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A “relação terapêutica”: surgimento, obscurecimento e transformações de uma tecnologia social

Resumo

O artigo identifica a história da “relação terapêutica” como uma tecnologia inserida em um contexto mais amplo de relações sociais marcadas por mudanças nos EUA do século XX. Mais especificamente, sintetiza o surgimento e a subsequente difusão de práticas voltadas para o cultivo do vínculo social entre terapeuta e paciente que podem servir como ferramenta psicoterapêutica. O artigo destaca as transformações dessa tecnologia à medida que passam a ser contestados os alicerces institucionais e epistemológicos da psicoterapia. Em princípio concebida como uma relação social “artificial”, criada para colaborar com o “ajuste pessoal”, a relação terapêutica não tardou a ser aplicada também por não especialistas e se tornou um modelo para relações sociais mais saudáveis. Nos últimos tempos, passou a figurar como prática colaborativa e a ser associada a uma série de outros métodos.

história da psicoterapia; relação terapêutica; tecnologia social; relações sociais

Abstract

This essay situates the history of “the relationship” as a therapeutic technology within the broader context of changing social relations in the twentieth-century United States. More specifically, it outlines the emergence and subsequent diffusion of practices that aim to cultivate a social bond between therapist and patient that may serve as a psychotherapeutic tool. The article highlights the transformations of this technology as its institutional and epistemic foundations became challenged. Initially conceived as an “artificial” social relation designed to help with “personal adjustment,” the therapeutic relationship was soon also deployed by non-experts and became a model for more healthful social relations. More recently, it has been fashioned as collaborative and combined with a range of other methods.

history of psychotherapy; therapeutic relationship; social technology; social relations

A historiografia da psicoterapia é tão fragmentada quanto o campo cujas histórias relata ( Marks, 2017MARKS, Sarah. Psychotherapy in historical perspective. History of the Human Sciences, v.30, n.2, p.3-16, 2017. ; Rosner, 2018ROSNER, Rachael I. History and the topsy-turvy world of psychotherapy. History of Psychology, v.21, n.3, p.177-186, 2018. ). As histórias intelectuais, em particular, muitas vezes ficam confinadas a uma escola ou tradição psicoterapêutica. Isso não causa surpresa, considerando-se a espantosa variedade de terapias psicológicas surgidas a partir do final do século XIX, os ressentidos debates que há muito assombram o campo, somados ao fato de a psicoterapia como prática jamais ter sido dominada por uma única profissão. Qualquer profissão que esteja potencialmente sob ameaça – ainda que seja apenas a ameaça de um mercado competitivo – inclina-se a recorrer à sua própria história a fim de dignificar suas origens e salientar suas características notórias. Contudo, as narrativas resultantes não são limitadas apenas por causa de suas omissões, mas também pelos pontos em comum que menosprezam. Talvez seja justo afirmar que a historiografia da psicoterapia tende a, inadvertidamente, reproduzir as tensões do campo que estuda, muitas vezes deixando, ao mesmo tempo, irrefletidas as áreas de concordância no círculo dos psicoterapeutas e os processos de intercâmbio intelectual entre alas discordantes e grupos profissionais concorrentes. O foco nas diferenças teóricas e nos movimentos fragmentados, em outras palavras, desviou a atenção das bases que ensejam tais disputas, quase sempre implícitas – investindo de significado os movimentos e as transformações históricas que eles sofrem.

Este artigo, em contraposição, ocupa-se da história daquilo que os pesquisadores em psicoterapia, bem como a maioria dos profissionais da área, hoje consideram um fator comum ou “não específico” em qualquer forma de psicoterapia: a relação terapêutica (por exemplo, Norcross, Lambert, 2019). Mais precisamente, interesso-me pela evolução das práticas que cultivam essa relação social “específica” entre psicoterapeuta e paciente ou cliente de modo que a própria relação sirva como “meio” de terapia. Meu objetivo é duplo. Em primeiro lugar, reunindo a historiografia dispersa sobre o tópico, reconstruo aspectos dessa história para salientar as mudanças significativas nas conceitualizações e nos usos da relação terapêutica no decorrer do século XX. Em segundo lugar, o artigo põe à prova o conceito de que a “relação terapêutica” pode ser produtivamente compreendida como uma tecnologia social, de modo a superar algumas das citadas limitações que as histórias intelectuais da psicoterapia impuseram não apenas ao campo de modo geral, mas sobre a investigação histórica das práticas relacionais em particular.

A relação terapêutica como tecnologia social

Por que postular que a relação terapêutica é mais bem compreendida em termos de uma tecnologia terapêutica ou, de modo ainda mais abrangente, como uma tecnologia social? Essa guinada metodológica pode parecer provocativa, sobretudo porque as práticas relacionais são colocadas demasiadamente rápido em oposição binária às técnicas psicoterapêuticas, definidas de modo circunscrito. Para muitos psicoterapeutas contemporâneos, “técnica” se tornou sinônimo de um conjunto de procedimentos claramente definidos – ou seja, cada vez mais codificada em manuais e diretrizes de tratamento –, ao passo que “a relação” se refere ao vínculo emocional elusivo formado entre terapeutas e clientes no decorrer do tratamento. Essa distinção se tornou mais proeminente na esteira do movimento de prática baseada em provas, o que resultou em tensões entre psicoterapeutas que concebem a psicoterapia como uma aplicação consistente e empiricamente fundamentada de um conjunto de técnicas e um grupo oponente, que ressalta a importância dessas relações terapêuticas, que se pretende que sejam centrais para o processo de cura (ver Norcross, 2001NORCROSS, John C. Empirically supported therapy relationships: Summary report of the Division 29 Task Force. Psychotherapy, v.38, n.4, p.3-16, 2001. ).

Essa compreensão de técnica, porém, é problemática por motivos históricos e conceituais. Historicamente, as questões sobre que tipos de relações os psicoterapeutas devem manter com seus pacientes há muito tempo se encontram no bojo dos debates técnicos em psicoterapia. Na verdade, as controvérsias irrompidas sobre essas questões quase sempre se provaram desagregadoras. Longe de estar separada ou em oposição aos aspectos técnicos da psicoterapia, a relação terapêutica desenvolveu-se como inerente a esses processos.

Sem dúvida, a palavra “tecnologia” ainda evoca a ideia de um procedimento eficientemente organizado, orientado, altamente estruturado, muitas vezes envolvendo instrumentos técnicos e, como tal, parece pouco apta a captar uma dinâmica interpessoal complexa; tampouco parece alcançar o conhecimento e o manejo dos quais os psicoterapeutas costumam se valer nas interações com seus pacientes. Nesse sentido, a psicanalista Donna Orange (2011)ORANGE, Donna M. The suffering stranger: hermeneutics for everyday clinical practice. Routledge: London, 2011. , por exemplo, aponta que a prática interpretativa, cultivada ao longo do tempo pelos terapeutas como um “estilo pessoal” de habilidade ou sabedoria prática de interpretação se oporia ao rígido cumprimento de regras técnicas.

Na história e sociologia das ciências, contudo, a palavra “tecnologia” é empregada de maneira mais ampla. O sociólogo Nikolas Rose (2007ROSE, Nikolas. The politics of life itself: biomedicine, power, and subjectivity in the twenty-first century. Princeton, NJ: Princeton University Press, 2007. , p.16), por exemplo, inspirado na obra de Michel Foucault, recorre ao termo não só para se referir a um espectro mais amplo de atividades, mas também aos componentes tangíveis e intangíveis das condições que devem se coadunar para as orientar e sustentar. Rose (1996ROSE, Nikolas. Inventing our selves: psychology, power, and personhood. Cambridge: Cambridge University Press, 1996. , p.88) interessa-se por “formas técnicas complexas … – maneiras de associar pessoas, verdades, juízos, dispositivos e ações em uma forma estável, reproduzível e durável”. Pela perspectiva foucaultiana, uma discussão sobre técnicas e tecnologias, obviamente, está associada às questões sobre o exercício do poder ou, no caso de Rose, mais restritamente, a problemas relacionados à supervisão de indivíduos e populações. Apesar da análise incisiva de Foucault acerca das “tecnologias do poder”, sobretudo no contexto da psiquiatria e do sistema penal, o uso que faz do termo, ao longo da sua obra, é altamente ambíguo ( Behrent, 2013BEHRENT, Michael C. Foucault and technology. History and Technology, v.29, n.1, p.54-103, 2013. ). Por um lado, suas conotações permitiram que Foucault efetivamente problematizasse as técnicas de dominação, mas, por outro lado, ele empregou o termo de uma maneira afirmativa para desviar a atenção das questões referentes à suposta “natureza” da subjetividade das práticas pelas quais, segundo ele, se constituem diferentes formas de subjetividade. Nunca se pensou a “tecnologia” como se impusesse um tipo de ordem sobre um sujeito (ou processo) que fosse “estranho” ao que quer que ela se aplicasse, uma violação de sua essência. Essa ambiguidade fundamental foi marcadamente exposta em seus últimos trabalhos, quando se dedicou a uma investigação do que denominou “tecnologias do self ” ou “técnicas éticas do self ” do final da Antiguidade e início do Cristianismo – técnicas que alguém adota deliberadamente para se modificar a fim de alcançar um modo de ser mais próximo do seu ideal ( Foucault, 1988FOUCAULT, Michel. Technologies of the Self. In: Martin, Luther H.; Gutman, Huck; Hutton, Patrick H. (ed.). Technologies of the Self: a seminar with Michel Foucault, 1988. London: Tavistock, 1988. p.16-49. ). Nesse contexto, Foucault enfatizou a raiz grega da palavra tékhnē , significando ofício, artesanato ou arte, tornando o uso que fazia de “tecnologia”, como apontado por Michael Behrent (2013BEHRENT, Michael C. Foucault and technology. History and Technology, v.29, n.1, p.54-103, 2013. , p.91), “praticamente sinônimo ao de ‘estética’”. De maneira análoga, os historiadores das ciências naturais ressaltaram o papel da criatividade no processo de produção de conhecimento nas ciências experimentais. Os resultados de procedimentos técnicos, afirmam esses autores, não são processos necessariamente previsíveis, tecnologicamente mediados; na verdade, longe de ser fechados, eles muitas vezes possibilitam e, às vezes até estimulam a criatividade, embora, não obstante, visem à durabilidade e reprodutibilidade (por exemplo, Rheinberger, 2001RHEINBERGER, Hans-Jörg. Experimentalsysteme und epistemische Dinge: Eine Geschichte der Proteinsynthese im Reagenzglas. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 2001. ; Pickering, 2010PICKERING, Andrew. The mangle of practice: time, agency, and science. Chicago: University of Chicago Press, 2010. ).

Conjecturar as práticas relacionais em termos de uma tecnologia nesse sentido mais amplo nos leva, portanto, a uma consequente mudança de foco. Dirige a atenção para a evolução das práticas e formas de conhecimento prático que não necessariamente se originam ou se alinham a um corpo de conhecimento teórico. As tecnologias podem ser transportadas para diferentes contextos, pelo menos até certo ponto, independentemente de suas bases teóricas e seus fundamentos lógicos originais. Essa abordagem, portanto, não só elimina a ênfase nas disputas entre diferentes escolas psicoterapêuticas, mas também expande seu escopo para além da psicoterapia, para o uso da psicoterapêutica por outras profissões da área da saúde, assim como por não profissionais (enriquecendo a historiografia da psicoterapia, em outras palavras, com questões e pontos de vista relacionados à história do conhecimento; ver Dupré, Somsen, 2019). Ao mesmo tempo, pode servir para destacar as ambiguidades éticas e políticas das práticas psicoterapêuticas, que podem funcionar como meio de normalização e controle social, por um lado, e, por outro, como procedimentos técnicos adotados deliberadamente por indivíduos a fim de transformar seu modo de ser.

O foco nas diferenças teóricas, de fato, não só obstruiu a historiografia das práticas relacionais, mas também a análise de suas dimensões ético-políticas. No caso da psicanálise convencional (norte-americana), o tardio reconhecimento mais amplo das teorias relacionais e interpessoais e a mudança de uma chamada psicologia de “uma-pessoa” para “duas-pessoas” nas últimas três décadas do século XX obscureceram o fato de que o freudismo ortodoxo também é uma prática relacional, conforme argumentarei na próxima seção. Ademais, seguindo as pistas dos primeiros teóricos críticos, a avaliação da relevância social e política das “práticas” relacionais foi, de modo similar, encoberta – e até certo ponto distorcida – por disputas referentes a essa mudança teórica mais abrangente e ao iminente declínio da teoria freudiana das pulsões (ver também Herzog, 2017HERZOG, Dagmar. Cold War Freud: psychoanalysis in an age of catastrophes. Cambridge: Cambridge University Press, 2017. ). Theodor W. Adorno e Herbert Marcuse, em particular, defenderam que uma teoria das pulsões fundamentada biologicamente ainda conservava os impulsos críticos de Freud, ao passo que as novas teorias relacionais, amparadas pelas ciências sociais, desperdiçavam esses insights e, com eles, o reconhecimento da “negatividade” ou, tal como proposto por críticos conservadores como Philipp Rieff, apagariam o imperativo cultural da “renúncia” das demandas pulsionais (por exemplo, Adorno, 1946-1997; Marcuse, 1965MARCUSE, Herbert. Das Veralten der Psychoanalyse. In: Marcuse, Herbert. Kultur und Gesellschaft 2. Frankfurt am Main: Suhrkamp, 1965. p.85-106. ; Rieff, 1966RIEFF, Philip. The triumph of the therapeutic: uses of faith after Freud. London: Chattoo and Windus, 1966. ). (Ironicamente, gerações posteriores da Escola de Frankfurt, com destaque para Axel Honneth, recorreram, na verdade, às teorias relacionais para subscrever sua própria espécie de teoria crítica.) Essas avaliações, baseadas nos pressupostos teóricos e suas implicações antropológicas, em geral abdicam de questões mais importantes sobre “como” as técnicas relacionais eram empregadas na prática. O panorama e a periodização aqui esboçados, portanto, acima de tudo, pretendem ser um convite para mais investigações sobre a história das práticas relacionais na psicoterapia e em campos adjacentes.

O encontro clínico como método

O que tende a ofuscar as origens das práticas relacionais – que pressupõem uma preocupação sistemática com o modo como os pacientes respondem aos seus psicoterapeutas, e vice-versa – é a convicção de que a eficácia do tratamento psicanalítico se baseia em sua capacidade de fornecer às pessoas em tratamento insights sobre o funcionamento do inconsciente. Nesse sentido, a “interpretação” é a técnica central da psicanálise da qual, em última análise, depende seu êxito. A ideia de que a psicanálise possibilita aos pacientes obter autoconhecimento foi, obviamente, crucial para a autocompreensão dos psicanalistas. A historiografia da psicanálise apresentou amostras abundantes, no entanto, de que isso não é tudo.

Por exemplo, em 1924, em uma das primeiras monografias dedicadas à técnica psicanalítica, dois dos colaboradores mais próximos de Freud na época, Otto Rank e Sándor Ferenczi, sugeriram que a “repetição” – a experiência proporcionada por meio da situação transferencial – foi fundamental para o sucesso terapêutico, e para ultrapassar o não “lembrar-se”, auxiliado por interpretações do psicanalista. Embora esse argumento propusesse uma mudança em como os psicanalistas deveriam pensar sua prática – a qual terminaria por repercutir nas profissões de assistência –, ele era consistente com o procedimento delineado por Freud.

Como seus antecessores, o fundador da psicanálise notara que as interpretações, em geral, não bastavam para promover a cura. Os tratamentos bem-sucedidos envolviam a “elucidação” das “defesas” dos pacientes – processo que implicava um elemento reflexivo pelo qual as reações anteriores dos pacientes eram reexaminadas (por exemplo, Freud, 1912FREUD, Sigmund. Zur Dynamik der Übertragung. Gesammelte Werke, Bd.8. Frankfurt am Main: Fischer, 1912. , 1914FREUD, Sigmund. Erinnern, Wiederholen, Durcharbeiten. Gesammelte Werke, Bd.10. Frankfurt am Main: Fischer, 1914. ). Nesse contexto, Freud, como se sabe, introduziu o conceito de transferência: remanescentes de respostas passadas carregadas de afeto, majoritariamente frente às figuras parentais, eram direcionadas ao terapeuta. Em outras palavras, a conexão estabelecida no decorrer da terapia, o encontro terapêutico em si, tornou-se alvo de interpretações. Dessa forma, a transferência acabou por ser concebida tanto como heurística clínica para o terapeuta quanto experiência de aprendizagem para o paciente.

Observar o método no encontro clínico não era estranho ao pensamento médico no início do século. Durante o período descrito pelo historiador da medicina Edward Shorter (1993)SHORTER, Edward. The history of the doctor-patient relationship. In: Bynum, William F.; Porter, Roy (ed.). Companion encyclopedia of the history of medicine. London: Routledge, 1993. p.783-800. como moderno na história da relação médico-paciente, a clínica tornou-se um local central para a arte do cuidado e a aplicação do conhecimento médico. Mas, ao contrário de seus colegas que tratavam os enfermos fisicamente, os psicanalistas não poderiam depositar a sua fé no relacionamento interpessoal como um adjuvante emocional à terapia. As reações emocionais dos pacientes podiam se tornar marcadas pela negatividade e oposição, e prejudicar a terapia. O que atraiu o interesse e a preocupação dos psicanalistas foi justamente essas “resistências”: a hostilidade manifesta ou as reações hiperbólicas aparentemente positivas (“amor transferencial”) do paciente, ainda que eles acabassem aproveitando essas reações para fins terapêuticos.

Como essa dinâmica interpessoal deveria ser interpretada, claro, viria a ser tema de infindáveis debates nos círculos psicanalíticos (ver Greenberg, Mitchell, 1983). Em seu bojo teórico, esses debates diziam respeito à dificuldade de discernir entre passado e presente – ou talvez, em linhas gerais, entre estrutura e conteúdo – na relação terapêutica. As crenças do terapeuta sobre o que exatamente moldava a conduta do paciente na terapia tinham profundas implicações em como eles dariam continuidade ao trabalho.

Nos EUA particularmente, aqueles mais alinhados a Freud aconselhavam seus seguidores a adotar uma posição “neutra” perante a implicação moral, social e teórica dos materiais inconscientes trazidos à tona durante a análise. Os psicanalistas também eram aconselhados a realizar o procedimento sob a condição de abstinência; a frustrar os anseios inconscientes de seus pacientes. Aquilo que começou como um conjunto disperso de recomendações e alertas velados sobre os perigos emocionais do método assumiu a forma de axiomas técnicos e, a partir da década de 1940, tornou-se um teste decisivo para a ortodoxia psicanalítica ( White, 2001WHITE, Robert S. The interpersonal and Freudian traditions: convergences and divergences. Journal of the American Psychoanalytic Association, v.49, n.2, p.427-454, 2001. ; Hale, 1995HALE, Nathan G. The rise and crisis of psychoanalysis in the United States: Freud and the Americans, 1917-1985. New York: Oxford University Press, 1995. ). Com a prática da psicanálise restrita aos médicos, tornou-se modelo uma maneira um tanto rígida de conduzir a análise, à medida que a abstinência e a neutralidade receberam uma potente justificativa epistemológica. Acreditava-se que o posicionamento do psicanalista como uma tela em branco, destituída de reações emocionais visíveis externamente, seria precondição para o aparecimento, sem distorções, de experiências do passado durante a análise e asseguraria a exatidão das interpretações do psicanalista ( Koch, 2017KOCH, Ulrich. “Cruel to be kind?” Professionalization, politics and the image of the abstinent psychoanalyst, c.1940-1980. History of the Human Sciences, v.30, n.2, p.88-106, 2017. ). A “relação transferencial” haveria de ser mantida “pura”, como defendia, por exemplo, Phyllis Greenacre (1954GREENACRE, Phyllis. The role of transference: practical considerations in relation to psychoanalytic therapy. Journal of the American Psychoanalytic Association, v.2, n.4, p.671-684, 1954. , p.670), de modo a “não [se] contaminar a área de operação cirúrgica”.

Não tardou para que os psicanalistas admitissem, porém, que nem todos os pacientes toleravam esse tipo de tratamento, o qual também não seria indicado a todas as formas de sofrimento mental. Além disso, um número considerável de psicanalistas – e o próprio Freud, segundo relatos – não aderiu à prescrição técnica de passividade e assumiu papéis mais “ativos” como terapeutas (ver Roazen, 1992ROAZEN, Paul. Freud and his followers. New York: Da Capo Press, 1992. ; Leider, 1983LEIDER, Robert J. Analytic neutrality: a historical review. Psychoanalytic Inquiry, v.3, n.4, p.665-674,1983. ). O alcance real da prática da passividade era, portanto, limitado. Entretanto, essa forma de terapia exerceu influência como um ideal ao qual futuros psicanalistas seriam expostos durante a sua formação. Considerando-se os limites institucionalmente controlados entre as formas adequadas e as formas modificadas da psicanálise, os esforços para aprimorar e refinar as chamadas “técnicas ativas”, propostas por Ferenczi, Rank, Wilhelm Stekel, C.G. Jung e muitos outros, passaram a ser desenvolvidos fora do escopo de competência da poderosa American Psychoanalytic Association.

Essa visão do encontro psicoterapêutico tinha amplas implicações conceituais. Uma vez que a “relação transferencial” era, supostamente, exclusiva da psicanálise, ao contrário de qualquer outra relação social, ela não poderia ser compreendida em termos científicos relacionais ou sociais. Isso, por sua vez, incentivou uma perspectiva internalizada e diacrônica e interpretações reducionistas do fenômeno da transferência, a saber, como meras repetições de experiências da infância ou, como definiriam psicanalistas tempos depois, uma projeção exteriorizada das estruturas mentais do paciente ( White, 2001WHITE, Robert S. The interpersonal and Freudian traditions: convergences and divergences. Journal of the American Psychoanalytic Association, v.49, n.2, p.427-454, 2001. ). Somente nos anos 1960 conceitos como os de “aliança terapêutica” ou “relação real” – aspectos da relação terapêutica que não poderiam ser reduzidos à transferência – conquistaram aceitação entre os psicanalistas nos EUA (ver, por exemplo, Greenson, Wexler, 1969; Freedman, 1972FREEDMAN, David A. On the limits of the effectiveness of psychoanalysis: early Ego and somatic disturbances. International Journal of Psycho-Analysis, v.53, p.363-370, 1972. ).

Ajuste e relações sociais

Uma geração mais antiga de médicos com ávido interesse nas inovações psicoterapêuticas chegadas da Europa foi menos relutante, porém, em expandir a base científica da psicanálise e modificar suas técnicas. Durante o entreguerras surgiram duas grandes vertentes que resultaram em maior experimentação de diferentes técnicas relacionais e sua difusão. Em primeiro lugar, a psicoterapia atendia a segmentos cada vez maiores da população, sobretudo crianças e pacientes psiquiátricos hospitalizados. Em segundo lugar, havia uma crescente preocupação não só com o tratamento, mas também com a prevenção de problemas de saúde mental, fomentada pelo movimento em prol da higiene mental.

Fundado em parceria com um antigo paciente manicomial, Clifford Beers, em 1909, o National Committee on Mental Hygiene (Comitê Nacional de Higiene Mental) foi criado, em princípio, a fim de conseguir suporte para reformas nas condições de abandono dos hospitais psiquiátricos estaduais. Ainda que sob a influência do psiquiatra de nacionalidade suíça Adolf Meyer, rapidamente os esforços do comitê migraram da elevação dos padrões de tratamento nos manicômios para a prevenção de transtornos mentais, sobretudo suas formas menos graves, na população em geral ( Pols, 1992POLS, Johannes C. Managing the mind: the culture of American mental hygiene, 1910-1950. Thesis (Ph.D in Science History/Mental Health) – University of Pennsylvania, Philadelphia, PA, 1992. ; ver também Harrington, 2019HARRINGTON, Anne. Mind fixers: psychiatry’s troubled search for the biology of mental illness. New York: Norton, 2019. ). Em 1913, Meyer se tornou o primeiro diretor da Phipps Clinic na Universidade Johns Hopkins, e, com essa posição de destaque, certamente influenciou o ensino da psiquiatria nos EUA até sua aposentadoria, em 1941. Influenciado pela teoria evolucionária e o pragmatismo filosófico, Meyer concebia formas mais brandas de transtornos mentais como “distúrbios de hábitos”, como desajustes crônicos frente ao ambiente social, envolvendo padrões reativos psicológicos e biológicos (Meyer, Lief, 1948; ver Lamb, 2014LAMB, Susan. Pathologist of the mind: Adolf Meyer and the origins of American psychiatry. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2014. ).

Para evitar de maneira mais eficaz problemas de ajuste na fase adulta, especialistas em higiene mental passaram a concentrar esforços na detecção preventiva e no tratamento em crianças. Após o término da Primeira Guerra Mundial, fundaram-se clínicas-modelo de orientação infantil em cidades por todos os EUA, empregando um crescente número de enfermeiros e assistentes sociais em psiquiatria. A guerra conferiu maior legitimidade ao movimento e trouxe um novo conjunto de casos urgentes. Em 1919, foi inaugurada a primeira escola de assistência social psiquiátrica no Smith College em Northampton, Massachusetts, com o propósito de “formar mulheres” para funções clínicas de apoio no tratamento de “distúrbios mentais e nervosos resultantes da guerra”, embora se desconsiderasse o fato de que “essa classe de distúrbios não estava, de modo algum, limitada às condições da guerra” ( Neilson, 1919NEILSON, William A. The Smith College Experiment in training for psychiatric social work. New York: The National Committee on Mental Hygiene, 1919. , p.1). O currículo da escola também incorporou aulas em “psicologia normal” e sociologia, a fim de incutir nos futuros profissionais maior sensibilidade em relação às condições sociais enfrentadas por pessoas sob seus cuidados (p.1).

Fundada pouco depois, em 1925, a Child Guidance Clinic, na Filadélfia, e a associada Pennsylvania School of Social Work tornaram-se importantes veiculadoras das ideias de Otto Rank ( Kramer, 1995KRAMER, Robert. The birth of client-centered therapy: Carl Rogers, Otto Rank, and “the beyond.” Journal of Humanistic Psychology, v.35, p.54-110, 1995. ; DeCarvalho, 1999DECARVALHO, Roy J. Otto Rank, the Rankian Circle in Philadelphia, and the origins of Carl Rogers’ Person-centered psychotherapy. History of Psychotherapy, v.2, n.2, p.132-148, 1999. ). A clínica era dirigida por Frederick Allen, aluno de Meyer e antigo paladino do tratamento interprofissional, e empregou a assistente social Virginia Robinson e sua colega e parceira de vida Jessie Taft, que integrou os princípios rankinianos ao “trabalho de caso social”. Taft conhecera Rank quando este visitou os EUA pela primeira vez, em 1924, e, posteriormente, traduziu alguns livros dele. Ela foi também fundamental ao ajudar Rank a imigrar para Nova York, em 1934, e garantir a ele um horário em seu instituto pouco antes de sua prematura morte, em 1939 ( Lanzoni, 2018LANZONI, Susan. Empathy: a history. New Haven: Yale University Press, 2018. , capítulo 5; sobre Rank, ver também Lieberman, 1984LIEBERMAN, E. James. Acts of will: the life and work of Otto Rank. New York: Free Press, 1984. ).

Taft, Robinson e Allen, todos enfim analisados por Rank ( Lanzoni, 2018LANZONI, Susan. Empathy: a history. New Haven: Yale University Press, 2018. ), passaram a se identificar com a “terapia relacional”, à medida que a abordagem desenvolvida na Filadélfia se tornava conhecida. Em um estudo de caso citado em sua monografia de 1933, Dynamics of therapy in a controlled relationship (A dinâmica da terapia em uma relação controlada), Taft (1933)TAFT, Jessie. The dynamics of therapy in a controlled relationship. New York: Macmillan, 1933. descreve a terapia de curto prazo de uma menina negligenciada. A abordagem de tratamento geral de Taft deveria limitar quaisquer ideias preconcebidas sobre quais “materiais” deveriam ser discutidos em terapia, deixando, tanto quanto fosse possível para a criança, decidir como gostaria de aproveitar o tempo. Assim como Ferenczi e Rank (1924)FERENCZI, Sándor; RANK, Otto. Entwicklungsziele der Psychoanalyse. Vienna: Internationaler Psychoanalytischer Verlag, 1924. que as antecederam, Taft e colegas enfatizaram os aspectos experienciais e emocionais da terapia e atenuaram seu potencial para a produção de insights intelectuais. Isso significava que o terapeuta devia ser treinado para reconhecer empaticamente as reações afetivas do cliente e as suas próprias ( Lanzoni, 2018LANZONI, Susan. Empathy: a history. New Haven: Yale University Press, 2018. ).

Cabe enfatizar que esse tipo de terapia, que buscava envolver ativamente os pacientes afirmando e respondendo a modos preconceituais de experiência, encontrou aplicação e foi refinado no contexto da psicoterapia infantil. Na Grã-Bretanha, mais ou menos na mesma época e exercendo maior influência, Melanie Klein modificou as técnicas psicanalíticas e, com elas, as relações terapêuticas, seguindo linhas similares ( Hughes, 2019HUGHES, Judith. “A ritual of discourse”: conceptualizing and reconceptualizing the analytic relationship. In: Gipps, Richard; Lacewing, Michael (ed.). The Oxford handbook of philosophy and psychoanalysis. Oxford: Oxford University Press, 2019. p.240-254. ). Nos EUA, espelhando a divisão do trabalho por gênero, as técnicas que deveriam conduzir a maior insight intelectual passaram a ficar associadas a uma profissão dominada por homens, ao passo que terapeutas que ressaltavam os aspectos experienciais eram, em geral, mulheres em posição profissional comparativamente inferior. Por exemplo, Rank e Taft concordavam que, como a terapia relacional exigia “identificação empática”, seria mais bem conduzida por uma mulher, uma figura materna ideal. Taft posteriormente viria a sugerir que os homens, sobretudo os que haviam passado por formação médica, poderiam ficar relutantes à ideia de não controlar seus pacientes ( Lanzoni, 2018LANZONI, Susan. Empathy: a history. New Haven: Yale University Press, 2018. , p.141).

Outros psicanalistas, fossem eles recém-imigrados ou médicos formados nos EUA, muitas vezes com o apoio de Meyer, expandiram a teoria e a prática psicanalíticas para explicar os determinantes sociais potencialmente causadores de “desajustes”. Talvez com mais influência, a partir do início da década de 1920 e até sua morte, em 1949, o psiquiatra Harry Stack Sullivan, que havia adquirido uma reputação de clínico competente tratando pacientes psiquiátricos internados, empreendeu esforços teóricos e institucionais para mesclar a psiquiatria clínica com as ciências sociais (Sullivan, 1953; ver Wake, 2011WAKE, Naoko. Private practices: Harry Stack Sullivan, the science of homosexuality, and American liberalism. New Brunswick: Rutgers University Press, 2011. ). Sullivan enfatizou a relevância dos “fatores interpessoais” para o desenvolvimento psicológico. Ele também desenvolveu sua compreensão de relação terapêutica tomando emprestadas ideias da linguística, da sociologia e da antropologia cultural. Utilizou, por exemplo, o termo parataxe para descrever um padrão de comunicação indicativo de “distorção” de uma relação presente por meio de experiências anteriores (Sullivan, 1954). Sullivan e outros chamados neofreudianos, notadamente os recém-emigrados Erich Fromm e Karen Horney, já não interpretavam os comportamentos dos pacientes durante a terapia exclusivamente à luz de suas experiências infantis, à medida que ampliavam a base de conhecimento da psicanálise para além da teoria psicanalítica da pulsão, passando a incluir nela as ciências sociais (Fromm, 1935; Horney, 1939HORNEY, Karen. New ways in psychoanalysis. London: Kegan Paul, Trench, Tubner, 1939. ).

Conhecimento especializado e dependência

As fissuras abertas entre neofreudianos e aqueles dedicados à técnica clássica deixaram claro que estava em questão mais do que uma mera “tecnicalidade”. Antes de as dimensões políticas da relação terapêutica ficarem evidentes, as implicações sociais advindas de diferentes práticas relacionais se tornaram tema de preocupação entre psicanalistas já nos anos 1940. Embora a psicanálise clássica, que implicava uma intensa agenda de encontros, fosse enaltecida como o padrão ouro por importantes psiquiatras, a extensão média da análise em constante crescimento – agora, por vezes, durando muitos anos em vez de meses – suscitou dúvidas acerca dos perigos de relações de transferência prolongadas ( Glover, 1955GLOVER, Edward. The technique of psychoanalysis. London: Balliere, Tindall, 1955. ). Em uma cultura que ostensivamente valorizava a autoconfiança, a dependência trazida com, talvez, qualquer forma de psicoterapia tendia a provocar debates.

Nos círculos psicanalíticos, esse debate foi retomado a partir da publicação de Psychoanalytic therapy , em 1946 (Alexander, French, 1946). Na publicação, Franz Alexander, Thomas French e seus coautores descreveram métodos de tratamento psicanalítico de curto prazo. Embora não questionassem que uma autêntica “neurose de transferência” e sua interpretação pudessem ter valor para alguns pacientes, sentiam que aquilo era, em geral, desnecessário. Para reduzir a extensão do tratamento e manter sob controle a dependência em relação ao analista, argumentavam que nem sempre era possível induzir à regressão. Eles também ofereciam um relato – muito semelhante ao apresentado por Ferenczi e Rank anteriormente – de como reviver o passado poderia ser terapêutico: reviver experiências dolorosas diante de um ouvinte empático na privacidade de um consultório, onde os pacientes pudessem confrontá-las com mais facilidade, sugeriam eles, quase sempre pressupunha uma “experiência emocional corretiva” (Alexander, French, 1946, p.66). As propostas deles foram recebidas com críticas por colegas como Kurt Eissler (1950)EISSLER, Kurt Robert. The Chicago Institute of Psychoanalysis and the sixth period of the development of psychoanalytic technique. The Journal of General Psychology, v.42, p.103-157, 1950. , que as contestavam com o argumento de que os métodos modificados não levariam à verdadeira independência, mas apenas a uma adequação superficial.

Seria errado supor, porém, que os psicanalistas tenham renunciado à ideia de adequação. Na verdade, o paradigma psicanalítico dominante do período pós-guerra, a psicologia psicanalítica do ego, enfatizou as funções adaptativas determinadas em termos evolucionários do ego – teorizado para funcionar parcialmente de modo independente, impassível diante de demandas pulsionais ( Hartmann, 1939HARTMANN, Heinz. Ego psychology and the problem of adaptation. New York: International Universities Press, 1939. ; ver Wallerstein, 2002WALLERSTEIN, Robert. S. The growth and transformation of American ego psychology. Journal of the American Psychoanalytic Association, v.50, n.1, p.135-168, 2002. ). Contudo, a capacidade de alguém de agir de maneira totalmente autônoma não era algo presumido; autonomia não era uma condição, mas um objetivo a ser conquistado a longo prazo. O proeminente psiquiatra Karl Menninger (1958MENNINGER, Karl. Theory of psychoanalytic technique. New York: Basic Books, 1958. , p.48-49) captou essa postura predominante em sua ilustração da “tese geral do tratamento psicanalítico” esboçando o curso ideal de um “indivíduo relativamente maduro”:

E devemos lembrar que, mesmo neste nível, algo está errado, caso contrário o paciente não estaria buscando tratamento. Progressivamente, no decorrer do tratamento ele tenderá a ‘regredir’ aos níveis mais baixos; ele se tornará cada vez mais infantilizado em suas atitudes e dependência emocional perante o médico. Voltará a ser criança, e renascerá, por assim dizer. Em seguida, crescerá de novo, crescerá melhor do que o fizera anteriormente, orientado agora por sua inteligência mais madura e pelos alertas e lições de suas infelizes experiências agora mais bem compreendidas.

Carl Rogers, psicólogo e inventor da “terapia centrada no cliente”, cujo trabalho veio a definir o campo da consulta psicológica, tinha outro ponto de vista. Rogers também trabalhou como orientador infantil e se familiarizou com os métodos desenvolvidos na Pennsylvania School of Social Work por meio de uma de suas colegas formada nessa instituição. Por motivos diversos, a terapia relacional exerceu profunda influência sobre ele à medida que desenvolvia suas próprias ideias sobre os princípios da psicoterapia, embora nunca tenha aderido às visões teóricas expressas por Rank ( Kramer, 1995KRAMER, Robert. The birth of client-centered therapy: Carl Rogers, Otto Rank, and “the beyond.” Journal of Humanistic Psychology, v.35, p.54-110, 1995. , 2019KRAMER, Robert. The birth of relationship therapy: Carl Rogers meets Otto Rank. Giessen: Psychosozial, 2019. ; DeCarvalho, 1999DECARVALHO, Roy J. Otto Rank, the Rankian Circle in Philadelphia, and the origins of Carl Rogers’ Person-centered psychotherapy. History of Psychotherapy, v.2, n.2, p.132-148, 1999. ; Lanzoni, 2018LANZONI, Susan. Empathy: a history. New Haven: Yale University Press, 2018. ). As técnicas de Rogers mudaram ao longo do tempo, porém ele consistentemente realçava a iniciativa do cliente e destacava o terapeuta como um facilitador das mudanças que o cliente, no decorrer da terapia, passaria a desejar fazer valer. Em seu livro de 1942, Counselling and psychotherapy (Psicoterapia e consulta psicológica), Rogers (1942ROGERS, Carl R. Counseling and psychotherapy. Boston: Houghton Mifflin, 1942. , p.18) propôs sua “hipótese de base”: “A consulta psicológica eficaz consiste numa relação permissiva, estruturada de uma forma definida, que permite ao paciente alcançar uma compreensão de si mesmo num grau que o capacita a progredir à luz da sua nova orientação”. O encontro com o outro disposto a compreender e habitar o universo interior de outrem faria com que os clientes se compreendessem melhor. Rogers também postulou que essa abordagem não era um método ou técnica; na realidade, a havia concebido como uma atitude geral ou, conforme descreveu em um artigo para uma conferência em 1948, um “princípio … aplicável a todas as relações humanas” (citado em Lanzoni 2018LANZONI, Susan. Empathy: a history. New Haven: Yale University Press, 2018. , p.154). Dessa forma, segundo ele, seu uso não estava restrito aos profissionais de saúde, nem cabia a eles julgar os méritos dos resultados. A opinião do especialista, alegava Rogers, só criava dependência e poderia funcionar como meio de controle social (p.154). À época, tais afirmações encolerizaram a maioria dos ouvintes, entre eles importantes psiquiatras e psicanalistas. Taft também discordava veementemente da afirmação de Rogers quanto à universalidade de sua abordagem, sobretudo a sua dedução, conforme ela escreveu em carta a um colega, de que “qualquer um pode fazê-lo” (p.154).

De fato, apesar das facções formadas durante os anos que levaram à Segunda Guerra Mundial, os psicoterapeutas estavam, em geral, conscientes de seu papel social único e seu status de especialista – embora o tipo de conhecimento que alegavam deter variasse. Os dissidentes psicanalíticos, por exemplo, complementaram a perspectiva assíncrona, cronológica de que a teoria freudiana do desenvolvimento psicossexual implicava a perspectiva síncrona das ciências sociais. Na visão de Meyer, os psiquiatras deveriam se tornar agentes do senso comum incorporado a uma cultura e a seus ajustes sociais ( Lamb, 2014LAMB, Susan. Pathologist of the mind: Adolf Meyer and the origins of American psychiatry. Baltimore: Johns Hopkins University Press, 2014. ). Sullivan (1953)SULLIVAN, Harry S. The interpersonal theory of psychiatry. New York: Norton, 1953. considerava os psiquiatras especialistas em relações sociais, ao mesmo tempo destacando as semelhanças entre seus métodos e os de antropólogos que estudavam grupos sociais por meio de observação participante. Embora alguns psicanalistas se aproximassem do estilo imparcial do psicanalista neutro para a observação objetiva de um cientista experimental, Alexander e French (1946)ALEXANDER, Franz; FRENCH, Thomas. Psychoanalytic therapy: principles and application. New York: Ronald Press, 1946. se enxergavam como profissionais que, assim como clínicos e outras especialidades médicas, aplicavam e modificavam os princípios gerais e o conhecimento a casos individuais com base na própria experiência clínica. Até mesmo Rogers, a despeito de sua retórica oposta, demarcava uma posição privilegiada para os orientadores psicológicos, na medida em que esses seriam guiados e organizados para efetivamente utilizar os princípios gerais que moldavam todas as interações humanas, deixando de lado uma análise de como as relações de poder surgidas sem o consultório poderiam se ampliar dentro dele.

Em última análise, o objetivo de tais técnicas relacionais era orientar a evolução rumo a um maior ajuste social, o que, no entanto, deve ser compreendido em detalhe. O setting neutro, seguindo o princípio da abstinência difundido pela ortodoxia psicanalítica, era pensado para produzir e intensificar as dependências dos analisados para que assim eles as pudessem superar. Os psicanalistas interpessoais, por outro lado, esperavam promover um processo de aprendizagem centralizado nos desafios presentes e interpessoais vivenciados pelo paciente. Ainda assim, esses terapeutas também defendiam uma, digamos, relação parasitária com os papéis legitimados socialmente e incorporados culturalmente de terapeuta e paciente, na medida em que agiam conscientemente como especialistas no ambiente de uma relação profissional.

Essa confluência se reflete nas apresentações em um encontro de 1940 da American Orthopsychiatric Association durante o painel sobre “áreas de concordância na psicoterapia”. No encontro, diversos terapeutas importantes, incluindo Allen, Rogers e o eminente psicanalista Robert Waelder, apresentaram suas respectivas visões. A declaração final do psicólogo Goodwin Watson (1940WATSON, Goodwin. Areas of agreement in psychotherapy: section meeting, 1940. American Journal of Orthopsychiatry, v.10, n.4, p.698-709, 1940. , p.709) resume o consenso predominante, ao mesmo tempo ressaltando o papel fundamental que todos os métodos atribuem à relação terapêutica:

Não encontramos nenhuma discordância aparente com relação aos objetivos. Todos nós esperamos aumentar a capacidade do cliente de lidar com a realidade, trabalhar, amar e encontrar sentido na vida. Para todos nós a relação entre terapeuta e cliente é um fator central. Ressaltamos a necessidade de ‘oferecer uma segurança que estimule a espontaneidade’. Vemos a relação do tratamento como ‘ajuste social sob condições artificialmente simples’, porém como uma ‘etapa na socialização’. Identificamos que à medida que o terapeuta encontra os padrões mais comuns do paciente de uma maneira inesperada, original e reveladora, o paciente é estimulado a um novo crescimento. Recomendamos que o terapeuta compreenda suas próprias necessidades a fim de evitar sua dominação inconsciente da relação. Nossa identificação com o cliente é uma identificação controlada nos melhores interesses do cliente (destaque nosso).

Os comentários finais de Watson resumidamente exprimem a natureza ambivalente da relação como uma tecnologia terapêutica: o encontro clínico era um ambiente social artificial “controlado”; ao mesmo tempo, contudo, para que fosse terapeuticamente útil, deveria possibilitar a espontaneidade.

Traduzindo as práticas relacionais

Os esforços de guerra e a concomitante expansão das disciplinas da psicologia durante e após a Segunda Guerra Mundial resultaram em uma disseminação mais ampla de conhecimento e técnicas relacionais. Como essas práticas pareciam intuitivas e relativamente fáceis de dominar, seriam ativamente impulsionadas, em geral, como um veículo de disseminação de habilidades interpessoais para profissionais da saúde em diversos campos. Ainda durante a guerra, por exemplo, Rogers (1945)ROGERS, Carl R. A Counseling viewpoint for the USO worker. USO Program Services Bulletin, 1945. foi solicitado pela United Service Organization a apresentar seus princípios de consulta psicológica aos membros envolvidos no tratamento de casos psiquiátricos. (Rogers continuou promovendo a aplicação de suas técnicas em áreas não clínicas até boa parte da década de 1980; Kramer, 2019KRAMER, Robert. The birth of relationship therapy: Carl Rogers meets Otto Rank. Giessen: Psychosozial, 2019. .) Em outros contextos, a relação terapêutica era discutida com mais frequência sob o preceito de “entrevista” – palavra usada na época quase como sinônimo de consulta ( Rogers, 1942ROGERS, Carl R. Counseling and psychotherapy. Boston: Houghton Mifflin, 1942. ). Também na década de 1940, Sullivan (1954)SULLIVAN, Harry S. The psychiatric interview. New York: Norton, 1954. ofereceu palestras sobre técnicas de entrevista para uma plateia composta por diversos profissionais ligados à saúde na Washington School of Psychiatry. Em palestras publicadas postumamente, ele instruía seus ouvintes a criar um ambiente agradável que facilitasse a abertura e fosse vetor da formação de uma relação de confiança, a se familiarizar com as diferentes etapas emocionais que um paciente ou cliente pudesse atravessar durante o tratamento e dava conselhos de como lidar com respostas evasivas a perguntas incisivas. O médico Stanley Law discutiu recomendações similares em paralelo a diversas histórias de casos, demonstrando a utilidade dessas técnicas em vários campos da medicina, no livro de 1948 Therapy through interview (Terapia por meio da entrevista). E, citando mais um exemplo, na década de 1950, Hildegard Peplau (1952)PEPLAU, Hildegard E. Interpersonal relations in nursing: a conceptual frame of reference for psychodynamic nursing. Putnam: New York, 1952. , ex-aluna de Erich Fromm, inspirada por Sullivan, publicou o manual Interpersonal relations in nursing (Relações interpessoais em enfermagem), propondo uma das primeiras teorias abrangentes em enfermagem que ancoravam a profissão nas ciências sociais, quando descreveu as técnicas relacionais vistas pela autora como sua essência ( Callaway, 2002CALLAWAY, Barbara J. Hildegard Peplau, psychiatric nurse of the century. New York: Springer, 2002. ; Smith, 2018SMITH, Kylie M. Different places, different ideas: reimagining practice in American psychiatric nursing after World War II. Nursing History Review, v.26, n.1, p.17-47, 2018. ).

A fundação do National Institute of Mental Health (NIMH), em 1948, trouxe uma expansão mais coordenada das “atividades de saúde mental”, conforme a higiene mental agora era então denominada com mais frequência (ver Bertolote, 2008BERTOLOTE, José. The roots of the concept of mental health. World Psychiatry, v.7, n.2, p.113-116, 2008. ). Esses esforços, mais uma vez, incluíam uma ampla gama de iniciativas comunitárias envolvendo, além de psiquiatras, enfermeiros, assistentes sociais e psicólogos clínicos, outros profissionais, como professores e trabalhadores de recreação. Apresentando a reunião anual da American Psychiatric Association em 1953, o fundador e diretor da Divisão de Higiene Mental da Faculdade de Saúde Pública da Johns Hopkins, Paul Lemkau, descreveu a lógica e o escopo da empreitada: “A função das organizações de saúde pública é traduzir os conceitos de higiene de todos os tipos de laboratórios e consultórios onde estiverem presentes, em uso efetivo pela população”. Um papel fundamental nessa estratégia de translação foi designado a “mais de trinta mil enfermeiros de saúde pública, dos quais a maioria está em maior ou menor contato íntimo com as famílias de suas comunidades” e, dessa forma, bem posicionada para “ajudar os três mil a cinco mil médicos envolvidos nesse trabalho” (Lemkau, Pasamanick, Cooper, 1953, p.442).

Se os enfermeiros de saúde pública ou quaisquer outros profissionais de saúde engajados na causa tinham ou não proficiência na aplicação das técnicas relacionais era outra questão sujeita à discussão, porém, e como era de se esperar, essa competência foi posta em dúvida por aqueles que desenvolveram e foram pioneiros em sua aplicação em consultórios. Em um relatório governamental de 1955 sobre a avaliação em saúde mental, escrito sob a égide do NIMH, os autores alertavam para a aplicação precipitada dessas técnicas em campos adjacentes. “Os princípios psicodinâmicos são complexos”, comentavam com ironia, “e para os tornar mais simples, ‘não basta desejar que o sejam’” ( HEW, 1955HEW, US Department of Health, Education, and Welfare. Public Health Service/National Institute of Health. Evaluation in mental health. Washington, DC: HEW, 1955. , p.12). O comitê acrescentava:

Parece haver uma tendência por parte de alguns líderes em saúde mental a pré-digerir a teoria psicodinâmica para professionais e a massa leiga acentuando as ‘relações interpessoais’ com um efeito aureolar, não raro levando a promovê-la exageradamente com slogans . Há expectativas de que curtos períodos de exposição a treinamentos em serviço que enfatizam as ‘relações humanas’ sejam capazes de produzir condensações de uma teoria complexa em método de fácil assimilação. Há necessidade de avaliação crítica desse conceito ( HEW, 1955HEW, US Department of Health, Education, and Welfare. Public Health Service/National Institute of Health. Evaluation in mental health. Washington, DC: HEW, 1955. , p.12-13; destaques no original).

Apresentando os resultados críticos de um dos raros estudos de avaliação, os autores do relatório concluíam que os enfermeiros de saúde pública, de modo geral, achavam difícil efetivamente “traduzir” “técnicas de relação objetivas” – e “a complexidade de … lidar com a relação interpessoal como ferramenta de saúde mental” – de maneira a aprimorar seu desempenho clínico ( HEW, 1955HEW, US Department of Health, Education, and Welfare. Public Health Service/National Institute of Health. Evaluation in mental health. Washington, DC: HEW, 1955. , p.13).

As reservas do comitê salientavam que, a essa altura, as práticas relacionais ainda eram tidas em alta conta, vistas como parte de um sofisticado arsenal técnico. “Transladá-las” para não especialistas e as aplicar fora das profissões dominadas por homens representavam uma ameaça não só por parecer desvalorizar a competência exclusiva dos psicoterapeutas. À medida que essas técnicas transitavam de um setting relativamente controlado, o “laboratório” do consultório, para realidades decisivamente “mais caóticas” além da clínica, elas também eram transformadas.

Flexibilização e mudança institucional

Embora as técnicas relacionais estivessem sendo empregadas em diversas áreas ligadas à saúde para incentivar o cumprimento do tratamento e, mais genericamente, a “adaptação social”, muitos desdobramentos interrelacionados dentro e fora da clínica levariam à crítica quanto à exposição de atitudes paternalistas que não raro acompanhava tais práticas. Os movimentos pelos direitos civis, antiguerra, feministas e pela liberação gay , quase sempre apoiados por intelectuais – e ainda, posteriormente, o movimento do consumidor em tratamento de saúde –, atraíram a atenção para as forças normalizadoras em ação não só nas “instituições totais” como manicômios, mas também no espaço aparentemente isolado do consultório. Como indicativos dessas transformações sociais mais abrangentes, dois conceitos-chave que haviam orientado as práticas relacionais em décadas passadas, “maturidade” e “adequação”, passaram a ser cada vez mais questionados na década de 1960.

Em um discurso realizado na Western Michigan University em 1963, Martin Luther King Jr., por exemplo, debochou da preocupação dos psicólogos contemporâneos com “indivíduos desajustados”. O desajuste, sugeria ele, pode ser exatamente a resposta adequada às condições e práticas sociais inaceitáveis, tais como segregação racial, desigualdade econômica e intolerância religiosa. Em outras palavras, King e outros contestaram o consenso infundado relacionado às realidades sociais às quais as pessoas deveriam se adaptar.

O posicionamento “neutro” dos psicanalistas também passou a ser alvo de críticas como algo dissimulado e esquivo. Aquilo que o historiador Eli Zaretsky (2015) chamou de “ética da maturidade” da psicanálise e o crítico cultural conservador Rieff (1966RIEFF, Philip. The triumph of the therapeutic: uses of faith after Freud. London: Chattoo and Windus, 1966. , p.24) chegou a descrever como a “visão do homem no meio” de Freud, ocupado em manter um equilíbrio precário entre as demandas sociais e pulsionais, deixava de figurar como politicamente neutro. Em descompasso com as mudanças nas convenções sociais, os psicanalistas norte-americanos foram acusados de endossar opiniões culturalmente conservadoras, particularmente heteronormativas (ver Zaretsky, 2004; Herzog, 2017HERZOG, Dagmar. Cold War Freud: psychoanalysis in an age of catastrophes. Cambridge: Cambridge University Press, 2017. ). Como a psicanálise como profissão fora inigualavelmente bem-sucedida nos EUA, passara, portanto, a ser facilmente identificada com as normas sociais opressoras do pós-guerra.

Abordagens alternativas ao tratamento, como as diversas psicoterapias humanistas, em geral orientadas pelo estímulo ao “crescimento” ou “autorrealização” (ao contrário da “maturidade” ou “fortalecimento do ego”), as quais passaram a crescer rapidamente a partir da década de 1950 ( Harper, 1975HARPER, Robert A. The new psychotherapies. Englewood Cliffs, NJ: Prentice Hall, 1975. ), pareciam oferecer formas de autotransformação mais abertas, menos carregadas normativamente. A própria prática psicanalítica em consultórios se tornou mais variável e aberta à experimentação durante o último terço do século, à medida que a teoria das relações de objetos e a autopsicologia psicanalítica, graças à influência de Otto Kernberg e Heinz Kohut, respectivamente, tornaram-se mais aceitas nos meios da psicanálise convencional nos EUA ( Makari, 2008MAKARI, George. Revolution in mind: the creation of psychoanalysis. New York: Harper, 2008. ).

Essas mudanças de hegemonia ocorreram em uma época, obviamente, em que as profissões de saúde, em geral, sobretudo as maneiras pelas quais os pacientes interagiam com os profissionais, atravessavam mudanças de grandes proporções. A progressiva tecnologização da prática médica, a medicalização de diversos aspectos da vida cotidiana, somadas aos descuidos éticos da profissão, que àquela altura atraía um público mais abrangente, provocaram uma reação crítica e solaparam permanentemente o paternalismo na medicina ( Shorter, 1993SHORTER, Edward. The history of the doctor-patient relationship. In: Bynum, William F.; Porter, Roy (ed.). Companion encyclopedia of the history of medicine. London: Routledge, 1993. p.783-800. ). Ademais, mudanças na legislação sobre negligência agora ofereciam possibilidades jurídicas de reparar danos emocionais provocados por violações de um terapeuta durante o tratamento, expondo antigos problemas de exploração sexual, e outras formas de “violação de limites” como essas passaram a ser chamadas na psicoterapia ( Gabbard, 2009GABBARD, Glen O. Boundary violations. In: Bloch, Sidney; Green, Stephen Psychiatric ethics. New York: Oxford University Press, 2009. p.251-270. ; Kim, Rutherford, 2015).

A psicoterapia não havia de responder apenas às pressões externas, porém; havia inúmeros esforços originados de dentro do campo em prol da reforma de suas instituições e, fundamentalmente, da transformação das práticas terapêuticas. Os psiquiatras autoproclamados radicais, por exemplo, recusavam qualquer aparência de neutralidade. Dada a agitação política da época, manter-se “neutro” não mais parecia uma opção defensável ( Richert, 2019RICHERT, Lucas. Break on through: radical psychiatry and the American counterculture. Cambridge, MA: MIT Press, 2019. ). Clínicos, inspirados pela Nova Esquerda, fundaram grupos e organizações como o Radical Psychiatry Center ou o Radical Therapist Collective, cujo lema anunciava que “terapia significa mudança, não adaptação”, e começaram a fazer experiências formando os chamados grupos de encontros, uma variação da terapia em grupo na qual o papel do terapeuta era completamente eliminado ( Staub, 2014STAUB, Michael E. Radical. In: Aubry, Timothy; Travis, Trysh (ed.). Rethinking therapeutic culture. Chicago: University of Chicago Press, 2014. p.96-107. , p.97). Isso também era uma rejeição quanto à artificialidade das relações de transferência psicanalítica e suas ramificações psicodinâmicas, que agora pareciam ser deliberadamente criadas para evitar questões de poder e política ( Staub, 2011STAUB, Michael E. Madness is civilization: when the diagnosis was social, 1948-1980. Chicago: University of Chicago Press, 2011. ). De maneira análoga, psicoterapeutas feministas procuravam primeiro abolir e depois diminuir o diferencial de poder entre terapeutas e seus clientes (ver Rice, Rice, 1973). Assim como Rogers, questionavam seu próprio status profissional, alegando que o cliente é, na verdade, “seu próprio especialista” (Rader, Gilbert, 2005, p.427). Contudo, como essas críticas se desdobraram em um contexto mais abrangente de lida com estruturas patriarcais de poder, elas tinham mais propensão a fundamentalmente questionar os papéis preconcebidos de terapeutas e clientes.

Embora seja possível remontar a tentativas semelhantes já em 1932, quando Ferenczi (1988)FERENCZI, Sándor. Ohne Sympathie keine Heilung: Das Klinische Tagebuch von 1932. Frankfurt am Main: Fischer, 1988. experimentou o que chamou de análise mútua, nos anos 1960 e 1970, a relação terapêutica se transformou de modo mais persistente em um campo de experimentos que atribuiu a paciente e terapeuta papéis sociais menos distintos. Além de terapeutas assumidamente políticos, muitos psicólogos e psiquiatras convencionais também começaram a arriscar outras técnicas relacionais, em geral incorporando à prática formas menos individualistas de psicoterapia, como terapia em grupo, ou expandindo permanentemente a díade terapêutica recorrendo à terapia familiar ou propagando comunidades terapêuticas, cujos membros eram quase sempre incentivados a confrontar e a ser francos e abertos nas avaliações dos parceiros ( Weinstein, 2013WEINSTEIN, Deborah. The pathological family: postwar America and the rise of family therapy. Ithaca: Cornell University Press, 2013. ; Clark, 2017CLARK, Claire D. The recovery revolution: the battle over addiction treatment in the United States. New York: Columbia University Press, 2017. ).

Relações terapêuticas colaborativas

Em suma, os usos da relação terapêutica se tornaram parcialmente desvinculados dos papéis e instituições sociais que a haviam definido previamente, assim como dos corpos de conhecimento que legitimaram seu uso, tornando o manejo da “relação” mais flexível, adaptável às necessidades imediatas dos pacientes. Ao mesmo tempo, porém, como tecnologia social, a relação terapêutica mais uma vez chega para refletir as realidades institucionais em constante mudança e as novas demandas exercidas sobre elas. Como as normas sociais envolvendo relações paciente/prestador mudaram, a relação terapêutica não poderia mais ser deliberadamente exercida como um instrumento para promover abertamente a adaptação às realidades presumivelmente estáveis e inevitáveis do mundo social, ou incentivar um tipo de maturidade que envolvesse a conformação com as próprias limitações. Para que a relação terapêutica se tornasse um modelo do processo de socialização, para que o conflito entre os desejos pessoais e as demandas sociais se tornasse manifesto, o diferencial de poder entre paciente e terapeuta haveria de ficar em evidência dentro da relação. Com uma crescente ênfase nos direitos dos pacientes e na autonomia pessoal – como dado, e não como um objetivo terapêutico de longo prazo – a assimetria da relação terapêutica ficou menos pronunciada. À medida que os psicoterapeutas se tornavam relutantes em assumir o papel do “outro generalizado” e já não podiam mais se apoiar em um senso comum do que constitui um desenvolvimento ou comportamento “saudável”, eles adquiriram mais consistência na luta para construir uma “aliança terapêutica” forte, uma congruência entre as ideias dos terapeutas e dos pacientes no que se refere aos objetivos e meios do processo terapêutico. O conceito de trabalho ou aliança terapêutica foi desenvolvido pela primeira vez pelo psicanalista Ralph Greenson (1967)GREENSON, Ralph R. The technique and practice of psychoanalysis. New York: International Universities Press, 1967. e, posteriormente, propagado por influência do psicólogo Edward Bordin (1979)BORDIN, Edward S. The generalizability of the psychoanalytic concept of the working alliance. Psychotherapy, v.16, p.252-260, 1979. , propondo a inclusão do vínculo emocional criado entre terapeuta e paciente como seu terceiro componente. O conceito foi amplamente adotado por várias escolas psicoterapêuticas, o que indica que aquilo que os psicoterapeutas agora buscavam estabelecer e cultivar com seus pacientes ou clientes era uma relação colaborativa. Dessa forma, poderia ser colocada a serviço de uma ampla gama de terapias, independentemente da teoria de funcionamento mental endossada pelo terapeuta. Tais usos da relação terapêutica não eram necessariamente fundamentados na psicodinâmica ou, numa escala mais ampla, no conhecimento originado do estudo das relações humanas. Isso também significava que o vínculo emocional com o terapeuta já não servia para “revelar” algo para o paciente, nem os psicoterapeutas estavam necessariamente preocupados em compreender a dinâmica relacional. Mais do que nunca, estabelecer e manter uma relação terapêutica funcional era considerado uma habilidade ou destreza ou, como ficou conhecido na pesquisa em psicoterapia, um fator “não específico” de qualquer forma de psicoterapia e até mesmo de terapias não psicológicas que envolvessem práticas relacionais.

Essa mudança de status epistemológico, por exemplo, fica evidente na forma como a relação terapêutica foi inicialmente concebida no contexto da terapia cognitivo-comportamental. Em sua obra seminal Teoria cognitiva da depressão , publicada em 1979, Aaron T. Beck e colegas delinearam sua prática a partir de tratamentos “centralizados” na relação:

Inicialmente, o terapeuta tenta engajar o paciente em uma aliança terapêutica de colaboração. Ao contrário da terapia de ‘suporte’ ou de ‘relação’, a relação terapêutica é empregada não só como ‘o’ instrumento a aliviar o sofrimento, mas como um veículo de facilitação de um esforço em comum para executar objetivos específicos. Nesse sentido, o terapeuta e o paciente formam um ‘time’ ( Beck et al., 1979BECK, Aaron T. et al. Cognitive therapy of depression. New York: Guilford Press, 1979. , p.54; destaque no original).

Aqui, a relação não é mais o “elemento mais tangível” da transação psicoterapêutica, como postulou Menninger nos anos 1950, mas predominantemente um “veículo”, o meio pelo qual o tratamento é administrado. Ao mesmo tempo, porém, as recomendações vão além de simplesmente desenvolver afinidades. O psicoterapeuta cognitivo-comportamental continua sendo incentivado a nutrir um “tipo particular” de relação com o paciente, que seja colaborativa por natureza. Beck, formado como psicanalista, alguém que ficara desiludido com o método, em parte devido a experiências negativas durante sua análise de treinamento, propôs uma forma de interação que foi empiricamente enraizada no presente e formada com base no processo de pesquisa colaborativa ( Rosner, 2014ROSNER, Rachael I. The “splendid isolation” of Aaron T. Beck. Isis, v.105, n.4, p.734-758, 2014. ). O paciente deveria fornecer “dados ‘brutos’ para essa investigação”, ao passo que a “contribuição do terapeuta seria orientar o paciente sobre quais dados coletar e como utilizá-los terapeuticamente” ( Beck et al., 1979BECK, Aaron T. et al. Cognitive therapy of depression. New York: Guilford Press, 1979. , p.54). Além disso, futuras gerações de terapeutas cognitivo-comportamentais voltaram a discutir o que contribuía para uma relação terapêutica funcional, abordagem essa profundamente inspirada no trabalho de teóricos sobre relações interpessoais como Sullivan (ver, por exemplo, Safran, 1990SAFRAN, Jeremy D. Towards a refinement of cognitive therapy in light of interpersonal theory: I. Theory. Clinical Psychology Review, v.10, n.1, p.87-105, 1990. ; Okamoto et al., 2019OKAMOTO, Annika et al. The therapeutic relationship in cognitive-behavioral therapy: essential features and common challenges. Practice Innovations, v.4, p.112-123, 2019. ).

Por meio de seus novos usos – e o exemplo que acaba de ser citado entre aspas também demonstra isso – a relação terapêutica passou a ser canalizada para experiências fora do consultório. Deixando de ser concebida como um processo simplificado de socialização, passou a ser pensada com mais frequência como um campo de treinamento para pacientes com esperança de lidar melhor com suas batalhas. Nesse sentido, a relação se tornou mais “real”, aparentemente menos artificial. Isso resultou em novas demandas para os terapeutas. Esses não só precisavam cumprir um leque maior de funções como colaboradores, ouvintes empáticos, testemunhas ou, por vezes, até mesmo provocadores (ver, por exemplo, Ellis, 1962ELLIS, Albert. Reason and emotion in psychotherapy. Secaucus, NJ: Citadel Press, 1962. ); para que fossem eficazes, mas suas reações afetivas precisavam ser críveis, o vínculo emocional que formavam com seus pacientes deveria ser autêntico. Conforme descreveu a antropóloga e psicanalista Kate Schechter (2014)SCHECHTER, Kate. Illusions of a future: psychoanalysis and the biopolitics of desire. Durham: Duke University Press, 2014. , “a relação” se tornou um ativo extremamente desejado, porém quase sempre inalcançável para os psicoterapeutas.

Os potenciais danos emocionais desse tipo de relação, como logo ficou claro para muitos que atuavam em profissões de assistência, não se restringiam aos pacientes. Em 1974, o psicanalista Harald Freudenberger observou entre os clínicos altamente engajados o que denominou burn-out , ou esgotamento profissional, um estado de exaustão emocional e física. O conceito, embora criticado como sendo muito vago, recentemente se fixou para descrever problemas de saúde mental similares em muitos tipos de ocupações. No campo da psicoterapia outros conceitos como “empatia” ou “fadiga de compaixão”, e seu corolário “resiliência de empatia”, foram sugeridos recentemente para captar os riscos à saúde exclusivos daqueles que aplicam as técnicas relacionais em sua prática.

Considerações finais

A relação entre clínico e paciente não é mais consistentemente concebida e buscada como o principal meio de intervenções psicoterapêuticas, e, sem dúvida, as mudanças nos padrões metodológicos e nas normas em constante modificação acerca do que torna a ciência boa exerceram alguma influência nisso. Contudo, como mostrou essa breve história, as técnicas relacionais já haviam perdido parte do apelo devido à sua ampla disseminação e subsequente democratização antes da instauração de tais mudanças. Entre os motivos pelos quais as origens da “relação” como tecnologia social foram eclipsadas ao longo do tempo, podemos citar a desvalorização profissional dessas técnicas durante os anos do pós-guerra à medida que passaram a ser empregadas por uma gama maior de profissionais, em grande parte por mulheres. Ao mesmo tempo, autores influentes como Rogers começaram a ressaltar os aspectos não técnicos da relação terapêutica, a suposta instantaneidade da compreensão mútua e a empatia como ingredientes essenciais à terapia centrada no cliente.

Ainda assim, durante a primeira metade do século XX, o fundamento tácito para a aplicação da relação terapêutica como tecnologia social foi o pressuposto de que essas técnicas revelariam não só uma verdade pessoal ao paciente, mas também verdades universais sobre a natureza das relações humanas. Quanto a estas, para explicá-las a pacientes e terapeutas, porém, a maioria dos profissionais salientava que no encontro terapêutico as regras de interações sociais haviam de ser suspensas. Paradoxalmente, então, a relação terapêutica não era uma relação social genuína. No entanto, como a transformação pessoal se tornou um fim em si mesma, as relações terapêuticas eram cada vez mais consideradas passíveis de proporcionar experiências mais genuínas. Deixando de ser exclusivamente exercida por especialistas em saúde mental, a “relação” viria a se tornar, além de uma ferramenta de adequação social, um método que instigaria a mudança social.

À medida que que o objetivo da psicoterapia mudou do desenvolvimento “saudável” do caráter, amadurecimento pessoal ou até liberação social para lidar com os estresses da vida e evolução pessoal, nas últimas décadas os perigos de dependência iatrogênica se tornaram gradualmente menos preocupantes. A conquista da autonomia ou a expansão das liberdades pessoais já não podem mais ser declaradas inequivocamente como os objetivos universais da psicoterapia, uma vez que a autonomia de um indivíduo deixou de ser a meta de longo prazo das intervenções psicoterapêuticas. Agora pouco importa se o indivíduo que adentra o consultório é autônomo, pelo menos para os “saudáveis preocupados”, os objetivos da psicoterapia se abriram às autodeclaradas necessidades pessoais. A flexibilização da relação terapêutica trouxe consigo novas inseguranças, evidenciadas pelos debates sociais sobre seus perigos perenes e a necessidade de negociar e delimitar fronteiras em torno do que se constitui como tratamento e o que o transcende.

A questão que surge, porém, é até que ponto essas mudanças limitaram o alcance da relação terapêutica como tecnologia social normalizante. Embora nem todas as psicoterapias hoje funcionem partindo da premissa de que nossos vínculos emocionais com nossos pares sejam representativos de saúde mental, os psicoterapeutas ainda utilizam a relação terapêutica para oferecer um modelo de como se relacionar consigo mesmo e com o mundo. As relações colaborativas comuns atualmente, portanto, ainda funcionam como meios de socialização, ainda que de formas altamente diversificadas. Elas oferecem a pacientes e clientes oportunidades de envolvimento em exercícios a fim de obter melhor aproveitamento de sua autonomia. A configuração disso na prática, porém, varia. A “responsabilização” do indivíduo, que certamente acontece por meio da psicoterapia e é muitas vezes associada a regimes neoliberais de governança (por exemplo, Rose, 1996ROSE, Nikolas. Inventing our selves: psychology, power, and personhood. Cambridge: Cambridge University Press, 1996. ), assume diferentes formas a depender dos tipos de relações oferecidas, e às vezes impostas, aos pacientes e clientes. Os historiadores da psicoterapia são, desse modo, conclamados a investigar quais tipos de pessoas sofrendo de quais tipos de problemas de saúde mental se tornaram capturados por quais tipos de relações terapêuticas e por quê. O fato de inúmeros termos referindo-se a diversos aspectos interpessoais do encontro clínico ainda serem empregados por profissionais de saúde de maneira disseminada, por fim, demonstra a constante necessidade – mesmo durante a nossa atual era psicofarmacológica – de voltar a atenção e refletir sobre aquilo que socialmente influencia as interações paciente/assistente.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Jan 2023
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    26 Mar 2021
  • Aceito
    15 Ago 2021
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