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Editorial

O volume 10 número 1 da Trabalho, Educação e Saúde traz na abertura o ensaio Corpo no trabalho e corpo pelo trabalho: perspectivas no estudo da corporalidade e da educação no capitalismo contemporâneo, de Carlos Herold Junior. Desde o título, apresenta uma clara indicação das preocupações que orientaram o pesquisador. São elas as relações entre mundo do trabalho e corporeidade. A base teórica é o marxismo, e o texto parte de um alerta: de que mudanças ocorridas no trabalho não tornam menos presentes as exigências que se perpetram sobre o corpo. Herold Junior nos faz questionar o contraste entre visibilidade do corpo na vida social e invisibilidade que se construiu em torno do corpo no trabalho e as repercussões sobre os estudos nesta área. Mostra ainda que a formação histórica do corpo e a história da educação podem ser pensadas de modo articulado, destacando a distinção entre trabalho manual e trabalho intelectual como referências relevantes para pensar a relação entre educação e corpo nas sociedades contemporâneas.

A experiência de ensinar e de produzir conhecimento no cotidiano é a questão de base dos três primeiros artigos deste número e que têm em Paulo Freire uma referência central. No primeiro deles, Educação permanente com agentes comunitários de saúde: uma proposta de cuidado com crianças asmáticas, de Maria Wanderleya de Lavor Coriolano et al., a pesquisa tem como objeto a articulação entre as metodologias ativas de ensino e questões que compõem a atenção integral no cuidado ao paciente com asma. O contexto é a formação de agentes comunitários de saúde e são os preceitos da política de educação permanente em saúde que balizam a experiência em torno da qual foi formulada a pesquisa. O compromisso é produzir uma educação que desvie de uma abordagem tecnicista dos problemas de saúde e situe a cultura em uma dimensão central de formação. O estudo combina componentes da pesquisa qualitativa e quantitativa.

O artigo de Irene Leonore Goldschmidt, O teatro de Augusto Boal e a educação profissional em saúde, propõe articular elementos da pedagogia freireana com a concepção de educação politécnica, visando investigar as possibilidades de incorporação do teatro de Boal como experiência pedagógica. O argumento da autora é fortalecido pela implicação dessas teorias com uma formação humana que se contraponha ao tecnicismo dominante na educação profissional, também no âmbito da saúde. A ênfase da politecnia na integração entre trabalho, ciência e cultura estabelece o terreno fértil à aproximação com o teatro de Boal. Para este dramaturgo, tanto quanto para os educadores identificados com os referenciais marxistas de politecnia e para os que se apropriam da pedagogia de Freire, a formação humana requer consciência crítica e um posicionamento contra as formas sociais de opressão, que a experiência teatral contribui para colocar em ação.

O binômio integralidadehumanização do cuidado e da produção em saúde tem sido intensamente estudado, em particular no ambiente hospitalar. Esse é o contexto em que se inscreve a pesquisa sobre a qual trata o artigo Classe hospitalar: a articulação da saúde e educação como expressão da política de humanização do SUS, de Edson Vanderlei Zombini et al. O recorte do objeto, o ensino formal em situação de internação, amplia nossa compreensão sobre a pertinência de incluir essa modalidade de ensino no SUS.

A humanização, como política e como um ideal que perpasse as relações de cuidado, é também o eixo de discussão do artigo Experiências de humanização por estudantes de medicina, de Maria Alice Amorim Garcia, Fernanda Proa Ferreira e Fernanda Avenoso Ferronato. Assumindo a complexidade das questões que conformam o universo da humanização das práticas, as autoras associam a possibilidade de viver novas experiências que causem 'desassosego' como parte necessária da formação médica. É a partir da narrativa em torno dessas experiências que as pesquisadoras tecem sua análise, trazendo conexões entre o aprimoramento de estratégias pedagógicas e uma atuação profissional mais comprometida com a solidariedade, além de uma ética pautada no reconhecimento do outro como sujeito e no "interesse por uma maneira mais inteira de ser médico".

A origem de uma pesquisa pode trazer alguns indicativos sobre a forma como os pesquisadores pensam a produção de conhecimento e a relação com os espaços sociais que, em um dado momento, se tornam locus de pesquisa. O artigo A importância da problematização na construção do conhecimento em saúde comunitária, de Rosiane Morais Torrezan, Raul Borges Guimarães e Maria Peregrina de Fátima Rotta Furlanetti, trata de uma pesquisa formulada com base na demanda de moradores de uma comunidade por ações de educação em saúde. Desse modo, ato educativo e pesquisa se articulam tendo como referência mais ampla a relação saúdeambiente. Ao longo do texto, os autores enfatizam o diálogo coletivo como valor, dado seu poder de criar oportunidades para emergir o sentido que os sujeitos da comunidade constroem sobre a realidade, condição de qualquer movimento de transformação.

Em Qualidade de vida dos professores da área de ciências em escola pública do Rio Grande do Sul, artigo de Liliani Mathias Brum et al., os autores retomam a vinculação entre saúde e trabalho como objeto de pesquisa. No caso, é a produção de sofrimento e saúde no trabalho docente que está em foco. O estudo situa a atividade docente como um trabalho que se realiza num descompasso entre as exigências que lhe são requeridas e os meios providos para seu desenvolvimento, tornando a sobrecarga de trabalho parte da rotina. A investigação transcorre no sentido de caracterizar os problemas de saúde que afetam os docentes incluídos na pesquisa, considerando esse conhecimento um dos muitos requisitos necessários para interferir na qualidade de vida do professor e, portanto, de valorização do trabalho educativo.

O último artigo deste fascículo, Cuidadoras informais de Portugal: vivências do cuidar de idosos, de Maria João Fernandes Marques, Helena Jorge Cardoso Teixeira e Dayse Cristine Dantas Brito Neri de Souza, apresenta as percepções vivenciadas por cuidadoras informais portuguesas acerca do cuidar do familiar idoso dependente. Por meio de suas falas, percebem-se as sobrecargas emocionais, físicas e financeiras que as afetam. O estudo traz resultados que demonstram o interesse delas em aprimorar a formação para cuidar de familiares, mas também evidencia carência na sua capacitação.

O relato de Samuel Quinaud Rossi et al., Um novo olhar sobre a elaboração de materiais didáticos para educação em saúde, revela elementos que contribuem para pensar sobre materiais didáticos, um dos elementos de mediação do processo ensino-aprendizagem que mobiliza docentes de todas as áreas e que requer frequente esforços de criação e adaptação.

Duas resenhas encerram esta edição. A primeira, de Carlos Minayo, sobre o livro Saúde, trabalho e direito: uma trajetória crítica e a crítica de uma trajetória, que tem Luiz Carlos Fadel e Maria Helena de Oliveira como organizadores. O livro organizado por Francisco de Oliveira, Ruy Braga e Cibele Rizek, Hegemonia às avessas: economia, política e cultura na era da servidão financeira, recebeu resenha de Ivan Jairo Junkes.

Angélica Ferreira Fonseca

Carla Macedo Martins

Marcela Alejandra Pronko

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    27 Mar 2012
  • Data do Fascículo
    Jun 2012
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