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Os pais brilham através de sua presença na escola: tornando visível a ausência na teoria co-genética

Resumo:

Neste artigo, proponho uma extensão da abordagem co-genética sistêmica de Tateo no que se refere às dimensões ‘ausência’ e ‘invisibilidade’. Vou ilustrar minhas proposições considerando o fenômeno da interação família-escola-comunidade. Prossigo desenvolvendo minha própria análise, já apresentada anteriormente, de como a interação família-escola é construída em meio a uma tensão tanto entre presença versus ausência como entre visibilidade versus invisibilidade. Isso permite integrar as seguintes dimensões à abordagem co-genética sistêmica: a primeira é o processo de tornar a ausência, visível, invisível e presente; a segunda é o processo de tornar invisível o próprio processo de construir ausência. Mergulho ainda no aspecto construtivo da ausência. Proponho uma extensão da abordagem co-genética sistêmica com relação aos seguintes aspectos: (a) ausência ativa (Goethe) como um modo de tornar o invisível visível na borda [ou na fronteira] do fenômeno; (b) o papel do limite [ou da fronteira] quanto a tornar o invisível visível; o caso da borda (Não-Não-A) como designação flexível (considerando um fenômeno como A ou não-A) e (d) o movimento circular e intransitivo tornando visível toda a amplitude do fenômeno no tempo irreversível. Utilizo a análise do discurso dos pais e dos professores para ilustrar essas proposicões teóricas.

Palavras-chave:
Aprendizagem; Desenvolvimento infantil; Engajamento dos pais

Abstract:

In this paper, I propose extending Tateo’s systemic cogenetic approach in relation with the dimensions of absence and invisibility. I illustrate my proposition in relation to the phenomenon of school-family-community interaction. I further develop my own theoretical work on how the interaction between school and family is constructed amidst tensions between presence versus absence, as well as visibility versus invisibility. This enables integrating the following dimensions in the systemic cogenetic approach: first, the process of making absence visible, invisible and present; and second, the process of rendering invisible the very process of constructing absence. I also delve into the constructive aspect of absence. I propose extending the systemic cogenetic approach in relation with the following aspects: (a) active absence (Goethe) as a way to make the invisible visible on the edge of the phenomenon; (b) the role of boundary in making visible the invisible; (c) boundary case (Non-Non-A) as a flexible designation (considering a phenomenon as A or non-A); and (d) circular and intransitive movement rendering visible the whole range of phenomena in irreversible time. I use the analysis of parents’ and teachers’ discourse as illustration of these theoretical propositions.

Keywords:
Child development; Learning; Parental engagement

Neste artigo, proponho estender a abordagem co-genética sistêmica de Tateo (2016)Tateo, L. (2016). Toward a cogenetic cultural psychology. Culture & Psychology, 22(3), 433-447. no que diz respeito às dimensões de ausência e invisibilidade. Ilustro minhas proposições em relação ao fenômeno da interação escola-família-comunidade. Na primeira parte do artigo, desenvolvo minha própria análise, apresentada em outra publicação (Boulanger, 2019aBoulanger, D. (2019a). Parental engagement in the light of the ecosystemic foundations of the field of school-family-community partnership: toward a psychosocial, dialogical, and developmental perspective. In. G. Marsico & L. Tateo (Eds.), The emergence of self in educational contexts. theoretical and empirical explorations (pp. 213-232). Springer. ), de como a interação entre escola e família é construída em meio à tensão entre presença versus ausência e visibilidade versus invisibilidade. Isso permite integrar as seguintes dimensões à abordagem co-genética sistêmica: primeiro, o processo de tornar a ausência visível, invisível e presente e; segundo o processo de tornar invisível o próprio processo de construção da ausência. Na segunda parte do artigo, aprofundo o aspecto construtivo da ausência. Proponho estender a abordagem co-genética sistêmica no que diz respeito aos seguintes aspectos: (a) ausência ativa (Goethe) como forma de tornar visível o invisível à margem do fenômeno; (b) o papel do limite em tornar visível o invisível; (c) caso da borda (Não-Não-A) como designação flexível (considerando um fenômeno como A ou não-A); e (d) movimento circular e intransitivo tornando visível toda a gama de fenômenos em tempo irreversível. Utilizo a análise do discurso de pais e professores como ilustração dessas proposições teóricas.

Extensão da abordagem co-genética sistêmica: construindo ausência (passiva) e invisibilidade

A abordagem co-genética sistêmica

Com base na lógica co-genética de Herbst, Tateo (2016)Tateo, L. (2016). Toward a cogenetic cultural psychology. Culture & Psychology, 22(3), 433-447. apresenta os fenômenos humanos como sistemas tríplices - um fenômeno A seu oposto (Não-A) e a borda que possibilita a criação desse sistema complementar. Neste sentido, o desenvolvimento é um processo dialético que evolui em meio a tensões.

Conforme ilustrado na Figura 1a, o fenômeno A que é considerado ou esperado - manifestado no campo de vida das pessoas (em primeiro plano), na perspectiva de Lewin - é bem determinado e identificável. Forma um conjunto fechado - pense em nossa identidade nacional como um fenômeno determinado. Seu oposto - Não-A como identidade não nacional - é preferencialmente um conjunto aberto, designando um amplo leque de possibilidades. No que diz respeito ao tempo, a abordagem co-genética sistêmica postula que “[...] quando um coletivo humano estabelece os parâmetros aceitáveis de uma janela de possibilidades, isso implica imediatamente no surgimento de sua negação complementar e da fronteira entre eles” (Tateo, 2019Tateo, L. (2019). The inherent ambivalence of educational trajectories and the zone of proximal development with reduced potential. In L. Tateo (Ed.), Educational dilemmas: a cultural psychological perspective (pp. 1-21), Springer., p. 6; grifo meu).

Figura 1.
Perspectiva co-genética

Nesta perspectiva, A e não-A são definidos respectivamente como o que é aceitável (promovido) e inaceitável (prevenido). A orientação social assume a forma de promoção - o que o outro “deve fazer” - e prevenção - o que o outro “não deve fazer”. Portanto, eu mesmo (como A) ajo sobre os outros (como não-A) com base em expectativas sociais. O limite entre A e Não-A é o que orienta a mudança (para A) e a não-mudança (manutenção de A e resistência a Não-A), mas também o surgimento do novo - não-A (o que não é aceito) pode tornar-se parte do intervalo de A (aceito). É especialmente o caso de formas de desenvolvimento quase aceitáveis (Figura 1b) - em alguns países (Canadá, por exemplo) as crianças podem circular pela sala de aula usando a “carteira com pedais” - que poderia ser incluída no conjunto A, dependendo do contexto. Esses casos podem estar abertos a um processo de negociação e possibilitar uma transição de Não-A para A

Sendo o desenvolvimento humano imprevisível (Figura 1c), “[q]ualquer trajetória de desenvolvimento “X” pode se desdobrar diacronicamente de diferentes maneiras, às vezes dentro e às vezes fora das janelas de possibilidades” (Tateo, 2019Tateo, L. (2019). The inherent ambivalence of educational trajectories and the zone of proximal development with reduced potential. In L. Tateo (Ed.), Educational dilemmas: a cultural psychological perspective (pp. 1-21), Springer., p. 10). No entanto, embora a abordagem co-genética sistêmica de Tateo seja epistemologicamente baseada na suposição de que A e não-A estão inclusivamente inter-relacionados (Valsiner, 1998Valsiner, J. (1998). Dualisms displaced: from crusades to analytic distinctions. Human Development, 41, 350-354.) e evoluem de maneira imprevisível, ela também reconhece que as pessoas geralmente pensam de maneira exclusivamente separada, em termos de dualidades - uma lógica ou/ou. Enquanto “[o] que ainda não é observável, potencial e plenamente desenvolvido é tão importante quanto o que já é observável ou real” (Tateo, 2019Tateo, L. (2019). The inherent ambivalence of educational trajectories and the zone of proximal development with reduced potential. In L. Tateo (Ed.), Educational dilemmas: a cultural psychological perspective (pp. 1-21), Springer., p. 11) porque sinaliza uma gama imprevisível de fenômenos emergentes, uma visão normativa leva a redução deste mesmo intervalo. O que se espera (por exemplo, a criança deve ajustar seu comportamento na escola) reduz esse intervalo ao que se encaixa nas normas sociais e o torna previsível.

Graças à borda criando um sistema complementar A/não-A, o conjunto aberto é restringido pelos conjuntos limitados:

É esse sistema dinâmico de significados, no qual a abertura é condicionada pela natureza definida do conjunto complementar fechado, que orienta o desenvolvimento coletivo da sociedade para um alcance mais limitado de alternativas possíveis, mantendo assim o equilíbrio entre produção e reprodução da dinâmica social (Tateo, 2016Tateo, L. (2016). Toward a cogenetic cultural psychology. Culture & Psychology, 22(3), 433-447., p. 439).

A escola tende a funcionar como um conjunto fechado porque se define de dentro (“o que somos como agentes escolares”) e regula sua relação com o mundo externo por meio de mecanismos homeostáticos que impedem que o fora invada o dentro. Para tanto, os agentes da Escola reduzem a extensão de formas aceitáveis de engajamento familiar. Conforme exibido na Figura 1a, Não-A (Não escola; alcance informal de envolvimento dos pais) constitui um conjunto aberto. Considerando o mecanismo supracitado, como as escolas reduzem o alcance do envolvimento parental informal e, assim, o tornam um conjunto fechado?

Responder a essa pergunta poderia me permitir abordar como o conjunto fechado e seus limites são construídos. Mais especificamente, poderia me permitir entender como Não-A (Não escola) - como um intervalo aberto - é transformado em Sem-A (AUSÊNCIA de A), é assim que o conjunto oposto e aberto Não-A é definido em termos de “falta” (Sem) - pais sem características escolares X e Y e não sendo como professores. Também poderia me ajudar a entender como essa própria ausência se torna tanto VISÍVEL (o que os pais não são constituem fatores de risco observáveis) quanto INVISÍVEL (o sentido atribuído ao envolvimento parental informal pelos atores familiares não faz parte do campo dos professores, do que eles ‘veem’). Na próxima seção, abordo a questão das pessoas construindo Não-A como ausência e tornando essa ausência visível e invisível.

Construindo ausência e invisibilidade na interação entre escola, família e comunidade

Por que tentar CONECTAR a escola, a família e a comunidade, principalmente em contextos de pobreza, tentando diminuir a fronteira que os separa? Em vez disso, podemos apenas supor que tais conexões existem se considerarmos juntamente com Tateo (2016Tateo, L. (2016). Toward a cogenetic cultural psychology. Culture & Psychology, 22(3), 433-447., 2019)Tateo, L. (2019). The inherent ambivalence of educational trajectories and the zone of proximal development with reduced potential. In L. Tateo (Ed.), Educational dilemmas: a cultural psychological perspective (pp. 1-21), Springer. que uma fronteira é algo que conecta e separa (diferenciando partes em um todo) (Marisco, 2016Marsico, G. (2016). The borderland. Culture & Psychology, 22(2), 206-215. )? Marsico e Iannaccone (2012)Marsico, G., & Iannaccone, A. (2012). The work of schooling. In J. Valsiner a (Ed.), The Oxford Handbook of Culture and Psychology (pp. 830-868). Oxford University Press. referem-se à metáfora da varanda da escola, como extensão (fronteira) da escola na comunidade, para discutir como os agentes da escola (A) administram sua relação (conexão) com a família (Não-A).

Os professores são frequentemente relutantes à presença (física ou simbólica) dos pais na escola (Crozier, 2001Crozier, G. (2001). Excluded Parents: the Deradicalization of Parental Involvement. Race Ethnicity and Education, 4(4), 329-341., 2012Crozier, G. (2012). Researching parent-school relationships. British Educational Research Association.) ou a gerir o envolvimento dos pais mantendo os pais na periferia da escola (Marsico & Iannaccone, 2012Marsico, G., & Iannaccone, A. (2012). The work of schooling. In J. Valsiner a (Ed.), The Oxford Handbook of Culture and Psychology (pp. 830-868). Oxford University Press.) - através da gestão de uma “zona de envolvimento” (promovendo reuniões formais de envolvimento dos pais) versus “zonas de não envolvimento” (impedir que os pais circulem na entrada da escola ou venham voluntariamente à escola para encontrar o professor sem aviso prévio formal) (Boulanger, 2019bBoulanger, D. (2019b). Social representations of parental engagement in poor context: empty parents and full teachers. Psychology & Society, 11(1), 82-98. ) - sugere a vontade de terminar, reduzir ou manter conexões entre a escola e as famílias. Portanto, não há necessariamente ausência de vínculo, pois escola/família e suas fronteiras formam um sistema complementar.

O fato de tal complementaridade ser negada - pesquisadores e educadores afirmam que não há conexão entre escola e família - sinaliza, primeiro, que os professores reagem afetivamente à conexão escola-família e, segundo, que constroem as inter-relações como uma separação exclusiva entre os agentes em uma lógica mecanicista “ou/ou” (Valsiner, 1998Valsiner, J. (1998). Dualisms displaced: from crusades to analytic distinctions. Human Development, 41, 350-354.).

A diferença - sinalizando a variabilidade cultural - entre a escola e o agente familiar é geralmente construída como exclusão (Doucet, 2011Doucet, F. (2011). (Re) Constructing home and school: immigrant parents, agency, and the (un) desirability of bridging multiple worlds. Teachers College Record, 113(12), 2705-2738.). Os discursos dos professores geralmente assumem a seguinte forma: “[…] os pais não são como nós (não-A como perturbação), portanto eles são ameaças e devemos ter certeza de que eles não nos sobrecarreguem mantendo-os fora da escola ou em seu limite”. Por outro lado, os pais são necessários para apoiar a transferência (unidirecional) de conhecimento que a criança traz da escola para o ambiente familiar. Os pais são assim construídos como muito presentes na zona Não-A (o que não é esperado deles) e não suficientemente presentes na zona A (o que se espera deles).

Os professores constroem a presença excessiva dos pais na zona Não-A ao representar a família como invasora da escola. Essa invasão acontece, em primeiro lugar, diretamente pela presença excessiva dos pais, principalmente em uma forma de engajamento não esperada (presença espontânea na escola sem hora marcada, andando pelos corredores etc.). Em segundo lugar, ocorre indiretamente por meio, primeiro, de suas práticas informais em casa (cf., estruturação fraca das atividades da criança, observar a criança de longe) não condizentes com as práticas da escola e; segundo o conhecimento informal transmitido à criança (Matthiesen, 2019Matthiesen, N. (2019). The becoming and changing of parenthood: immigrant and refugee parents’ narratives of learning different parenting practices. Psychology & Society, 11(1), 106-127.; Nakagawa, 2019Nakagawa, K. (2019). Possible worlds for families in school. Psychology & Society, 11(1), 48-64.).

Como Não-A (o que os pais não devem fazer ou ser) é definido em relação a A (o que se espera em relação às normas escolares), pais e filhos são construídos como FALTA e AUSÊNCIA (negativa) - ausência de apoio dos pais, ausência de autoconfiança das crianças, falta de presença dos pais, falta de sucesso escolar, etc. Eles são SEM-A em vez de NÃO-A. SEM-A é um conjunto fechado que designa a ausência de A (escola). Em contrapartida (numa lógica “ou/ou”), os professores são considerados cheios (de boa intenção, moralidade, valores e boas práticas) de A, completamente presentes às crianças e até mesmo aos pais quando os convidam para as atividades formais da escola (Gomes, 2019Gomes, R. C. (2019). The exotopy (surplus of seeing) as a value in effective dialogical transactions between schools and communities. Psychology & Society, 11(1), 152-160.; Lightfoot, 2004Lightfoot, D. (2004). “Some parents just don’t care”: decoding the meanings of parental involvement in urban schools. Urban Education, 39(1), 91-107.).

Como o que está ausente - o que falta à criança e aos pais - é designado em referência às expectativas da escola (a criança precisa ser preparada para a escola através da intervenção dos pais nas formas X e Y), essa mesma ausência torna-se VISÍVEL.

É exatamente isso que acontece em relação as condições pessoais e ambientais dos pais - que são transacionais (Dewey & Bentley, 1949Dewey, J., & Bentley, A. F. (1949). Knowing and the known. Greenwood Press.), ou seja, processuais, contextuais e dotadas de sentido, portanto difíceis de “compreender” - uma série de FATORES de risco e de proteção (uma objetificação) (Boulanger, 2019bBoulanger, D. (2019b). Social representations of parental engagement in poor context: empty parents and full teachers. Psychology & Society, 11(1), 82-98. ). Esses fatores são facilmente identificáveis e gerenciáveis. O que se torna VISÍVEL é a sombra da experiência familiar. O engajamento informal e tácito dos pais que faz sentido para a família torna-se INVISÍVEL. O que traz a LUZ a experiência da família é colocado à sombra dos fatores de risco. Experiência e os fatores dizem respeito à ausência. No entanto, o primeiro torna-se invisível enquanto o último torna-se visível.

Assim, os pais são construídos como ausentes na escola porque seu modo de engajamento não se enquadra nas normas da escola (A). No entanto, não-A ser transformado em sem-A (FALTA) implica invisibilizar as potencialidades das famílias. Portanto, proponho chamá-lo de Não-A INVISÍVEL. A escola está tirando a luz da família (potencialidades como um conjunto aberto). Paralelamente, em Não-A, comportamentos e cognições específicos são construídos como alvos VISÍVEIS. Proponho chamar isso de Sem-A VISÍVEL. Assim, o mesmo fenômeno - engajamento informal - é tanto obscurecido (tornando invisível seu aspecto construtivo) quanto iluminado (tornando visível seu lado obscuro ou problemático como construído pelos professores).

A Figura 2 (‘’V’’ representa visibilidade e ‘’I’’ invisibilidade) situa na Figura 1a as principais dimensões da minha análise. Os professores que se definem em relação à escola (como A) opõem-se - numa lógica “ou/ou” (separação exclusiva) - aos pais (não-A). Eles estão, assim, fazendo uma conexão e uma desconexão. Por isso, os professores se consideram presentes e os pais ausentes na escola. Essa ausência é transformada em um conjunto fechado (de Não-A para Sem-A). Portanto, os pais são definidos em relação ao que lhes falta e ao que está ausente neles e em seu ambiente. Enquanto o lado positivo do engajamento informal se torna invisível, seu lado negativo - atribuído pelos professores - se torna visível na forma de fatores de risco. O contraste entre a escola como protetora e a família como arriscada - a primeira compensando a segunda - reforça a concepção da interação escola-família como uma desconexão. Sinaliza a transformação de um sistema complementar (A/Não-A e a borda) em um sistema estático por meio de separação exclusiva.

Figura 2.
Fechando o conjunto aberto construindo a ausência como visibilidade e invisibilidade

Regular temporalmente o limite entre escola (A) e família (Sem-A) sinaliza “[…] a maneira de produzir a distinção e, ao mesmo tempo, os requisitos para passar de uma condição para outra” (Tateo, 2019Tateo, L. (2019). The inherent ambivalence of educational trajectories and the zone of proximal development with reduced potential. In L. Tateo (Ed.), Educational dilemmas: a cultural psychological perspective (pp. 1-21), Springer., p. 7). Minha análise mostra professores regulando a transição de Sem-A (visível) para A de forma linear:

[E]ssas distinções também estabelecem as regras para mover uma única trajetória de ‘não-A’ para ‘A’. Por exemplo, estabelecemos tarefas de desenvolvimento (por exemplo, se uma criança aprende a amarrar os sapatos na idade adequada) e pontos de verificação (por exemplo, avaliações escolares) através dos quais uma trajetória de desenvolvimento pode se tornar ‘adequada’” (Tateo, 2019Tateo, L. (2019). The inherent ambivalence of educational trajectories and the zone of proximal development with reduced potential. In L. Tateo (Ed.), Educational dilemmas: a cultural psychological perspective (pp. 1-21), Springer., p. 7).

Enquanto essa transição é normativamente regulada, a abordagem co-genética argumenta “[…] que ‘não-A’ não é ‘não-desenvolvimento’, mas contém todas as formas que não correspondem aos parâmetros socialmente aceitos” (Tateo, 2019Tateo, L. (2019). The inherent ambivalence of educational trajectories and the zone of proximal development with reduced potential. In L. Tateo (Ed.), Educational dilemmas: a cultural psychological perspective (pp. 1-21), Springer., página 7). Nesta lógica, Não-A implica em imprevisibilidade e novidade. Como as pessoas são seres humanos autônomos interagindo dinamicamente com seu ambiente, elas resistem à influência externa. O desenvolvimento poderia então ocorrer fora do alcance predefinido dos professores - fora do Sem-A, mas dentro do aspecto invisível do Não-A. Enquanto os professores constroem Não-A como Sem-A (pais como ausência), Não-A ainda está necessariamente aberto. O ato dos professores de fechar o conjunto Não-A é necessariamente definido pelo seu oposto - Pais e filhos REabrindo-o. Nessa perspectiva, “[a] região limitada (A), embora permaneça um conjunto fechado, pode expandir ou contrair dinamicamente ao longo do tempo na relação com o conjunto aberto (não-A) na região de proteção correspondente às instâncias marginais da integridade da pessoa” (Tateo, 2016Tateo, L. (2016). Toward a cogenetic cultural psychology. Culture & Psychology, 22(3), 433-447., p. 440).

Esta possível extensão de A em não-A é representada na figura 3ª. Em minha análise, mostrei a redução do conjunto aberto em um conjunto fechado.

Figura 3.
Conjunto dinâmico, ausência ativa e invisibilidade.

A extensão (de A para Não-A) simbolizada na Figura 3a acima é útil para abordar como os pais e filhos autônomos REabrem seu espaço (extensão) - o último permitindo uma transição de Não-A para Sem-A e efetivar as potencialidades de Não-A. Os professores que constroem a paternidade e a infância como um problema social, reduzindo normativamente a educação à escolarização, constituem apenas um lado do fenômeno - epistemicamente pertence ao conjunto A. Seu oposto epistêmico é Não-A - ausência como um fenômeno ativo em vez de passivo (fazer dos pais agentes passivos) e a possibilidade de expandir e efetivar Não-A.

A segunda parte deste artigo visa regular o limite entre (epistêmico) A e Não-A, permitindo uma mudança epistêmica. Como introdução a esta segunda parte, sugiro agora quatro caminhos que desenvolvo.

Tornar visível e expandir a ausência ativa

Na Figura 3b, situo na Figura 3a quatro vias gerais para estender a abordagem co-genética sistêmica: 1) Ausência ativa (Goethe) como forma de tornar visível a ausência invisível na margem do fenômeno; 2) O papel da borda em tornar visível o invisível; 3) O caso borda (Não-Não-A) como designação flexível (considerando um fenômeno como possivelmente A ou não-A e negociando essa atribuição); 4) Movimento circular e intransitivo tornando visível toda a gama de fenômenos - em relação a dimensões específicas (Não-A-a e Não-A-não-a) - em tempo irreversível.

Há uma progressão - em complexidade crescente - na minha argumentação, a partir da ausência (em relação a Goethe) como condição ativa que permite a visualização profunda dos fenômenos culturais (a primeira das quatro vias mencionadas). Na Figura 3b, Não-A é projetado como uma ausência ativa compreendendo um intervalo infinito. Para dizer de forma simples, esta é uma espécie de potencialidade a ser “despertada”. Para que isso aconteça, torná-lo visível (acessível) é uma condição importante. Tornar visível a ausência invisível acontece à margem dos fenômenos (a primeira das quatro maneiras mencionadas anteriormente) como sugere Goethe. Na Figura 3b, esse processo está na borda entre A e Não-A. Uma forma de abordar este processo é em relação ao conceito de caso borda, referindo-se a um caso com borda aberta. Poderia ser atribuído a A ou Não-A. Trata-se, portanto, de construir possibilidades. Alguém com três fios de cabelo pode ser considerado um caso borda de calvície - abre-se negociação para designar este caso como A (careca) ou Não-A (calvície). A abertura de um conjunto é simbolizada por um trovão na Figura 3b. A e Não-A são considerados como opções, sendo a borda aberta e flexível, até mesmo móvel. A calvície também é definida em relação a dimensões específicas, como o número (a) e a localização (não-a) dos fios de cabelo. Na Figura 3b, simbolizo essas dimensões como Não-A-a e Não-A-não-a. Ele sinaliza que Não-A é definido em relação a muitas dimensões. Como tornar visível e atualizar todo o leque - todas as dimensões dos fenômenos (as diferentes formas de envolvimento parental)? Para responder a essa pergunta, volto ao trabalho de Goethe sobre cores que podem ser comparadas a tais dimensões.

Utilizo a análise do discurso de pais e professores para ilustrar essas proposições teóricas. Considere que eu apresento essas proposições como possíveis vias teóricas. Essas proposições - que não desenvolvo completamente aqui - são, antes, vias iniciais para um desenvolvimento futuro. Por exemplo, é por isso que me refiro indiretamente a Goethe (1792Goethe, J. W. (1792). The experiment as mediator between object and subject. In D. Miller (Ed.), Scientific Studies (pp. 11-17). Suhrkamp Publishers., 1810Goethe, J. W. (1810). Theory of colours. In D. Miller (Ed.), Scientific Studies (pp. 157-298). Suhrkamp Publishers., 1817)Goethe, J. W. (1817). The influence of modern philosophy. In D. Miller (Ed.), Scientific Studies (pp. 28-30). Suhrkamp Publishers. em relação à apresentação de Bortoft (1996)Bortoft, H. (1996). The Wholeness of Nature. Goethe’s way toward a Science of Conscious Participation in Nature. Lindisfarne. de sua obra, que me parece confiável.

Ausência ativa (Goethe): tornando visível o invisível à beira/margem do fenômeno

Ir de Sem-A para Não-A - como uma gama infinita de possibilidades - implica mergulhar em toda a organização dos fenômenos. Goethe - como apresentado por Bortoft (1996)Bortoft, H. (1996). The Wholeness of Nature. Goethe’s way toward a Science of Conscious Participation in Nature. Lindisfarne. - concebe todo o fenômeno da seguinte forma:

[O] todo é uma ausência. Essa ausência, no entanto, não é o mesmo que nada. Pelo contrário, é uma ausência ativa, na medida em que não procuramos estar conscientes do todo, como se pudéssemos apreendê-lo como uma parte, mas nos deixamos abrir para ser movidos pelo todo. Uma ilustração particularmente gráfica do desenvolvimento de uma sensibilidade ao todo como uma ausência ativa pode ser encontrada na experiência da escrita, onde vimos anteriormente que não temos o significado diante de nós como um objeto (Bortoft, 1996Bortoft, H. (1996). The Wholeness of Nature. Goethe’s way toward a Science of Conscious Participation in Nature. Lindisfarne. , p. 14, grifo do autor).

Para Goethe, a ausência ativa é uma forma de acessar toda a organização do fenômeno e possibilitar o desdobramento dessa organização. Aprofundar-se “[n]a experiência é uma maneira de entrar em uma dimensão que está no fenômeno, não atrás ou além dele, mas que não é visível em um primeiro momento” (Bortoft, 1996Bortoft, H. (1996). The Wholeness of Nature. Goethe’s way toward a Science of Conscious Participation in Nature. Lindisfarne. , p. 21). Isso implica mudar nosso modo de ver: de visualizar um objeto externo para estar profundamente imerso nele. Isso contrasta com o ver passivamente - o que torna a ausência uma ausência passiva (os pais sendo representados como passivamente ausentes) - o fenômeno como objeto através da objetificação (construindo as condições pessoais e ambientais dos pais como FATORES de risco). A ausência ativa é antes uma condição para acessar (tornar VISÍVEL) e aprofundar a organização invisível do fenômeno. Isso equivale a tornar acessível o que parece à primeira vista como invisível (os pais se fazendo entender e seu engajamento informal).

Ilustro uma atividade como condição geral de acesso aos outros (outras pessoas). Faço isso em referência aos discursos de educadores e pais que participam de um programa educacional de abordagem ascendente no Canadá (Larose & Boulanger, 2013Larose, F., & Boulanger, D. (2013). Du communautaire au socioéducatif. Rapport de la recherche évaluative du programme “L’École des parents” déployé par le Regroupement économique et social du sud-ouest (RESO). 89 p.). Este programa é denominado School of Parent (SoP), em francês l’École des Parents. Nesse programa, os pais - que abandonaram a escola no início de sua trajetória - em um ambiente de pobreza aprendem o conteúdo do currículo escolar para poder ajudar seus filhos na escola e, eventualmente, ingressar na educação profissional formal para conseguir um emprego. Os pais também desenvolvem competência educacional para apoiar o desenvolvimento da criança. A aprendizagem informal e experiencial é o aspecto principal deste programa. Por exemplo, os pais determinam seu próprio projeto em relação à criança.

Esta é uma troca entre educadores em um grupo focal:

Vocês [mães] sabem das coisas. Vocês sabem de coisas que nós não sabemos (Educador 1).

Sim, é isso, todo um patrimônio que já está aí [...] (Educador 2).

[...] então isso tem que ser colocado em perspectiva [...] (Educador 1).

[...] esse é um dos únicos lugares onde as mães podem simplesmente SER ou aprender a SER (Educador 3).

[…] uma das maiores vitórias […] é […] quando alguém chega em um grupo […] sem falar, que está FECHADO […] e que a gente VÊ ganhar confiança e interagir (Educador 1).

Pouco tempo depois, o Educador 3 indica que “os pais NÃO estão conscientes de que precisam de algo”. A partir desses trechos, faço três observações: 1) os professores acessam a organização dos pais tanto em termos de estrutura - o que está virtualmente (incluso, já lá) “lá” - quanto de processo - genótipo como a passagem da virtualidade para a realidade (sinalização em potencial dos pais do que estão se tornando); 2) o surgimento da trajetória dos pais fora da janela formal da escola (A) de possibilidades (a possibilidade de ser ou aprender a ser o que eles querem ser conforme a escola determina), e 3) o surgimento de possibilidades inexploradas (não A) por meio de um diálogo.

Essas observações mostram os professores tornando visíveis as potencialidades dos pais por meio da ausência ativa. Em vez de construir a ausência como uma ausência passiva (os pais sendo mero objeto de nossa intervenção e discurso) e uma falta (Sem-A; os pais não sendo como nós), os professores constroem a ausência como uma zona ativa, permitindo visualizar e possivelmente tornando realidade a organização das experiências dos pais. A ausência é uma porta aberta para (tornar visíveis) as organizações invisíveis dos pais - em termos de estrutura e processo.

Comento agora a terceira observação. Consideremos o contraste entre primeiro, as mães terem um patrimônio que os educadores desconhecem e, segundo as mães não conhecerem suas próprias necessidades. Por um lado, as mães sabem algo (seu patrimônio que é tanto afetivo quanto relacional ou dialógico; mais sobre a relação entre afetividade e diálogo depois) sobre si mesmas que os educadores NÃO sabem. Por outro lado, os educadores sabem algo (suas necessidades que são tanto afetivas quanto relacionais ou dialógicas) sobre as mães que elas NÃO sabem sobre si mesmas. Aqui o Self e seu Alter são coleitores que produzem o texto porque eles “[…] podem transmitir aos outros mais do significado de um texto do que eles próprios podem entender” (Bortoft, 1996Bortoft, H. (1996). The Wholeness of Nature. Goethe’s way toward a Science of Conscious Participation in Nature. Lindisfarne. , p. 7). Aqui, o ‘lugar vazio’ não é preenchido (como pessoas que enchem um recipiente com alguma coisa). Como expliquei em outra publicação (Boulanger, 2019aBoulanger, D. (2019a). Parental engagement in the light of the ecosystemic foundations of the field of school-family-community partnership: toward a psychosocial, dialogical, and developmental perspective. In. G. Marsico & L. Tateo (Eds.), The emergence of self in educational contexts. theoretical and empirical explorations (pp. 213-232). Springer. ) em relação ao processo de aprendizagem dos pais, esse movimento não é preenchido, mas está em constante expansão.

A plenitude (encher para completar com ‘algo’) nunca é alcançada - o processo está sempre e constantemente se desdobrando. A ausência ativa não é um buraco a ser fechado, mas uma abertura para um horizonte - como um horizonte real, sua borda é constantemente aberta e definida pela relação entre a pessoa e o ambiente (Tateo, 2016Tateo, L. (2016). Toward a cogenetic cultural psychology. Culture & Psychology, 22(3), 433-447.).

A Figura 3c apresenta esse processo de visibilização das potencialidades em Não-A por meio da ausência ativa. Essa análise poderia ser concluída ao mergulhar na resistência como forma de abrir o campo de possibilidades (Valsiner, 2019Valsiner, J. (2019). The father who is the school. Psychology & Society, 11(1), 1-5.). Professores gravando o desvio ativo das crianças das instruções escolares (Rajala, 2019Rajala, A. (2019). Expanding the context of pedagogical activity to the surrounding communities. Psychology & Society, 11(1), 161-175.) pode ser um caminho promissor.

Também tenho que considerar que a interpretação dos professores nos excertos apresentados anteriormente não é imposta aos pais. Essa é a diferença entre considerar o outro como um objeto ou um “parceiro” (dialógico). O professor “[...] não força o texto nos moldes da personalidade do leitor ou nas exigências de seu conhecimento prévio” (Bortoft, 1996Bortoft, H. (1996). The Wholeness of Nature. Goethe’s way toward a Science of Conscious Participation in Nature. Lindisfarne. , p. 7). Em vez disso, “[t]ransmite o significado do texto - ‘transmite’ no sentido de ‘atravessar’ ou ‘transpassar”. Esse meio-termo sinaliza o trabalho na borda (os pontos de interrogação na Figura 3c) em que me aprofundo agora.

O papel da borda em tornar o invisível visível

Goethe se opõe à abordagem de Newton de VER a cor de forma objetiva e passiva. Para ele, Newton concebe as qualidades secundárias (o fenômeno invisível da percepção) como ocultas por trás das qualidades primárias (as propriedades visuais dos objetos) e substitui as primeiras pelas últimas. Ao olhar para o ângulo de cor em um raio de luz (qualidades primárias acessíveis), Newton substitui o fenômeno real por outro. Assim, tornou invisível o fenômeno ausente, como fazem os professores - a escola como qualidade primária ofusca a experiência dos pais como qualidade secundária (Boulanger, 2019cBoulanger, D. (2019c). Bronfenbrenner’s model as a basis for compensatory intervention in school-family relationship. Psychology & Society, 11(1), 212-230.). Não-A é transformado em Sem-A.

O modo ativo de ver de Goethe - mergulhando no fenômeno - o leva a considerar “[…] que um limite ou borda é necessária para evocar as cores” (Bortoft, 1996Bortoft, H. (1996). The Wholeness of Nature. Goethe’s way toward a Science of Conscious Participation in Nature. Lindisfarne. , p. 36 grifo do autor). Mais precisamente, ele “[…] reconheceu desde sua primeira observação com o prisma que luz e escuridão eram necessárias “para evocar as cores”. Então, se ele pudesse ver um exemplo na natureza do ‘vir a ser’ de cores apenas da luz e da escuridão, então ele teria lido a origem das cores diretamente na própria natureza” (Bortoft, 1996Bortoft, H. (1996). The Wholeness of Nature. Goethe’s way toward a Science of Conscious Participation in Nature. Lindisfarne. , p. 43).

Na seção anterior, analisei como os professores entram na organização fenomenológica dos pais - sua ausência invisível - para deixar as experiências dos pais emergirem para se tornarem o que querem ser. Como Goethe que convida o fenômeno a se manifestar, eles convidam os pais a se abrirem, mostrando suas “cores (textura singular sinalizando a nuance no espectro dos fenômenos)” (Figura 4).

Figura 4.
Borda abrindo a ausência.

Bortoft (1996, p. 40)Bortoft, H. (1996). The Wholeness of Nature. Goethe’s way toward a Science of Conscious Participation in Nature. Lindisfarne. mostra como realizar o experimento de Goethe para ver ativamente as cores como segue:

Basta fazer um cartão com uma borda reta entre as regiões preta e branca e olhar a borda através do prisma com o cartão em qualquer uma das orientações mostradas na figura na página oposta. Segurando o prisma de forma que fique posicionado como o telhado de uma casa virado de cabeça para baixo, com as margens paralelas a borda, olhe pelo lado inclinado voltado para você em direção a borda. Você o verá deslocado para baixo. Em ambos os casos, as cores vivas são vistas paralelas a borda. Na orientação (a), as cores aparecem na região branca logo abaixo do preto, com o vermelho mais próximo da borda, depois o laranja e o amarelo mais distantes da borda. Em (b), […] as cores são paralelas a borda, mas com esta orientação do cartão as cores são azuis, com o azul claro mais próximo da borda e o violeta mais distante aproximando-se do preto.

O que é interessante para o meu propósito é que “[p]reto, violeta e azul começam a ser percebidos como pertencentes um ao outro, como se houvesse uma unidade nessas cores que não é percebida a princípio. […] As cores são percebidas como pertencentes a uma unidade que está presente no fenômeno, mas não visível como as próprias cores” (Bortoft, 1996Bortoft, H. (1996). The Wholeness of Nature. Goethe’s way toward a Science of Conscious Participation in Nature. Lindisfarne. , p. 42). Ausência - toda a gama de qualidades secundárias que eu comparei ao envolvimento informal dos pais em não-A como um conjunto infinito - é o que se torna visível e não o que é imediatamente aparente, como as normas escolares para os professores (do ponto de vista externo e objetivo DELES). Em vez de olhar passivamente para os fenômenos, os professores entram neles, invertendo assim sua maneira usual de ver.

Para ilustrar, apresento dois excertos de educadores em sua ordem cronológica2 2 In fact, these excerpts are slightly separated by other discourses. :

Isto [aprendizagem dos pais] também gera conhecimento, depois aparece progressivamente como um lugar onde você redescobre que pode aprender, depois desenvolve uma confiança na sua capacidade de tocar coisas novas e integrá-las. Existe esse medo de não ser adequado; quando você não terminou o ensino médio e as pessoas sempre lhe disseram que você não é suficientemente instruído e que você não tem isso e aquilo, que você está sempre no modo deficitário. Isso cria pessoas que não estão dispostas a fazer muitas perguntas, que temem cometer erros; não querem expressar seu ponto de vista. Então, esse é um tipo de link ou conversa que a gente cria em que você tem o seu lugar, você pode fazer perguntas. Todas as perguntas são boas, você pode perguntar o que quiser e os pais reagem “Hein!” (Educador 1, grifo meu).

Mas eu acho que uma das maiores vitórias, um dos maiores sinais e vitória é quando uma recém-chegada está, de início, sem falar, fechada (renfermé), não se sente bem, etc., aí a gente vê ela ganhar confiança, interagindo e mudando completamente seu comportamento e nós outros participantes dizemos para ela: ‘’ah, sabe, semana passada você compartilhou sobre isso, então eu fui na internet fazer uma pesquisa, porque... [expressando implicitamente que esse compartilhamento estava chamando sua atenção], então eu encontrei isso ou aquilo sobre este tópico, blábláblá’’. Então os participantes do grupo estão compartilhando juntos. Lá, você faz observações positivas (Educador 2, grifo meu).

Nesses excertos, os professores assumem uma postura compreensiva em relação aos pais. Veem com empatia o que sentem DENTRO, o que à primeira vista é invisível. Eles veem tanto a organização estrutural de sua experiência quanto como ela se desenvolve. Curiosamente, enquanto a principal tendência dos professores é tornar invisível o processo de tornar invisível parte da experiência dos pais (não-A) - como analisado na primeira parte deste artigo - aqui, os professores veem como os pais se fecharam em resposta a serem tratados como um objeto passivo e uma ausência. Além disso, tornam visível a organização da experiência dos pais em termos de processo - os pais se abrindo. Tanto em termos de estrutura quanto de processo, os professores tornam visíveis duas dimensões principais da experiência dos pais: afeto e diálogo. Na verdade, eles exibem a experiência dos pais (fenômeno) olhando na borda da afetividade e do diálogo (Figura 4 b) assim como Goethe que visualiza o fenômeno da cor olhando para a borda entre o preto e o branco (Figura 4a).

O medo (afetivo) das mães de fracassar e falar (fazer perguntas em diálogo) em público está relacionado a elas (afetivamente) sentirem que lhes falta competência e conhecimento.

Considero preto e branco ou afeto e diálogo como duas dimensões complementares em Não-A - a ausência ativa. Eu, portanto, os chamo de Não-A-a e Não-A-não-a. Ambos têm uma ampla gama de espectro (de cores) - primeiro, ‘Não-A-a como Não-A-a¹, Não-A-a², Não-A-a³ e; segundo, Não-A-não-a como Não- A-não-a¹, Não-A-não-a² e Não-A-não-a³. A borda permite destacar as nuances do fenômeno através de uma visão contrastante (preto versus branco).

É o que represento na Figura 5. Afetividade e diálogo não são necessariamente opostos. São termos bastante complementares. Estes mediam a relação entre o professor e o pai em meio ao mundo interno (dentro do universo dos pais) e externo. O professor vai para dentro do pai - vendo-o afetivamente - depois para fora - expressando empaticamente (diálogo) sua compreensão para o pai. Isso permite ao pai se redescobrir afetivamente (indo para dentro) e se expressar no decorrer de um diálogo (indo para fora) com o professor. Aqui, a afetividade e o diálogo estão em estado de tensão entre o dentro e o fora - o diálogo também pode se desdobrar dentro e se expressar afetivamente fora. Outra maneira de olhar para a função da borda é em relação ao conceito de caso borda. Como o caso borda permite a abertura e a expansão de Não-A?

Figura 5.
A função da borda

Caso borda como uma designação flexível

Para se ter um caso borda, precisamos de uma borda, um conjunto A, um conjunto Não-A e um caso que seja difícil de atribuir a A ou Não-A. Um caso borda é vago para se atribuir a um conjunto A ou Não-A. Portanto, pertence a Não-Não-A. Não é A nem Não-A, mas poderia ser qualquer um; está, portanto, situado em um espaço aberto. Alguém com 3 fios de cabelo é careca ou não? Não é nem um nem outro, mas POSSIVELMENTE um e outro.

Raffman (2014, p. 2)Raffman, D. (2014). Unruly worlds: a study of vague language. Oxford University Press. expressa bem a ideia geral de vagueza3 3 Vagueness is not equivalent to ambiguity, but Scheffler (1979) characterizes the second as a special case of the former. que transcende a discórdia científica entre os filósofos contemporâneos:

Talvez o único ponto em que todos os teóricos da vagueza concordem é que a vagueza é uma forma de falta de clareza - especificamente, uma falta de clareza sobre os limites das coisas. Na linguagem, a vagueza diz respeito à extensão da aplicação de um termo: não há limite claro ou definido entre os itens aos quais o termo se aplica e os itens aos quais não se aplica.

Assim, a vagueza implica falta de clareza na aplicação de um termo em relação a pelo menos duas regiões (A e Não-A). O objeto localizado no intervalo entre as regiões A e B é chamado de caso borda

Palavras como ‘rico’, ‘pilha’, ‘vermelho’ e até ‘parece vermelho’ são vagas. Ou seja, eles têm limites imprecisos de aplicação: não há uma divisão nítida entre os casos em que eles se aplicam claramente e os casos em que não se aplicam. Não há, por exemplo, uma divisão nítida entre objetos que são claramente vermelhos e objetos que não são (claramente vermelhos), pessoas que são claramente ricas e pessoas que não são (Raffman, 1994Raffman, D. (1994). Vagueness without paradox. The Philosophical Review, 103(1), 41-74., p. 41).

Por diferentes razões relativas à lógica padrão (Raffman, 2014Raffman, D. (2014). Unruly worlds: a study of vague language. Oxford University Press.) e à natureza aberta (textura aberta) da vagueza e seu ambiente, não podemos forçar um objeto a se encaixar em uma determinada região adicionando critérios artificiais que permitiriam a aplicação de limites4 4 If such thing happens, as the field of application is still open (a feature of open texture), a transference of ambiguity to other regions will happen (Waismann, 1945). , por exemplo, encaixando os pais nas atividades formais da escola, enquanto suas ações às vezes5 5 The analysis is presented elsewhere. For more details, the reader can refer to Boulanger (2016). não são nem formais nem informais (quase A de Tateo). De fato, a vagueza acarreta indecisão sobre casos borda situados entre diferentes polos.

O que está em aberto aqui não é um dos conjuntos - Não-A para Tateo (2016)Tateo, L. (2016). Toward a cogenetic cultural psychology. Culture & Psychology, 22(3), 433-447. - mas a própria borda (Sainsbury, 1990Sainsbury, R. M. (1990). Concepts without boundaries. In R. Keefe & P. Smith (Eds.), Vagueness: a Reader (pp. 251-264). MIT Press. ; Scheffler, 1979Scheffler, I. (1979). Beyond the letter: a philosophical inquiry into ambiguity, vagueness and metaphor in language. Routledge & Gegan Paul.), uma vez que o caso borda está sujeito a negociação contextual, e a tolerância é permitida na medida do possível no que diz respeito ao seu âmbito de aplicação. Normalmente, esses casos são “invisíveis” porque caem em uma zona cinzenta. As regras padrão são usadas para fixar a delimitação: uma criança que encontra problemas de adaptação social ou é violenta na escola é colocada na mesma categoria (problema, risco). No entanto, as regras são contraditórias (Raffman, 2014Raffman, D. (2014). Unruly worlds: a study of vague language. Oxford University Press.) - os pais precisam estar envolvidos, mas não envolvidos.

A escolha de situar um caso borda em A ou Não-A é então arbitrária e não legislativa; o “ou/ou” não é uma zona estática, mas sugere possibilidades. Os casos borda implicam hesitação por parte do sujeito; esses casos são problemáticos e polêmicos, podendo gerar controvérsias. Por isso, estão sempre abertos, em parte porque há tolerância (ainda que parcialmente) (Gaiffman, 2010Gaiffman, H. (2010). Vagueness, tolerance and contextual logic. Language and Vagueness, 174(1), 5-46. ) e porque o espaço está aberto (aos possíveis, aos ainda não explorados - invisíveis - horizontes). É sempre possível (re)negociar como posicionar o objeto. O caso borda, portanto, constitui uma oportunidade frutífera para debater e abrir as caixas-pretas (Shapiro, 2006Shapiro, S. (2006). Vagueness in Context. Oxford University Press.). Raffman (2014, p. 3)Raffman, D. (2014). Unruly worlds: a study of vague language. Oxford University Press. considera uma pessoa como um caso borda:

O raciocínio sorítico pode ser familiar a partir de debates sobre o direito ao aborto: uma vez que um recém-nascido é uma pessoa, e um organismo humano, digamos, um segundo mais novo que uma pessoa também é uma pessoa, logo um concepto é uma pessoa. A existência deste último argumento sugere que a palavra “pessoa” também é vaga.

Ilustro agora esta noção em relação ao discurso de educadores (agentes da escola e outras instituições que intervêm junto aos pais e crianças) participantes de um programa de parceria (2003-2009) - School, family, community, Succeed Together (SFCST) - implementado em áreas pobres do Canadá (Quebec), e que foram entrevistados em grupos focais em 2007. Eles recebem instruções de agentes políticos para desenvolver atividades que atinjam os pais. Os profissionais definem essas atividades no contexto de discussões em grupo.

O envolvimento dos pais é frequentemente representado de forma tradicional, onde o envolvimento equivale à presença física dos pais na escola:

O pai que está ali é um pai dizendo: “Eu, estou envolvido” e que já está engajado em outros níveis da escola. Mas é complicado. As abordagens são abordagens de ajuda. E é isso. Mas nem sempre dão resultados. […] Há buracos, mas geralmente a gente quase sempre tem um [pai] (Indivíduo 1, grifo meu).

Neste excerto, a escola é o ponto normativo (zona A) de referência para definir a presença e a ausência dos pais (o buraco sinalizando Sem-A, a falta de presença esperada) na escola. Enquanto a demarcação entre presença (A) e ausência (Sem-A) é clara, o que não é (complicado) é a forma de chegar aos pais e os resultados de sua presença. Uma das zonas vagas é o engajamento dos pais como alunos (retorno à escola investindo em atividades vocacionais).

E porque ao nível das estatísticas tem sido difícil provar, eu sei que há pais que voltaram a estudar? Existe realmente uma conexão? Mas, eu, eu sei que há pais que optaram por continuar os estudos (Indivíduo 2, grifo meu).

A ausência de comprovação do envolvimento parental, bem como uma das dimensões do envolvimento parental - o pai como aluno - reflete a sua vagueza. O status do pai é um objeto de tensão no grupo. Abaixo, apresento parte do diálogo entre dois participantes do grupo focal.

Também poderia ser um avô. Muitas vezes eles estão nas oficinas da escola, têm espaço, estão no chão (Indivíduo 3, grifo meu).

Não tenho nada contra os avós, mas não tenho certeza de que são as pessoas certas para vir sentar aqui porque, eu, não tenho filhos na escola atualmente. Prefiro pais com filhos na escola (Indivíduo 4, grifo meu).

Na verdade, muitos avós vêm à escola para fazer atividades e substituir os pais. Eles estão mais envolvidos do que pensamos! Mas, claro, se o avô não tem vínculo com a escola, não necessariamente tem o melhor ponto de vista. Mas há muitos avós ajudando a promover as atividades escolares (Indivíduo 3, grifo meu).

A controvérsia está no status do educador que representa a criança. Do ponto de vista do Indivíduo 3, o status não depende do nível de linhagem familiar, mas da proximidade do agente com os valores escolares. Parecendo tornar-se mais flexível no decorrer da discussão, o Indivíduo 4 amplia o espectro do diálogo, bem como a abrangência do fenômeno em discussão, mencionando que um pai pode se engajar em outra escola que não aquela em que seus filhos estão oficialmente envolvidos/matriculados.

Os participantes do grupo não concordam com a demarcação clara de um caso borda, mas concordam em discordar. O espaço dado à definição de educador ou pai é aberto à discussão, redefinição e inovação, uma vez que possibilidades (ainda não vistas, invisíveis) são construídas nos diálogos que surgem (usando a palavra “poderia”).

Os participantes hesitaram em definir a presença dos pais na escola: “Eles não estão aqui, mas não quer dizer que não estejam felizes ou próximos à escola [...] Felizes, não, mas ainda mais próximos da escola porque se comunicam melhor, pois se sentem mais acolhidos, talvez” (Indivíduo 5, grifo meu).

Nesse excerto, o sujeito hesitante admite a possibilidade de que a proximidade com a escola não só necessita da presença física (visível), mas também implica na forma como os pais se comunicam e seus sentimentos de acolhimento. A comunicação e os sentimentos são elementos tácitos (invisíveis) que representam o caso borda da presença dos pais (presença na mente, emoção e comunicação). De fato, há abertura para casos borda que não se enquadram nas convenções usuais, como também expresso no trecho a seguir:

E lá proporciona uma ocasião para ver a escola de outro ângulo. E dá a eles [pais] um lugar. Há muitos pais que não se sentiram bem com a escola e que vieram agora fazer outros tipos de atividades nas escolas em comparação a serem alunos. Eu vejo que isso muda as ideias e a relação deles com a escola (indivíduo 7, grifo meu).

Neste excerto, os pais podem agora envolver-se na escola de forma mais informal, enquanto os profissionais focaram no aspecto formal. As formas informais de engajamento são tanto possibilidade quanto realidade. Alguns participantes referem-se ao envolvimento dos pais na biblioteca comunitária. Outros referem-se à conversa informal entre professores e pais nos corredores da escola (uma zona que não é totalmente regida por regras).

O interessante dessa situação é que os educadores discutem literalmente a ausência dos pais na escola. Eles estão se perguntando se X ou Y é um caso de presença dos pais (A) ou ausência (Não-A). No início da conversa, a ausência é construída como ausência passiva: os pais não estão presentes (Sem-A) na escola. A superenfatização da presença dos pais na escola como forma restritiva de definir o engajamento parental torna invisível o outro caso de ausência. No entanto, alguns casos aparecem progressivamente como possivelmente indicando presença ou ausência. Assim, eles aparecem como um caso borda. Diferentes dimensões invisíveis aparecem assim como casos de presença possível - passando de Não-A para A. A ausência é ausência ativamente porque é um potencial na discussão - implica opções de reclassificação. No decurso da conversa, manifesta-se toda uma gama de dimensões - o envolvimento dos pais é agora visto em relação à proximidade/distância, status (pais ou avós ou aluno) e investimento afetivo versus físico.

Um caso borda, localizado em uma zona cinzenta (borda), é, portanto, uma condição vasta para tornar visível a ausência ativa e abrir/expandir a zona Não-A. Alternativas são criadas fora das janelas iniciais de possibilidades (pré-identificáveis) (Tateo, 2016Tateo, L. (2016). Toward a cogenetic cultural psychology. Culture & Psychology, 22(3), 433-447., 2019Tateo, L. (2019). The inherent ambivalence of educational trajectories and the zone of proximal development with reduced potential. In L. Tateo (Ed.), Educational dilemmas: a cultural psychological perspective (pp. 1-21), Springer.).

Na última citação, o agente vendo a escola (A) de outro ângulo sinaliza que ele representa todo o fenômeno do engajamento parental de uma forma diferente. Eles não podiam voltar à sua concepção anterior porque sua representação mudou de forma irreversível. O investimento afetivo dos pais na criança não poderia mais ser visto como Não-A.

Isso significa que ao atribuir um caso borda X ou uma de suas dimensões (Raffman, 2014Raffman, D. (2014). Unruly worlds: a study of vague language. Oxford University Press.) a Não-A, então A aplica uma MUDANÇA SISTÊMICA, para que nossa compreensão do fenômeno X mude de forma irreversível (Shapiro, 2006Shapiro, S. (2006). Vagueness in Context. Oxford University Press.). Consideremos a cor de uma maçã que não é considerada nem vermelha nem amarela. Sua cor está em algum lugar intermediário. Considere um comitê de consumidores tentando atribuir à esta maçã (em crescimento) a cor vermelha (A) ou amarela (Não-A ou não A ainda). No decorrer da conversa, eles decidem considerá-la amarela, portanto, atribuem-na à TODA organização de tons amarelos, que é seu alcance - com todas as texturas (qualidades secundárias) variadas (invisíveis e possíveis). Realizar uma mudança sistêmica de Não-A para A nesta atribuição implica mudar toda a nossa concepção de X - agora é atribuída à toda a gama de vermelhos. No entanto, a maçã está crescendo de amarelo para vermelho durante o próprio processo de atribuição. Além disso, a pessoa está resistindo à atribuição e contra posicionando-se. Defende suas potencialidades através da resistência - tornando um Sem-A (potencialidades invisíveis) em não-A (potencialidades visíveis). Aprofundo agora minha compreensão do referido processo circular e intransitivo.

Movimento circular e intransitivo tornando visível toda a gama de fenômenos

Deixe-me voltar à perspectiva de Goethe sobre a cor (Figura 6).

Figura 6.
Expansão da ausência invisível durante a troca sistêmica.

Na análise realizada na seção anterior, está acontecendo um movimento conversacional (Shapiro, 2006Shapiro, S. (2006). Vagueness in Context. Oxford University Press.) na atribuição do engajamento como caso borda (BC na Figura 6). Considerando a natureza aberta e imprevisível da borda, realizando uma mudança na atribuição - de avós ou alunos (enquanto pais) ou investimento afetivo como casos de envolvimento não parental (Não-A) para casos de envolvimento parental (A) - implica reconhecer todo o fenômeno e ampliar a compreensão de seu alcance. As diferentes dimensões (Raffman, 2014Raffman, D. (2014). Unruly worlds: a study of vague language. Oxford University Press.) do engajamento dos pais podem ser comparadas às diferentes texturas de cores no experimento de Goethe. Toda a gama de cores - como um todo - pode ser considerada como uma ausência ativa. Olhar profundamente DENTRO de um fenômeno para VISUALIZAR sua plenitude acontece na borda - casos borda que estão situados no limite de um fenômeno e que estão abertos para discussão, parecem ser uma situação de borda construtiva. Ele permite tanto tornar visível o invisível - quais são as dimensões invisíveis do engajamento (azuis) e não-engajamento (vermelhos) - quanto mudar de vermelho para o azul. O movimento conversacional (Shapiro, 2006Shapiro, S. (2006). Vagueness in Context. Oxford University Press.) é, portanto, construtivo.

Permita-me apresentar outra ilustração da análise do discurso dos educadores no SFCST (programa de parceria).

A Figura 7a representa como a atribuição geralmente se desenrola durante a conversa no início deste programa - que é implementado há sete anos. O envolvimento dos pais é distribuído em quatro categorias como conjuntos fechados. Quando estão presentes na escola de maneira formal (apoio instrumental das tarefas dos professores) são aceitos. Eles são parcialmente aceitos quando se envolvem fora da escola de maneira formal, apoiando os deveres de casa das crianças. Eles são recusados quando se envolvem informalmente fora da escola: ou são considerados arriscados para as crianças (Sem-A visível na Figura 2) ou não são considerados - encontrar os pais no supermercado é invisível, é um caso não (Sem-A invisível na Figura 2). A presença informal dos pais na escola também é invisibilizada (Sem-A). Aqui, A é definido em relação a duas dimensões complementares (Raffman, 2014Raffman, D. (2014). Unruly worlds: a study of vague language. Oxford University Press.) - formalidade e presença. Observe que, neste caso, A também é um conjunto fechado. No entanto, o que acontece quando há movimento nesse conjunto fechado no curso da conversa como um ciclo intransitivo?

Figura 7.
Desdobramento do movimento

A Figura 7b representa como a conversa se desenrola no final do programa. Os quatro conjuntos se abrem e há movimento na atribuição: o que era atribuído a um determinado conjunto passa a ser atribuído a outro ao lado das quatro dimensões do fenômeno. Isso acontece porque a NUANCE é colocada em relação à textura do fenômeno (em relação ao seu alcance) (Figura 6) - permitindo uma expansão em VER tanto a variedade de azuis (A na Figura 6) quanto de vermelhos (Não-A na Figura 6). A Figura 6) possibilita e resulta primeiramente da VIZUALIZAÇÃO DA AUSÊNCIA (que não existe à primeira vista) e depois da mudança de Não-A para A no decorrer do MOVIMENTO conversacional. O envolvimento informal dos pais fora da escola não é mais considerado um caso de AUSÊNCIA, mas de POSSÍVEL - ampliando o leque de potencialidades em Não-A - presença. VER os pais em uma zona escolar informal permite que os professores VEJAM todo o fenômeno de forma diferente, de outro ângulo. Há uma abertura para outro tipo de engajamento. Isso tem um efeito irreversível - VER todo o fenômeno de forma diferente com uma reestruturação de A e Não-A e principalmente a interação entre A e Não-A (Figura 5).

Conclusão

Neste artigo, propus estender a abordagem co-genética sistêmica no que diz respeito às dimensões de ausência e invisibilidade. Na primeira parte do artigo, mostrei como a interação entre escola e família é construída em meio à tensão entre presença versus ausência, assim como visibilidade versus invisibilidade. Isso permitiu integrar à abordagem co-genética as seguintes dimensões: primeiro, o processo de tornar a ausência visível, invisível e presente; e segundo o processo de tornar invisível o próprio processo de construção da ausência. Na segunda parte do artigo, mergulhei no aspecto construtivo da ausência. Propus estender a abordagem co-genética sistêmica em relação aos seguintes aspectos: (a) ausência ativa (Goethe) como forma de tornar visível o invisível à fronteira do fenômeno; (b) o papel do limite em tornar visível o invisível; (c) caso borda (Não-Não-A) como uma designação flexível (considerando um fenômeno como A ou não-A); e (d) movimento circular e intransitivo tornando visível toda a gama de fenômenos.

No entanto, ainda estou lidando com CLASSificação, que envolve situar alguém em uma classe. Ao passo que considerei como abrir tal classe, a classificação não constitui um caminho construtivo para aprofundar a compreensão dos outros porque se trata de um modo de pensar tipológico. A classificação também é contrária à abordagem de Goethe. Então, outro conceito é necessário para apreender o processo que analisei. Em outra publicação, proponho o conceito de CARACTERização - a construção de outros como personagens por meio da imaginação para aprofundar nossa compreensão deles e possibilitar seu desenvolvimento. Ao lado de uma perspectiva dialógica, pode ser um dos caminhos possíveis para desenvolver ainda mais as proposições que faço neste artigo.

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Como citar este artigo

  • 2
    Na verdade, esses trechos estão ligeiramente separados por outros discursos.
  • 3
    Vagueza não equivale a ambiguidade, mas Scheffler (1979)Scheffler, I. (1979). Beyond the letter: a philosophical inquiry into ambiguity, vagueness and metaphor in language. Routledge & Gegan Paul. caracteriza a segunda como um caso especial da primeira.
  • 4
    Se isso acontecer, como o campo de aplicação ainda está aberto (característica da textura aberta), ocorrerá uma transferência da ambiguidade para outras regiões (Waismann, 1945Waismann, F. (1945). Verifiability. Processings of the Aristotelian Society, 19, 119-150.).
  • 5
    A análise é apresentada em outra publicação. Para mais detalhes, o leitor pode consultar Boulanger (2016)Boulanger, D. (2016). Dynamiques représentationnelles à l’interface de l’école et de la famille. Éditions Universitaires Européennes..

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    11 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    09 Jun 2021
  • Aceito
    29 Mar 2022
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