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Quem enxerga a população LGBT encarcerada? (a lgbtfobia institucional sob a perspectiva da criminologia crítica queer)

Who sees the imprisoned LGBT population? (Institutional lgbtphobia from the perspective of queer critical criminology)

Resumo

O presente artigo se propõe a analisar as condições de encarceramento da população LGBT no Rio de Janeiro a partir da Criminologia Crítica Queer. Foram analisados relatórios de instituições da execução penal bem como a jurisprudência do TJRJ, STJ e STF. Apesar da reduzida quantidade de dados obtida, foi possível compreender como a lgbtfobia institucional é operacionalizada por meio da gestão de (in)visibilidades e de uma dogmática lgbtfóbica.

Palavras-chave:
Criminologia Crítica Queer; Lgbtfobia institucional; Prisão

Abstract

This article aims to analyze the conditions of incarceration of the LGBT population in Rio de Janeiro from the perspective of Critical Queer Criminology. Reports from criminal enforcement institutions were analyzed, as well as the jurisprudence of the TJRJ, STJ and STF. Despite the small amount of data obtained, it was possible to understand how institutional LGBTphobia is operationalized through the management of (in)visibilities and an LGBTphobia dogmatics.

Keywords:
Queer Critical Criminology; Institucional lgbtphobia; Prison

Introdução

O presente artigo aborda o tema do encarceramento da população LGBT numa perspectiva da Criminologia Crítica Queer. Propõe-se analisar, a partir da Criminologia Crítica, os dados disponíveis das condições da privação de liberdade desses sujeitos no estado do Rio de Janeiro e identificar como a lgbtfobia institucional (lgbtfobia judicial e lgbtfobia administrativa) se reproduz no cárcere fluminense.

Embora não existam dados oficialmente divulgados pela Secretaria Estadual de Administração Penitenciária do Rio de Janeiro, a pesquisa documental foi possível através da consulta à base de dados “Luz no Cárcere”1 1 Conforme informação retirada do site: “O projeto Luz no Cárcere tem por objetivo dar maior visibilidade e inteligência a dados que permitam um melhor conhecimento da realidade do sistema carcerário. Nesta página, é possível visualizar de maneira simples e direta as principais informações sobre o sistema prisional do Estado do Rio de Janeiro, colhidas in loco pelos Promotores Justiça, em visitas trimestrais às unidades prisionais.” (MPRJ) mantida pelo Ministério Público do Rio de Janeiro. Neste site, estão compilados os relatórios elaborados pelos órgãos estaduais da execução penal (Vara de Execuções Penais, Defensoria Pública, Ministério Público e Secretaria de Administração Penitenciária) e pelos órgãos administrativos de monitoramento e fiscalização do sistema penitenciário (Departamento Penitenciário e Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura). Também foram consultados relatórios da Anistia Internacional e do Conselho Nacional de Justiça, totalizando mais de 220 documentos. A pesquisa foi realizada, no ano de 2019, nos documentos disponibilizados nos sites à época, produzidos entre 2011 e 2017.

Para verificar se foram adotadas providências concretas de enfrentamento às situações de violência lgbtfóbica institucional registradas nos relatórios, foram efetuadas, na segunda fase da investigação, pesquisas jurisprudenciais no Supremo Tribunal Federal (STF), no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e no Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ). Na instância ordinária, foi encontrado somente um julgado e, nos tribunais superiores, foram encontradas 9 decisões (sendo 7 no STJ e 2 no STF) que não se referiam a casos do Rio de Janeiro. Inicialmente, não foi estabelecido um marco temporal para a pesquisa. No entanto o tema só começa a aparecer nos relatórios e nos julgados a partir de 2015 demonstrando que as instituições públicas deram visibilidade e notoriedade ao assunto recentemente.

As técnicas de pesquisa utilizadas permitiram delinear um panorama das iniciativas institucionais voltadas à garantia dos direitos da população LGBT privada de liberdade e ao enfrentamento da violência lgbtfóbica. A partir da identificação dos sofrimentos e das violências suportadas por esses sujeitos, será possível demonstrar a importância da construção de políticas públicas voltadas à efetivação dos direitos LGBTs no cárcere.

A análise teórica a partir da Criminologia Crítica Queer, por sua vez, possibilitará refletir sobre o sistema penal e os discursos jurídicos que fazem circular normas de gênero e sexualidade, além da manutenção das estruturas econômicas da sociedade. Dessa maneira, será verificada a presença de argumentos lgbtfóbicos na construção do discurso jurídico, sobretudo nos julgamentos de demandas envolvendo direitos da população LGBT encarcerada.

Apresentaremos, em primeiro lugar, o diálogo entre Criminologia Crítica e Teoria Queer como referenciais de análise da violência lgbtfóbica em sua dimensão institucional e estrutural, cujo resultado é a construção de sistemas de controle fundados em um ideal de masculinidade hegemônico.

Após a apresentação dos dados de pesquisa, serão analisados os discursos e as práticas lgbtfóbicas presentes no cotidiano das instituições de privação de liberdade e do poder judiciário, demonstrando que a violência institucional observada no cárcere também é atravessada por dimensões lgbtfóbicas ao categorizar e hierarquizar sujeitos dissidentes da cisheteronorma2 2 Os sujeitos cisgêneros são aqueles que expressam uma identidade de gênero correspondente ao sexo que lhe foi designado ao nascer. Um sistema cisheteronormativo, portanto, é aquele que privilegia sujeitos cisgêneros e heterossexuais, estabelecendo que os sujeitos atendam aos padrões impostos para que sejam reconhecidos e respeitados. violando-lhes direitos em razão de suas identidades transgressoras. Como se observará, a violência lgbtfóbica no âmbito das instituições públicas se manifesta não só por agressões físicas, sexuais e verbais, mas também de forma sutil e simbólica por meio da invisibilização dos sujeitos e de suas demandas.

1. A viabilidade da criminologia crítica queer

A Criminologia Crítica Queer permite a aproximação entre dois campos de estudo que aparentemente parecem ter objetos de análise incompatíveis: a Criminologia Crítica, direcionada à análise das funções políticas e econômicas dos processos de criminalização; e a Teoria Queer, voltada para os processos de subjetivação norteados por normas de gênero e de sexualidade. Na confluência, a Criminologia Crítica Queer se ocupa das violências estrutural e institucional que se manifestam nos mecanismos de controle social através da projeção de “um ideal de masculinidade hegemônico” (CARVALHO, 2012a, p. 161). Assim, procura tensionar os discursos criminológicos tradicionais a partir da crítica à lgbtfobia para avaliar “as condições de possibilidade de reconhecimento de uma criminologia queer (queer criminology) ou desenvolvimento de uma abordagem queer na criminologia (queering criminology)” (CARVALHO, 2012a, p. 152).

Dessa maneira, procuramos refletir sobre como o sistema penal também faz circular e normaliza discursos de gênero e sexualidade, sofisticando a hierarquização de sujeitos junto às estruturas de classe. O objeto de análise será, portanto, a violência lgbtfóbica, compreendida em três dimensões: a) a violência interpessoal (violência contra a pessoa e sexual); b) a violência institucional (Estado lgbtfóbico); e c) a violência simbólica (cultura e gramática heteronormativa) (CARVALHO, 2012a3 3 Em seus textos anteriores (CARVALHO, 2012a; CARVALHO, 2012b), o autor utilizou de forma genérica o termo violência homofóbica. Mais recentemente (CARVALHO/WEIGERT/BARBOSA/SOARES, 2020), ao mesmo tempo em que ampliou, especificou a categoria para dar maior representatividade aos sujeitos objeto deste tipo de crime de ódio (CARVALHO, 2012b). ). O ponto de convergência situa-se no entendimento de que ambas as perspectivas prático-teóricas (criminologia crítica e teoria queer) questionam e buscam desconstruir sistemas de privilégios e de desigualdades estruturantes da sociedade ocidental e capitalista, tanto na análise do sistema de classes quanto na crítica aos padrões biológicos e culturais impostos com base no sexo e no gênero. A aproximação entre esses campos teóricos permitirá, portanto, pensar nas diferentes violências vivenciadas pela comunidade LGBT e refletir sobre o papel das instituições na sua reprodução e manutenção.

Apresentada a justificativa (e a defesa) da Criminologia Crítica Queer, faz-se necessário destacar cada uma das suas contribuições para a discussão proposta.

A Criminologia Crítica desenvolve-se na segunda metade do século passado, marcando a passagem de uma abordagem microssociológica para uma perspectiva macrossociológica nas ciências criminais ao desvelar como as estruturas sociais edificam os sistemas belicistas de controle social (“combate ao crime e à criminalidade”). Como afirma Cirino (s.t.), existe uma correspondência dialética entre as relações econômicas, as relações políticas e relações jurídicas. Abandona-se, então, o paradigma etiológico do estudo das causas individuais da criminalidade para voltar a atenção para os processos de criminalização, privilegiando o estudo da violência institucional. Albrecht conclui que, ao voltar os olhos ao Estado, ao Direito e aos órgãos de persecução penal, a Criminologia Crítica reconhece “que a criminalidade, como fenômeno social, é ativamente produzida pela persecução penal estatal” (ALBRECHT, 2010ALBRECHT, Peter-Alexis. Criminologia - uma fundamentação para o direito penal. Trad. Juarez Cirino dos Santos e Helena Schiessl Cardoso. Curitiba/Rio de Janeiro: ICPC/Lumen Juris, 2010., p. 26).

A Criminologia Crítica situa a criminalização de condutas no contexto das relações de poder de modo a evidenciar como o sistema penal cumpre uma importante função na manutenção da estrutura política, econômica e social (BATISTA, 2011BATISTA, Nilo. Introdução crítica ao direito penal brasileiro. 12ª ed, rev. e atual. Rio de Janeiro: Revan, 2011.). Conforme explica Alessandro Baratta, ao questionar o paradigma etiológico, “a criminologia crítica historiciza a realidade comportamental do desvio e ilumina a relação funcional ou disfuncional com as estruturas sociais, com o desenvolvimento das relações de produção e de distribuição” (BARATTA, 1999BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 2ª ed. trad. Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Ed. Freitas Bastos e Instituto Carioca de Criminologia, 1999., p. 160).

Desde uma perspectiva analítica de base econômico-estrutural, a crítica desfaz o mito de que o direito penal opera de maneira isonômica, incidindo indistintamente em todos os indivíduos que praticaram delitos. A criminalidade deixa de ser um aspecto individual do sujeito para ser encarada como resultado de um processo histórico em que as classes dominantes definem seus inimigos atribuindo-lhes o status de criminoso. Alessandro Baratta situa os processos de criminalização política e econômica demonstrando que o sistema penal funciona para atender aos interesses da classe social dominante com a finalidade de perpetuar as desigualdades sociais e econômicas (BARATTA, 1999BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 2ª ed. trad. Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Ed. Freitas Bastos e Instituto Carioca de Criminologia, 1999.).

O autor demonstra que o sistema penal opera em dois movimentos de criminalização que acontecem em momentos distintos, mas igualmente de forma seletiva: criminalização primária, no âmbito legislativo; e criminalização secundária, na esfera das agências de persecução penal. Essa dupla seletividade culmina na realidade carcerária que funciona como dispositivo disciplinador dos sujeitos que não estão inseridos na estrutura produtiva do sistema capitalista. Assim, “o cárcere representa, geralmente, a consolidação definitiva de uma carreira criminosa” (BARATTA, 1999BARATTA, Alessandro. Criminologia crítica e crítica do direito penal: introdução à sociologia do direito penal. 2ª ed. trad. Juarez Cirino dos Santos. Rio de Janeiro: Ed. Freitas Bastos e Instituto Carioca de Criminologia, 1999., p. 167); ou, como sintetiza Foucault em “Vigiar e Punir”, “a penalidade não ‘reprimiria’ pura e simplesmente as ilegalidades; ela as ‘diferenciaria’, faria sua ‘economia’ geral” (FOUCAULT, 2011FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 39ªed. Petrópolis: Vozes, 2011., p. 258).

Se a Criminologia, em sua vertente crítica, apresenta o sistema penal como o principal instrumento para a manutenção das relações de poder e de dominação, a Teoria Queer qualificará esses sistemas de dominação, demonstrando que as classes privilegiadas também exercem o controle através de padrões de gênero e de sexo.

A Teoria Queer sustenta que as normas sociais e jurídicas se sustentam no heterossexismo e funcionam como dispositivos de controle dos gêneros e sexualidades. A heteronormatividade se concretiza nos binarismos homem/mulher, sexo/gênero, heterossexual/homossexual. São essas (hetero)normas que categorizam os sujeitos como normais ou abjetos/anormais, garantindo apenas aos primeiros o respeito aos direitos positivados. Semelhante, portanto, ao processo de criminalização dos sujeitos subalternos escolhidos como inimigos, conforme decifrado pela Criminologia Crítica.

O pensamento queer ganha destaque na década de 1980, nos Estados Unidos, a partir do intenso diálogo entre a academia e os movimentos sociais que buscavam questionar as pautas liberais LGBTs de aceitação ou inclusão (luta pela igualdade formal). Para além da garantia formal dos direitos, o foco das Teorias Queer será o de aprofundar o questionamento das regras, valores sociais e convenções culturais que manifestam forças autoritárias e preconceituosas (MISKOLCI, 2017MISKOLCI, Richard. Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças. 3ª ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: UFOP, 2017.).

Segundo Miskolci (2017)MISKOLCI, Richard. Teoria Queer: um aprendizado pelas diferenças. 3ª ed. rev. e ampl. Belo Horizonte: UFOP, 2017., a Teoria Queer pretende dar visibilidade às violências e injustiças dos processos de imposição das normas sociais e culturais e que implicam a construção das categorias “normal” e “anormal”. Assim, a nova perspectiva teórica atinge o cerne dos processos de produção normativa e de construção dos sujeitos, não mais defendendo que os considerados dissidentes só sejam aceitos quando estiverem de acordo com as normas sociais.

Destaca-se, ainda, que a criação dos sujeitos normais e anormais não será operacionalizada exclusivamente por meio do exercício de um poder repressor e ostensivo. Ao contrário, a instituição de normas de gênero e de sexualidade é mediada por tecnologias de poder disciplinar que funciona de modo relacional e dinâmico.

Judith Butler, referência na Teoria Queer, ao pensar os discursos culturais e científicos de gênero e sexo, revela que existe uma ordem compulsória do sexo/gênero que define o sexo como produto da biologia e o gênero como o resultado das inscrições culturais sobre o corpo biológico (BUTLER, 2003BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.). As normas que definem o sexo e o gênero como fixos e determinados constituem um discurso limitador das “possibilidades das configurações imagináveis e realizáveis do gênero na cultura” (BUTLER, 2003BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003., p. 28).

São esses critérios que fundam um discurso cultural hegemônico e estabelecem estruturas binárias (homem/mulher, hetero/homossexual, normal/anormal, sujeito/abjeto), formuladas como linguagem universal, que traçam os limites do que será aceito e reconhecido como normal. Assim, “a coerção é introduzida naquilo que a linguagem constitui como o domínio imaginável do gênero” (BUTLER, 2003BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003., p. 28).

A definição dos sujeitos jurídicos é uma prática discursiva que envolve processos de legitimação e de exclusão (BUTLER, 2003BUTLER, Judith. Problemas de Gênero: feminismo e subversão da identidade. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2003.). À medida que se reconhece um grupo enquanto sujeitos de direitos, se está também a estabelecer aqueles que não são sujeitos, ou seja, aqueles que são abjetos. A outra face da afirmação de uma norma e do reconhecimento de um sujeito é a exclusão e a invisibilidade de tantos outros que não atendem o discurso hegemônico.

Butler entende que a definição de uma identidade é uma prática discursiva e como tal produz exclusões. A representação por meio da linguagem, portanto, tem duas funções: serve como termo operacional nas disputas políticas para conferir visibilidade e legitimidade e cumpre a função normativa que inclui/exclui identidades. Exatamente por isso, Timm de Souza reivindica que a tarefa do pensamento crítico, em qualquer âmbito, é a de problematizar a forma e a legitimidade das definições, a partir da percepção de que a violência é inerente ao conceito e ao logos (definição), visto que afirmar o ser é, inerente e paradoxalmente, excluir o não-ser, pois definir é também dar fim, criar barreiras:

A grande história, na qual o Idealismo tantas esperanças depositou, e a qual Hegel elevou a alturas insuspeitadas, não é, portanto, mais do que uma parcialidade precária, uma parcela apenas da realidade que se hipertrofia e preenche a totalidade dos espaços, transformando-se por sua vez em Totalidade, em uma dinâmica de violência. Mas não uma parcela ingênua da realidade, porém exatamente aquela que tomou para si, desde as auroras do logos, a tarefa de condução e de de-finição do mundo. De-finiu como que de uma vez para sempre Ser e Não-ser: é hora de investigar a legitimidade desta De-finição. (SOUZA, 2021SOUZA, Ricardo Timm. Justiça em seus Termos: dignidade humana, dignidade do mundo. 2. ed. São Paulo: Tirant lo Blanch, 2021., p. 33)

Nesses termos, não é difícil perceber que a análise queer não se restringe aos processos interpessoais e individuais. Butler já havia sinalizado em “Problemas de Gênero” (2003) que a segregação dos sujeitos com base no gênero e na sexualidade é uma prática cultural e política que tem como substrato as normas jurídicas editadas pelo Estado. No livro “Quadros de Guerra” (2016), a autora amplia a perspectiva para discutir como o Estado e suas instituições mantêm a situação de violência institucional e arbitrariedades a partir dos processos de reconhecimento de quem pode viver e de quem pode morrer (de-finição)4 4 Os processos de reconhecimento de vida descritos por Butler remetem à noção de biopoder trabalhada por Michel Foucault no livro História da Sexualidade (2015) e, principalmente, na obra Em defesa da sociedade (2005). O biopoder começa a se desenvolver no século XVII complementando o poder soberano que se caracteriza pelo “fazer morrer e deixar viver”, ou seja, o soberano detinha o poder sobre a vida e sobre a morte de seus súditos (FOUCAULT, 2005, p. 87). O biopoder é produtivo, destinando-se à gestão e garantia da vida, sintetizado pela fórmula “fazer viver e deixar morrer” (FOUCAULT, 2015, p.150). A morte, no âmbito do biopoder, passará a ser operacionalizada pelo racismo de estado através do qual se eliminam as raças inferiores que representam perigo à espécie. O racismo se caracteriza como mecanismo fundamental de poder determinando quem deve morrer e quem deve viver (FOUCAULT, 2005, p. 304). . Os processos de reconhecimento pressupõem, portanto, a mútua percepção do outro enquanto pessoa, enquanto vida que merece ser vivida.

O reconhecimento será operado por esquemas normativos (enquadramento) produzidos tanto pelas relações sociais quanto pelo Direito – através de normas e julgamentos que não são neutros e isonômicos, conforme evidenciado pela Criminologia Crítica. Assim, são esses enquadramentos normativos que forjam os sentidos da vida e da morte. O enquadramento é justamente o ato de apreender em molduras a realidade, um tipo-ideal que altera, amplia ou reduz a imagem que queremos destacar (BUTLER, 2016BUTLER, Judith. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.). Esses tipos estão em constante mudança e são desafiados a todo momento pelo próprio ato de enquadrar que destaca perspectivas e pessoas, mas que também deixa de fora outras realidades e sujeitos.

Na verdade, uma figura viva fora das normas da vida não somente se torna o problema com o qual a normatividade tem de lidar, mas parece ser aquilo que a normatividade está fadada a reproduzir: está vivo, mas não é uma vida (BUTLER, 2016BUTLER, Judith. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016., p. 22).

Em relação ao sistema penal brasileiro, Ana Flauzina, há quase 20 anos, já concluíra que a sua forma de movimentação está “fundamentada na violência e na produção de mortes, [tendo] o racismo como variável central” (2006, p. 139). Assim, o sistema penal funciona como um enquadramento normativo letal, pois determina quem morre e quem vive em suas “operações”. E, como se pretende demonstrar na presente pesquisa, o sistema penal também impõe e reproduz as normas de gênero e de sexo que estruturam a sociedade.

Butler (2016)BUTLER, Judith. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016. sofistica a descrição das formas de enquadramento ao introduzir o conceito de precariedade como constituinte da pessoa humana e marcador da sua vulnerabilidade perante o outro e o mundo. Para a autora, a maior ou menor precariedade determina o risco de não-ser ou a mobilização de cuidados para a manutenção do ser, revelando, pois, a contradição entre a vida e a morte.

Neste cenário, nas sociedades marcadas por discursos e normas que definem regras binárias de gênero e de sexo, algumas vidas serão enlutáveis porque importam, porque são reconhecidas enquanto vida, porque são consideradas importantes. Em sentido contrário, as vidas descartáveis podem ser perdidas, pois sequer são enlutáveis. E, em determinados casos, “a perda dessas populações é considerada necessária para proteger a vida dos ‘vivos’” (BUTLER, 2016BUTLER, Judith. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016., p. 53).

No mesmo sentido, Agamben, (2010)AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I. 2.ed. Belo Horizonte: UFMG, 2010. ao trabalhar o homo sacer, refere que a noção de vida nua está atrelada ao homem sacro, sujeito que existia no direito romano arcaico e cuja vida era desprovida de valor, que podia ser morto sem que o autor da conduta fosse julgado pela prática de um delito. Sua existência era tão desprezada que sequer tinha direito ao ritual da morte, comum a todos os demais. Exemplo mais claro de vida nua, paradoxalmente era incluído no ordenamento somente através de sua exclusão (Agamben, 2010AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I. 2.ed. Belo Horizonte: UFMG, 2010.).

Os conceitos de precariedade e de enquadramento que orientam os processos de luto estudados por Butler, tal como as vidas nuas (Agamben, 2010AGAMBEN, Giorgio. Homo Sacer: o poder soberano e a vida nua I. 2.ed. Belo Horizonte: UFMG, 2010.), remetem à noção de biopoder, introduzida por Foucault em “A História da Sexualidade” (2015). No livro, o autor apresenta a sexualidade como um importante dispositivo para a gestão e hierarquização da vida e justificação da morte (FOUCAULT, 2015FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 1: a vontade de saber. 2ª ed. São Paulo: Paz & Terra, 2015., p. 146-147). Mas é “Em Defesa da Sociedade” que o autor direciona a análise para as questões penal e criminal:

Se a criminalidade foi pensada em termos de racismo foi igualmente a partir do momento em que era preciso tornar possível, num mecanismo de biopoder, a condenação à morte de um criminoso ou seu isolamento (FOUCAULT, 2005FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975 - 1976). São Paulo: Martins Fontes, 2005., p. 307 – 308).

Como fica evidente, a criminalização e o controle da sexualidade estão no cerne do (bio)poder sobre a vida exercido pelo Estado, seja na sua dimensão disciplinar seja na sua dimensão biopolítica. Criminalizar e controlar a sexualidade são os fundamentos do direito de morte do soberano atualizado nas sociedades modernas.

Assim como a Criminologia Crítica comprova que o sistema penal opera através da morte – fazer morrer: letalidade policial; deixar morrer: encarceramento (CARVALHO, 2019CARVALHO, Salo de. A Estrutura Lógica e os Fundamentos Ideológicos do Sistema de Penas no Projeto de Lei Anticrime. Revista da Faculdade de Direito da UFPR, v. 64, n. 3, 2019.) –, Judith Butler retoma essa face mortífera em “Vida Precária” (2019) para aprofundar a crítica aos sistemas normativos hierarquizantes. A filósofa leva ao limite sua teoria para questionar as bases legitimadoras do Estado. É assim que ela reflete sobre as atuais configurações do Estado. Segundo Butler, Foucault afirmava que o biopoder passará a ser o fator legitimante do Estado, relegando o poder soberano ao ostracismo. Foi a governabilidade dos corpos que permitiu a sobrevivência do Estado. A emergência do biopoder, no entanto, não desvitaliza o poder soberano pois, embora não seja mais o legitimante do Estado, se reatualiza em suas práticas. Verifica, pois, que o poder soberano ressurge justamente nas novas prisões de guerra.

Nesse ponto é que podemos pensar a opacidade do sistema penitenciário brasileiro. Como a falta de dados e informações é notória, é difícil pensar em um interesse biopolítico no encarceramento – afinal o cárcere é o destino daqueles que não são humanos, daqueles que não são concebidos como vida. Assim, o Estado não gere aquelas vidas, mas as deixa morrer. Em resumo, o Estado Penal opera pela suspensão da lei, pelo Direito (ou não-Direito) de exceção (NEUMANN, 2009NEUMANN, Franz. Behemoth: the structure and practice of national socialism, 1933-1944. Chicago: Ivan r. Dee Publisher, 2009.), sendo o seu sistema punitivo a expressão máxima, na atualidade, do poder soberano de morte.

Do cenário exposto, é preciso compreender que o cárcere também se estrutura a partir de normas que hierarquizam e desumanizam os sujeitos com base na classe, na raça, no gênero e na sexualidade. Evidenciar a lgbtfobia presente no cárcere é também um caminho para deslegitimar a privação de liberdade como pena. Portanto, a Criminologia Crítica Queer propõe recuperar as relações intrínsecas entre o cárcere e o controle da sexualidade tomando como objeto a violência institucional em sua dimensão normalizadora e hierarquizadora dos sujeitos.

2. A lgbtfobia institucional concretamente manifestada no cárcere

Feita a apresentação das principais premissas de uma Criminologia Crítica Queer, é necessário demonstrar como o sistema penal opera e perpetua práticas de lgbtfobia institucional. Roberta Olivato Canheo explica que “o Presídio Evaristo de Moraes, edificado como o ― modelo de acolhimento para pessoas LGBT, era de fato um dos piores presídios do Rio de Janeiro” (CANHEO, 2018, p. 124). Sua pesquisa traz uma série de relatos sobre agressões cometidas por agentes penitenciários contra mulheres travestis e transexuais, falta de fornecimento de hormônios, corte compulsório de cabelo, imposição de sanções disciplinares autoritárias e desrespeito cotidiano aos nomes sociais.

Os relatórios disponíveis na base de dados “Luz no Cárcere”, mantida pelo Ministério Público do Rio de Janeiro, e os demais sítios eletrônicos consultados confirmam o cenário descrito por Canheo (2018). Dos 220 relatórios encontrados apenas 7 documentos abordavam diretamente o tema do encarceramento LGBT. Não foram encontrados dados em sites institucionais como os do Conselho Nacional de Justiça e do Tribunal do Rio de Janeiro ou de organizações de direitos humanos como, p. ex., Anistia Internacional.

Quanto aos documentos encontrados na base de dados do Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), chamou atenção o fato de que as informações relativas à população LGBT encarcerada não são expostas no Censo Penitenciário – Infopen, apesar de serem solicitadas pelo órgão aos estados da federação. Entretanto nos relatórios analíticos enviados pelas unidades da federação ao DEPEN os dados estão disponibilizados.

O estado do Rio de Janeiro se destaca pela imprecisão nas informações fornecidas à União já que são incoerentes ao longo dos anos. A título de exemplo, em junho de 2014, havia 50 unidades penitenciárias no estado das quais 1 unidade possuía cela exclusiva para a população LGBT com capacidade para “0 pessoa”. Os dados deixaram de ser fornecidos pelo estado a partir de 2018, inviabilizando avaliar o contingente carcerário e o cumprimento das normativas em vigor à época (a Resolução da SEAP/RJ nº 558/2018 e Resolução 01/14 do CNCD/CNPCP).


Dados fornecidos ao DEPEN pelo Rio de Janeiro sobre vagas para LGBT em junho de 2014

Em regra, os relatórios que abordam o assunto pouco esclarecem a situação da população LGBT encarcerada. A maioria dos documentos trata apenas do seu contingente (dados quantitativos). Embora existam relatórios desde 2011, a questão LGBT só aparece em documentos de 2015 (MPRJa, 2015).

No entanto algumas análises são possíveis: no relatório do núcleo de tutela coletiva de MPRJ da visita ao Evaristo de Moraes, feita em maio de 2015, há indicação da existência de 50 LGBTs na unidade (MPRJb, 2015). Como o Rio de Janeiro havia informado ao DEPEN a existência de 26 vagas exclusivas para LGBTs nas unidades penitenciárias do Estado (MINISTÉRIO DA JUSTIÇA, 2015), foi possível concluir a existência de um alto índice de superpopulação e um déficit evidente de vagas – se efetivamente os dados apresentados revelam a real condição de encarceramento desses sujeitos.

Outros casos significativos são relacionados à transferência de presos como medida de retaliação. Um episódio representativo aparece no relatório de visita do Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura (MEPCT) à unidade Laercio Pellegrino da Costa, de maio de 2016. Membros do MEPCT descrevem que alguns presos, que estavam reclusos no Evaristo de Moares, foram transferidos para a referida unidade após a reação de alguns internos quando “um dos profissionais teria faltado com respeito e humilhado uma presa travesti” (ALERJa, 2016, p. 6).

Foi possível observar, ainda, que mesmo quando os agentes da administração penitenciária sinalizam uma certa sensibilidade em relação ao tema, preponderam as convicções e os padrões de gênero (heteronormatividade). Foi observado no relatório de visita à unidade Patricia Acioli, em abril de 2016, pelo MEPCT, que na unidade havia presos LGBTs e, segundo os membros do MEPCT, havia um esforço do contingente carcerário daquela unidade para que os direitos das internas trans fossem respeitados pelos demais internos. Porém as violências partiam dos agentes penitenciários. Como forma de expressar sua preocupação e compromisso com o tema, o diretor da unidade afirmou que havia adquirido material de manicure para viabilizar o “cuidado pessoal” das mulheres trans do efetivo (ALERJb, 2016, p. 7). A fala revela, no mínimo, desconhecimento das demandas da população trans encarcerada e uma visão estereotipada do gênero feminino.

O documento mais detalhado é o “Relatório Temático Mulheres, Meninas e Privação de Liberdade no Rio de Janeiro”, publicado em 2016 pelo MEPCT. O tema é abordado em um grupo focal realizado com travestis e transexuais. Segundo o relatório, a SEAP dispunha da informação de que havia 79 travestis na unidade Evaristo de Moraes, não havendo dados compilados das demais unidades. Os membros do MEPCT entrevistaram o diretor da unidade e perceberam que apesar do conhecimento sobre as políticas voltadas para a população LGBT em situação de privação de liberdade, inexistia qualquer trabalho voltado a essa população na unidade (ALERJc, 2016). Em conversa com as travestis da instituição, houve o relato de que regularmente os agentes desrespeitavam o uso do nome social, provocando constrangimentos e humilhações. Ademais, nenhuma travesti recebia visita íntima – havia dois pedidos pendentes de apreciação – e a SEAP não fornecia o tratamento hormonal, que dependia exclusivamente do fornecimento pelas famílias (no caso das que recebiam visitas). Foi igualmente relatada a submissão das mulheres a tratamento vexatório por usarem cabelos compridos, maquiagem e outros acessórios, e uma das formas de punição era exatamente o confisco desses itens (ALERJc, 2016). Por fim, as travestis denunciaram sofrer violência física praticada pelos agentes do serviço de transporte da SEAP, o SOE (Serviço de Operações Especiais), e violência sexual durante a privação de liberdade. Uma delas narrou inclusive ter passado por uma sessão de tortura ao ser acusada de tráfico: “Eles enfiaram água por uma mangueira para dentro do meu ânus, me xingaram... não gosto nem de lembrar...” (ALERJc, 2016, p. 89 - 90).

Os demais relatórios (DPGE/RJ, 2015DPGE/RJ, Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos. Ofício nº 2283/NUDEDH/2015. Envio de relatório da penitenciária Alfredo Tranjan. 09 jul. 2015. Disponível em: http://apps.mprj.mp.br/sistema/lzca/#/. Acesso em: 08 ago. 2019.
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; ALERJ, 2013ALERJ, Mecanismo Estadual de Prevenção e Combate à Tortura. Ofício nº 81/2013/MEPCT. 12 dez. 2013. Acesso em: http://apps.mprj.mp.br/sistema/lzca/#/. Acesso em: 08 ago. 2019.
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), apesar de nada falarem sobre a questão LGBT, fornecem informações importantes acerca da heteronormatividade presente na execução penal.

Segundo Angela Davis, para se promover o diálogo entre os movimentos anticarcerários e feministas é necessário “reconhecer que o caráter profundamente influenciado pelo gênero da punição ao mesmo tempo reflete e consolida ainda mais a estrutura de gênero da sociedade como um todo” (DAVIS, 2019DAVIS, Angela. Estarão as prisões obsoletas? 3ª ed. Rio de Janeiro: Difel, 2019., p. 66). Assim, quando é abordado o direito à visitação íntima e atendimento profilático de Infecções Sexualmente Transmissíveis (ISTs), por exemplo, percebe-se que os agentes públicos pressupõem tratar-se somente de sujeitos heterossexuais. Os profissionais apenas referem-se a casais que atendem a norma padrão. Esse silêncio pode ocorrer em razão de não haver LGBTs no efetivo ou por uma omissão da SEAP em formular diretrizes específicas para esse público. Ambas as hipóteses são fortes e verificáveis.

Em relação aos casos de violência lgbtfóbica explícita narrados, a pesquisa considerou a possibilidade de que em algum dos casos houvesse intervenção do Poder Judiciário. Em pesquisa jurisprudencial realizada no TJRJ, STJ e STF, foram obtidos como resultado 10 julgados (1 no TJRJ; 7 no STJ; 2 no STF). A busca nas plataformas dos Tribunais ocorreu a partir da combinação das seguintes palavras-chave: “execução penal”, “presídio”, “agravo em execução” e “habeas corpus” com “LGBT”, “lésbica”, “bissexual”, “gay”, “homossexual”, “travesti” e “transexual”.

No TJRJ, o caso encontrado foi o de uma mulher trans, lotada em um cárcere masculino, que postulava transferência para unidade feminina. O magistrado determinou a elaboração de um estudo psicossocial para atestar a condição da requerente, chamada durante toda a ação pelo nome de registro masculino. A manutenção em presídios masculinos viola de forma direta o art. 3º, § 2º da Res. Conjunta nº 1/2014 do Conselho Nacional de Combate à Discriminação e do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNCD/CNPCP)5 5 Art. 3º Às travestis e aos gays privados de liberdade em unidades prisionais masculinas, considerando a sua segurança e especial vulnerabilidade, deverão ser oferecidos espaços de vivência específicos. (...) § 2º A transferência da pessoa presa para o espaço de vivência específico ficará condicionada à sua expressa manifestação de vontade. , em vigor na época, normativa ignorada pelo Tribunal que negou o pedido e manteve provisoriamente a presa trans na referida unidade masculina sob o argumento de que “acolher a tese que bastaria a autoafirmação para determinar a transferência da unidade prisional seria o mesmo que repassar ao preso a livre escolha de onde gostaria de ficar recolhido” (RIO DE JANEIROa, 2018, p. 5). Importante registrar que a requerente foi absolvida na ação penal tendo em vista que o magistrado entendeu que “a materialidade e a autoria delitiva não restaram devidamente demonstradas” (RIO DE JANEIROb, 2018, p. 235). Entretanto, mesmo inocente, permaneceu presa por quase 1 ano em unidade inadequada.

No STJ e no STF foram localizados 9 julgados, sendo possível verificar a construção de uma jurisprudência lgbtfóbica, sobretudo nos primeiros graus de jurisdição, revisada ou suavizada nas Cortes Superiores, que utiliza interpretações heteronormativas dos textos legais para flexibilizar garantias individuais e fundamentar as violações de direitos, conforme já apontado por Carvalho et al (2020)CARVALHO, Salo de et al. A manutenção de mulheres trans em presídios masculinos: um caso exemplar de transfobia judiciária. Revista Jurídica Luso-Brasileira, v. 6, n. 5, 2020..

No STJ, as decisões foram proferidas em Habeas Corpus ou Recursos em Habeas Corpus. A maioria dos pedidos de mérito, em grande parte relacionados a pedidos de transferência de unidades como no caso do TJRJ, não foi apreciada pelos Ministros sob o argumento da supressão de instância e/ou da ausência do requisito da urgência, o que resultou na manutenção de LGBTs encarcerados em unidades inadequadas e vulneráveis a toda sorte de violências.

No “Tribunal da Cidadania”, título autodenominado pela Corte6 6 Conforme informado no site do STJ: “O Superior Tribunal de Justiça (STJ) é fruto de amplos debates políticos e de gestão da justiça que permearam o século XX no Brasil. Criado pela Constituição Federal de 1988 e instalado no ano seguinte, suas decisões influenciam todos os aspectos da vida cotidiana das pessoas. Por isso, é conhecido como ‘Tribunal da Cidadania’” (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA). , dois casos chamaram atenção.

O primeiro foi Habeas Corpus nº 497.226, em que a paciente, uma mulher trans, percorreu todas as instâncias ordinárias buscando a autorização para pernoitar em unidade feminina após o retorno do trabalho extramuros. A ordem foi concedida pelo STJ após as instâncias inferiores terem prolongado por meses a ilegalidade: a Vara de Execuções Criminais de Cruz Alta, no Rio Grande do Sul, e o Tribunal gaúcho mantiveram a paciente em unidade masculina uma vez que a administração penitenciária alegou que a sua transferência para unidade feminina “causaria transtornos à ordem e à disciplina desta Casa Prisional” (BRASIL, 2019BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (6. turma). Habeas Corpus nº 497.226/RS. Relator: Min. Rogério Schietti, 13 mar. 2019. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=MON&sequencial=93170280#_registro=201900657731&data=20190315&formato=PDF. Acesso em 07 ago. 2019.
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, p. 3). Ademais, no julgamento do Agravo em Execução, o TJRS acrescentou o argumento de que a transferência violaria o princípio da igualdade, pois a Constituição Federal teria estabelecido, em seu art, 5º, XLVIII, que “a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado.” Assim, dando preponderância ao critério biológico, entendeu a Corte gaúcha que seria anti-isonômica a medida de transferência, decisão que representa, conforme CARVALHO et al. (2020)CARVALHO, Salo de et al. A manutenção de mulheres trans em presídios masculinos: um caso exemplar de transfobia judiciária. Revista Jurídica Luso-Brasileira, v. 6, n. 5, 2020., uma evidente inversão ideológica e uma deturpação do sentido de garantia do próprio art. 5º, XLVIII, da Constituição.

O segundo julgado, Habeas Corpus nº 148.446, foi impetrado por um homem gay em razão de o seu pedido de livramento condicional ter sido denegado pelo juízo de execução penal. A decisão do juiz de primeiro grau foi baseada no exame criminológico que contraindicava a progressão em razão de o condenado ter rompido os vínculos familiares e estar em um relacionamento homoafetivo – inclusive recebendo visitas do companheiro há 2 anos. O caso não chegou a ser apreciado pelo STJ em razão de, no mérito do Habeas Corpus, o Tribunal de São Paulo ter concedido a ordem (BRASIL, 2011BRASIL. Superior Tribunal de Justiça (6. turma). Habeas Corpus nº 148.446/SP. Relator: Min. Maria Thereza de Assis Moura, 18 abr. 2011. Disponível em: https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=MON&sequencial=15008286#_registro=200901863844&data=20110425&formato=PDF. Acesso em: 07 ago. 2019.
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).

A pesquisa no STF igualmente indicou processos (2) que versam sobre o local de privação de liberdade de mulheres travestis.

Em 2018, no julgamento do Habeas Corpus nº 152.491, o Ministro Luís Roberto Barroso determinou que duas travestis fossem transferidas para unidades compatíveis com suas “orientações sexuais”. A decisão gerou a expectativa de uniformização do tratamento da questão pelos Tribunais do país. No entanto foi possível perceber a permanência de interpretações lgbtfóbicas, o que redundou no ajuizamento da ADPF nº 527, que trata exatamente da transferência de travestis e transexuais para unidades femininas. O relator, novamente o Ministro Luís Roberto Barroso, ao apreciar o pedido liminar, determinou apenas a transferência de transexuais para unidades femininas, sem estender a garantia às travestis, que deveriam ser mantidas em celas reservadas nas unidades masculinas. Segundo o Ministro, não haveria certeza “quanto ao tratamento a ser conferido às travestis, que apresentam uma identidade de gênero mais fluida”; ademais completa “as travestis não têm aversão a seus órgãos sexuais e, portanto, não querem modificá-los. Ao contrário, algumas travestis utilizam ativamente tais órgãos em suas relações sexuais” (BRASILb, 2019, p. 8).

Foi, portanto, reafirmado o critério do sexo biológico, posicionamento que contraria decisões anteriores do próprio STF, que autorizou, na Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 427587 e no Recurso Extraordinário nº 670.42288, a alteração do registro civil de pessoas trans independentemente de qualquer procedimento cirúrgico.

Após questionamentos de entidades representantes do movimento LGBT e da publicação da Resolução nº 348/2020 do CNJ, a decisão foi reformada em março de 2021 admitindo a transferência conforme a identidade de gênero. Porém a primeira decisão proferida pelo Ministro resultou na alteração da Resolução nº 348/2020 do CNJ, sendo determinado que as travestis deveriam cumprir pena em espaços segregados de cárceres masculinos. No momento, a ADPF aguarda pauta de julgamento para que o Ministro Presidente do STF se manifeste em razão do empate formado na votação.

3. A lgbtfobia institucional sob a perspectiva da criminologia crítica queer

Como se depreende da pesquisa documental, a lgbtfobia institucional (lgbtfobia da administração penitenciária e dos Tribunais) é uma realidade no sistema penitenciário operacionalizada por esquemas de gestão do visível e do invisível. Embora os relatórios tenham revelado situações de violências psicológica, física, sexual e moral vividas por LGBTs, esses casos tiveram pouca ou não tiveram repercussão nas esferas de controle (administrativa ou judicial).

É preciso pontuar que essas situações de violência revelam como a experiência do encarceramento para um LGBT é altamente atravessada por preconceitos de gênero e sexualidade. Assim, a condição degradante do cárcere é agravada quando o sujeito é dissidente da norma cisheterossexual. Além das violências regulares vividas por todos os sujeitos encarcerados, o público LGBT ainda convive com violências motivadas por sua identidade dissidente.

Pode ser afirmada, então, a incidência de sobrecargas punitivas sobre as expressões de gênero e sexualidade encarceradas. O conceito foi apresentado por Luiz Antonio Bogo Chies (2008)CHIES, Luiz Antonio Bogo. A prisão dentro da prisão: uma visão sobre o encarceramento feminino na 5.ª região penitenciária do rio grande do sul (sínteses). Anais da 26.ª Reunião Brasileira de Antropologia, Porto Seguro, 2008. Disponível em: https://docplayer.com.br/11644758-A-prisao-dentro-da-prisao-uma-visao-sobre-o-encarceramento-feminino-na-5-a-regiao-penitenciaria-do-rio-grande-do-sul.html. Acesso em 15.set.2019.
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ao analisar o encarceramento feminino. Segundo o autor, as mulheres são especialmente vulneráveis porque suportam sofrimentos e dores em razão de sua condição de gênero, para além das violências experimentadas pela população carcerária em geral (masculina) (CHIES, 2008CHIES, Luiz Antonio Bogo. A prisão dentro da prisão: uma visão sobre o encarceramento feminino na 5.ª região penitenciária do rio grande do sul (sínteses). Anais da 26.ª Reunião Brasileira de Antropologia, Porto Seguro, 2008. Disponível em: https://docplayer.com.br/11644758-A-prisao-dentro-da-prisao-uma-visao-sobre-o-encarceramento-feminino-na-5-a-regiao-penitenciaria-do-rio-grande-do-sul.html. Acesso em 15.set.2019.
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). Os relatos também revelam a maneira que o Estado se comporta diante do sofrimento desses sujeitos em decorrência das violências por ele (Estado) produzidas. No ponto, identificamos as operações de enquadramento, referidas por Butler, nas quais os sujeitos tornam-se não vistos (BUTLER, 2016BUTLER, Judith. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.). Se, por um lado, é possível afirmar que as violências sofridas pela população LGBT encarcerada são omitidas nos documentos oficiais; por outro, é possível perceber que a existência desses sujeitos é de amplo conhecimento dos atores da execução penal. Não por outra razão algumas das suas demandas são apreciadas pelo Poder Judiciário brasileiro.

O binário do visível/invisível constitui uma forma conveniente para a perpetuação da violência (também LGBTfóbica) no cárcere (FOUCAULT, 2011FOUCAULT, Michel. Vigiar e punir: nascimento da prisão. 39ªed. Petrópolis: Vozes, 2011.). Assim, a sexualidade é um fator importante para direcionar os olhares à medida que as instituições operam “dispositivos de saturação sexual” (FOUCAULT, 2015FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 1: a vontade de saber. 2ª ed. São Paulo: Paz & Terra, 2015., p. 51). São expostas diferentes formas de sexualidade dissidentes permitindo que o poder possa penetrar e controlá-las. Em outras palavras, o controle e a administração dos corpos, na experiência carcerária de LGBTs no Brasil, não são proporcionados apenas pela repressão ou censura, mas pelo seu manejo violentamente ordenado, vigiado e inspecionado.

É possível notar, portanto, que esses sujeitos dissidentes da heteronormatividade são identificados e segregados no dia a dia, do mesmo modo que suas existências seguem invisíveis nos documentos e relatórios. Razão pela qual é importante questionar o quanto dessas opacidades e omissões contribuem para a reprodução das práticas violentas contra a população LGBT nas unidades penitenciárias. Segundo Guilherme Ferreira, essa condição entre o visível e o invisível pode ser percebida como um lusco-fusco que “representa a ideia de que a realidade não se mostra claramente nem de pronto, e que ela pode, ao mesmo tempo, se revelar ou se ocultar de acordo com a posição que ocupa quem a olha” (FERREIRA, 2014FERREIRA, Guilherme Gomes. Travestis e Prisões: a experiência e a materialidade do sexo e do gênero sob o lusco-fusco do cárcere. 2014. Dissertação (Mestrado em serviço social) – Faculdade de Serviço Social, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande Sul, Porto Alegre, 2014., p. 19).

No presídio Evaristo de Moraes, a manifestação reativa dos presos em relação ao tratamento lgbtfóbico de agentes penitenciários provocou a transferência de alguns detentos para a unidade Laercio Pellegrino da Costa e permitiu a visibilidade desses sujeitos (ALERJa, 2016). Em paralelo, é nítida a invisibilização quando seus direitos são reivindicados e negados, como nos casos relacionados aos direitos da execução penal (como visitação íntima, acesso à saúde e planejamento familiar, progressão de regime).

Por outro lado, a naturalização e a banalização da violência no cárcere fazem com que os atos de lgbtfobia sejam subnotificados, o que acaba sendo mais uma justificativa para as omissões do Estado. No momento em que os sujeitos LGBTs encarcerados deixam de ocupar os documentos oficiais, passam a não ser reconhecidos como sujeitos de direitos. Assim, suas demandas não são incorporadas pelas instituições e os seus direitos não são efetivados. Exemplo claro é o da ausência de informações estatísticas, nos censos penitenciários e nos relatórios estaduais, sobre os sujeitos LGBTs, ou seja, sequer são concebidos enquanto população autônoma a ser (re)conhecida.

Nesse sentido, Howard Becker oferece um interessante caminho para o enfrentamento da ausência de estatísticas oficiais que “nos diz mais sobre a polícia do que sobre os criminosos, refletindo o grau em que os membros da corporação resolvem agir contra desviantes potenciais na comunidade.” (1994, p. 170).

Judith Butler explica que o reconhecimento é um ato relacional entre pessoas em que o outro se apresenta como um ser reconhecível. Essa condição resulta de uma operação normativa que identifica algumas pessoas e outras não e, em última instância, categoriza e hierarquiza os sujeitos (BUTLER, 2016BUTLER, Judith. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.). Levando às últimas consequências, esses enquadramentos produzem também noções de vida e morte que funcionam principalmente em situações de encarceramento (BUTLER, 2016BUTLER, Judith. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.).

Todavia a autora sublinha que esses enquadramentos deveriam ter como referência a noção de precariedade que é constituinte da pessoa humana e revela a sua vulnerabilidade em relação ao outro e ao mundo. Precariedade que expõe a contradição entre a morte e a vida. Se o sujeito é precário, corre o risco de morrer e, portanto, deve ser cuidado para que possa sobreviver (BUTLER, 2016BUTLER, Judith. Quadros de guerra: quando a vida é passível de luto? 2ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2016.). Porém, como o sujeito LGBT não é enlutável, é impossível afirmar o interesse e a preocupação institucional na manutenção da sua vida.

Se o Estado não reconhece essas pessoas sequer como objeto de saber e de poder, também não as reconhecerá enquanto sujeitos que necessitam de proteção e de respeito aos seus direitos. A negativa ao uso do nome social encontrada tanto nos relatórios quanto nos julgados, p. ex., já demonstra o desrespeito a suas autodeterminações e identidades. Além disso, a violência do não reconhecimento e da invisibilidade fica evidente no comportamento dos servidores da administração penitenciária que têm contato frequente com as pessoas sob custódia, ao desconhecer ou ignorar as particularidades e as demandas LGBTs, como a hormonoterapia e a visitação íntima. O desprezo por esses corpos está presente ainda nos casos de tortura e de tratamento cruel e degradante.

Esse cenário encontrado é parcialmente viabilizado na atuação, não raras vezes deficitária, do Poder Judiciário, sobretudo nos juizados de execução penal, que em casos esporádicos garante direitos, pois a regra é o reforço de interpretações lgbtfóbicas dos direitos dos apenados e apenadas. Tradicionalmente, por não reconhecer a precariedade da vida LGBT, o julgador não oferece uma prestação jurisdicional efetiva e adequada, reforçando uma aplicação obtusa da legislação e da Constituição pátrias e ignorando os regramentos internacionais. Não por outra razão, a maioria dos casos submetidos ao STJ não foi julgada, sob o argumento formal de que não havia a urgência necessária para que as questões fossem resolvidas pela via do Habeas Corpus, mesmo em hipóteses de ilegalidade flagrante.

Lógico que nas decisões analisadas não há um discurso manifestamente agressivo ou preconceituoso. As decisões não contêm expressões de ódio ou menosprezo aos LGBTs. Porém as violações não deixam de existir uma vez que as próprias identidades dos demandantes não são reconhecidas e, consequentemente, respeitadas. A lgbtfobia judicial, nesses casos, é velada e sutil, mas não menos grave do que a violência física explícita cotidianamente nas unidades prisionais. Nesse sentido, Judith Butler, refletindo sobre os sentidos da violência, resume: “[A] figura do golpe físico não é capaz de descrever todo o espectro da violência” a qual “está sempre sujeita a uma oscilação dos quadros de referência relativos às questões de justificação e legitimidade” (BUTLER, 2021BUTLER, Judith. A força da não violência: um vínculo ético político. 1ª ed. Trad. Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2021., p. 113).

As questões de justificação referidas por Butler podem ser demonstradas na forma de atuação do Poder Judiciário, quando elabora argumentos que distorcem o sentido de garantia dos direitos e, em consequência, consolida modelos decisórios lgbtfóbicos. Em outros termos, trata-se de uma inversão ideológica dos direitos humanos: o sentido histórico de proteção do indivíduo dos excessos e abusos de poder do Estado é ocultado para usar sua positividade para violar direitos. Em abstrato (plano retórico), as normas e os princípios são afirmados, enquanto, em concreto, os direitos daqueles mais vulneráveis são explicitamente violados para perpetuar um sistema de controle e de dominação fundado em desigualdades de classe, de raça e de gênero (SÁNCHEZ RUBIO, 2014SÁNCHEZ RUBIO, David. Inversión ideológica y Derecho Penal mínimo, decolonial, intercultural y antihegemónico. Umbral: Revista de derecho constitucional, 4 (Extraordinario), 2014, p. 105-127.). O resultado dessa reversibilidade é a hierarquização dos direitos e garantias fundamentais, submetendo sempre os direitos individuais à conveniência dos “direitos” do Estado, mascarados em categorias espiritualizadas como “ordem pública”, “segurança social” dentre outras. Não por acaso, em inúmeras situações, a forma processual e a segurança institucional ganham relevância em detrimento da dignidade e proteção de mulheres trans presas em unidades masculinas.

Nos vários casos aqui analisados, o princípio do devido processo legal – descrito na Constituição Federal como garantia fundamental do indivíduo – foi usado para justificar a omissão do Poder Judiciário e manter, em concreto, a violação dos direitos de LGBTs encarcerados – é importante que os argumentos de supressão de instância e/ou da ausência do requisito da urgência para não apreciar os pedidos de Habeas Corpus sejam lembrados. Assim, a vedação de penas cruéis (art. 5º, XLVII, Constituição) e a proteção à integridade física e moral dos presos (art. 5º, XLX Constituição) são sacrificadas em favor de um “devido processo legal” abstrato que inclusive desconsidera a longa duração do trâmite das ações constitucionais e recursos nos próprios Tribunais (“indevidos processos” em concreto). Outrossim, não é redundante lembrar que a garantia da forma processual pertence ao indivíduo frente aos poderes do Estado e não o contrário.

A síntese da inefetivação dos direitos (individuais) em prol dos poderes (estatais) é o caso do Habeas Corpus nº 497.226, no qual o STJ reformou a decisão do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que mantinha o entendimento da vara de execução de Cruz Alta. Segundo o Tribunal gaúcho e a Vara de Execuções Criminais, a manutenção de uma mulher trans em uma unidade masculina se justificava para garantir a ordem e a disciplina penitenciárias, emudecendo o tratamento penal menos aflitivo às pessoas trans determinado pelo conjunto de normas e regulamentos nacional e internacional. A decisão do TJRS ganha contornos ainda mais autoritários quando utiliza, como razões de decidir, o argumento de que a transferência de uma mulher trans para a unidade feminina violaria o princípio da igualdade previsto na Constituição Federal e que determina o cumprimento da pena de acordo com o sexo (art. 5º, XLVIII). Nos termos da Relatora,

(...) permitir que os travestis cumpram pena em presídio feminino viola a Constituição Federal, no ponto em que segmenta a população carcerária segundo o sexo do preso. Não se está aqui a dizer que o Estado não deva assegurar a integridade física e psíquica dos custodiados, mas as normas que regulamentam a separação dos apenados insere os travestis e os transexuais no sistema binário, que contempla as regras constitucionais e legais que adotam o sexo como elemento objetivo à divisão dos reeducandos (RIO GRANDE DO SUL, 2019RIO GRANDE DO SUL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (8ª Câmara Criminal). Agravo em Execução nº 0384156-08.2018.8.21.7000. Relator: Des. Neale Ochoa Piazzeta. 30 jan. 2019. Disponível em: https://www.tjrs.jus.br/novo/busca/?tipoConsulta=por_processo&return=proc&client=wp_index&combo_comarca=700&comarca=№_processo=03841560820188217000№_processo_desktop=03841560820188217000&CNJ=S&comarca=&nome_comarca=&uf_OAB=&OAB=&comarca=&nome_comarca=&nome_parte=. Acesso em: 30.set.2021.
https://www.tjrs.jus.br/novo/busca/?tipo...
, p. 6 - 7).

Considerações finais

O cenário revelado pela pesquisa indica que a violência lgbtfóbica é realidade no sistema penitenciário. Ao contrário do que se costuma esperar, essa violência não se manifesta somente através de agressões explícitas. O Estado promove gestões do visível e do invisível. Sujeitos LGBTs são vistos quando são punidos e violentados, mas não conseguem acessar a esfera pública para denunciar essas violências e para reivindicar seus direitos. Ainda mais, nas poucas oportunidades que conseguem levar suas demandas ao Poder Judiciário, estas deixam de ser apreciadas ou são utilizados argumentos com viés igualmente lgbtfóbicos, reproduzindo, em uma espiral perversa, o ciclo de violência.

Por fim, é preciso advertir que a premissa fundamental desta pesquisa é a de que a função real do cárcere é infligir sofrimento aos indesejados, o que inclui os sujeitos dissidentes das normas de gênero e de sexualidade, os LGBTs. Assim, não se busca aqui ampliar o encarceramento com a criação de unidades exclusivas; nossa proposta não é a de construir prisões pintadas de arco-íris, tampouco a punição exemplar – que é sempre excessiva na sua “exemplaridade” – dos agentes públicos perpetradores da violência. Como procuramos demonstrar, o cárcere é também fundado em normas de gênero e de sexualidade e fortalece a estrutura cisheteronormativa da sociedade. Desse modo, não se trata de pensar em ações individuais, mas de criar instrumentos para identificar e enfrentar a estrutura lgbtfóbica do sistema penal e da sociedade. Conforme adverte Maria Lucia Karam (1996)KARAM, Maria Lúcia. A esquerda punitiva. In: Discursos Sediciosos – Crime, Direito e Sociedade, n. 1. Rio de Janeiro: ICC/Relume Dumará, 1996., voltar a atenção para a crença em desvios de pessoas redunda na ocultação dos desvios estruturais.

Dessa forma, propomos a reflexão sobre as violências lgbtfóbicas não para reivindicar a sua criminalização, mas para demonstrar que a prisão (e o Estado) desvaloriza certas vidas através da gestão das ilegalidades, da vida e da morte (BUTLER, 2021BUTLER, Judith. A força da não violência: um vínculo ético político. 1ª ed. Trad. Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2021.). De acordo com Butler, “devemos combater aqueles que estão comprometidos com a destruição, sem reproduzir sua destrutividade. Compreender como lutar dessa maneira é a tarefa e o dever de uma ética e uma política não violentas” (BUTLER, 2021BUTLER, Judith. A força da não violência: um vínculo ético político. 1ª ed. Trad. Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2021., p. 62).

A partir dessas premissas, podemos pensar a crítica radical ao cárcere como uma prática não violenta, pois “expõe o estratagema pelo qual a violência do Estado se defende contra pessoas pretas e pardas, queers, imigrantes, sem-teto, dissidentes – como se, juntas, fossem portadoras de destruição e, por ‘motivos de segurança’, precisassem ser detidas, encarceradas ou expulsas.” (BUTLER, 2021BUTLER, Judith. A força da não violência: um vínculo ético político. 1ª ed. Trad. Heci Regina Candiani. São Paulo: Boitempo, 2021., p. 154).

  • 1
    Conforme informação retirada do site: “O projeto Luz no Cárcere tem por objetivo dar maior visibilidade e inteligência a dados que permitam um melhor conhecimento da realidade do sistema carcerário. Nesta página, é possível visualizar de maneira simples e direta as principais informações sobre o sistema prisional do Estado do Rio de Janeiro, colhidas in loco pelos Promotores Justiça, em visitas trimestrais às unidades prisionais.” (MPRJ)
  • 2
    Os sujeitos cisgêneros são aqueles que expressam uma identidade de gênero correspondente ao sexo que lhe foi designado ao nascer. Um sistema cisheteronormativo, portanto, é aquele que privilegia sujeitos cisgêneros e heterossexuais, estabelecendo que os sujeitos atendam aos padrões impostos para que sejam reconhecidos e respeitados.
  • 3
    Em seus textos anteriores (CARVALHO, 2012a; CARVALHO, 2012b), o autor utilizou de forma genérica o termo violência homofóbica. Mais recentemente (CARVALHO/WEIGERT/BARBOSA/SOARES, 2020), ao mesmo tempo em que ampliou, especificou a categoria para dar maior representatividade aos sujeitos objeto deste tipo de crime de ódio (CARVALHO, 2012CARVALHO, Salo de. Sobre as possibilidades de uma criminologia queer. Sistema Penal & Violência, v. 4, n. 2, 2012.b).
  • 4
    Os processos de reconhecimento de vida descritos por Butler remetem à noção de biopoder trabalhada por Michel Foucault no livro História da Sexualidade (2015) e, principalmente, na obra Em defesa da sociedade (2005). O biopoder começa a se desenvolver no século XVII complementando o poder soberano que se caracteriza pelo “fazer morrer e deixar viver”, ou seja, o soberano detinha o poder sobre a vida e sobre a morte de seus súditos (FOUCAULT, 2005FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975 - 1976). São Paulo: Martins Fontes, 2005., p. 87). O biopoder é produtivo, destinando-se à gestão e garantia da vida, sintetizado pela fórmula “fazer viver e deixar morrer” (FOUCAULT, 2015FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 1: a vontade de saber. 2ª ed. São Paulo: Paz & Terra, 2015., p.150). A morte, no âmbito do biopoder, passará a ser operacionalizada pelo racismo de estado através do qual se eliminam as raças inferiores que representam perigo à espécie. O racismo se caracteriza como mecanismo fundamental de poder determinando quem deve morrer e quem deve viver (FOUCAULT, 2005FOUCAULT, Michel. Em defesa da sociedade: curso no Collège de France (1975 - 1976). São Paulo: Martins Fontes, 2005., p. 304).
  • 5
    Art. 3º Às travestis e aos gays privados de liberdade em unidades prisionais masculinas, considerando a sua segurança e especial vulnerabilidade, deverão ser oferecidos espaços de vivência específicos. (...) § 2º A transferência da pessoa presa para o espaço de vivência específico ficará condicionada à sua expressa manifestação de vontade.
  • 6
    Conforme informado no site do STJ: “O Superior Tribunal de Justiça (STJ) é fruto de amplos debates políticos e de gestão da justiça que permearam o século XX no Brasil. Criado pela Constituição Federal de 1988 e instalado no ano seguinte, suas decisões influenciam todos os aspectos da vida cotidiana das pessoas. Por isso, é conhecido como ‘Tribunal da Cidadania’” (SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA).

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Set 2022
  • Data do Fascículo
    Jul-Sep 2022

Histórico

  • Recebido
    10 Jun 2022
  • Aceito
    21 Jul 2022
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