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A formação de educadores no contexto das mudanças no mundo do trabalho: Novos desafios para as faculdades de educação

Professor training in the context of changes in the world of work: new challenges for education faculties

Resumos

Este artigo propõe-se a apresentar os novos desafios para as Faculdades de Educação no que diz respeito aos impactos das mudanças ocorridas no mundo do trabalho para a formação de professores. Estes impactos, por um lado, apontam para a necessidade de universalização da educação básica com 11 anos de duração, a exigir um concentrado esforço de qualificação de professores em nível universitário. Por outro, contraditoriamente, acabam por determinar políticas públicas de educação e de formação de professores que, em face da redução dos fundos públicos e das políticas dos agentes financeiros internacionais, re-editam a diferenciação de propostas pedagógicas para incluídos e excluídos. Estas, sempre aligeiradas e de baixo custo, dão origem a uma proposta de formação não universitária nos mesmos moldes. Com base nesta análise, o artigo recupera as especificidades do trabalho do professor e apresenta um conjunto de propostas para a reorganização das Faculdades de Educação.

Formação de professores; políticas de formação de professores; faculdades de educação


This article presents the new challenges for the Education Colleges regarding the impacts in the world of work of professor's training. These impacts, on the one hand, point to the necessity of the universality of the basic education with 11 years of duration, that demand a concentrated effort of qualification by university professors. On the other hand, they end up establishing the public education and professor's training policies that, due to the reduction of public funds and the policies of foreign, financial agents, re-establish the dissimilarity of pedagogic proposals for the included and the excluded. The proposals for the excluded, always sudden and low cost, originate a non-university training proposal. According to this analysis, the article recovers the particularities of the professor's work and presents a set of proposals to reorganize the education faculties.


A formação de educadores no contexto das mudanças no mundo do trabalho: Novos desafios para as faculdades de educação

Acacia Zeneida Kuenzer** Professora Titular do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná Professora Titular do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná

RESUMO: Este artigo propõe-se a apresentar os novos desafios para as Faculdades de Educação no que diz respeito aos impactos das mudanças ocorridas no mundo do trabalho para a formação de professores. Estes impactos, por um lado, apontam para a necessidade de universalização da educação básica com 11 anos de duração, a exigir um concentrado esforço de qualificação de professores em nível universitário. Por outro, contraditoriamente, acabam por determinar políticas públicas de educação e de formação de professores que, em face da redução dos fundos públicos e das políticas dos agentes financeiros internacionais, re-editam a diferenciação de propostas pedagógicas para incluídos e excluídos. Estas, sempre aligeiradas e de baixo custo, dão origem a uma proposta de formação não universitária nos mesmos moldes. Com base nesta análise, o artigo recupera as especificidades do trabalho do professor e apresenta um conjunto de propostas para a reorganização das Faculdades de Educação.

Palavras-chaves: Formação de professores, políticas de formação de professores, faculdades de educação

O que compete ao educador?

As novas bases materiais que caracterizam a produção (reestruturação produtiva), a economia (globalização) e a política (neoliberal) trazem profundas implicações para a educação neste final de século, uma vez que cada estágio de desenvolvimento das forças produtivas gesta um projeto pedagógico que corresponde às suas demandas de formação de intelectuais, tanto dirigentes quanto trabalhadores.

Aos educadores cabe, dada a especificidade de sua função, fazer a leitura e a necessária análise deste projeto pedagógico em curso, de modo a, tomando por base as circunstâncias concretas, participar da organização coletiva em busca da construção de alternativas que articulem a educação aos demais processos de desenvolvimento e consolidação de relações sociais verdadeiramente democráticas.

Nos países periféricos em crise, como é o nosso caso, isto significa enfrentar incisiva e radicalmente a exclusão sob todas as suas formas, processo no qual a educação tem dupla participação: como um dos determinantes, mas também como uma das formas de enfrentamento e de possível superação.

Compreendidos os processos pedagógicos em seu sentido amplo, enquanto ocorrem no conjunto das relações sociais e produtivas, e em seu sentido estrito, como procedimentos educativos intencionais e institucionalizados através das diferentes formas e modalidades de ensinar, são eles necessariamente sempre objetos de análise transdisciplinar, em face de seu caráter determinado/determinante das bases materiais de produção que caracterizam cada etapa de desenvolvimento.

Isto significa que ao educador compete buscar nas demais áreas do conhecimento as necessárias ferramentas para construir categorias de análise que lhe permita apreender e compreender as diferentes concepções e práticas pedagógicas, strictu e lato sensu, que se desenvolvem nas relações sociais e produtivas de cada época; transformar o conhecimento social e historicamente produzido em saber escolar, selecionando e organizando conteúdos a serem trabalhados através de formas metodológicas adequadas; construir formas de organização e gestão dos sistemas de ensino nos vários níveis e modalidades; e, finalmente, no fazer deste processo de produção de conhecimento, sempre coletivo, participar como um dos atores da organização de projetos educativos, escolares e não-escolares, que expressem o desejo coletivo da sociedade.

O que confere, pois, especificidade à função do educador é a compreensão histórica dos processos pedagógicos, a produção teórica e a organização de práticas pedagógicas, para o que usará da economia sem ser economista, da sociologia sem ser sociólogo, da história, sem ser historiador, posto que seu objeto são os processos educativos historicamente determinados pelas dimensões econômicas e sociais que marcam cada época.

Esta afirmação, que talvez pareça desnecessária e até mesmo exagerada para alguns, precisa ser resgatada, dadas as atuais características da produção pedagógica contemporânea. Esta, de modo geral, tem se dividido: de um lado, aquela que vai ao mundo do trabalho e das relações sociais para compreender os processos educativos escolares e não-escolares e não faz o caminho de retorno, caracterizando-se por macroanálises, que, embora relevantes e necessárias, não contribuem para a organização de projetos e práticas pedagógicas que respondam, no sentido de atender e superar, às atuais demandas por educação feitas por estas relações mais amplas, perpassadas pela contradição fundamental do modo capitalista de produção de mercadorias. De outro, aquela que não sai do espaço restrito das organizações e práticas pedagógicas, tratando-as como se fossem autônomas, e até determinantes, daquelas relações sociais.

De modo especial, torna-se necessário destacar a importante contribuição que têm trazido à pedagogia os especialistas de outras áreas, e também os pedagogos, que têm usado o método da economia política para viabilizar a compreensão das concepções e práticas pedagógicas dominantes no capitalismo, particularmente no contexto das formas tayloristas/fordistas e, contemporaneamente, das novas formas determinadas pela acumulação flexível. Há, contudo, ainda um longo caminho a percorrer, particularmente se a pretensão for não apenas compreender, mas enfrentar as diferentes formas de exclusão que têm caracterizado a história do sistema escolar brasileiro.

O que se pretende reiterar, nesta introdução, é que compreender as dimensões pedagógicas das relações sociais, bem como suas formas de realização através de diferentes práticas institucionais e não institucionais produzem o conhecimento pedagógico, é tarefa do educador, o qual, para realizá-la com competência, deverá apropriar-se das diferentes formas de interpretação da realidade que se constituem em objeto dos vários campos do conhecimento, bem como estabelecer interlocução com os vários especialistas; mas isto não é suficiente. Usando estas ferramentas é preciso construir categorias de análise a partir de uma síntese peculiar que tome como eixo os processos pedagógicos, as quais permitam dialeticamente compreender as concepções e intervir nas práticas no sentido da transformação da realidade.

Definindo a especificidade da tarefa do educador, é possível pensar nos espaços e nas estratégias necessárias à sua formação e, assim, retomar o que pode ser o significado, neste momento histórico, das faculdades de educação.

De pronto, as reflexões anteriores já permitem uma conclusão: o educador não é apenas um distribuidor dos conhecimentos socialmente produzidos; há na especificidade de sua função uma forte exigência de produção da ciência pedagógica, cujo objeto são as concepções e as práticas pedagógicas escolares e não-escolares determinadas pelas relações sociais e produtivas e seus respectivos fundamentos; os conteúdos escolares, como "traduções" do conhecimento científico-tecnológico e histórico-crítico em expressões assimiláveis, dadas as características de cada educando e as finalidades e estratégias de cada modalidade de educação; as formas metodológicas adequadas a cada conteúdo, a cada finalidade, a cada educando; as formas de organização e estruturação, escolares e não-escolares, institucionalizadas e não-institucionalizadas, que os processos pedagógicos assumirão dadas as suas distintas finalidades; finalmente, os processos de formação do profissional de educação, na dupla dimensão de produtor/difusor da ciência pedagógica.

Feitas estas considerações preliminares é possível desenvolver algumas reflexões com o objetivo de provocar o debate, acerca do que poderia ser a contribuição das faculdades de educação para enfrentar a crise da educação neste final de século, que se materializa em propostas duais, diferenciadas para intelectuais e trabalhadores, que resultam em aumento da seletividade e, em decorrência, da exclusão.

A crise das faculdades de educação no âmbito das políticas educacionais

Inicialmente, deve-se registrar que as dificuldades por que passam as faculdades de educação não podem ser compreendidas isoladamente, uma vez que elas são determinadas pela crise das universidades, como uma das instituições atingidas pelas políticas públicas para a educação que vêm sendo implementadas pelo modelo neoliberal de Estado como expressão superestrutural da globalização da economia. Em decorrência, há várias dimensões que precisam ser analisadas e aprofundadas na linha de muitas discussões que já vêm sendo feitas.

A crise do princípio educativo

O processo em curso de superação do taylorismo/fordismo pelas novas formas de organização e gestão do sistema produtivo, a partir da crescente incorporação de ciência e tecnologia, através da substituição de tecnologias rígidas por tecnologias de base microeletrônica com suas decorrentes inovações nas áreas de materiais e equipamentos, vem causar profundos impactos sobre os processos pedagógicos. Se passa a exigir do homem novos conhecimentos e novas atitudes no exercício de suas múltiplas funções, como ser social, político e produtivo.

A pedagogia tradicional, princípio educativo orgânico ao modo anterior de produção de mercadorias, já não dá conta de atender às novas demandas de educação do trabalhador. E as novas bases materiais de produção, por sua vez, vão gestando suas novas formas pedagógicas no nível das relações sociais mais amplas, que vão educando o trabalhador e o cidadão. Vai nascendo um novo princípio educativo, não da cabeça dos educadores, mas da prática social e produtiva com suas novas determinações.

A fragmentação da ciência, base do velho princípio educativo taylorista/fordista, duramente questionada, vai se confrontando com as circunstâncias do mundo contemporâneo que determinam áreas do conhecimento cada vez mais transdisciplinares - a bioética, a ecologia, a biotecnologia, a microeletrônica e assim por diante. Os conteúdos escolares, até então relativamente estáveis, vão sendo questionados em termos de sua adequação às demandas de compreensão e intervenção em uma realidade dinâmica; começam as discussões acerca de quais são os conteúdos básicos dos vários campos do conhecimento que fundamentam os novos processos sociais e produtivos, e cuja apropriação permitirá ao cidadão/trabalhador acompanhar as transformações sociais. A memória, habilidade cognitiva básica nos antigos processos de aprender, é posta no seu devido lugar, sendo substituída pela capacidade de localizar e mesmo produzir informações e saber trabalhar com elas; em decorrência, os métodos tradicionais tornam-se anacrônicos, exigindo processos de aprender que articulem o mundo da escola ao mundo do trabalho, a teoria à prática, a reflexão à ação, e não apenas como repetição de formas de fazer, mas como formas de produzir concepções transformadoras da realidade, no sentido que dava Krupskaia à politecnia - "enquanto domínio intelectual da técnica". A capacidade de aprender um conteúdo determinado é substituída pela competência para continuar aprendendo, como comportamento incorporado de permanente perquirição da realidade; os procedimentos anteriores de avaliação, que objetivavam a verificação da apropriação de conteúdos fragmentados e separados, precisam ser substituídos por procedimentos que verifiquem a capacidade de resolver situações-problema, construindo soluções, a partir da identificação e da organização de informações. Para esta nova concepção de educação, a relação onde o professor era o ator principal em uma cena de monólogo deverá ser substituída por uma relação onde o professor, certamente bem qualificado, organize situações de aprendizagem onde exerça o papel de cúmplice, no estabelecimento de mediações entre o aluno e o conhecimento.

A velha e ainda não superada escola, com sua centralização e excessiva regulamentação, já não é adequada para o novo princípio educativo. De quase campo de concentração deverá constituir-se em espaço de prazer, no qual não se aprende apenas rigidamente sentado olhando para o quadro e ouvindo o professor, mas em todas as relações que se estabelecerem no seu interior. De espaço de salas tradicionais, em espaços de salas-ambiente, laboratórios e bibliotecas; de espaço rigidamente regulamentado e autoritário, em espaço democrático de discussão, elaboração e acompanhamento coletivo de normas que sejam determinadas pelas finalidades do processo educativo, de modo a substituir o disciplinamento imposto externamente pela disciplinamento assumido e produtivo, onde o coletivo permita a cada um desenvolver-se como indivíduo e como humanidade.

Embora sob a orientação teórica de várias tendências pedagógicas estas discussões já venham sendo feitas, a realidade é uma só: o modelo dominante é a velha escola, com seus velhos procedimentos, orgânica para uma sociedade determinada pelo taylorismo/fordismo. Anacrônica, se propuser-se a superar a exclusão numa sociedade determinada pelas novas bases materiais de produção caracterizadas pela globalização da economia, pela reestruturação produtiva, pelas inovações tecnológicas, pelas novas estratégias de organização e gestão da vida social e produtiva.

Evidentemente, a escola brasileira, em todos os seus níveis, enfrenta esta crise de princípio. Há um processo pedagógico em curso, já novo nas relações sociais e produtivas; a partir de suas determinações, é preciso transformar a escola, o que exige uma nova teoria pedagógica, cuja elaboração, posto que determinada pela prática social, já está em curso e um novo educador já está em processo de formação.

Desta rápida apresentação da nova realidade, três constatações gerais já vêm orientando a discussão da formação de educadores e, conseqüentemente, a discussão da função das faculdades de educação:

  • o novo princípio educativo exige que o trabalhador/cidadão de novo tipo domine os conteúdos básicos da ciência contemporânea que fundamentam os novos processos sociais e produtivos. Exige que tenha novas atitudes e comportamentos perante a sociedade e o trabalho, uma nova ética de responsabilidade, de crítica e de criação, voltada para a preservação da vida, do ambiente, e para a construção da solidariedade, como condições necessárias para a criação de uma sociedade mais humana e mais igualitária, que supere a exclusão;

  • o novo princípio educativo exige a universalização da educação, pelo menos básica, da maioria da população, sem o que as exigências explicitadas no item anterior não poderão ocorrer. Esta não é uma determinação do mundo da produção, o qual, por seu caráter excludente, é cada vez mais seletivo com relação ao emprego; é também, e principalmente, uma determinação da necessidade de formação de uma nova humanidade, capaz de enfrentar com melhores condições de compreensão e crítica a realidade da crescente exclusão e pobreza que caracteriza esta etapa de desenvolvimento;

  • o novo princípio educativo exige a ampliação da oferta pública nos demais níveis, na perspectiva do atendimento ao direito universal à educação.

Por outro lado, há algumas constatações específicas, que precisam ser consideradas, embora sejam indicações de tendências que precisam ser aprofundadas:

  • no Brasil, a reestruturação produtiva tem significado a acentuação das desigualdades sociais, em termos de classe e de região, aumentando a pobreza;

  • Essa reestruturação tem significado o aumento do desemprego, a diminuição da renda e a deterioração da qualidade de vida para a maioria da população;

  • no Brasil, os efeitos da diminuição da presença do Estado no financiamento das políticas públicas em geral, e da educação em particular, têm resultados ainda mais perversos, em face da já histórica situação de desigualdade e pobreza da maioria da população.

Com estas indicações pretende-se, por um lado, reiterar a urgência da crítica aos atuais procedimentos de formação do professor e, em decorrência, do papel das faculdades de educação, em busca de sua superação, porquanto esta etapa de desenvolvimento das forças produtivas também exige um educador de novo tipo:

  • que esteja capacitado para compreender a nova realidade, apoiando-se nas distintas áreas do conhecimento,

    para produzir ciência pedagógica. Que permita orientar as novas práticas educativas, sempre dinâmicas, que privilegiem os conteúdos necessários, as adequadas formas metodológicas, os atores, os espaços, as formas de acompanhamento e crítica, na perspectiva dos fins da educação, como utopia construída pela vontade coletiva;

  • que tenha competência para identificar os processos pedagógicos que ocorrem no nível das relações sociais mais amplas, e não apenas nos espaços escolares institucionalizados: nos movimentos sociais organizados, na rua, no trabalho, nos sindicatos, nos partidos, nas ONG's e assim por diante. Que saiba trabalhar com esses processos, com seus conteúdos próprios, quer nos seus espaços peculiares, quer construindo formas de articulação destes com a escola;

  • que tenha competência para dialogar com o governo em suas diferentes instâncias e com a sociedade civil, no processo de discussão e construção das políticas públicas, seja na sua implementação, seja no seu enfrentamento;

  • que seja capaz de transformar a nova teoria pedagógica em prática pedagógica escolar, sabendo selecionar e organizar conteúdos superando a atual organização curricular em disciplinas estanques, através da construção coletiva de formas pedagógicas que tomem a transdisciplinaridade como princípio;

  • que seja capaz de buscar a articulação entre a escola e o mundo das relações sociais e produtivas através de procedimentos metodológicos apoiados em bases epistemológicas adequadas;

  • que saiba organizar e gerir o espaço escolar de forma democrática, internamente e em suas articulações com a sociedade;

  • enfim, que seja o organizador de experiências pedagógicas escolares e não-escolares, cujo significado seja definido pelos fins da educação como expressão do desejo coletivo da sociedade que queremos.

Para formar esse educador de novo tipo é necessário que as faculdades de educação, reconhecendo sua história e a relevância de sua contribuição, façam a autocrítica e busquem novas formas de organização, para que possam cumprir as exigências desta nova etapa do desenvolvimento capitalista, marcada pela exclusão crescente e pela aceitação quase tácita de que a cidadania não é para todos.

A crise jurídico-normativa: de quem é a competência?

Em face da natural dificuldade de dar respostas a curto prazo para uma nova realidade que atinge o mundo a partir da década de 1980 e o Brasil mais especificamente a partir da década de 1990, as faculdades de educação, que já vinham fazendo sua autocrítica desde a criação da Anfope (anos 80), são atingidas, como de resto todo o sistema público de educação, pela crise do Estado que vem sendo enfrentada através da solução neoliberal.

Compelido pelos atores internacionais a diminuir o custo do Estado para assegurar a estabilidade da economia, o governo tem obedecido às políticas do Banco Mundial para a educação como forma de ter acesso a financiamentos (embora de retorno discutível, como tem evidenciado a professora Marília Fonseca) e fazer frente a situações de curto prazo. Estas políticas podem ser resumidas nos seguintes tópicos:

  • substituição do conceito de universalidade pelo de eqüidade, ou seja, a cada um educação segundo sua "competência", seja para seguir o ensino acadêmico, seja para aprender um trabalho;

  • diferenciação do modelo tradicional de universidade, criando os institutos profissionais, politécnicos, para ofertar cursos pós-médios ou de capacitação, desde que mais curtos e com custo mais baixo;

  • fomento à oferta privada de ensino, particularmente para oferta de cursos pós-médios e de cursos profissionais de curta duração;

  • redefinição da função do Estado relativa ao financiamento da educação, diminuindo sua presença nos níveis superior e médio, e priorizando o ensino fundamental; estimulando as iniciativas públicas e privadas a oferecer cursos mais "adequados e eficientes" para atender às demandas do mercado de trabalho, o que significa dizer de duração mais curta e mais baratos.

Estas políticas têm sérias implicações para as faculdades de educação e para a definição das modalidades de formação dos educadores.

A primeira tendência que se configurou, já na proposta de substitutivo à LDB apresentada pelo senador Darcy Ribeiro, foi a de delimitar um novo espaço para a formação de professores: os institutos superiores de educação, como alternativa-"síntese" das escolas normais e cursos de pedagogia e licenciaturas. Estes passaram a exercer o que eram as suas funções, só que de forma aligeirada e de baixo custo - formação de professores em cursos pós-médios, cursos superiores não universitários, qualificação e requalificação permanente dos docentes em exercício, tudo sob a responsabilidade das Secretarias de Estado de Educação "em articulação" com as universidades.

A exclusividade dos institutos como espaço de formação de educadores para todos os níveis e modalidades aparecia nas primeiras versões do Projeto LDB-Darcy. Só nas últimas versões apareceu a redação "A formação de profissionais para a educação básica se fará em universidades ou em institutos superiores de educação", integrados ou não a universidades, que oferecerão cursos para a formação de profissionais para a educação infantil, para as primeiras séries do ensino fundamental, para complementação pedagógica de profissionais que queiram ser professores e cursos de educação continuada para profissionais de educação. Estes institutos podem, inclusive, oferecer cursos de nível médio (curso normal superior) para professores que se dediquem à educação infantil e às primeiras séries do ensino fundamental.

Já se afirmou, em outro texto (Kuenzer e Gonçalves 1995), que esta proposta vai na contramão da história, uma vez que a pesquisa em educação, ainda insuficiente com relação ao novo princípio educativo, e os precários resultados que vêm sendo apresentados pelo sistema escolar apontam que, caso se pretenda realmente reverter o fracasso escolar, é preciso que se desencadeiem ações intensivas e sistemáticas que efetivamente qualifiquem os educadores através do ensino superior, da pesquisa e da extensão.

Ao retirar a formação de docentes da universidade, contrariamente ao que acontece nos países em que a democratização da educação realmente ocorreu, toma-se uma concepção elitista de ensino superior, voltado para a formação de cientistas e pesquisadores. Isso para o legislador (e para o Estado que abraça as políticas do Banco Mundial) não é o caso dos educadores, cuja formação nesta concepção dispensa o rigor da qualificação científica e da apropriação de metodologias adequadas à produção do conhecimento em educação. Esta concepção é reforçada através do entendimento de que qualquer profissional que tenha ensino superior, ou até mesmo médio, pode ser professor, desde que faça, nos institutos, a complementação pedagógica ou os estudos adicionais, descaracterizando-se, assim, as licenciaturas. É interessante argüir o contrário: porque os professores não podem, mediante formação adicional, ser advogados, médicos ou engenheiros?

Certamente porque se nega à educação o estatuto epistemológico de ciência, descaracterizando o profissional de educação como intelectual responsável por uma área específica do conhecimento, atribuindo-se a ele uma dimensão tarefeira, para a qual não precisa se apropriar dos conteúdos da ciência e da pesquisa pedagógica; portanto qualquer outro profissional pode ser educador.

Finalmente, a responsabilização das unidades federadas pela formação de educadores nos institutos descompromete a União com uma das mais urgentes e necessárias tarefas que afetam a educação nacional; de quebra, o custeio das Instituições Federais de Ensino Superior será significativamente reduzido sem as licenciaturas e os cursos de pedagogia.

Esta política reveste-se de lógica quando lembramos que o princípio da universalidade é substituído pelo da eqüidade; como a educação superior não é para todos, e para este nível os docentes serão formados através de pós-graduação strictu senso, é desperdício investir na formação superior dos professores que irão trabalhar com as classes subalternas, que provavelmente serão clientes dos cursos de formação profissional.

Esta lógica, presente na proposta de LDB-Darcy, se complementa com a proposta do Decreto 2.208/97, que cria um sistema separado para a formação profissional, fora do sistema escolar acadêmico, e que oferece o suporte normativo para a formação de professores em nível pós-médio e/ou de complementação de conteúdos voltados para o exercício profissional strictu senso, concebido como tarefa parcial, de conteúdo bem definido e destinado à atender a uma demanda específica e bem definida do mercado de trabalho. Como é assim concebida a tarefa do professor, sua formação prescinde de cientificidade e, portanto, é desperdício fazê-la nas universidades.

E, tomando a outra ponta deste raciocínio, como a maioria da população não terá acesso ao nível superior, para sua educação o professor assim concebido é mais do que suficiente, posto que as elites formarão seus filhos, como já o fazem, em um lugar específico do sistema escolar, que lhes retifique a condição, definida por sua origem de classe de ser "competente" para continuar estudando.

Tanto é verdadeiro o que se afirma, que as Secretarias Estaduais de Educação, com o olho posto nos recursos do Banco Mundial e do Banco Interamericano (Bird e BID) para finalmente ter uma fonte específica para o financiamento do ensino médio, já estão fazendo seus planos e suas propostas de reforma extinguindo os cursos profissionalizantes de nível médio, inclusive de Magistério, para criar os institutos pós-médios destinados à formação profissional, inclusive de professores (é o caso do Programa de Ensino Médio - Proem, no Paraná).

A formação profissional, como é concebida pelo Decreto 2.208/, que passará a se dar em outro sistema que não o de educação, regido por outra lei que não a LDB, destina-se à educação profissional nos diferentes níveis, do básico ao superior, podendo ocorrer independentemente de escolaridade, para aqueles que em face de sua "competência" não demonstrem "aptidão" para o ensino superior, após rigoroso processo de "seleção" que dar-se-á através do ensino básico, a ser confirmado pelos exames vestibulares. Ou seja, o sistema de educação profissional destina-se aos excluídos do sistema acadêmico, constituindo-se em alternativa compensatória e contencionista.

Quem formará os educadores para este sistema específico de formação profissional? Com certeza não são as universidades, que quando muito serão "parceiras". A nova legislação atribui esta função aos Centros Federais de Educação Tecnológica, que não têm tradição em licenciatura.

Anteriormente à promulgação deste decreto, a preocupação com a "formação de formadores" para a educação profissional já se fazia presente no Ministério do Trabalho, através da Secretaria de Formação e Desenvolvimento Profissional - Sefor, que elaborou um documento e iniciou um processo de discussão com especialistas da área de trabalho e educação, da qual vários membros do GT - Trabalho e Educação da Anped participaram. Neste documento (Sefor 1995), o MTB enuncia sua intenção de incluir, no seu plano de ação, a "concepção e o desenvolvimento de um sistema de formação de formadores para a educação profissional no país, e também a indicação de diretrizes e mecanismos para os projetos da fase de transição" (p. 5).

Neste documento expressa-se a concepção de que os formadores para a educação profissional são educadores de outro tipo, que deverão ter formação específica em agências e por atores pedagógicos também específicos.

O apoio normativo para esta concepção é dado pelo próprio Decreto 2.208/97, que atribuiu esta função aos Cefet's, aos cursos regulares de licenciaturas ou a programas especiais de habilitação (provavelmente a ser ofertados também pelos Institutos Superiores de Educação), desde que em concordância com as normas a serem exaradas pelo ministro de Estado da Educação e do Desporto (art. 16 e 24).

Além de chamar a si a responsabilidade de conceber e articular um Sistema Nacional de Formação de Formadores para a Educação Profissional, o MTB propõe-se a financiar ações em articulação com agências formadoras, com recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador - FAT, o que já vem acontecendo através de convênios com Secretarias Estaduais de Trabalho.

Para encerrar a delimitação deste quadro, necessário se faz registrar que o MEC, através da Secretaria de Ensino Médio e Tecnológico - Semtec -, vem desde 1996 desenvolvendo estudos para propor novo modelo para o ensino médio acadêmico que culminou com as Diretrizes Curriculares para o Ensino Médio, exaradas pelo Conselho Nacional de Educação, completando assim a reforma deste nível de ensino, iniciada com a proposta de criação do ensino profissional como ramo separado.

Conforme as Diretrizes, prevalece a concepção de um ensino médio acadêmico com uma forte base comum de conhecimentos fundamentais organizados por áreas e observado o princípio da transdisciplinaridade, que são complementadas com conteúdos diversificados para atender necessidades locais e regionais bem como para estabelecer articulações com o mundo do trabalho. Esta modalidade de ensino médio é propedêutica, podendo ser complementada concomitantemente ou seqüencialmente, com módulos profissionalizantes em outra rede: a de educação profissional.

Com esta concepção para o ensino médio acadêmico teremos certamente impacto sobre os cursos de licenciatura que atualmente são oferecidos pelas universidades.

Deste breve relato conclui-se estar em curso profundas modificações na educação brasileira, a ser adequada às políticas educacionais definidas pelo Banco Mundial, com profundos impactos sobre a concepção de educador e conseqüentemente, sobre sua formação.

Em síntese, as políticas acima descritas, complementadas com a proposta de autonomia para as universidades, fecham o quadro cujo resultado são profundas modificações na concepção e nas formas de organização da educação brasileira. Senão, vejamos: com a aprovação da PEC-30 (ex-233), o Governo define sua participação no financiamento do ensino fundamental público, declarando-o prioritário, mas sem aumentar a inversão de recursos neste nível; com o Decreto 2.208/97, define a política de formação profissional que, articulada à LDB-Darcy e às Diretrizes Curriculares para o ensino médio acadêmico, concretiza a concepção de educação do Estado neoliberal. À luz do princípio da eqüidade, a educação pública em todos os níveis já não é de direito de todos. Portanto, define-se dois caminhos: o dos incluídos, que terminarão o ensino fundamental, o médio acadêmico e buscarão sua vaga no ensino superior (público ou privado; caso não se consigam, completam sua formação no Sistema de Formação Profissional, no nível pós-médio); e o dos excluídos, que concluirão ou não o fundamental e complementarão sua formação no Sistema de Formação Profissional, no nível pós-médio, no nível técnico-médio ou nos cursos de qualificação profissional modulares. Como o Decreto 2.208/97 elimina a equivalência entre a versão acadêmica e a profissional e não exige terminalidade do nível fundamental ou médio para os módulos profissionalizantes, fica bem definido o caráter contencionista da atual política educacional. Para os bem-sucedidos, os cursos superiores, em instituições autônomas, o que vale dizer, privadas.

Estes impactos significam a descaracterização do professor como cientista e pesquisador da educação, função a ser exercida apenas para os que desempenharão suas funções no ensino superior. À grande maioria compete a função de divulgação do conhecimento produzido em níveis diferenciados, para o que se propõe uma qualificação também diferenciada e tão mais aligeirada e menos especializada quanto mais se destine às classes subalternas, objeto "natural" de exclusão, para o que não se justifica longos e caros investimentos, principalmente no que diz respeito à sua formação na universidade.

Assim, a diferentes funções - primeira a quarta séries, educação infantil, educação para jovens e adultos, educação profissional, ensino médio acadêmico, ensino técnico e tecnológico, ensino superior - correspondem diferentes propostas, espaços e atores para a formação de educadores. Mas, sempre em gotas homeopáticas, nunca mais que as necessárias, sob pena de se ter que administrar o prejuízo na prestação de contas aos agentes internacionais.

Não é demais relembrar que estas estratégias já estão em curso, através das Secretarias de Estado de Educação, que estão elaborando seus projetos para obter financiamentos dos agentes internacionais para os ensinos médio, pós-médio e profissional, em institutos profissionais especializados ou polivalentes, sob sua coordenação, incluindo a formação de educadores.

Por outro lado, processo semelhante ocorre entre o MTB e as Secretarias de Trabalho, com recursos do FAT, para financiar projetos para formação de trabalhadores e para a formação de professores de trabalhadores.

Portanto, as condições necessárias à reforma neoliberal do sistema de educação no Brasil estão todas dadas: o suporte jurídico-normativo, os recursos financeiros e a vontade política expressa nos programas do MEC e das Secretarias de Estado.

Reforma que expressa a opção pela solução conservadora das profundas diferenças sociais que marcam esta etapa de desenvolvimento do capitalismo, presente na adoção generalizada da concepção de que no mundo não há lugar para todos; e gestada autoritariamente nos gabinetes palacianos da União e dos Estados, sem que os verdadeiros interessados e seus representantes tivessem o direito a participar das decisões sobre seu destino.

A crise institucional

Esta situação apanha as faculdades de educação públicas justamente, e não por coincidência, no momento em que estão mais fragilizadas em decorrência da crise que se abate sobre as universidades públicas.

Assistindo ao esvaziamento extemporâneo de seus quadros, duramente formados com recursos públicos e esforço pessoal e institucional nos últimos anos, através do surto de aposentadorias provocado pelo mesmo governo que promoveu sua qualificação; com restrições ao provimento imediato de seus cargos efetivos, vêm contando com a colaboração de professores substitutos com contrato precário por tempo determinado; sem condições de repor seus técnico-administrativos, cujos quadros também se esvaziam com as aposentadorias; e, finalmente, sem recursos financeiros para desenvolver seus projetos de ensino, pesquisa e extensão e de qualificação docente.

Com uma estrutura anacrônica, baseada na departamentalização, cuja lógica é a fragmentação do conhecimento com foco na função administrativa, tem-se como resultado a desorganização dos profissionais que se concretiza num projeto pedagógico que define uma estratégia de gestão que leva ao imobilismo, à inércia, à burocratização e, portanto, ao afastamento de suas finalidades precípuas.

Em decorrência, tem-se a desarticulação:

  • interna, dos departamentos entre si e com as demais faculdades ou centros em uma mesma universidade;

  • externa, com todas as dificuldades que têm sido enfrentadas para estabelecer formas adequadas de articulação com o mundo do trabalho e das relações sociais.

E ainda mais: sem autonomia didática, administrativa e financeira e imersa em um cipoal normativo/jurídico que não lhe permite, como parte que é da estrutura universitária, enfrentar os problemas com soluções adequadas.

E, no entanto, as faculdades de educação têm resistido; o interior das universidades tem-se constituído em espaços privilegiados de discussão e de resistência a políticas educacionais excludentes e antidemocráticas; através dos Fóruns Nacionais, da participação na organização sindical, e da produção acadêmica, elas têm sido responsáveis, junto com outros parceiros, pela criação de contrapropostas em defesa da escola pública com qualidade e pelo avanço científico através da produção de uma ciência pedagógica comprometida com as classes populares, através da pesquisa e da pós-graduação.

É do seu interior, portanto, como espaço que historicamente tem articulado vários atores - professores, estudantes, movimentos sociais e entidades sindicais -, que a reação às atuais políticas de formação de educadores deverá ser organizada, posto que aí reside a especificidade de sua função.

As faculdades de educação no contexto das políticas públicas de educação - Seu dever e seu compromisso

A primeira questão a ser considerada é a necessidade de se reafirmar, incisivamente, a competência da universidade, lugar de produção científica e de articulação das diferentes áreas do conhecimento, para pesquisar, propor e executar modelos de formação do educador, em articulação com a prática pedagógica que se dá nas relações sociais e produtivas em seu conjunto. Para isso, contudo, urge fazer a crítica às atuais formas de organização e às atuais concepções de formação de educadores que ocorrem em seu interior, para que se resgate a positividade de seu desenvolvimento histórico, se identifiquem suas limitações e se elaborem novas propostas, como sínteses superadoras do velho princípio educativo.

A análise desenvolvida até aqui aponta algumas direções para que se consiga reverter o processo em curso, fazendo das faculdades de educação os verdadeiros centros superiores de formação do educador, como espaços de articulação entre produção e divulgação do conhecimento pedagógico. Para tanto, é preciso superar a atual concepção que faz das faculdades de educação um fragmento da universidade com pouca relevância, posto que devem ser centros articuladores e difusores da ciência pedagógica que se produz a partir de todos os processos sociais e produtivos, e que estão presentes em todos os espaços pedagógicos, quer das relações sociais, quer das relações produtivas, quer dos espaços institucionalizados como são as escolas e as próprias universidades.

Assim, a primeira tarefa a ser cumprida para que as faculdades de educação exerçam suas novas funções é a busca de articulações:

  • internas, com os demais cursos e docentes da universidade, quer propiciando estratégias de qualificação permanente para seus próprios professores, quer oferecendo subsídios à discussão dos novos currículos que são exigidos por esta etapa de desenvolvimento do processo produtivo. Promovem pesquisas sobre as relações pedagógicas que estão presentes nas diferentes relações estabelecidas no mundo do trabalho, em cada área: entre o engenheiro e o operador de máquina, entre o administrador e o funcionário, entre o médico e o paciente, entre o agrônomo e o agricultor, entre o professor e o aluno;

  • externas, com as Secretarias Estadual e Municipal de Educação, com a rede de escolas e seus docentes, com os movimentos sociais organizados, com os processos e as instituições pedagógicas não-tradicionais como as que educam crianças e adolescentes em situação de risco, jovens e adultos trabalhadores, sem-terra e participantes dos movimentos comunitários das periferias urbanas. Igualmente, com os sindicatos e partidos; com os profissionais que são atores pedagógicos em seus processos de trabalho, como os enfermeiros, agentes de saúde, agrônomos, veterinários, administradores, engenheiros, advogados, médicos, nutricionistas e assim por diante; com o sistema produtivo sempre com o objetivo de identificar as demandas do novo princípio educativo, pesquisando os processos, atores e espaços pedagógicos e subsidiando as práticas educativas que estão presentes em todos os espaços escolares e não-escolares.

A partir destas articulações, que asseguram sua vinculação à práxis social e produtiva, as faculdades de educação passarão a redefinir suas funções retomando as antigas e criando novas, mas sempre através de um processo de construção coletiva que expresse a vontade dos diversos atores sociais, com vistas a:

  • transformar as faculdades de educação em centros dinâmicos de produção do conhecimento, definindo seus problemas de investigação não apenas a partir da ciência pedagógica, mas principalmente a partir da prática social, como forma de responder às questões que a realidade brasileira coloca à educação nesta etapa;

  • buscar insistentemente a criação de modelos curriculares mais adequados e que privilegiem a transdisciplinaridade, para a formação de profissionais de educação para os diferentes níveis, modalidades e áreas de ensino, superando a atual organização que separa a pedagogia dos bacharelados e das licenciaturas. Se é preciso discutir que conteúdos de física são necessários ao homem contemporâneo, esta é uma discussão que exige a presença de físicos, professores de física e pedagogos;

  • criar cursos de graduação, pós-graduação e extensão que formem profissionais que atuem em processos pedagógicos não-escolares: nos processos produtivos, nos movimentos sociais, nas ruas, nos sindicatos e assim por diante;

  • criar alternativas para a qualificação permanente dos profissionais que pertencem aos quadros efetivos das redes de ensino, inclusive superior, aproveitando vagas não preenchidas pelos vestibulares nos cursos de pedagogia e licenciaturas; oferecendo cursos de capacitação e pós-graduação

    lato e strictu senso;

  • oferecer cursos para formação de professores dos cursos profissionais, em articulação com os demais departamentos e faculdades da universidade, com as Escolas Técnicas Federais, os Centros Federais de Educação Tecnológica, as agências formadoras (Senai, Senac, Senar) e os sindicatos;

  • intensificar a oferta de pós-graduação em nível de especialização, mestrado e doutorado, articulando a pesquisa à pós-graduação, e esta à graduação, estimulando particularmente as áreas de ensino, para formação de quadros para as licenciaturas e o desenvolvimento da investigação nesta área;

  • criar um centro de referência para o estudo das políticas educacionais como parte das políticas públicas e para o estudo de novas formas de organização e gestão escolar efetivamente democráticas, para fazer frente às propostas neoliberais de organização escolar.

Para construir este novo projeto, as Faculdades de Educação precisarão rever radicalmente suas atuais formas de organização. Com uma estrutura burocratizada e pouco ágil para dar respostas rápidas, lenta e irracional, fragmentada em departamentos que desenvolvem atividades meramente administrativas e atuam independentemente, as faculdades de educação têm tido dificuldades para exercer suas funções com competência. Proceder, portanto, à reorganização administrativa determinada pela nova proposta pedagógica que se constrói é estratégico, ao se pretender fortalecer as faculdades de educação, no sentido de instrumentalizá-las para exercer suas novas funções com competência.

Entre outros aspectos, esta reorganização deverá rever a função dos departamentos para que deixem de ser unidades administrativas e dêem lugar a unidades político-pedagógicas que articulem, não disciplinas fragmentadas, mas áreas integradas do conhecimento. Deverá também organizar formas flexíveis e ágeis de relacionamento com a prática social, que articulem ensino, pesquisa e extensão, privilegiando a transdisciplinaridade e a interinstitucionalidade, como são os núcleos temáticos; organizar suas bases de dados e informatizá-las de modo a viabilizar o acompanhamento e a avaliação permanente de seu trabalho.

Não enfrentar desafios postos pelo anacronismo de sua proposta pedagógica e de sua gestão significará aceitar as críticas que têm sido orquestradas pelo neoliberalismo, que são "acadêmicas" significando rígidas sem ser rigorosas, pouco ágeis para atender às novas demandas, tradicionais e pouco competentes.

Enfrentá-los, por outro lado, exigirá o cuidado para não cair na armadilha neoliberal, através da criação de estratégias aligeiradas e de baixo custo, para formar diferentemente tarefeiros e cientistas, abrindo mão do rigor acadêmico e do compromisso com a democratização da educação pública em todos os níveis, com qualidade, como direito universal.

Professor training in the context of changes in the world of work: new challenges for education faculties.

ABSTRACT: This article presents the new challenges for the Education Colleges regarding the impacts in the world of work of professor's training. These impacts, on the one hand, point to the necessity of the universality of the basic education with 11 years of duration, that demand a concentrated effort of qualification by university professors. On the other hand, they end up establishing the public education and professor's training policies that, due to the reduction of public funds and the policies of foreign, financial agents, re-establish the dissimilarity of pedagogic proposals for the included and the excluded. The proposals for the excluded, always sudden and low cost, originate a non-university training proposal. According to this analysis, the article recovers the particularities of the professor's work and presents a set of proposals to reorganize the education faculties.

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  • * Professora Titular do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná
    Professora Titular do Setor de Educação da Universidade Federal do Paraná
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      22 Abr 1999
    • Data do Fascículo
      Ago 1998
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