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A Ética Médica e a Comunidade Médica de uma Cidade Desprovida de Instituição de Ensino Médico

Medical Ethics and the Medical Profession in a Brazilian City without a Medical School

Resumo:

O ensino de Ética Médica nas faculdades de Medicina brasileira é caracterizado, predominantemente, por uma visão legalista e deontológica, insuficiente para a adequação do profissional à sociedade moderna. Esta pesquisa procurou caracterizar os médicos que atuam numa cidade do interior de São Paulo, que não dispões de uma escola médica, quanto ao seu grau de conhecimento sobre Ética Médica. Este conhecimento possibilitará que os responsáveis pelo ensino da graduação e por programas de educação continuada promovam as necessárias reformulações em suas atividades, assegurando o aprimoramento e a otimização ética dos estudantes e dos médicos em atuação.

Palavras-chave:
Ética Médica; Conhecimento

Abstract:

The teaching of Medical Ethics at medical schools in Brazil is characterized primarily by a legalist and deontological view, which is insufficient for medical professional, to adjust to modern society. This study aimed to characterize the physicians working in a city in the interior of São Paulo which has no medical school, in terms of their degree of knowledge concerning Medical Ethics. Such knowledge will allow those in charge of undergraduate-level teaching and continuing education programs to conduct the necessary changes in their activities in order to ensure the enhancement and ethical optimization of students and practicing physicians.

Key-words:
Ethics Medical; Knownledge

INTRODUÇÃO E JUSTIFICATIVA

Toda disciplina e todo campo inter ou transdisciplínar devem enfrentar, em algum momento de seu desenvolvimento, uma dupla questão: 1) a questão epistemológica,ou teórica, de seus fundamen­ tose extensão; 2) a questão metodológica, ou prática, de seus proce­ dimentos adequados. (Fermin Roland Schram)

A Ética Médica pode ser considerada como projeção particular e aplicação da Ética geral, como cogitação sobre a moral e a moralidade médica, e como estudo da prática médica condicionada por esse cogitação1818. Sá Júnior LSM. Evolução do conceito de ética médica. Jornal Medicina 2001; 127:8-9. Disponível em http:/www.portalmedico.org.br
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. A Bioética é a ética da vida, ou seja, a ética de todas as ciências e derivações técnicas que pesquisam, manipulam e curam os seresvivos2424. Silva FL. Da Ética Filosófica à Ética em Saúde. ln: Conselho Federalde Medicina. Iniciação à Bioética . Brasília, Ed CMJ online, 1998. p.19-36.. Assim, a·Ética Médica está relacionada à ética prática (agir correto), e a Bioética se relaciona com a ética aplicada, pois integra esta ética práticae abrange os problemas relacionados com a vida e a saúde2525. Kipper DJ, Clotet J. Princípios da beneficência e não­maleficência. ln: Conselho Federal de Medicina. Iniciação à Bioética. Brasília, Ed CMJ online , 1998 p.19-36..

No final da década de 50, com a instituição por lei do Conselho Federal de Medicina, teve início uma preocupação maior em favor da Ética Médica. Mas o seu ensino formal, curricular, nas escolas de Medicina brasileiras era incipiente e de pequena carga horária (e, infelizmente, com poucos sinais de melhora na atualidade)33. Nelson Grisard. Ética Médica e Bioética. A Disciplina que faltava na graduação médica. Bioética 2002; 10:97-114..

Em1971, o cancerologista V.R. Potter publicou a histórica obra Bioethics: a Bridge to the Future, e desde então os avanços conquistados podem ser considerados extraordinários. Atualmente, é enorme o número de publicações que surgem diariamente para tratar dos mais diversos temas, além do incontável número de eventos oferecidos sobre Bicética nas diversas especialidadesem todas as partes do mundo1919. Costa SIF, Garrafa V, Oselka G. Apresentando à Bicética. ln: Conselho Federal de Medicina. Iniciação à Bicética . Brasília, Ed CMJ on tine, 1998 p.15-17..

Porém, a disciplina de Ética Médica nas faculdades de Medicina brasileiras, de forma geral, não acompanhou as mudanças recentes de maneira adequada, conforme mostram dois grandes levantamentos, realizados por Mello et al. (1985) e Meira & Cunha (1992), no tocante a conhecer a realidade sobrea disciplinade Ética Médica nas faculdades brasileiras2020. Meira AR, Cunha MMS. O ensino de ética médica, em nível de graduação, nas faculdades de Medicina do Brasil. Rev Bras Educ Med 1994; 18(1):7-10..

As faculdades de Medicina brasileiras, quando discutem ou ensinam ética em seus currículos, geralmente o fazem sob a forma de uma disciplina denominada Deontologia, inserida isoladamente em determinado período acadêmico, no mais das vezes despida de fundamentações filosóficas, constituindo a repetição de um elenco de normas impositivas, já explícitas no código de ética profissional2121. Orumond JGF. A formação ética do médico e a perspectiva profissional. Jornal Medicina . 2001; 128:8-9. Disponível em http://www.portalmedico.org.br
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,2323. Eisele RL. O ensino da Ética no curso de Medicina. Bioética - estudos e reflexões. Londrina (PR): Editora UEL; 2000. p.221-29..

Diantedestes dados surgem algumas indagações: qual é a real situação da formação ética dos médicos na atualidade? Qual é o interesse deles pelo assunto e como fazem para preencher as lacunas de conhecimentoexistentes? Corno classificam o ensino de ética que tiveram durantea graduação? Qual a opinião deles sobre a atuação das organizações médicas na difusão de conhecimentos éticos?

É necessário caracterizar os médicos brasileiros e avaliar o grau de conhecimento sobre Ética Médica destes que estão lidando diariamentecom os mais diversos tipos de pacientes e respectivos conflitos morais, sociais, culturais e religiosos.

É precisoestudar uma população de médicos de uma cidade que não disponha de uma faculdade de Medicina, pois os profissionais que atuam nos centros acadêmicos estão em contato com todas as discussões, inovações curriculares e tentativas de mudança que ocorrem devido à constatação das graves deficiências curriculares. Além disso, é esperado dos médicos que atuam em faculdades, no mínimo, um conhecimento maior sobre aspectos ético-médicos, devido à necessidade que eles têm de ensinar o correto aos futuros profissionais.

Outro fator importante é que a proximidade de centros acadêmicos oferece, potencialmente, maior facilidade de se atualizar sobre tais aspectos (bibliotecas médicas, congressos, cursos, simpósios, etc.).

O conhecimento deste perfil ético possibilitará que os responsáveis pelo ensino da graduação e pelos programas de educação continuada promovam as necessárias reformulações em suas atividades, assegurando o aprimoramento e a otimização da formação ética dos estudantes e o aperfeiçoa­ mento dos programas destinados aos médicos em atuação.

OBJETIVOS

Esta pesquisa tem por objetivo caracterizar o grau de conhecimento sobre aspectos ético-médicos de uma população médica de uma cidade no interior do Estado de São Paulo que não dispõe de uma faculdade de Medicina. Pretende caracterizar estes médicos também quanto à presença de aulas de Ética Médica durante a graduação e à qualidade destas aulas; verificar o grau de interesse dos médicos no assunto e formas de atualização sobre ele; e analisar a opinião dos entrevistados sobre a atuação do Cremesp na difusão de conhecimentos sobre aspectos éticos da profissão.

MATERIAL E MÉTODOS

A pesquisa foi realizada numa cidade com cerca de 70 mil habitantes, no interior do Estado de São Paulo, desprovida de instituição de ensino médico. Na época da pesquisa, a cidade tinha 108 médicos (conforme cadastro da Secretaria Municipal de Saúde; listas telefônicas locais; dados fornecidos por planosde saúde local) das mais variadas especialidades e idades (o que nos garante uma casuística heterogênea). Assim, os resultados talvez possam ser extrapolados para cidades de característicassemelhantes.

O nome da cidade não foi divulgado para garantir o anonimato dos entrevistados e a veracidade das respostas, visto que alguns poderiam ser identificados pelo pequeno número de médicos em determinadas especialidades.

Foi enviado a todos os médicos, pelo correio, um termo de consentimento e esclarecimento sobre a pesquisa e o questionário. Após uma semana do envio, todos os médicos foram visitados para coleta do questionário e do termo de consentimento, e esclarecimentode possíveis dúvidas. Nessa primeira visita, foi entregue todo o material novame nte àqueles que o "perderam" ou não receberam. Os médicos que responderam o questionário e não apresentaram mais dúvidas não foram mais visitados. Os médicos que não responderam receberam novas visitas para novos esclarecimentos. Os que não responderam o questionário após cinco visitas e os que comunicaram que não gostariam de participar (em qualquer uma das visitas) foram considerados não participantes.

Todas as visitas e contatos foram realizados, exclusivamente, pelo pesquisador. O período da pesquisa foi de julho de 2003 a março de 2004.

Análise estatística

Os dados coletados por meio do questionário final foram registrados e analisados pelo programa SPSS, versão 11.5. Foram considerados significantes resultados "p" = 0,05.

RESULTADOS E DISCUSSÃO

Caracterização geral da população médica estudada: questões 1, 2, 3 e 4 (Anexo Anexo )

Dos 108 médicos da cidade pesquisada, participaram da pesquisa 82 (75,9%), com maior adesão do sexo masculino (80%) em relação ao feminino (60,9%). Uma recente pesquisa do Conselho Federal de Medicina (CFM) mostrou que no Bra­sil a distribuição dos médicos para os gêneros masculino e feminino é de, respectivamente, 69,8% e 30,2%22. Conselho Federal de Medicina. CFM apresenta dados pre­liminares da pesquisa Perfil do Médico Brasileiro. Jornal Medicina. 2003; 143:10-11. Disponível em http://www.portaJmedico.org.br
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. Esta distribuição está próxima da encontrada na cidade pesquisada (78,7% e 21,3%, respectivamente).

Foi encontrado um predomínio de médicos na faixa que vai dos 40 aos 49 anos (N = 26; 31,7%), seguido pelo grupo de 30 a 39 anos (N = 20; 24,4%) e 50 a 59 anos (N = 17; 20,7%). As idades mínima e máxima encontradas foram de, respectivamente, 29 e 77 anos. A moda foi a idade de 43 anos (N = 6; 7,3%) e a mediana de 47 anos. A média de idade da cidade está mais elevada que a média nacional. Segundo os dados do CFM2, 63,4% dos médicos têm menos de 45 anos, e somente 3% mais de 60 anos. Nesta cidade, 22% dos médicos têm mais de 60 anos.

A grande maioria dos médicos está casada (N = 68; 82,9%), embora a literatura aponte relações insatisfatórias entre os médicos, pelo próprio estresse profissional2626. Lewis JM, Bamhart FD, Nace EP, Carson DI, Howard BL. Marital satisfaction in the lives of physicians. Buli. Menninger Clinic 1993; 57:458-65..

A grande maioria dos médicos da cidade (N = 63; 76,8%) atende pacientes do Sistema Único de Saúde (SUS), convênios e particulares. Apenas 2,4% se dedicam ao atendimento exclusivo do SUS ou particular. Menos de 16% dos médicos não atendem pacientes do SUS, apenas particulares e/ ou convênio.

O período entre 1980 e 1989 foi aquele em que ocorreu o maior número de graduações entre os médicos estudados (N = 28; 34,1 %), seguido pelos períodos de 1970-79 (N = 23; 28%), 1990-99 (N = 16; 19,5%) e 1960-69 (N = 10; 12,2%). A primeira formatura encontrada corresponde ao ano de 1952, e a última ao de 1998. O grande aumento na concentração de médicos formados a partir de 1970 pode ser explicado pela proliferação de escolas médicas que ocorreu no Brasil a partir de 1961. Até 1960, existiam no Brasil 29 faculdades de Medicina. Entre 1961 e 1970, foram criadas mais 41 escolas no território nacional, sendo 13 somente no Estado de São Paulo11. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, Associação Paulista de Medicina, Federação dos Médicos do Estado de São Paulo. Porque somos contra a abertura de novos cursos de Medicina. São Paulo: CREMESP, 2003.. A diminuição do número de médicos formados a partir de 1990 pode ser explicada pela saturnção do mercado nesta cidade estudada (um médico para 583 habitantes). Esta concentração saturada de médicos é muito próxima da média encontrada no interior do Estado de São Paulo (um médico para cerca de 650 habitantes)11. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, Associação Paulista de Medicina, Federação dos Médicos do Estado de São Paulo. Porque somos contra a abertura de novos cursos de Medicina. São Paulo: CREMESP, 2003.. A cidade não possui nenhum médico, em exercício, com graduação após o ano de 1999.

No total, foram citadas 23 especialidades médicas. A especialidade de médico Clínico Geral foi a mais citada (N = 12; 14,6%), seguida pela Ginecologia/Obstetrícia (N = 10; 12,2%), Ortopedia e Pediatria (cada uma com N = 7; 8,5%). O grupo formado pelas especialidades clínicas é o que abrange o maior número de médicos da cidade (N = 37; 45,1%).

Caracterização da disciplina de Ética Médica na graduação: questões 5 e 6 (Anexo Anexo )

A maioria dos médicos (78%) refere ter recebido aulas na graduação sobre Ética Médica. Mas o número de médicos que não receberam a disciplina é expressivo (N = 17; 20,7%), e um médico deixou a questão em branco. Levantamento realizado por Meira & Cunha, em 1992, mostrou que 94,4% das faculdades de Medicina brasileiras possuíam em seu currículo a disciplina de Ética Médica, apesar de ser matéria obrigatória no currículo médico. Mello (1986), em levantamento semelhante, também já havia demonstrado que uma pequena porcentagem das faculdades brasileiras não apresentava tal disciplina na graduação2020. Meira AR, Cunha MMS. O ensino de ética médica, em nível de graduação, nas faculdades de Medicina do Brasil. Rev Bras Educ Med 1994; 18(1):7-10..

Uma explicação para o elevado número de médicos que referiu não ter recebido aulas sobre Ética Médica talvez seja o fato de eles, na verdade, terem tido a disciplina na graduação, porém com uma carga horária extremamente reduzida - e, assim, nem sequer se lembram que a disciplina foi ministrada.

Foi encontrado que, em 1992,81,4% das faculdades brasileiras destinavam apenas 0,6% da carga horá ria total do curso à disciplina de Ética Médica2020. Meira AR, Cunha MMS. O ensino de ética médica, em nível de graduação, nas faculdades de Medicina do Brasil. Rev Bras Educ Med 1994; 18(1):7-10..

A maioria dos médicos que receberam conhecimentos sobre Ética Médica considerou que estes foram de má qualidade ("insuficiente"- N = 26, 40,6%; "muito fraca" - N = 2; 3,1%). As classificações "excelente" (N = 7;11%), "muito boa" (N = 10; 15,6%) e "adequada" (N = 18; 28,1%) foram escolhi­ das em menor proporção.

Estudos realizados para se conhecer melhor a realidade da disciplina de Ética Médica.nas faculdades brasileiras mostram que entre 1985 e 1992, períodoque abrange a graduação de parcela significativa dos médicos estudados, houve um decréscimo de 1,7% na existência da disciplina de Ética Médica no ensino médico brasileiro; a carga horária se manteve entre 10 e 50 horas/aula (cerca de 0,6% da carga integral do curso); o número de docentes não variou muito, sendo que 45% das faculdades contavam com apenas dois docentes e 40% com apenas um; 90% dos docentes da disciplina possuíam unicamente a formação de médico; e o ensino era voltado quase exclusivamente para a Deontologia33. Nelson Grisard. Ética Médica e Bioética. A Disciplina que faltava na graduação médica. Bioética 2002; 10:97-114.,44. Siqueira JE, Sakai MH, Eisele RL. O ensino de Ética no cur­so de Medicina: a experiência da Universidade Estadual de Londrina (UEL). Bicética 2002; 10:85-96.,2020. Meira AR, Cunha MMS. O ensino de ética médica, em nível de graduação, nas faculdades de Medicina do Brasil. Rev Bras Educ Med 1994; 18(1):7-10..

Este modelo clássico representado pela disciplina de Medicina Legal e Deontologia parece ser insuficiente para atender a necessária formação humanística do profissional que atua numa sociedade cada vez mais plural2121. Orumond JGF. A formação ética do médico e a perspectiva profissional. Jornal Medicina . 2001; 128:8-9. Disponível em http://www.portalmedico.org.br
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,2222. Siqueira JE. Ensino de Ética no curso de Medicina. Rev Assoe Med Bras 2003; 49(2):128.. Estes dados podem justificar a grandeparcela de médicos insatisfeitoscom os conhecimentos de Ética Médica abordados na graduação.

Questões sobre conhecimentos de Ética Médica: questões de 7 a 12 (Anexo Anexo )

A questão 7, sobre alocação de recursos em saúde, nos chama a atenção para o fato de que apenas um médico, entre os que responderam corretamente a questão, não teve corno critériode internação a "condiçãode saúde" dos pacientes. Assim, fica claro que, em situações como esta, os médicos tendem a usaro critério de objetividade médico-científica,como a condição de saúde do paciente, ao invés de critérios sociais, como sexo, idade ou uma possível "culpa" no acidente. A população leiga, de forma geral, tende a ter critérios sociais, em prol dos mais "desfavorecidos", ao fazer tal escolha55. Fortes PAC. Selecionar quem deve viver: Um estudo bioético sobre critérios sociais para microalocação de recursos sociais em emergências médicas. Rev Assoe Med Bras 2002; 48(2):129-34..

A opção de internação na UTI para o pacien te de melhor prognóstico tem melhor custo/benefício social, pois poderia salvar, pelo menos hipoteticamente, a vida de um dos pacientes. Mas esta opção levaria o médico a deixar em estado ainda mais crítico a situação do paciente de pior prognóstico. Esta decisão, no mínimo complicada, explica uma distribuição muito próxima entre os que escolheriam internar o de melhor ou de pior prognóstico. Para alguns estudiosos, os problemas bioéticos mais importantes da América Latina e Caribe são aqueles que se relacionam com a justiça, a eqüidade e a alocação de recursos na área da saúde, sendo que ainda impera, via beneficência, o paternalismo66. Pessini L, Barchifonteine CP. Bioética. Do principialismo à busca de uma perspectiva latino-americana. ln: Conselho Federal de Medicina. Iniciação à Bicética. Brasília, Ed CMJ on líne, 1998 p.81-98..

Cerca de 21% dos médicos tiveram dificuldades em responder a esta questão, deixando-a em "branco" ou mais freqüentemente "argumentando" na folha de resposta por que não deveriam fazer tal escolha. O índice de rasura da questão foi bem distribuído em todas as faixas etárias, não mostrando uma dificuldade maior em lidar com o assunto em nenhuma faixa etária específica.

Ocorreu significância estatística (p = 0,017) em relação aos médicos da faixa etária de 30 a 39 anos escolheremo paciente com melhor prognóstico em relação ao de pior prognóstico. Observou-se uma tendência, não significante estatísticamente, de os médicos optarem pelo de pior prognóstico com o avançar da idade.

Apesar de não significante, observamos maior dificuldade em responder a esta questão no sexo masculino (quase a totalidade das respostas em branco ou rasuradas) do que no sexo feminino. Outro cruzamento, não significante estatisticamente, mostra que a maioria dos médicos que atende somente pacientes particulares e convênios rasurou a questão. Talvez devido aos tipos de pacientes que atendem, estes médicos não convivem com problemas relacionados à escassez de recursos. E isto explicaria por que a maioria deles rasurou a questão "argumentando" por que não deveriam ser os res­ ponsáveis por tal escolha.

Tabela 1
Questão referente a acidente automobilístico.

Tabela 2
Questão referente a portador de HIV

O simples conhecimentodo Códigode Ética Médica (CEM) não ajudou os médicos a terem maior facilidade em responder a questão. Houve um padrão muito semelhante de respostas, "pior ou melhor prognóstico", entre os médicos que conhecem o CEM.

Na questão 8, sobrea quebra do sigilo médico em paciente HIV positivo, nenhum médico rasurou oudeixou a questão em branco, demonstrando, talvez, maior aproximação deste tipo de situaçãocom a prática médica diária.

O Código de Ética Médica deixa claro, em seu artigo 105, que o médico deve "quebrar o segredo médico" se o silêncio puser em risco a saúde dos empregados ou da comunidade77. Conselho Federal de Medicina. Código de Ética Médica. Resolução do CFM n121246 de 08/01/1988. Disponível em http://www.bioetica.org.br
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.

Assim, a situação sorológica do paciente coloca em risco a vida dos familiares, devendo o médico "quebrar" o sigilo para proteger uma família potencialmente contaminada. A maioria dos médicos (62,2%) escolheu esta opção.

Muitos médicos (N = 24; 29,3%) optaram por manter o sigilo, porém orientar a família a realizar sorologias na forma de check-ups rotineiros. Isto se deve, talvez, ao fato de o próprio CEM mostrar, no artigo 102, que o sigilo deve ser mantido mesmo que a informação seja de conhecimento público ou que o paciente tenha falecido77. Conselho Federal de Medicina. Código de Ética Médica. Resolução do CFM n121246 de 08/01/1988. Disponível em http://www.bioetica.org.br
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,88. Francisconi CP, Goldim JR. Aspectos Bicéticos da confiden­cialidade e privacidade. ln: Conselho Federal de Medicina. Iniciação à Bioética. Brasília, Ed CMJ online, 1998 p.278.. Assim, tais médicos estariam seguindo o artigo 102 e, ao mesmo tempo, ficando com a "consciência tranqüila".

Existe um parecer do CFM (dezembro de 2000), referente à consulta na 11.690/99, em que o relator considera não ser justo revelar resultado de HIV de paciente falecido que não deu, em vida, autorização para isto99. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Parecer sobre Processo Consulta n° 11690/99-CFM (12/ 00): Exame de HIV após a morte. Disponível em http://www.bioetica.org.br
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,1212. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. AIDS e Ética Médica. São Paulo: CREMESP ; 2001.. Nesta consulta, a viúva cobrava do médico o resultado da sorologia. O relator entendeu que o paciente falecido não trazia risco a terceiros, sendo que a viúva tem o direito de saber se foi contaminada, mas com exame diagnóstico laboratorial feito na própria. Neste caso, a viúva é ativa e desconfia do marido, que, como disse o relator, não traz mais riscos a terceiros.

Porém, no caso apresentado na pesquisa, a viúva não desconfia da situação sorológica do marido (passiva na situação). Assim, o paciente falecido continua a oferecer riscos a terceiros.

São invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas1212. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. AIDS e Ética Médica. São Paulo: CREMESP ; 2001.. Assim, mais estudos devem ser realizados para garantir qual seria a melhor conduta ética num caso como este. Seis médicos (7,3%) demonstraram desconhecimento do CEM, pois argumentaràm que o "sigilo" poderia ser quebrado devido ao falecimento do paciente.

Apesar de não significativa estatisticamente, houve uma tendência dos médicos casados em quebrar o sigilo médico com o intuito de proteger uma família que pode estar contaminada. Isto poderia ser atribuído a um mecanismo de contratransferência para com a situação.

Um cruzamento estatisticamente significativo (p = 0,003) mostrou a tendência dos médicos que atendem pacientes particulares, convênios e SUS em quebrar o sigilo e proteger a família em relação a manter o sigilo e apenas orientar um check-up. Este cruzamento mostrou que os médicos que lidam, potencialmente, com uma diversidade maior de pacientes tendem a proteger a família que poderia estar contaminada. Esta tendência não ocorre com os médicos que atendem grupos mais restritos de pacientes.

A questão 9 se referia à autonomia do paciente adolescente. As crianças e adolescentes, sob o ponto de vista legal, são considerados incapazes até os 16 anos e, dos 16 aos 18 anos, relativamente incapazes para a prática de determinados atos jurídicos da esfera civil1010. Fortes PAC. Autonomia e consentimento esclarecido. Ética e saúde. São Paulo: Ed Pedagógica universitária; 1998.. Porém, moralmente, podem ser considerados portadores de autonomia crescente e, segundo vários autores, a partir dos 12 anos de idade, como não passíveis de distinção de um adulto capaz8.

Tabela 3
Questão referente à adolescência

A paciente em questão procura o serviço justamente para se informar sobre métodos anticoncepcionais e doenças sexualmente transmissíveis. Assim, aparenta ser capaz de avaliar e conduzir, por seus próprios meios, seus problemas.

O CEM, no artigo 103, incorporou a noção de maioridade sanitária, pois possibilita ocultar informações sobre pacientes menores de idade quando o médico julgar que o paciente tem capacidade de avaliar adequadamente seus próprios problemas1010. Fortes PAC. Autonomia e consentimento esclarecido. Ética e saúde. São Paulo: Ed Pedagógica universitária; 1998.,1111. Saito MI, Leal MM. Aspectos éticos na contracepção na adolescência. Rev Assoe Med Bras 2003; 49(3): 234..

Responderam que manteriam o sigilo neste caso apenas 64,6% dos médicos, demonstrando que muitos profissionais ainda tendem a se guiar mais pelos parâmetros legais do que pela abordagem ética da maioridade sanitária (quase um terço dos médicos contariam aos pais).

O adolescente tem direito à educação sexual, informação sobre contracepção, confidencialidade/sigilo sobre sua atividade sexual e sobre a medicação anticoncepcional, respeitadas as ressalvas do artigo 103 do CEM. O profissional que assim conduz o assunto não fere nenhum preceito ético, não devendo temer nenhum tipo de penalidade legal1111. Saito MI, Leal MM. Aspectos éticos na contracepção na adolescência. Rev Assoe Med Bras 2003; 49(3): 234..

Foi estatisticamente significativa (p = 0,008 ) a tendência dos médicos na faixa etária dos 40 aos 49 anos de não contar aospais da adolescente e assim manter o sigilo. Apesar de não significante estatisticamente, foi observada uma inversãodesta tendência com o avançar da idade. Este dado mostra uma tendência dos médicos com mais de 50 anos de acreditarem cada vez menos na capacidade dos adolescentes de se responsabilizar pelos seus próprios problemas.

Outrocruzamento estatisticamentesignificativo (p =0,020) indica que os médicos formados nos anos 80 tendem a não contar aos pais o conteúdo da consulta. O que talvez possa explicar tal conduta é o fato de que estes médicos têm filhos adolescentes na atualidade e conhecem a capacidade dos filhos para lidar com diversos tipos de problemas. Apesar de não significativa, percebemos urna inversão dessa conduta com o decair dos anos.

Outrodado estatisticamentesignificativo (p = 0,026) é que uma busca de leitura diversificada sobre Ética Médica (internet, periódicos e publicações das organizações médicas) permite melhor conhecimento e melhores condutas sobre situações relacionadas à autonomia dos adolescentes.

A questão 10, referente a eutanásia e distanásia, foi a que obteve maior unanimidade de respostas entre as questões sobresituações clínicas hipotéticas. Apenascinco médicos (6,1%) não responderam que aplicariam doses menores, que diminuiriam a dor e o sofrimento do paciente e como efeito colateral haveria certo encurtamento da vida na qual o processo de terminalidade já se instalou. Esta questão também não foi deixada em branco ou rasurada por nenhum participante da pesquisa.

A explicação para isto talvez sejam as discussões mais freqüentes sobre o tema, mesmo na literatura e imprensa leiga. O compromisso com a defesa da dignidade humana, na grande maioria das vezes, parece ser a preocupação comum que une as pessoas situadas nos diversos lados da discussão sobre eutanásia e distanásia1313. Martin LM. Eutanásia e distanásia. ln: Conselho Federal de Medicina. Iniciação à Bioética . Brasília, Ed CMJ online , 1998. p.171-193.. O CEM, no artigo 66, veda ao médico utilizar "meios destinadosa abreviar a vida do paciente, ainda que a pedidodeste ou de seu responsável legal".

Quando por compaixão se aplica o analgésico com a finalidade de abreviar a vida (e conseqüentemente o sofrimento do paciente), estamos diante de um caso de eutanásia. A não aplicação deste tipo de analgésico caracteriza uma distanásia. Quando se aplica em doses menores, com a finalidade de diminuir a dor, mesmo que com isso haja certo encurtamento da vida, estamos diante de uma situação diferente. No primeiro caso, o ato tem como efeito principal algo mau (diminuie a vida) e um efeito secundário bom (eliminar a dor). No terceiro caso, o ato tem como efeito principal algo bom (aliviar a dor) e um efeito secundário mau (apressar a morte)1313. Martin LM. Eutanásia e distanásia. ln: Conselho Federal de Medicina. Iniciação à Bioética . Brasília, Ed CMJ online , 1998. p.171-193..

Foi estatisticamente significativo (p = 0,030) o cruzamento onde se observou que, dos 30 aos 69 anos, existe a tendência a aplicar doses menores de analgésicos no paciente com o intuito de amenizar a dor, mesmo que haja certo encurtamento da vida. Ou seja, em quase todas as faixas etárias presentes na pesquisa, há a tendência estatística de amenizar a dor do paciente (ato bom é primário), mesmo que como efeito colateral haja certo encurtamento da vida (ato mau é secundário).

Na questão 11, sobre transfusão sangüínea em paciente da corrente religiosa Testemunhas de Jeová, houve um evidente predomínio na resposta que aceita a decisão do paciente (N = 50; 61%). Entretanto, mais de um terço dos medicos ainda apresenta dificuldades em lidar com situações ligadas à autonomia do paciente.

Nos últimos 30 anos, a sociedade vem buscando uma nova forma de relação médico-paciente, tendo o paciente direito a todo conhecimento sobre sua situação de saúde, propostas de tratamento e conseqüências, permitindo-lhe decidir pela aceitação ou não do tratamento1010. Fortes PAC. Autonomia e consentimento esclarecido. Ética e saúde. São Paulo: Ed Pedagógica universitária; 1998.,1515. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo. Testemunhas de Jeová e administração de sangue. Manual de Orientação ao Anestesiologista. São Paulo: CREMESP ; 2002. p. 27-31.. Esta questão mostrou que esta nova mudança na relação entre os médicos e os pacientes não foi totalmente assumida pelos envolvidos.

Tabela 4
Questão referente ao paciente terminal

Tabela 5
Questão referente à transfusão

O Estado brasileiroe a sociedade, como um todo, admitem ética e legalmente a liberdadee o pluralismo religioso. Em conseqüência, não se pode permitir que alguma crença ou prática religiosa seja dificultada dentrode serviçosde saúde. Portanto, o paciente devidamente esclarecido, ciente de todos os riscos, tem o direito moral e legal de tomar suas decisões1010. Fortes PAC. Autonomia e consentimento esclarecido. Ética e saúde. São Paulo: Ed Pedagógica universitária; 1998.,1414. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo. Parecer sobre Processo Consulta n12 27278/96: Transfusão de sangue em "Testemunha de Jeová". Disponível em http://www.bioetica.org.br
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,1515. Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo, Sociedade de Anestesiologia do Estado de São Paulo. Testemunhas de Jeová e administração de sangue. Manual de Orientação ao Anestesiologista. São Paulo: CREMESP ; 2002. p. 27-31..

Outro cruzamento, não significativo estatisticamente, mostrou uma tendência dos médicos das especialidades cirúrgicas para lidar com melhores condutas em casos como este. É interessante ressaltar que todos os anestesistas (N = 3) e ortopedistas/traumatologistas (N = 7) responderam que o médico deve aceitar a decisão do paciente, o que demonstra maior proximidade da prática clínica com situações como esta.

A questão 12, referente ao aborto, mesmo com a dificul­dade de confrontar o CEM com o intuito de diminuir os riscos de vida de uma paciente, foi respondida por todos os médicos participantes.

Setenta médicos (85,4%) não concordaram com o médico da questão, que infringiu o CEM para diminuir os riscos de sua paciente. A minoria dos médicos concordou com o ato.

Um estudo, realizado com base na busca ativa de todos os óbitos de mulheres em idade fértil ocorridos durante seis meses na capital paulista, calculou a taxa real de mortalidade materna de 99,5/100.000 nascidos vivos, sendo o aborto responsável por 10,7% dessas mortes1616. Laurenti R. Mortalidade de mulheres de 10 a 49 anos no município de São Paulo (com ênfase na mortalidade ma­terna), relatório final, 1ª parte. São Paulo. Centro Brasileiro de Classificação de Doenças; 1988.. Outros estudos mostram taxas semelhantes referentes ao aborto nas cidades de Marília (SP) e Ribeirão Preto (SP)1717. Bacha AM, Grassiotto OR. Aspectos éticos das práticas abortivas clandestinas. Bioética 1994; 2(1)..

Tabela 6
Questão referente ao aborto

A contribuição do aborto na mortalidade materna parece estar muito mais relacionado à sua forma de início (espontâneo ou provocado) do que às condições em que é atendido. Na Inglaterra, onde o aborto é permitido, a mortalidade por aborto foi de 5,7 /1.000.000 de gestações (metade por abortos provocados e metade por espontâneos)1717. Bacha AM, Grassiotto OR. Aspectos éticos das práticas abortivas clandestinas. Bioética 1994; 2(1)..

O artigo 42 do CEM veda ao médico indicar ou praticar atos "proibidos pela legislação do país" (como o aborto), e o artigo 38 veda ao médico se acumpliciar com os que exercem ilegalmente a medicina ou com profissionais que pratiquem atos ilícitos. Além disso, o Preâmbulo, inciso IV, dita que deve ser denunci­ada aos conselhos regionais a infringência do código ou das normas que regulam o exercício da medicina. Ou seja, o profissional da questão formulada violou diversas vezes o CEM1717. Bacha AM, Grassiotto OR. Aspectos éticos das práticas abortivas clandestinas. Bioética 1994; 2(1)..

Porém, na questão, fica evidente que o médico não agiu de má-fé, pois, na verdade, sua intenção era proteger uma mulher que se submeteria a um grande risco de vida (clínica de "fundo de quintal") frente a uma decisão irreversível e aborto. Nessa linha de pensamento, o médico hipotético s guiu o artigo 1 do CEM: "a medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e deve ser exercida sem discriminação de qualquer natureza"; o artigo 2, segue do o qual o alvo de toda atenção do médico é a saúde do ser humano; o artigo 67: "é vedado ao médico desrespeitar direito do paciente de decidir livremente sobre método contraceptivo ou conceptiva, devendo o médico sempre esclarecer sobre a indicação, a segurança, a reversibilidade e o risco de cada método"; e o artigo 48, que veda ao médico exercer sua autoridade de maneira a limitar o direito do paciente e decidir livremente sobre sua pessoa e seu bem-estar.

Fica a dúvida quanto à conduta do médico da questão-se foi correta ou não -, que só poderá ser respondida com discussões amplas e plurais sobre o caso.

Foi significante estatisticamente (p = 0,030) que o fato à médico conhecer o CEM o leva a ter uma conduta ma: legalista e deontológica numa situação como esta.

Resultados sobre a importância da Ética: questões de 13 a 19 (Anexo Anexo )

Para 84,1% (N = 69) dos Médicos, a Ética Médica tem importância fundamental para a classe médica nos dias atual. Para 14,6% (N = 12), a Ética Médica é, somente, importante. Nenhum médico considera esse tema de pequena ou nenhuma importância. Este dado mostra uma preocupação crescente da classe médica com o tema Ética Médica e sua importância na sociedade moderna.

Quase a metade desta população (N = 37; 45,1%) nunca participou de um evento (congresso, simpósio, curso, palestra, etc.) sobre o tema Ética Médica. Dos que participaram, maioria foi há mais de três anos (N = 25; 30,5%).

A pesquisa do CFM sobre o perfil do médico brasileirc revela que 86,7% dos médicos afirmaram participar de cor gressos e cursos de atualização médica. A mesma pesquisa mostra que o principal motivo (83,9%) para este aprimoramento profissional é a busca por melhor qualificação. Trata-se de um dado importante, segundo o qual talvez a distância entre esses médicos estudados e os eventos relacionados ao tema seja a principal causa de lacunas existentes no conhecimento mais aprofundado da Ética Médica. Somente 12,2% dos médicos relataram ter participado de um evento do gêne ro no último ano.

Quanto à freqüência com que os médicos procuram ler artigos sobre ética, somente 2,4% (N = 2) responderam que, não procuram ler sobre o assunto. A grande maioria relata ter o hábito de ler ("freqüentemente" N = 33, 40,2%; "algumas vezes" N = 46;56,1%). Este dado confirma a importância que os médicos estão dando ao assunto Ética Médica.

Isto mostra que a publicação de artigos em revistas especializadas em ética, nas revistas de especialidades médicas ou em periódicos das organizações médicas é um instrumento importante na divulgação de conhecimentos.

Na questão 16, ficou evidente a importância das publicações das organizações médicas na difusão de conhecimentos sobre Ética Médica. Quase a metade dos médicos (43,9%) tem essas publicações como única fonte de informação sobre o assunto. Outros 26,8% também utilizam tais publicações, além deoutras fontes (internet ou internet/periódicos). A internet, isoladamente, não constitui uma fonte de informações importante para essa população médica (N=3; 3,7%). Este dado é interessante, pois reafirma a importância das publicações das organizações médicas, na forma impressa, para difundir informações e atualizar os médicos no interior do Estado.

Segundo alguns autores, 83,5% dos médicos brasileiros conhecem o CEMZI. Este número é inferior ao encontrado na população da cidadeestudada (91,5%).

Como resultado já esperado, todos os médicos (100%) acreditam apresentar atitudes éticas no exercício da profissão. Apesar de todos os médicos acreditarem possuir atitudes éticas, apenas8,5% (N = 7) deles negam conhecer algum colega que não atue de forma ética no exercício da profissão. Vinte e cinco médicos (30,5%) referem conhecer "muitos colegas" e 49 (59,8%) acreditam conhecer "alguns" colegas que não atuam de forma ética.

O CEM, em seu artigo 19, postula sobre a boa convivência: "O médico deve ter, para com seus colegas, respeito, consideração e solidariedade, sem, todavia, eximir-se de denunciar atos que contrariem os postulados éticos...". Portanto, deve-se refletir sobre esta situação "de que ninguém é, mas quase todos conhecem algum que o seja".

Questão referente à atuação do Cremesp: questão 20 (Anexo Anexo )

A maioria dos entrevistados (N = 44; 53,7%) considera regular a atuação do Cremesp na divulgação de conhecimentos sobre Ética Médica. Apenas 12 médicos (14,6%) estão insatisfeitos com esta atuação, e para 31,7% a atuação é excelente ou muito boa.

Deve ser do interesse dos Conselhos de Medicina (regionais ou federais) a adoção de políticas de educação médica continuada na área de Ética Médica, de modo não só a suprir a deficiência da formação acadêmica, mas também a dar escopo à missão institucional dos Conselhos: propugnar pela formação e pelo exercício ético da profissão2121. Orumond JGF. A formação ética do médico e a perspectiva profissional. Jornal Medicina . 2001; 128:8-9. Disponível em http://www.portalmedico.org.br
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.

Questão referente à satisfação pessoal: questão 21 (Anexo Anexo )

De uma escala de zero a 100, a moda foi a nota de 80 (N = 18; 22%). De forma geral, há boa satisfação pessoal com a própria profissão; a média foi a nota de 69. Dados do CFM2 mostram que 65,4% dos médicos brasileiros estão satisfeitos com a especialidade em que trabalham e 11,1% estão insatisfeitos. Se considerarmos satisfação com a profissão uma nota igual a 70 ou maior, teremos 65,9% de médicos satisfeitos nesta cidade, nota que aproxima muito a média desta cidade da média brasileira.

CONCLUSÃO

A população de médicos estudada apresentou algumas dificuldades nas questões clínicas hipotéticas sobre Ética Médica. Mais de um quin to dos médicos rasurou ou deixou em branco a questão do acidente automobilístico; na questão sobre o falecimento de paciente HIV positivo, quase 30% dos médicos orientariam a família a fazer um check-up de rotina (com o intuito, talvez, de manter o sigilo e ficar com a "consciência tranqüila"); 7,3% demonstraram desconhecer fundamentos do sigilo médico - um dos pilares em que se apóia o exercício da profissão em todo o mundo por mais de dois milênios; mais de 30% dos médicos demonstraram não saber lidar adequadamente com a questãoda autonomia do paciente adolescente na questão ligada ao assunto; outros quase 40% não souberam lidar com o conceito de autonomia no paciente Testemunha de Jeová na questão sobre a transfusão. No entanto, quase 94% dos médicos apresentaram um raciocínio adequado em relação à conduta frentea um paciente terminal. Na questão sobre o aborto, ficou evidente a tendência legalista do profissional atual.

Apesar de terem sido encontradas algumas lacunas no conhecimento sobre aspectos ético-médicos, existe uma clara demonstração por partedos médicos da importânciaque este assunto tem na atualida de: quase 85% consideram o assunto fundamental, e mais de 96% procuram ler artigos sobre Ética Médica. A distância entre as cidades do interior do Estado e grandes eventos sobre ética talvez seja a grande responsável pela não participação destes médicos em congressos ou cursos sobre o assunto (23,2% participaram de algum evento nos últimos três anos).

Na pesquisa ficou evidente a importância que têm os Conselhos Federal e Regional de Medicina, por meio de suas publicações, na difusão de conhecimentos sobre ética (quase 44% dos médicos têm essas publicações como fonte exclusiva de informação sobre Ética Médica). Ainda assim, mais da metade dos entrevistados considera regular a atuação do Cremesp na difusão de conhecimentos éticos da profissão.

Foi encontrado um índice de conhecimento do CEM nesta cidade superior à média nacional, porém as dificuldades perante situações clínicas existem e não são poucas. Isto mostra que o simples conhecimento do CEM não é suficiente para adequar o profissional médico à sociedade moderna. Também foi encontrado um bom grau de satisfação com a profissão entre os médicos desta cidade.

Com base na presente pesquisa, podem-se dar algumas sugestões:
  1. 1) Repensar como a disciplina de Ética Médica é abordada na graduação (quantitativa e qualitativamente), visto que a maneira como foi ministrada nas últimas décadas (baseada simplesmente no CEM) se mostrou insatisfatória para adequação do profissional à sociedade; 2) Tentar descentralizar da capital paulista alguns eventos sobre Ética Médica, para que profissionais das mais diversas partes do Estado possam ter a oportunidade de participar; 3) Os Conselhos de Medicina devem investir no tema de Ética Médica em suas publicações, pois estas são armas fundamentais na difusão deste conhecimento para o interior do Estado; 4) Os Conselhos de Medicina também devem incentivar os médicos a denunciar os "maus colegas", para dar fim ao estado letárgico e permissivista que os profissionais assumiram, que só ajuda a denegrir a imagem da classe; 5) Investir junto às delegacias regionais do Conselho e/ ou faculdades de Medicina do Estado, para que implantem programas de educação médica continuada na área de Ética Médica junto aos seus alunos e médicos da região.

AGRADECIMENTO

Ao Departamento de Bioética do Conselho Regional de Medicina do Estado de São Paulo (Cremesp), pelo apoio financeiro que possibilitou a realização desta pesquisa.

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Anexo

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2005

Histórico

  • Recebido
    13 Maio 2005
  • Revisado
    22 Out 2004
  • Aceito
    06 Dez 2004
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