprio desejo (RANCIÈRE, 2019RANCIÈRE, J. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Tradução: Lílin do Valle. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2019., p. 30). Tal tese toma como ponto de partida a aventura intelectual de Jacotot, que deparou com a necessidade de ensinar em francês alunos que apenas falavam holandês, de modo que professor e alunos não compreendiam seus respectivos idiomas.

O resultado da experiência mostra, para Rancière (2019)RANCIÈRE, J. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Tradução: Lílin do Valle. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2019., que é possível a aprendizagem sem a explicação do professor, partindo do próprio esforço e do desejo de aprender. A tomada de consciência dessa igualdade originária, que faculta o aprender e abre o caminho para a aventura do saber, é o que Rancière (2019, p. 49)RANCIÈRE, J. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Tradução: Lílin do Valle. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2019. chama de emancipação. “A emancipação intelectual emerge, assim, não como resultado de uma transmissão pedagógica de saberes, mas como fruto da vontade e da disposição de tecer seu próprio caminho em direção à verificação da igualdade de todos em relação a qualquer pessoa” (RANCIÈRE, 2021RANCIÈRE, J. Tomada da palavra e conquista do tempo livre: uma entrevista com Jacques Rancière. Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 47, e202147002003, 2021. https://doi.org/10.1590/S1678-4634202147002003
https://doi.org/10.1590/S1678-4634202147...
, p. 5).

A suposição da igualdade como ponto inicial levou Rancière (2018)RANCIÈRE, J. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Tradução: Lílin do Valle. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2019. a fazer a defesa da escola apresentando a forma escolar (dada na skholé) como a ruptura com o tempo desigual do mundo produtivo, como podemos constatar na citação:

Antes de ser o instrumento de programação de uma ciência útil ao empreendimento comum, a escola é o lugar privilegiado da negociação e da igualdade, portador de modelos de sociedade que colocam em crise os modelos sociais enraizados na “aprendizagem” da vida produtiva. Seus efeitos de transformação social deixam de ser conformes à sua essência: o distanciamento da produção

(RANCIÈRE, 2018RANCIÈRE, J. Escola, produção e igualdade. Proposições. v. 29, n. 3, p. 669-686, 2018. https://doi.org/10.1590/1980-6248-2018-0121
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, p. 676, grifo do original).

Isso representa uma perspectiva distinta da de Marx, para quem a formação humana integral dependia da união entre ensino e trabalho. Para os marxistas, tomar o trabalho como princípio educativo significa a possibilidade de ter como resultado a superação das contradições sociais causadoras da expropriação do tempo livre do trabalhador. Já Rancière, diante da distância e da falta de garantias na realização de tal sociedade igualitária em que o trabalhador teria tempo livre, vislumbrou a skholé como a oportunidade concreta de um espaço-tempo para a formação humana integral na medida em que suspende temporariamente o trabalho produtivo e cria a possibilidade, mesmo que temporária, de tempo livre. Diante das incertezas de a escola transformar a realidade social extrínseca e efetivamente promover a emancipação como resultado, Rancière acentua a importância da escola como espaço-tempo possibilitador de tempo livre para todos, mesmo que circunscrito ao espaço-tempo escolar.

A skholé, enquanto forma escolar, institui a suspensão temporária das hierarquizações e desigualdades advindas do âmbito familiar e produtivo, para colocar os estudantes diante de seus colegas como iguais. O que estabelece essa igualdade é o tempo livre, que no espaço público da escola é democratizado. “A escola cria a igualdade precisamente na medida em que constrói o tempo livre, isto é, na medida em que consegue, temporariamente, suspender ou adiar o passado e o futuro, criando, assim uma brecha no tempo linear” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2019MASSCHELEIN, J.; SIMONS, M. Em defesa da escola: uma questão pública. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2019., p. 36)10 10 Jan Masschelein, com seu colega de pesquisa Maarten Simons, tem realizado intensa produção no campo da filosofia da educação. Ambos promovem a reflexão sobre os vínculos entre escola e igualdade, repercutindo, desse modo, o pensamento filosófico de Rancière no campo da educação. .

Assim, a igualdade não é concebida como uma finalidade, resultado a ser alcançado (como na pedagogia marxista), mas como uma situação inicial possibilitada pela forma escolar. A transformação do mundo produtivo desigual para que tais relações não sejam mais opressoras nem injustas é algo incerto; o processo educativo não tem a possibilidade de garantir tal resultado, tendo em vista que diz respeito a aspectos extrínsecos à educação escolar. O caráter transformador da escola está, antes, em possibilitar a igualdade como situação inicial, que democratiza o tempo livre, dá a todos um tempo formativo liberado de hierarquizações e desigualdades da família e do mundo produtivo.

Também, Rancière (2018, p. 676)RANCIÈRE, J. Escola, produção e igualdade. Proposições. v. 29, n. 3, p. 669-686, 2018. https://doi.org/10.1590/1980-6248-2018-0121
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entende que o poder transformador da escola está em instituir um tempo livre promotor da igualdade, experiência esta que não seria possível no mundo produtivo. Esse tempo livre igualitário é possível enquanto está distanciado do mundo da produção e de sua lógica estratégica desigual. O caráter emancipatório11 11 Para saber mais sobre a tese de que o caráter emancipatório da escola reside no poder igualizador da forma escolar, ver O mestre ignorante (RANCIÈRE, 2019). da educação escolar reside, fundamentalmente, em seu tempo livre, que estabelece a igualdade como o elemento possibilitador de um começo. Isso não significa desconsiderar as condições sociais que agem sobre as instituições, professores e estudantes, as quais estabelecem hierarquizações e desigualdades, mas defender a importância da escola por si mesma, seu valor intrínseco (MASSCHELEIN; SIMONS, 2019MASSCHELEIN, J.; SIMONS, M. Em defesa da escola: uma questão pública. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.), independentemente de seus incertos resultados na transformação das condições sociais extrínsecas. Ou seja, a escola possui um potencial emancipatório intrínseco: facultar a experiência do tempo livre, a qual possibilita a consciência da igualdade originária.

Rancière (2018)RANCIÈRE, J. Escola, produção e igualdade. Proposições. v. 29, n. 3, p. 669-686, 2018. https://doi.org/10.1590/1980-6248-2018-0121
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também entende que, ao instituir a experiência do tempo livre, a escola é uma intervenção democrática. A suspensão da lógica privada desigual da família e do trabalho e a criação da experiência do espaço público igualitário colocam todos em uma situação inicial equivalente, permitindo um novo começo, a constituição livre de si mesmo. Ao tratar da escola pública, o filósofo considera-a uma intervenção democrática por mais um aspecto: “A escola pública democrática já é uma redistribuição: ela preleva no mundo desigual da produção uma parte das riquezas para destiná-la ao luxo que representa a constituição de um espaço-tempo igualitário” (RANCIÈRE, 2018RANCIÈRE, J. Escola, produção e igualdade. Proposições. v. 29, n. 3, p. 669-686, 2018. https://doi.org/10.1590/1980-6248-2018-0121
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, p. 672). Daí a importância da escola pública para que os filhos dos trabalhadores tenham esse tempo livre igualitário, bem como de escolas de EPT públicas, para que aqueles que se preparam para serem os trabalhadores da próxima geração tenham a possibilidade de tal experiência.

Essa perspectiva traz um novo horizonte para a EPT: preparar para o mundo do trabalho, mas não pela lógica desigual do trabalho; preparar para o trabalho em um espaço-tempo de igualdade, o tempo livre de formação. Como a EPT não se restringe à transmissão de saberes técnicos, é primordialmente educação, há também nela a precedência da formação humana e cidadã. Desse modo, não faz sentido imperar na EPT a mesma lógica desigual do mundo produtivo. Tais determinismos precisam ser colocados em suspensão para que a escola consiga exercer seu potencial de formação do ser humano.

Além disso, tal horizonte para a EPT favorece a própria aprendizagem profissional, na medida em que ela pode ocorrer como um exercício livre, no qual o resultado produtivo não é o elemento determinante, por isso é possível ensaiar, experimentar, errar, para aprender. “A escola é o lugar onde o trabalho ‘não é real’. Isso significa que ele é transformado em um exercício que, como um jogo, é realizado para seu próprio bem, mas ainda requer disciplina” (MASSCHELEIN; SIMONS, 2019MASSCHELEIN, J.; SIMONS, M. Em defesa da escola: uma questão pública. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2019., p. 42). Portanto, para além da questão da formação humana, que é a questão central, conceber a EPT como espaço-tempo livre também tem importância epistemológica e metodológica para a aprendizagem técnico-profissional: a possibilidade de lidar com o conhecimento técnico de modo desinteressado, experimentá-lo livremente, já que não há um determinismo produtivo como finalidade da ação.

A proposta de EPT dos IFs, criados pela Lei nº 11.892, de 2008BRASIL. Lei nº 11.892, de 29 de dezembro de 2008. Brasil, 2008b., já descortina o horizonte em que a capacitação técnica não é compreendida como cindida de formação humana integral. Segundo Pacheco e Rezende (2009, p. 9)PACHECO, E; REZENDE, C. Institutos federais: um futuro por armar. In: REZENDE, Caetana (org.). Institutos Federais lei 11.892, de 29/11/2008: comentários e reflexões. Natal: IFRN, 2009. p. 6-11., uma das diretrizes de tal proposta se refere ao reconhecimento da precedência da formação humana e cidadã, pois sem ela a formação profissional não promove transformações significativas para o trabalhador nem o desenvolvimento social.

Dessa maneira, a criação dos IFs, ao estabelecer a primazia da formação humana e cidadã, inaugura um novo paradigma em educação profissional12 12 Para saber mais sobre a tese de que os IFs representam um novo paradigma na EPT brasileira, ver Zatti (2016). , inicia uma nova página na história da EPT brasileira, até então marcada pelo dualismo entre formação profissional e formação por meio de uma cultura geral. Esse novo paradigma que os IFs representam está fundado em uma abordagem pedagógica marxista, que busca a formação integral do educando e entende a educação como tendo um papel de transformação da sociedade. Este é o grande avanço da proposta dos IFs: afirmar a EPT como educação, que, enquanto tal, tem como tarefa primordial a formação de um ser humano em sua integralidade, o que não é possível com uma formação profissional aligeirada e restrita aos conhecimentos técnico-científicos.

Em consonância com a finalidade de superação do dualismo no itinerário formativo, a proposta de EPT dos IFs visa à superação do dualismo social, o que está caracterizado em sua tônica acentuada na transformação social: “O foco dos Institutos Federais é a promoção da justiça social, da equidade, do desenvolvimento sustentável com vistas à inclusão social, bem como a busca de soluções técnicas e geração de novas tecnologias” (PACHECO; REZENDE, 2009PACHECO, E; REZENDE, C. Institutos federais: um futuro por armar. In: REZENDE, Caetana (org.). Institutos Federais lei 11.892, de 29/11/2008: comentários e reflexões. Natal: IFRN, 2009. p. 6-11., p. 8). Ou seja, um foco central da EPT dos IFs é gerar, como resultado do processo educativo, uma sociedade mais inclusiva e igualitária.

Todavia, a recepção do conceito de skholé realizada por Rancière e Masschelein reposiciona essa concepção sem negá-la. Para eles, a transformação social continua como elemento essencial da educação, mas não mais concebida como um resultado, algo extrínseco e incerto. O poder transformador da escola está antes em sua forma; portanto, trata-se de algo intrínseco: possibilitar a igualdade como ponto de partida. Dessa maneira, o poder de transformação social da escola independe de seus resultados extrínsecos, remete a um âmbito intrínseco, à possibilidade de criar a igualdade do tempo livre como uma condição inicial para a formação. Daí a importância de uma EPT pública, que possibilite um tempo livre igualitário como base para a formação humana, experiência que de outro modo não estaria disponível para as classes trabalhadoras. Esse espaço-tempo apartado dos determinismos do trabalho como condição inicial para a formação humana abre uma brecha temporal nos determinismos do mundo produtivo, permitindo o cultivo da própria liberdade.

Considerações Finais

Os gregos antigos, ao moldarem a ideia educativa em seu alvorecer, conceberam-na como um processo de formação da humanidade no ser humano. No contexto de uma sociedade escravista, com radical divisão entre homens livres e trabalhadores, tal paideia estava voltada para aqueles que possuíam tempo livre, desse modo com currículo voltado para o desenvolvimento de uma cultura geral desinteressada, as artes liberais. A formação profissional não fazia parte de tal paideia, o que caracteriza um radical dualismo entre formação geral desinteressada aos homens livres e capacitação profissional aos trabalhadores.

A pedagogia marxista buscou superar o dualismo entre formação geral e formação profissional por intermédio da proposição da formação omnilateral, em que ensino e trabalho estão integrados no itinerário educativo para todos. A superação do dualismo na educação tem como objetivo superar os dualismos sociais, ou, em outras palavras, a sociedade de classes em que o lucro do capitalista depende da expropriação do tempo livre do trabalhador. Portanto, a transformação da sociedade no sentido da superação das desigualdades e produção da justiça social é apresentada, na tradição marxista, como um resultado da tarefa educativa.

Na contemporaneidade autores como Rancière e Masschelein inverteram a pedagogia marxista ao considerarem a igualdade não como resultado do processo educativo, mas como seu pressuposto, o ponto de partida. Tal inversão foi inspirada em uma ideia-força grega, a skholé enquanto forma escolar, o espaço-tempo próprio para a formação humana. Vislumbrava-se o caráter emancipatório da educação não na “universalização” da união entre trabalho e ensino, mas na “universalização” do ócio, do tempo livre (skholé), como um espaço-tempo de igualdade, por isso próprio para a formação humana livre.

Para a EPT, a importância da integração entre a formação geral e a formação profissional está devidamente demonstrada na tradição marxista, bem como a necessidade da recepção da paideia sem excluir dela a capacitação para o mundo do trabalho. Sem negar tais contribuições, a inversão da pedagogia marxista mediante a recepção contemporânea da skholé descortina um novo horizonte para a EPT, enquanto apresenta o tempo livre possibilitado pela suspensão da lógica desigual do mundo do trabalho como elemento emancipatório.

O mundo produtivo, foco da preparação possibilitada pela EPT, é essencialmente desigual. Suspender esse mundo desigual abrindo a possibilidade de uma experiência igualitária democratiza o tempo livre para o cultivo de si mesmo, para a formação humana. Essa é uma experiência que não seria possível aos filhos dos trabalhadores se não fosse a escola – nesse caso, a escola pública. Desse modo, cabe a EPT, enquanto educação, preparar para o mundo do trabalho ao mesmo tempo que coloca em suspensão a lógica desigual do mundo do trabalho, para criar um espaço-tempo livre propício para a formação humana e cidadã. Espaço-tempo livre também para que os saberes profissionais possam ser experimentados sem o determinismo do resultado produtivo.

Notas

  • 1
    Considera-se como definição de educação profissional e tecnológica (EPT) a modalidade de educação estabelecida pela Lei nº 9.394/1996BRASIL. Lei nº 9.394, de 20 de dezembro de 1996. Brasil, 1996., em seu artigo 39, ou seja, a formação voltada às dimensões do trabalho, da ciência e tecnologia, tendo como finalidade preparar para o exercício profissional, por meio dos diferentes níveis e modalidades de cursos previstos na Lei nº 11.741/2008BRASIL. Lei nº 11.741, de 16 de julho de 2008. Brasil, 2008a..
  • 2
    Afirmar que os gregos moldaram a ideia educativa em seu alvorecer não significa negar que outros povos, até mais antigos, tiveram uma educação, pois, como afirma Jaeger (2001, p. 3)JAEGER, W. Paideia: a formação do homem grego. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001., “todo povo que atinge um certo grau de desenvolvimento sente-se inclinado à prática da educação”. Todavia, foram os gregos que nos legaram a materialidade de uma tradição literário-filosófica, a qual está na origem do que compreendemos como educação, por estabelecer pela primeira vez de modo consciente um ideal de cultura como princípio formativo (JAEGER, 2001JAEGER, W. Paideia: a formação do homem grego. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001., p. 8).
  • 3
    Paideia é uma expressão grega de difícil tradução. Representa a unidade de conceitos como educação, cultura, civilização, tradição, literatura. Para saber mais, ver Jaeger (2001)JAEGER, W. Paideia: a formação do homem grego. 4. ed. São Paulo: Martins Fontes, 2001..
  • 4
    Para saber mais sobre a origem das artes liberais, ver Spinelli (2017, p. 160-162)SPINELLI, M. Ética e política: a edificação do éthos cívico da paideia grega. São Paulo: Loyola, 2017.. Para saber mais sobre a divisão das artes liberais em Trivium e Quadrivium a partir do fim da Antiguidade, ver Marrou (1990, p. 277)MARROU, H. I. História da educação na Antiguidade. São Paulo: EPU, 1990..
  • 5
    A skholé não coincide com o que entendemos hoje como escola, no entanto é com a skholé que se estabelece uma forma simbólica, a forma escolar, o que está na origem de nossas escolas contemporâneas e das demais experiências escolares construídas ao longo do tempo. Na Grécia Antiga, a skholé representava a condição dos homens livres, que não tinham seu tempo esgotado nas atividades produtivas, por isso podiam dedicar seu tempo livre a atividades desinteressadas, incluindo o estudo. Já as escolas como conhecemos na atualidade são instituições que se consolidaram na modernidade. Estas, mesmo tributárias à forma escolar estabelecida pelos gregos com a skholé, caracterizam-se pelo caráter de disciplinamento do tempo e do espaço.
  • 6
    Para saber mais sobre o termo omnilateralidade, ver Sousa Junior (2009)SOUSA JUNIOR, J. Omnilateralidade. In: Dicionário da Educação Profissional em Saúde. Rio de Janeiro: Fundação Oswaldo Cruz / Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio, 2009. Disponível em: http://www.sites.epsjv.fiocruz.br/dicionario/verbetes/omn.html. Acesso em: 7 ago. 2022.
    http://www.sites.epsjv.fiocruz.br/dicion...
    e Manacorda (2017, p. 88-94)MANACORDA, M. Marx e a pedagogia moderna. 3. ed. Campinas: Alínea, 2017..
  • 7
    Para Masschelein e Simons (2019, p. 29)MASSCHELEIN, J.; SIMONS, M. Em defesa da escola: uma questão pública. 2. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2019., é o formato do tempo livre que constitui a ligação comum entre as escolas atenienses livres e as instituições escolares de nossa época.
  • 8
    Para saber mais sobre a relação entre utilitarismo e formação humana, ver Zatti e Pagotto-Euzebio (2021)ZATTI, V; PAGOTTO-EUZEBIO, M. S. La educación como proceso de formación humana y sus raíces no utilitarias: Paideia, Humanitas y Bildung. IXTLI: Revista Latinoamericana de Filosofía de la Educación, v. 8, n. 16, p. 193-215, 2021. Disponível em: http://ixtli.org/revista/index.php/ixtli/article/view/157. Acesso em: 15 jul. 2022.
    http://ixtli.org/revista/index.php/ixtli...
    .
  • 9
    Para saber mais sobre a crítica de Rancière ao pensamento marxista, que se dá principalmente no embate com o pensamento de Althusser, ver Araujo (2021)ARAUJO, T. Saber, escrita e emancipação: a trajetória de Jacques Rancière. Tese (Doutorado em Cultura, Filosofia e História da Educação) 143f. – Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2021. https://doi.org/10.11606/T.48.2021.tde-13012022-095803
    https://doi.org/10.11606/T.48.2021.tde-1...
    .
  • 10
    Jan Masschelein, com seu colega de pesquisa Maarten Simons, tem realizado intensa produção no campo da filosofia da educação. Ambos promovem a reflexão sobre os vínculos entre escola e igualdade, repercutindo, desse modo, o pensamento filosófico de Rancière no campo da educação.
  • 11
    Para saber mais sobre a tese de que o caráter emancipatório da escola reside no poder igualizador da forma escolar, ver O mestre ignorante (RANCIÈRE, 2019RANCIÈRE, J. O mestre ignorante: cinco lições sobre a emancipação intelectual. Tradução: Lílin do Valle. 3. ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2019.).
  • 12
    Para saber mais sobre a tese de que os IFs representam um novo paradigma na EPT brasileira, ver Zatti (2016)ZATTI, V. Institutos federais de educação: um novo paradigma em educação profissional e tecnológica? Revista Ibero-Americana de Estudos em Educação, Araraquara, v. 11, n. 3, p. 1461-1480, 2016. https://doi.org/10.21723/riaee.v11.n3.7555
    https://doi.org/10.21723/riaee.v11.n3.75...
    .
  • Artigo resultante do projeto de pesquisa A educação como processo de formação humana, financiado pelo Instituto Federal do Rio Grande do Sul (IFRS), Campus Canoas, por meio do Edital IFRS nº 12/2022: fomento interno para projetos de pesquisa e inovação 2022/2023.

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Editora de seção: Carmen Sylvia V. Moraes https://orcid.org/0000-0002-3059-2102

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    04 Dez 2023
  • Data do Fascículo
    2023

Histórico

  • Recebido
    21 Dez 2022
  • Aceito
    22 Set 2023
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