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As Contribuições da Medicina Psicossomática à Formação Médica

The Contributions of Psychosomatic Medicine to Medical Education

Resumo:

O autor reviu as principais contribuições que a medicina Psicossomática oferece à formação do estudante de medicina. Destaca os conceitos envolvidos nas relações humanas no contexto médico, com enfoque na relação médico-paciente. Enfatiza a importância do estudo dos fenômenos envolvidos nas relações professor-aluno e aluno-paciente como meio de prevenção da ocorrência de iatrogenias, citando as maneiras pelas quais isso pode ser abordado no âmbito da Educação Médica, à luz das concepções psicossomáticas.

Palavras-chave:
Medicina Psicossomática; Psicologia Médica; Estudantes de Medicina

Abstract:

The author reviews the principal contributions of Psychosomatic Medicine to the undergradaute training of medical studenls. He highlights the concepts involved in human relations in the medical context, with a focus on the physician-patient relationship. He emphasizes the importance of studying the phenomena involved in student-professor and student-patient relations as a means of preventing iatrogenic events, citing ways by which the issue can be approached in medical education, in light of psychosomatic concepts.

Key-words:
Psychosomatic Medicine; Psychology, Medical; Students, Medical

INTRODUÇÃO

O termo Medicina Psicossomática, inicialmente utilizado apenas para aquelas doenças em cuja etio logia havia fatores psicofísicos envolvidos, tais como a úlcera péptica e a hipertensão arterial, tem hoje seu uso amplame difundido, uma vez que o enfoque nas idéias psicossomáticas ganha terreno na formação e prática médicas atuais11. Mello Filho J. Concepção psicossomática: visão atual. Rio de Janeiro: Casa do Psicólogo; 2002.,22. Franz A. Medicina psicossomática: princípios e aplicações. Porto Alegre (RS): Artes Médicas; 1989..·Embora a expressão "psicossomática" esteja consagrada, cogitou-se a sua substituição por outros termos ("Medicina da Pessoa", seg undo Perestrello33. Perestrello D. A medicina da pessoa. Rio de Janeiro / São Paulo: Atheneu; 1982.). De acor do com Ekstermam44. Eksterman A. Medicina psicossomática no Brasil. ln: Mello Filho J e cols. Psicossomática hoje. Porto Alegre (RS): Artes Médicas ;1992. p. 28-34, três são as vertentes teóricas da psicossomá tica: a Psicogênica, a Psicologia Médica e a Antropologia Médica. Assim, "a Medicina Psicossomá tica integra as pers pectivas da doença com sua dimensão psicológica; a relação médico-paciente, bem como seus múltiplos desdobramentos e a ação terapêutica voltada para a pessoa do paciente, este entendido como um todo biopsicossocial".

O movimento psicos omático no Brasil, inicialmente influenciado por conceitos oriundos da psicanálise, passou por inúm e ros avanços, sendo o se u braço clínico a disciplina de Psicologia Médica, atua lmente ministrada na maioria das universidades médicas. Assim, a Psicossomática pela própria dimensão conceitual presente em seu bojo - ganha espaço em outrns áreas da graduação médica, como a Clínica Médica, onde atua como fator primordial à melhor compreensão dos fenômenos envolvidos no paciente e no seu processo de adoecimento.

PSICOSSOMÁTICA E EDUCAÇÃO MÉDICA

O principal elo entre Medicina Psicossomática e formação universitária se estabelece a partir da disciplina de Psicologia Médica. Além de existir importante abordagem dos conflitos psicológicos envolvidos na graduação médica, esta disciplina se preocupa em estabelecer uma visão global do paciente, e, nesse âmbito, a psicossomática oferece ampla contribuição.

O estudo das relaçõ es humanas no contexto médico, mormente das relações médico-paciente e professor-aluno, se revestem de significativo valor para que o futuro médico possa enxergar o paciente como pessoa, compreendendo os conflitos psicossocias pertinentes ao processo de adoecer55. Millan LR, De Marco OL et al. O universo psicológico do futuro médico: vocação, vicissitudes e perspectivas. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1999.,66. Balint M. O médico, seu paciente e a doença. Rio de Janeiro / São Paulo: Atheneu ; 1988.. Conjectura-se que o ensino da Psicologia Médica não deva ocorrer tardiamente, visto que o aluno, já então com sua visão organicista devidamente estruturada, teria dificuldades em introjetar os conhecimentos advogados por esta disciplina. Mello Filho77. Mello Filho, J. Psicossomática, ensino e prática médica. J Bras Med 1976 abr.;30(4): 88-92. passou por essa experiência na UFRJ quando o curso era ministrado no 3° ano da graduação médica, fase em que ocorrem múltiplas mobilizações emocionais no aluno, em virtude, principalmente, do contato com o paciente.

É fato que, hoje, ganha mérito no processo terapêutico a abordagem dos fenômenos psicodinâmicos presentes na relação médico-paciente, aspecto defendido inclusive pelas disciplin as pré-clínicas88. porto, cc. Semiologia médica. Rio de Janeiro: Guanabara Koogan; 2001.. Igualmente, no contato do aluno com o paciente, que ocorre geralmente no 3° ano na maioria das universidades, uma série de conflitos se desenvolvem no jovem estudante. Como o primeiro paciente com o qual o aluno se depara é um cadáver, estabelece-se o estereótipo de um paciente ideal: é aquele que não incomoda, que é passive e tolerante* * Posteriormente, o aluno vai exigir do paciente que este seja passivo e obediente, que não reivindique e não incomode, e poderá se mostrar até mesmo agressivo se o paciente não obedecer a este modelo de “tolerância”. . Soma-se a isso o fato de que as metodo logias pedagógicas aplicadas atualmente nas instituições privilegiam o ensino predominantemente teórico, não vinculado à prática, fazendo do aluno um decorador de fórmulas, conceitos e teorias ensinados de forma fragmentada, ao passo que, quando o estudante entra em contato com o paciente (e, obviamente, com todos os conflitos que este traz consigo), tem apenas um a visão organicista do mesmo, isto é, está preparado para ver doenças e não doentes.

O Relatório Flexner55. Millan LR, De Marco OL et al. O universo psicológico do futuro médico: vocação, vicissitudes e perspectivas. São Paulo: Casa do Psicólogo; 1999., publicado em 1910, fixando as diretrizes de ensino nos Estados Unidos e adotado nas instituições de ensino brasileiras, contribui para agravar a questão da dicotomia mente-corpo ao preconizar a separação entre o ensino básico e o clínico; a ênfase no papel do professor, marginalizando a importância do aluno no contexto do processo ensino-aprendizagem; a ausência de coordenação entre as disciplinas, além da indução à es pecialização precoce do aluno, o que, efetivamente, pode contribuir para reduzir o interesse dele por determinadas disciplinas curriculares. A psicossomática, então, vai ao encontro dos anseios educacionais modernos, como, por exemplo, as sessões tutoriais do Problem Based Lenrning (PBL)99. Komatsu RS, Zanolli MB et al. Aprendizagem baseada em problemas. ln: Marcondes E,Lima-Gonçalves E. Educação médica. São Paulo: Sarvier;1998. p.223-235..

O estudo aprofundado da dinâmica da relação medico-paciente, que procuramos delinear de forma sucinta a seguir, constitui um dos principais legados da psicossomática para a formação do futuro médico.

FENÔMENOS PSICOSSOMÁTICOS DA RELAÇÃO MÉDICO-PACIENTE

Dos processos envolvidos no cerne da relação médico­paciente, muitos derivam de estudos psicanalíticos. Diz-nos Perestrello a respeito do ensino dos conhecimentos teóricos, com base em sua experiência na Divisão de Medicina Psicossomática da UFRJ (Departamento de Medicina Interna)33. Perestrello D. A medicina da pessoa. Rio de Janeiro / São Paulo: Atheneu; 1982.:

Partindo do princípio de que a Aprendizagem é modificação de conduta, é fácil verificar que pouco adiantam os conhecimentos de ordem intelectual em Psicologia Médica e Medicina Psicossomática se eles não forem experimentados na prática clínica do estudante ou do médico. Não somente pouco adiantam como frequentemente(...) representam obstáculo para a verdadeira mudança de conduta, afastando o estudante do objetivo visado.

Cabe aqui acrescentar a importância do conhecimento acerca dos fenômenos da relação médico-paciente nas diversas disciplinas curriculares pré-clínicas e clínicas, que lidam diretamente com o paciente no seu ambiente (ambulatório, pronto-socorro, enfermarias, UTI, domicílio, etc.).

Perestrello nos ensina ainda que se deve estabelecer uma relação transpessoal entre o médico (estudante) e o enfermo. Nesse contexto, as condições de ordem somática e psíquica que es truturaram sua condição mórbida merecem ser abordadas. Portanto, o estabelecimentode uma adequada relação médico-paciente passa, indubitavelmente, por uma boa formação acadêmica1010. Castro FC. Os temores na formação e prática da medicina: aspectos psicológicos. Rev Bras Educ Med 2004, 28(1): 38-48..

Nesse contexto,o advento da psicanálise permitiu o estudo aprimorado das relações humanas1111. Mello Filho J . Concepção psicossomática e visão atual. J Bras Med 1976 abr.; 30(4): 70-86., que se realizam por meio do mecanismo básico ilustrado na Figura 1.

Figura 1
Mecanismo básico das relações humanas

Através do mecanismo de introjeção, surge o processo de identificação (identificação introjetiva), enquanto a projeção também se relaciona com os processos de identificação. Médico e paciente estabelecem entre si mecanismos mútuos de projeção e introjeção. Uma introjeção total do paciente leva à identificação total, culminando com a compreensão (ou empatia) do enfermo. Por outro lado, identificações parciais permitem que o relacionamento do médico se dê com apenas uma "parte" do paciente, conforme ocorre, por exemplo, numa doença somática11. Mello Filho J. Concepção psicossomática: visão atual. Rio de Janeiro: Casa do Psicólogo; 2002.. Relutando em admitir suas fraquezas, o médico deixa de estabelecer uma relação empática com seu paciente, de modo que ambos não se permitem o envolvimento mútuo quanto a seus respectivos conflitos psicológicos. Uma identificação parcial passa a ser, portanto, fonte de iatrogenias1212. Arruda PV. Relação médico-paciente: o ponto de vista do psiquiatra. ln: Marcondes E, Lima-Gonçalves, E. Educação Médica. São Paulo: Sarvier ; 1998.. Balint foi um dos maiores estudiosos do assunto, identificando, por exemplo, os diversos níveis de diagnóstico presentes numa consulta médica, em que o conhecimento acerca da personalidade e do significado da doença para o paciente é de suma importância. Balint identificou processos que são também fonte de iatrogenias, tais como o "rodízio de médicos" (quando o paciente percorre diversos profissionais em busca do estabelecimento de uma boa relação médico­paciente) e o "conluio do anonimato" (quando médico e paciente, inconscientemente, acordam entre si que não se envolverão afetivamente).

O tipo de doença apresentada também influencia o estabelecimento da relação médico-paciente1313. Guimarães TMM, Júnior PGN. A relação médico-paciente e seus aspectos psicodinâmicos. Bioética 2003; 11(1):p.101-112.. Doenças de pouca gravidade e duração demandam uma relação médico-paciente superficial e efêmera. O contrário ocorre com pacientes portadores de doenças de maior gravidade e duração, onde os mecanismos afetivos ganham relevância.

O paciente traz consigo uma série de conflitos psíquicos relacionados ao adoecer, entre os quais a transferência, que se caracteriza pelo conjunto de sentimentos, emoções e concepções passados ou presentes que o paciente transfere ao médico. Figuras da infância do paciente podem ser reconhecidas no médico, como o pai autoritário ou a mãe dedicada e atenciosa, por exemplo. Já a contratransferência consiste no conjunto de sentimentos oriundos do médico que são dirigidos ao paciente. Esses fenômenos podem ser positivos ou negativos, e podem desencadear diferentes repercussões no processo terapêutico. Quando se tornam patológicos (negativos, portanto), favorecem o desencadeamento de processos iatrogênicos.

Debilitado, repletode conflitos, o paciente procura alguém que possa lhe oferecer suporte, de modo que as expectativas com relação à consulta ganham relevância. A regressão, mecanismo de defesa comumente presente, constitui uma espécie de retorno às etapas iniciais do desenvolvimento, em que o paciente adota uma posição dependente, tal como uma criança. Trata-se de um mecanismo dos mais arcaicos, que pode ser entendido como uma "fuga"de uma situação real, ou seja, o paciente idealiza uma situação negando a presença da doença. De acordo com sua intensidade, esse mecanismo pode dificultar de modo significativo o processo terapêutico.

Finalmente, o indivíduo que lança mão da racionalização procura, na verdade, se esquivar dos processos emocionais relacionados à sua doença, passando, então, a buscar uma explicação lógica e racional para tudo o que acontece no seu processo de adoecimento.

Existem outros modelos que definiriam a relação médico­paciente, tais como os modelos da atividade-passividade (que engloba: a) atitudes passivas do paciente, a exemplo do atendimento nas unidades de emergência; b) respeito à autoridade do médico e participação mútua recíproca no processo terapêutico), da distância psicológica e quanto ao grau de contato1414. Martins MCFN. Relação pro fissional-paciente: subsídios para profissionais de saúde. Psychiatry on-line Brazil, 1997, 2(3). Disponível em: http://www.polbr.med.br/arquivo/azira.html
http://www.polbr.med.br/arquivo/azira.ht...
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RELAÇÃO PROFESSOR-ALUNO

Este tipo de relacionamento humano mantém íntima afinidade com a relação médico-paciente5, uma vez que o professor- além de atuar como um modelo para o aluno (processo de identificação) por int ermédio de suas atitudes, gestos, comportamentos, etc. - deve ter em mente que tais processos se repetirão no relacionamento do futuro médico com seus pacientes.A relação professor-aluno deve ser tão valorizada quantoa relação que esse professor estabelece com seus pacientes.

Nesse âmbito, Cruz1515. Navarro EC. Formando médicos da pessoa - o resgate das relações médico-paciente e professor-aluno. Rev Bras Educ Med 1997; 21 (2 / 3): 22-28. afirma que o resgate da relação médico-paciente passa pela recuperação da relação professor-aluno, de tal forma que somente se este aluno for percebido como pessoa é que terá condições de perceber o paciente também como pessoa. Em seu trabalho, sustenta que os docentes devem buscar um modelo de relacionamento mais humano perante os alunos, pois existem inúmeros fenômenos semelhantes presentes em ambos os tipos de relações (transferência, contratransferência, identificação e conluio, por exemplo). Ainda na esfera desses conceitos, acrescenta: "as relações médico-paciente e professor-aluno são, em geral, assimétricas e desiguais, e nelas, se não estivermos atentos, podem ocorrer desrespeito e abuso de poder". Aqui, entramos novamente no campo dos fatores condicionantes da iatropatogenia (processo maléfico causado no paciente em conseqüência da má atuação do médico) ou d idatopatogenia, quando envolve processos iatrogênicos oriundos do próprio ensino.

Rocco1616. Rocco RP. O estudante de medicina e o paciente. [Tese]. Rio de Janeiro, Achiamé; 1979. afirma que os alunos já trazem os vícios do segundo grau (ensino médio) e, na universidade, se deparam com um modelo em que "os docentes se tornam meros repetidores da experiência alheia, lida e ouvida em livros, revistas e estágios no exterior". O autor critica o que denominou ensino "bancário" - baseado na passividade do aluno, que passa horas assis tindo às aulas teóricas - , enfatizando a perspectiva do modelo de ensino problemático, questionador, em que o aprendizado seja mútuo.

Consoante estudo de Sá1717. Sá LSM. Ética do professor de medicina. Bioética 2002; 10 (1): 49-84., a relação professor-aluno, do ponto de vista bioético, se estabelece num contexto dissimétrico quanto a diversas nuances (afetividade, autonomia, poder obrigações e responsabilidades). Tal como a relação médico-paciente, a relação professor-aluno não é uma relação de iguais, tendendo a sociedade a atribuir mais poder ao professor que ao aluno. Para a medicina, isso reforça o caráter autoritário que o futuro médico já possui perante o paciente.

A PSICOSSOMÁTICA E A ABORDAGEM DA IATROGENIA

À luz da relação médico-paciente, a psicossomática nos fornece conceitos de grande valor para a compreensão dos fenômenos iatrogênicos - embora o termo "iatrogenia" não seja o mais apropriado para descrever os processos desencadeados no paciente oriundos da má prática médica (o termo iatropatogenia seria mais apropriado)1818. Tavares FM. Repercussões da iatrogenia na relação médico-paciente, tema livre apresentado no XVI Cong res so Brasileiro de Medicina Psicossomática, Mai. 2002.. Luchina1919. Ferrari H, Luchina N. La interconsulta médico-psicológica en el marco hospitalário. Buenos Aires (AR): Nueva Vision; 1971., corroborando trabalhos anteriores de Balint, afirma que "a única coisa aceita tacitamente na relação médico-paciente é que o médico é sempre iatrogênico, em maior ou menor escala". De qualquer modo, convém analisarmos suas causas e repercussões na prática médica1818. Tavares FM. Repercussões da iatrogenia na relação médico-paciente, tema livre apresentado no XVI Cong res so Brasileiro de Medicina Psicossomática, Mai. 2002.. Mello Filho elaborou importante estudo sobre o tema7, abordando a questão da indução introgênica11. Mello Filho J. Concepção psicossomática: visão atual. Rio de Janeiro: Casa do Psicólogo; 2002.. Quandoa dinâmka da relação médico-paciente fica abalada, desestruturandoo processo contratransferencial, por exemplo, a ligação entre o médico e seu paciente se torna muito intensa. Assim, a iatrogenia aconteceria à medida que a identificação introjetiva se tornasse tão intensa ao pontode médico e paciente se manterem "entranhados".

Outros fatores ligados à formação médica condicionantes à ocorrência de iatrogenias são: abordagem fragmentada (centrada no aspecto organicista) do paciente, impedindo que o aluno o "enxergue" como um todo biopsicossocial; rodízio de acadêmicos nas enfermarias e ambulatórios1818. Tavares FM. Repercussões da iatrogenia na relação médico-paciente, tema livre apresentado no XVI Cong res so Brasileiro de Medicina Psicossomática, Mai. 2002., atitude tão frequente em nosso meio, que não há possibilidade de estabelecer um vínculo afetivo entre o estudante e o enfermo; discussão de casos clínicos diante dos pacientes, deixando-os em situações constrangedoras; falta de apoio ao aluno por pnrte dos docentes frente à emergência de conflitos emocionais quando o estudante entra em contato com os pacientes (crise do 3° ano); supervalorização, nas enfermarias, de certos "casos novos", em detrimento de outros menos "interessantes", o que leva a sentimentos de ciúme e rejeição nos pacientes; despreparo do aluno para lidar com questões ligadas à morte; desconhecimento do discente acerca dos atributos dos médicos, destacando-se a capacidade para se deprimir e reconhecer no erro uma forma de aprendizado e não de fracasso, pois, reconhecendo suas falhas e limitações, o médico procurará corrigi-las e se aprimorar.

Finalmente, Capisano2020. Capisano H F. Manifestações iatrogênicas: conflitos neuróticos do médico prejudicam o paciente. Ars Curandi 1969; 2(38)., um dos pioneiros da Psicossomática no Brasil, afirma que determinados conflitos neuróticos do médico, como o sadismo inconsciente, desencadeiam iatrogenias. Salienta que as especialidades possuem possibilidades iatrogênicas pelo sadismo dos que a praticam, citando o exemplo dos pediatras, que podem exagerar nas recomendações, favorecendo o aparecimento de sintomas nas crianças, como dores epigástricas, náuseas, vômitos e anorexia.

O tema da iatrogenia, difundido pela Medicina Psicossomática e bastante impactante em nosso meio, vem adquirindo importância na medida em que a sociedade cobra uma postura mais ética dos médicos.

CONCLUSÕES E PERSPECTIVAS

Muitas são as preocupações dos estudiosos de Educação Médica quanto aos modelos de ensino atualmente adotados pelas instituições médicas. A concepção psicossomática traz diversascontribuições para que a formação médica esteja mais voltada para as questões humanas e os conflitos do paciente.

O ensino, nesse contexto, deve estar centralizado na figura do aluno. Toma-se imperioso que o ensino médico aborde os aspectos emocionais relacionados ao processo de adoecer, o que engloba, necessariamente, uma visãoholística do paciente. A disciplina de Psicologia Médica era, em seus primórdios, a única via de comunicação entre a psicossomática e a graduação médica. Hoje, o legado psicossomático difunde-se pelas disciplinas correlatas, procurando na interdisciplinaridade um caminho seguro para atingir seus objetivos. Os grupos de reflexão da prática médica, inspirados na idéias de Balint, constituem importantes mecanismos em que os fatores psicossomáticos podem ser trabalhados. Com esses grupos, há uma integração maior entre os estudantes das áreas básicas, clínicas e, inclusive, entre alunos das outras áreas da saúde, numa perspectiva interdisciplinar, que engloba todos os tipos de relacionamentos no contexto da formação médica. Assim, os inúmeros conflitos psicológicos do aluno ao longo do curso (como a crise do 3° ano, quando inicia os primeiros contatos com os pacientes) têm espaço para serem discutidos nos grupos de reflexão.

As perspectivas atuais giram em tomo da expansão e do aprimoramento dos princípios psicossomáticos para outras disciplinas, como Bioética, Clínica Médica, Pediatria, Geriatria e demais disciplinas clínicas e cirúrgicas, num permanente processo que culminará com a formação de profissionais mais humanos, que valorizarão a relação médico-paciente, a família e a sociedade como os principais mecanismos envolvidos no processo terapêutico.

AGRADECIMENTOS

Ao professor Julio de Mello Filho, pioneiro do ensino de Psicologia Médica e grande promotor do movimento da Medicina Psicossomática em nosso país, os meus sinceros agradecimentos pelo incentivo e pela orientação na revisão deste texto.

REFERÊNCIAS

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    Capisano H F. Manifestações iatrogênicas: conflitos neuróticos do médico prejudicam o paciente. Ars Curandi 1969; 2(38).
  • *
    Posteriormente, o aluno vai exigir do paciente que este seja passivo e obediente, que não reivindique e não incomode, e poderá se mostrar até mesmo agressivo se o paciente não obedecer a este modelo de “tolerância”.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    22 Abr 2020
  • Data do Fascículo
    Jan-Apr 2005

Histórico

  • Recebido
    15 Set 2004
  • Revisado
    08 Nov 2004
  • Aceito
    06 Dez 2004
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