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Seção temática: A criança, a mãe e a família na pesquisa

É com satisfação que apresentamos mais uma seção temática em nosso periódico, iniciativa que harmoniza a busca de conhecimento científico com diferentes áreas de interesse dos pesquisadores, alinhavando trabalhos de acordo com um fio condutor de sentidos. Embora os estudos na área da infância, maternidade e família já constituam uma tradição na pesquisa em Psicologia, as transformações sociais das últimas décadas sinalizam a necessidade de mudanças de foco ou de método para que a ciência persevere em sua função de compreender uma realidade, um fenômeno, uma situação. Os esforços empreendidos pelos autores dos trabalhos, que apresentamos a seguir, levam-nos a crer que esse movimento de atualização da Psicologia está ganhando corpo ao propor questões de pesquisa sintonizadas com as novas demandas da sociedade.

Francischini e Fernandes tocam na delicada questão da ética em pesquisa com crianças a partir de um levantamento, em bases europeias, de literatura científica produzida ao longo de duas décadas. A escassez de trabalhos que tomem a ética como objeto de estudo aponta para a necessidade de voltarmos nossos olhos para o lugar da criança na pesquisa, dando-lhe voz e direitos ao ser chamada a decidir, juntamente com seus pais, sobre sua participação ou quando se beneficia de métodos de investigação mais participativos e, portanto, mais afinados com o modo de expressão da criança.

Aching e Granato traçam um interessante paralelo entre a mãe suficientemente boa de Winnicott, conceito norteador do cuidado infantil adequado para o desenvolvimento das potencialidades da criança, e as concepções de gestantes e mães em situação de vulnerabilidade social sobre o que é ser uma boa mãe. As autoras discutem as condições de possibilidade para o exercício da maternidade nesse contexto de precariedade, em que não só privação, solidão e preconceito, mas também a esperança de uma vida melhor e a realização pessoal alimentam a relação mãe-bebê a qual se desenvolve de modo singular.

Focalizando a proposição de alternativas metodológicas para a pesquisa qualitativa de orientação psicanalítica, Granato e Aiello-Vaisberg propõem a Narrativa Interativa como procedimento expressivo, lúdico e próximo ao drama vivido. A fim de ilustrar o uso desse procedimento dialógico, as autoras convidam estudantes universitários a completar uma história ficcional sobre um casal que se depara com a possibilidade de ter um filho com síndrome de Down, e discutem o material narrativo em termos das diferentes concepções sobre a maternidade e as possíveis soluções para seus conflitos. À guisa de conclusão, as autoras refletem, ainda, sobre a maternidade ser concebida como escolha ou como destino para a mulher, o que enseja expectativas quanto à figura materna.

Como contraponto à maternidade que se produz em condições de precariedade social, temos o estudo de Pessôa et al. que aborda três diferentes díades cuidadoras no contexto da classe média - mães e avós, mães e babás, mães e educadoras de creches -, a fim de investigar seus valores quanto ao cuidado infantil. As autoras também inovam em seu método de aproximação dos diferentes discursos, fazendo uso de fotografias que retratam mães e seus bebês, as quais tendem a privilegiar ora o contato físico, ora a autonomia, o afeto, a segurança, dentre outros componentes do cuidado.

Já Canosa e Postalli debruçam-se sobre cenas domésticas de banho e alimentação a fim de observar a delicada comunicação que se estabelece entre a mãe e seu bebê cego. É no contexto de deficiência visual que fica amplificada a sensibilidade materna para compreender, estimular, comunicar, enfim, facilitar o desenvolvimento das potencialidades de seu filho. É também aqui que fica patente a criatividade humana para lidar com adversidades, tornando-as tanto oportunidades de crescimento para a mãe como para a estimulação precoce da criança, conforme enfatizam as autoras.

Em contrapartida, o trabalho de Cézar e Smeha nos mostra como transtornos do espectro autista marcam indelevelmente uma família, tema abordado pelos autores a partir da perspectiva de irmãos adultos de autistas. Tendo sido também convertidos em figuras parentais, pouco espaço tiveram para brincar, competir ou mesmo brigar com seus irmãos, cuja relação passou a se caracterizar como cuidado, visando proteger o irmão autista e aliviar a sobrecarga materna. Esperamos que os avanços no sentido do diagnóstico precoce do autismo e de modalidades de atendimento que incluam os familiares possam, além de contribuir com o desenvolvimento dessas crianças, retirar essas famílias da condição de sofrimento solitário em que se encontram.

E, finalmente, Henriques et al. investigam o intrigante relacionamento entre pais e filhos adultos que permanecem no lar, a despeito de sua condição financeira, um cenário familiar cada vez mais presente na contemporaneidade, sobretudo no que se refere à classe média brasileira. Pontuada por discursos ambíguos, os quais sugerem intensos sentimentos de ambivalência nesse tipo de configuração familiar, conforme concluem as autoras, deixar o lar tem sido um desafio para jovens adultos tanto quanto o é permanecer nele para além do que é socialmente esperado. Pais e filhos veem-se diante da difícil tarefa de reconstruir seu relacionamento sobre bases mais democráticas, o que, certamente, traz desconfortos e demanda negociações.

Para concluir, esperamos ter contribuído com nossos leitores reunindo trabalhos que compartilham uma questão, uma preocupação ou um dilema que nos mobiliza a buscar respostas as quais, mais do que explicar ou compreender, visam construir um conhecimento que reverta em uma melhor qualidade de vida às pessoas. Boa leitura a todos!

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    2016
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