Acessibilidade / Reportar erro

Trajetória da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde no Brasil

Trajectory of the National Policy of Permanent Education in Health in Brazil

Trayectoria de la Política Nacional de Educación Permanente en Salud en Brasil

Resumo

A Política Nacional de Educação Permanente em Saúde estabelece como pressuposto a centralidade nos processos de trabalho para nortear as atividades de qualificação dos trabalhadores da saúde. O presente estudo tem por objetivo discutir a trajetória de institucionalização da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde de acordo com a percepção dos atores representativos dessa política pública (gestores federais, gestores estaduais e municipais, e pesquisadores), considerando os 16 anos de sua institucionalização até o ano deste estudo (2004-2020). Trata-se de pesquisa qualitativa, com a aplicação do método Delphi. Os resultados obtidos mostraram que a Política se encontra frágil quanto à sua implantação. No que se refere aos impactos, constatou-se que ela oportunizou o estreitamento da relação entre os serviços de saúde e as instituições de ensino, e promoveu mudanças significativas nos processos de trabalho em equipe, independentemente da sua composição.

Palavras-chave:
educação permanente; processo de trabalho; método Delphi

Abstract

The Brazilian National Policy of Permanent Education in Health establishes as an assumption the centrality in the work processes to guide the qualification activities of health workers. The present study aims to discuss the trajectory of institutionalization of the National Policy of Permanent Education in Health according to the perception of the representative actors of this public policy (federal managers, state and municipal managers, and researchers), considering the 16 years of its institutionalization until the year of this study (2004-2020). This is a qualitative research, with the application of the Delphi method. The results showed that the policy is fragile regarding its implementation. Regarding the impacts, it was found that it facilitated the strengthening of the relationship between health services and educational institutions, and promoted significant changes in teamwork processes, regardless of their composition.

Keywords:
permanent education; work process; Delphi method

Resumen

La Política Nacional de Educación Permanente en Salud de Brasil establece como presupuesto la centralidad en los procesos de trabajo para orientar las actividades de calificación de los trabajadores de la salud. El presente estudio tiene como objetivo discutir la trayectoria de institucionalización de la Política Nacional de Educación Permanente en Salud según la percepción de los representantes de esa política pública (gestores federales, gestores estatales y municipales e investigadores), considerando los 16 años de su institucionalización hasta el año de este estudio (2004-2020). Se trata de una investigación cualitativa, con la aplicación del método Delphi. Los resultados obtenidos mostraron que la política es frágil en cuanto a su implementación. En lo que se refiere a los impactos, se constató que brindó una oportunidad para fortalecer la relación entre los servicios de salud y las instituciones educativas, y promovió cambios significativos en los procesos de trabajo en equipo, independientemente de su composición.

Palabras-clave:
educación permanente; proceso de trabajo; método Delphi

Introdução

A proposta de educação permanente surgiu na Europa no campo da educação, nos anos 1930, e ganhou destaque nos anos 1960. O conceito de educação permanente estava associado a iniciativas que envolviam a aprendizagem de adultos em momentos de reestruturação produtiva e de necessidade de reposicionar pessoas no mercado de trabalho devido à intensificação da industrialização e da urbanização (Feuerwerker, 2014FEUERWERKER, Laura C. M. (org.). Micropolítica e saúde: produção do cuidado, gestão e formação. Porto Alegre: Rede UNIDA, 2014, p. 92. , p. 92).

Lemos (2016LEMOS, Cristiane L. S. Educação Permanente em Saúde no Brasil: educação ou gerenciamento permanente? Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, p. 913-922, mar. 2016. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015213.08182015. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232016000300913&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 23 mar. 2021.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
) afirma que no final da década de 1960 a educação permanente passou a ser difundida pela Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura (Unesco), fundamentada na teoria do capital humano, que considera a qualificação do fator humano como um dos meios mais importantes para a produtividade econômica e o desenvolvimento do país. “A denominada Educação Permanente em Saúde (EPS) surge na década de 1980, cuja disseminação se deu por meio do Programa de Desenvolvimento de Recursos Humanos da Organização Pan Americana de Saúde” (Lemos, 2016LEMOS, Cristiane L. S. Educação Permanente em Saúde no Brasil: educação ou gerenciamento permanente? Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, p. 913-922, mar. 2016. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015213.08182015. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232016000300913&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 23 mar. 2021.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 914).

Ceccim e Feuerwerker (2004CECCIM, Ricardo B.; FEUERWERKER, Laura C. M. O quadrilátero da formação para a área da saúde: ensino, gestão, atenção e controle social. Physis: Revista de Saúde Coletiva [online], Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 41-65, 2004. https://doi.org/10.1590/S0103-73312004000100004. Disponível em: https://www.scielo.br/j/physis/a/GtNSGFwY4hzh9G9cGgDjqMp/?lang=pt.Acesso em: 30 set. 2022.
https://www.scielo.br/j/physis/a/GtNSGFw...
) pontuam que qualquer processo educativo dirigido a adultos e que se pretenda efetivo deve ser desencadeado mediante identificação da necessidade de aprendizagem por parte dos educandos. Nas concepções desses autores, os processos de qualificação dos profissionais que atuam na área da saúde deveriam ser estruturados a partir da problematização dos processos de trabalho.

Nessa direção, entende-se que as atividades de qualificação desses profissionais devem ser norteadas pelas demandas identificadas durante o exercício de suas práticas profissionais, “tomando como referência as necessidades de saúde das pessoas e das populações, da gestão setorial e do controle social em saúde” (Ceccim e Feuerwerker, 2004CECCIM, Ricardo B.; FEUERWERKER, Laura C. M. O quadrilátero da formação para a área da saúde: ensino, gestão, atenção e controle social. Physis: Revista de Saúde Coletiva [online], Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 41-65, 2004. https://doi.org/10.1590/S0103-73312004000100004. Disponível em: https://www.scielo.br/j/physis/a/GtNSGFwY4hzh9G9cGgDjqMp/?lang=pt.Acesso em: 30 set. 2022.
https://www.scielo.br/j/physis/a/GtNSGFw...
, p. 49).

A EPS privilegia o processo de trabalho como essencial para a aprendizagem e reconhece a capacidade humana de produzir conhecimento novo, com base nas discussões, análises conjuntas e implicações com os problemas reais, em um processo constante de investigação das suas causas e da busca de alternativas de solução.

Em 2003, foi criada a Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde do Ministério da Saúde (SGTES/MS), no ano seguinte a Política Nacional de Educação Permanente (PNEPS) foi institucionalizada por meio da portaria GM n. 198, de fevereiro de 2004 (Brasil, 2004aBRASIL. Portaria n. 198 GM/MS, de 13 de fevereiro de 2004. Institui a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde como estratégia do Sistema Único de Saúde para a formação e o desenvolvimento de trabalhadores para o setor e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 13 fev. 2004a.).

A definição de Educação Permanente em Saúde (EPS) adotada pelo Ministério da Saúde (MS), conforme estabelecida nas suas normativas, consiste na aprendizagem no trabalho, onde o aprender e o ensinar se incorporam ao cotidiano das organizações e ao trabalho (Brasil, 2004aBRASIL. Portaria n. 198 GM/MS, de 13 de fevereiro de 2004. Institui a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde como estratégia do Sistema Único de Saúde para a formação e o desenvolvimento de trabalhadores para o setor e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 13 fev. 2004a.).

O modelo de gestão dessa política, em âmbito nacional, consolidou-se de forma distinta das outras políticas de saúde e desenvolveu-se por meio de espaços de articulação interinstitucional e intersetorial, como os Polos de EPS (Brasil, 2004bBRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Política de educação e desenvolvimento para o SUS: caminhos para a educação permanente em saúde - polos de educação permanente em saúde. Brasília, DF: MS, 2004b. ).

Os Polos de EPS, também conhecidos como rodas e instâncias locorregionais de articulação interinstitucional para a gestão da educação na saúde, deveriam funcionar como dispositivo de gestão para a condução colegiada da Política nas regiões do país. Foram implantados na concepção de ‘Quadrilátero da Formação’. Para Ceccim e Feuerwerker (2004CECCIM, Ricardo B.; FEUERWERKER, Laura C. M. O quadrilátero da formação para a área da saúde: ensino, gestão, atenção e controle social. Physis: Revista de Saúde Coletiva [online], Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 41-65, 2004. https://doi.org/10.1590/S0103-73312004000100004. Disponível em: https://www.scielo.br/j/physis/a/GtNSGFwY4hzh9G9cGgDjqMp/?lang=pt.Acesso em: 30 set. 2022.
https://www.scielo.br/j/physis/a/GtNSGFw...
), a imagem do quadrilátero serve de orientação para a construção e organização de uma gestão da educação na saúde que integre o sistema de saúde, os serviços de atenção, os serviços de atenção, a participação e controle social e as instituições de ensino.

Passados 16 meses da publicação da portaria n. 198/2004, que balizou o ordenamento, a organização e o desenvolvimento da Educação Permanente em Saúde (EPS) como Política Nacional do Sistema Único de Saúde, Ceccim (2005) realizou um estudo que disserta sobre a descentralização e disseminação de capacidade pedagógica em saúde e apresenta o panorama da produção quantitativa proveniente da PNEPS. O autor mapeou 96 instâncias de articulações interinstitucionais e locorregional que reuniu 1.122 entidades da sociedade dos segmentos ensino, gestão do trabalho e participação social. Foram contabilizadas 414 ações de qualificação, distribuídas em diversas áreas e diferentes temáticas. Convém destacar que, no período do estudo, os projetos eram construídos de acordo com as pactuações internas realizadas nos Polos de EPS e apresentados ao MS para viabilizar o financiamento.

Em 2007, as diretrizes para a implementação da PNEPS foram estabelecidas na portaria n. 1.996, de agosto de 2007 (Brasil, 2007BRASIL. Portaria n. 1.996 GM/MS, de 20 de agosto de 2007. Dispõe sobre as diretrizes para a implementação da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 20 ago. 2007.), essa normativa trouxe, como avanço, o fomento à condução regional da política e a participação interinstitucional, por meio das Comissões de Integração Ensino-Serviço (CIES), previstas na Lei Orgânica da Saúde, lei federal n. 8.080, de 19 de setembro de 1990 (Brasil, 1990BRASIL. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 19 set. 1990.). As CIES são instâncias intersetoriais e interinstitucionais permanentes que participam da formulação, condução e desenvolvimento da PNEPS (Brasil, 2007BRASIL. Portaria n. 1.996 GM/MS, de 20 de agosto de 2007. Dispõe sobre as diretrizes para a implementação da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 20 ago. 2007.).

Este estudo teve como objetivo discutir a trajetória da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde no Brasil (PNEPS) de acordo com a percepção dos atores representativos dessa política pública.

Método

Trata-se de estudo bibliográfico, de caracterização qualitativa, baseado em busca de publicações na SciELO e coleta de dados por meio da aplicação do método Delphi, com análise de conteúdo.

O estudo se desenvolveu em três etapas: na primeira etapa, efetivou-se uma revisão bibliográfica para definição dos temas que iriam compor o questionário da pesquisa. Na segunda etapa, realizada em duas rodadas, efetuou-se o envio do questionário aos participantes, com o objetivo de provocar e sistematizar opiniões dos sujeitos da pesquisa sobre a implantação e implementação da PNEPS. Por último, na terceira etapa, realizou-se o tratamento estatístico e a análise das respostas do grupo.

No estudo de Marques e Freitas (2018MARQUES, Joana B. V.; FREITAS, Denise. Método Delphi: caracterização e potencialidades na pesquisa em Educação. Pro-Posições [online], Campinas, v. 29, n. 2, p. 389-415, 2018. https://doi.org/10.1590/1980-6248-2015-0140. Disponível em: https://www.scielo.br/j/pp/a/MGG8gKTQGhrH7czngNFQ5ZL/?lang=pt. Acesso em: 28 out. 2022.
https://www.scielo.br/j/pp/a/MGG8gKTQGhr...
), são apresentadas tipologias com descrição das características do método Delphi, dentre as quais estão: o anonimato, o feedback das contribuições individuais, a possibilidade de revisão e alteração das respostas. No anonimato, o grupo de especialistas não sabe quem está participando da pesquisa. No feedback, para cada rodada de questionários, os participantes devem ter acesso às respostas dos outros participantes. O objetivo é permitir que cada um reflita antes de responder à próxima rodada de perguntas e possa mudar suas opiniões na hipótese de haver acordo com as opiniões de outros participantes (Marques e Freitas, 2018MARQUES, Joana B. V.; FREITAS, Denise. Método Delphi: caracterização e potencialidades na pesquisa em Educação. Pro-Posições [online], Campinas, v. 29, n. 2, p. 389-415, 2018. https://doi.org/10.1590/1980-6248-2015-0140. Disponível em: https://www.scielo.br/j/pp/a/MGG8gKTQGhrH7czngNFQ5ZL/?lang=pt. Acesso em: 28 out. 2022.
https://www.scielo.br/j/pp/a/MGG8gKTQGhr...
).

Como resultado da primeira etapa de análise bibliográfica, foram definidas as principais questões desta pesquisa que compuseram o questionário, a saber: a PNEPS promoveu o estreitamento da relação entre os serviços de saúde e as instituições de ensino? Dessa forma, ampliou-se a discussão das questões do Sistema Único de Saúde (SUS) nos espaços de formação? No que diz respeito ao desenvolvimento das ações, a PNEPS tem garantido o protagonismo das equipes de atenção à saúde de forma mais abrangente que o protagonismo exercido pelas equipes de gestão? Com a concepção de aprendizagem significativa e em ato no cotidiano do trabalho, a PNEPS possibilitou o fortalecimento e a transformação nos processos de trabalho? A elaboração do Plano de EPS pode configurar-se em uma oportunidade de promover reflexão e eleger melhores alternativas para garantir a reorientação das práticas de saúde no SUS? A criação dos espaços de articulação, também conhecidos como ‘instância intersetorial e interinstitucional permanente para a formulação, condução e desenvolvimento da PNEPS’, é essencial para a execução das ações da Política?

Cabe registrar que o questionário continha um espaço para o registro de justificativa de cada resposta. Foi o conteúdo desse campo que deu origem ao material submetido à análise de conteúdo.

Após a definição dos temas e composição do instrumento, passou-se à segunda etapa, efetivada em duas rodadas de investigação que estruturam a pesquisa. Essas rodadas tiveram a participação de 20 profissionais das seguintes categorias: quatro pesquisadores (mestre e doutores) e 16 profissionais de saúde que exerceram ou exercem atividades no MS, nas secretarias estaduais, municipais e distritais de Saúde no SUS. A escolha dos participantes foi realizada de modo intencional, contemplando dois segmentos: gestores com atuação nos âmbitos federal, estadual e municipal; e pesquisadores (com publicações de estudos sobre a EPS).

O critério para inclusão dos gestores nesta primeira rodada da pesquisa foi: atuações institucionais com experiência na gestão da PNEPS em uma ou mais esferas de governo. Para a inclusão dos pesquisadores, selecionaram-se quatro dos principais autores com publicações de artigos científicos sobre o tema da EPS. Convém destacar que os participantes foram inteirados sobre a pesquisa por meio de contato por telefone. Posteriormente, encaminhou-se o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) e o questionário da pesquisa via e-mail. Todos os participantes concordaram e assinaram o TCLE.

Após o recebimento dos questionários respondidos, efetuou-se a tabulação e aplicação de estatística descritiva simples, cujos resultados serão apresentados mais adiante, no item Resultados e discussão.

Na segunda rodada da pesquisa, objetivou-se permitir que os respondentes fizessem a revisão de suas respostas diante das respostas e das justificativas apresentadas pelos outros participantes, seguindo o que preconiza o método Delphi. Nesta rodada da pesquisa, foram enviados aos participantes o feedback com os resultados obtidos na primeira rodada da pesquisa e o questionário com o registro de suas próprias respostas (produto da primeira rodada). Destaca-se que a finalidade do envio dos citados documentos aos respondentes foi facilitar a reflexão, revisão e comparação de suas respostas com as apresentadas no painel do grupo de respondentes da pesquisa além de potencial revisão ou alteração de suas respostas. De posse desse consolidado, seria possível para os entrevistados checarem se houve distanciamento de suas posições em relação às do grupo dominante.

Por fim, na terceira etapa, realizou-se a análise dos dados com base na análise de conteúdo, que versa sobre o tratamento da informação contida nas mensagens. Trata-se, portanto, de um método que surge como um conjunto de técnicas de análises, que emprega procedimentos sistemáticos e objetivos de descrição do conteúdo das mensagens. Porém, “é preciso complementar os segmentos de definições, colocando em evidência a finalidade (implícita ou explícita) de qualquer análise de conteúdo” (Bardin, 1977BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo. Lisboa: Edições 70, 1977., p. 38).

Nessa perspectiva, buscou-se averiguar, de forma atenta, os conteúdos revelados pelos sujeitos desta pesquisa. Dessarte, no processo de análise dos resultados, foram considerados, também, os elementos contidos nos relatos dos participantes deste estudo.

Resultados e discussão

Em 2017, a implantação do Programa para o Fortalecimento das Práticas de Educação Permanente em Saúde (PRO EPS-SUS) oportunizou a retomada das discussões sobre a PNEPS nos diversos territórios do país. O objetivo principal do Programa é estimular, acompanhar e fortalecer a qualificação profissional dos trabalhadores da área da saúde para a transformação das práticas em direção ao atendimento dos princípios fundamentais do SUS, a partir da realidade local e da análise coletiva dos processos de trabalho, contando com a colaboração das CIES.

As diretrizes para adesão ao PRO EPS-SUS foram estabelecidas na portaria n. 3.194, de novembro de 2017, os estados e o Distrito Federal receberam o incentivo financeiro para a elaboração dos Planos Estaduais de Educação Permanente em Saúde (PEEPS). Tais planos, como produtos gerados mediante o uso de recursos recebidos, foram enviados pelos gestores estaduais e do Distrito Federal ao Departamento de Gestão da Educação na Saúde, da Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde, do Ministério da Saúde (DEGES/SGTES/MS), no final de 2018 e início de 2019 (Brasil, 2017aBRASIL. Portaria n. 3.194 GM/MS, de 27 de novembro de 2017. Dispõe sobre o Programa para o Fortalecimento das Práticas de Educação Permanente em Saúde no Sistema Único de Saúde - PRO EPS-SUS. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 nov. 2017a.).

Convém destacar que o PRO EPS-SUS também destinou recursos aos municípios para a realização de ações de EPS. Foram 5.233 municípios que aderiram ao programa, conforme listas dos entes federados habilitados ao recebimento do incentivo financeiro, disponíveis nos anexos da portaria n. 3.342, de 7 de dezembro de 2017 (Brasil, 2017bBRASIL. Portaria n. 3. 342 GM/MS, de 7 de dezembro de 2017. Divulga lista dos entes federados habilitados ao recebimento do incentivo financeiro de que trata a Portaria n. 3.194/GMS/MS, de 27 de novembro de 2017. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 7 set. 2017b.).

Com o propósito de conhecer o elenco de informações, estratégias e metodologias descritas nos 27 planos, optou-se pela sua leitura, análise e categorização, conforme Tabela 1:

Tabela 1
Sistematização das informações encontradas nos 27 PEEPS - Ano 2019-2020.

Com base nas informações encontradas nos PEEPS, constatou-se que, no processo de sua elaboração, alguns dos gestores e trabalhadores do SUS seguiram as orientações estabelecidas na portaria n. 1.996, de 20 de agosto de 2007, que dispõe sobre as diretrizes para a implementação da PNEPS, e na portaria n. 3.194, de novembro de 2017, que dispõe sobre o PRO EPS-SUS. No entanto, apesar de haver orientações referentes à elaboração dos PEEPS nas normativas da PNEPS, algumas informações importantes não foram localizadas nos 27 planos, a exemplo da descrição do perfil epidemiológico da população, informação que norteia o planejamento das ações de EPS nos diferentes territórios. Essa informação foi encontrada em apenas 17 planos (Brasil, 2017aBRASIL. Portaria n. 3.194 GM/MS, de 27 de novembro de 2017. Dispõe sobre o Programa para o Fortalecimento das Práticas de Educação Permanente em Saúde no Sistema Único de Saúde - PRO EPS-SUS. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 nov. 2017a.).

Constatou-se ainda a inexistência de outras informações importantes, tais como: caracterização da força de trabalho; estimativa de custos para a execução dos planos; a relação entre os problemas de saúde e as ações educativas programadas, dentre outras. Essa ausência aponta para a necessidade do estabelecimento de um roteiro com o elenco de informações consideradas essenciais para compor os respectivos PEEPS que, consequentemente, embasaria os gestores das três esferas de gestão, na tomada de decisão, para as ofertas de apoio técnico e de financiamentos de ações de EPS.

Quanto à construção de indicadores para monitorar a PNEPS, conforme mencionado no documento “Política Nacional de Educação Permanente em Saúde: o que se tem produzido para o seu Fortalecimento?” (Brasil, 2018BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Política Nacional de Educação Permanente em Saúde: o que se tem produzido para o seu fortalecimento? Brasília, DF: MS, 2018. ), o DEGES/SGTES/MS firmou parceria com o Instituto de Saúde Coletiva da Universidade Federal da Bahia, por meio do Termo de Execução Descentralizada n. 150/2017, para o desenvolvimento do Projeto de Monitoramento e Avaliação da PNEPS. O projeto objetiva a elaboração de uma proposta teórico-metodológica para o monitoramento e a avaliação da Política Nacional de Educação Permanente nos vários estados do Brasil. O projeto foi concluído em dezembro de 2021 e encontra-se em fase de publicação do Relatório com o elenco de indicadores para monitorar as ações da PNEPS e com instrumentos de monitoramento.

Análise da trajetória da PNEPS segundo as percepções dos atores que a representam

Nesta pesquisa, constatou-se que 100% dos participantes dos três grupos, ou seja, gestores federais, gestores estaduais/municipais e pesquisadores, concordaram que é fundamental que o planejamento das ações educativas possibilite o envolvimento de trabalhadores, gestores, usuários e membros das instituições formadoras e ocorra de forma ascendente.1 1 As atividades educativas são construídas de maneira articulada com as medidas para reorganização do sistema de atenção, gestão, educação e controle social articulados (Brasil, 2004b, p. 15). Além disso, é necessário garantir que as discussões ocorram nas CIES; que a construção e execução de propostas contem com ampla participação de todos os atores previstos; e que as ações educativas sejam definidas com base nos problemas de saúde identificados no território, considerando a informação demográfica e epidemiológica locorregional e respeitando o Plano Municipal de Saúde (Figura 1).

Figura 1
Análise da dimensão ‘Articulação’ da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde’ pelos atores selecionados. Brasil, 2020.

Constata-se que houve consenso entre o grupo de respondentes desta pesquisa, no entendimento de que a PNEPS necessita do envolvimento de todos os segmentos implicados com as ações de EPS no território. Na atividade de análise dos 27 PEEPS, feita com o desígnio de embasar este estudo, constatou-se que 85% das secretarias estaduais de saúde (SES) inseriram atividades de monitoramento e avaliação das ações de EPS nos seus respectivos PEEPS. Observou-se também a inexistência de atividades de monitoramento dos PEEPS pela gestão federal. Outro fato que corroborou essa constatação foi o empenho dos gestores em pautar a necessidade de apoio técnico do DEGES/SGTES/MS, no sentido de auxiliá-los na implementação da PNEPS nos estados.

Ante o conjunto de argumentos aqui apresentados pelos participantes da pesquisa e tendo como base as normativas da PNEPS, depreende-se que é imprescindível que o planejamento das ações de EPS ocorra de forma ascendente, com a participação de representantes de instituições de ensino, gestores da saúde, equipes e representantes do controle social.

Constata-se também a necessidade de ampliar os espaços de discussão entre os gestores estaduais, gestores federais e membros das instituições de ensino, no sentido de aprofundar o debate e a compreensão acerca do papel da PNEPS na prática nos cenários estaduais. No que concerne aos processos de EPS, Ceccim e Feuerwerker (2004CECCIM, Ricardo B.; FEUERWERKER, Laura C. M. O quadrilátero da formação para a área da saúde: ensino, gestão, atenção e controle social. Physis: Revista de Saúde Coletiva [online], Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 41-65, 2004. https://doi.org/10.1590/S0103-73312004000100004. Disponível em: https://www.scielo.br/j/physis/a/GtNSGFwY4hzh9G9cGgDjqMp/?lang=pt.Acesso em: 30 set. 2022.
https://www.scielo.br/j/physis/a/GtNSGFw...
) afirmam que os atores em formação deverão desenvolver novas propostas pedagógicas, que sejam capazes de mediar a construção do conhecimento e dos perfis subjetivos.

Na questão que abordou a criação dos espaços de articulação, também conhecidos como ‘instância intersetorial e interinstitucional permanente para a formulação, condução e desenvolvimento da PNEPS’, como sendo um espaço essencial para garantir a efetividade das ações de EPS, a afirmação apresentada por um dos participantes foi: “a efetividade das ações de EPS só é possível mediante processos de planejamento articulados de modo interinstitucional, intersetorial e locorregional”. Nota-se, mais uma vez, o distanciamento entre o posicionamento do grupo de gestores federais em relação aos outros grupos participantes da pesquisa (pesquisadores e gestores estaduais/municipais). Isso pode ocorrer, fundamentalmente, pela constante troca de gestores, sobretudo no âmbito federal onde, muitas vezes, os gestores novos não possuem o acúmulo necessário para a compreensão desse ciclo da política pública.

No último questionamento da dimensão ‘Articulação’, conforme a Figura 1, cuja afirmativa foi: “a orientação para a criação e funcionamento das CIES garante o componente participação, que é relativo ao chamado controle social no SUS”, de acordo com as informações trazidas pelos atores selecionados, conclui-se que as instituições com representações nas CIES deverão assegurar que seus representantes participem das reuniões, de forma efetiva e comprometida, com a produção coletiva, com a gestão colegiada e democrática dessa instância e com a construção de arranjos interinstitucionais, para a execução das ações propostas nos instrumentos de planejamento.

Além disso, as CIES deverão ser compostas por membros da formação, da gestão e do controle social, de forma a ampliar a discussão de propostas pautadas na melhoria nos processos de trabalho. França et al. (2017FRANÇA, Tânia et al. Política de Educação Permanente em Saúde no Brasil: a contribuição das Comissões Permanentes de Integração Ensino-Serviço. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 6, p. 1.817-1.828, 2017. https://doi.org/10.1590/1413-81232017226.30272016. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232017002601817&lng=en&nrm=iso. Acesso em: 24 mar. 2021.
http://www.scielo.br/scielo.php?script=s...
, p. 823) pontuam que a composição das CIESs é plural e avaliam que essa pluralidade é positiva por permitir maior abertura da comissão, equilibrando o poder da gestão e fortalecendo o controle social. Ressalta-se que a normativa da PNEPS orienta que a composição das CIES garanta a participação de instituições formadoras, tanto públicas como privadas, de membros das gestões estadual e municipal e do Distrito Federal e de movimentos sociais ligados à gestão das políticas públicas de saúde e do controle social no SUS.

Apesar de haver amparo legal para assegurar a participação do controle social no planejamento das ações de EPS, constata-se, portanto, que é preciso que haja empenho da gestão no sentido de propiciar que essa participação ocorra, de fato, na prática. No tocante ao monitoramento da execução dos PEEPS, sugere-se à gestão federal a realização de encontros presenciais e virtuais com os gestores federais, estaduais e demais envolvidos, no sentido de monitorá-los e apoiá-los, tecnicamente, nas ações da PNEPS.

Convém destacar que, no período de 2007 a 2011, quando havia repasse regular de recursos da PNEPS para estados e o Distrito Federal, o DEGES/SGTES/MS realizava o monitoramento da execução dos PEEPS. Desde o ano 2012, quando o repasse dos recursos financeiros para a execução da PNEPS foi suspenso, os estados, em maior ou menor grau, continuaram desenvolvendo ações da PNEPS, porém, sem o monitoramento do DEGES.

Para compor a análise da dimensão ‘Implementação’ da PNEPS, questionou-se, aos atores participantes desta pesquisa, sobre a oficialidade da PNEPS, para saber se essa oficialidade resultou na perda da sua potência transformadora e inovadora nos diversos espaços, passando a cumprir o papel de mais uma ferramenta de capacitação formal (Figura 2).

Figura 2
Análise da dimensão ‘Implementação’ da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde pelos atores selecionados. Brasil, 2020.

De acordo com os relatos dos participantes, a institucionalização da PNEPS está na dependência da concepção pedagógica praticada nos serviços, bem como no compromisso do Secretário de Estado da Saúde em implementar os princípios e as diretrizes dessa política. Assinalaram, ainda, que os locais de trabalho possuem demandas reais de formação, os gestores têm urgência para tudo e os órgãos de controle querem uma relação custo-benefício imediata. Portanto, a maneira mais burocrática de dimensionar, pagar e avaliar uma formação é obtendo o número de cursos e o número de alunos, desconsiderando, assim, a avaliação da aprendizagem, a composição de coletivos e a transformação do pensamento.

Com base nas justificativas pontuadas pelos participantes, nota-se que ainda há uma confusão entre os conceitos de educação permanente e educação continuada. A educação continuada é definida como processos de aquisição sequencial e acumulativa de informações técnico-científicas pelo trabalhador, por meio de escolarização formal, de vivências, de experiências laborais e de participação no âmbito institucional ou fora dele (Brasil, 2009BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde. O SUS de A a Z: garantindo saúde nos municípios. 3. ed. Brasília, DF: MS, 2009., p. 127). Ressalta-se que, na Educação continuada, o ‘conhecimento’ define as práticas. Já na educação permanente, as práticas são definidas por múltiplos fatores, quais sejam: conhecimento, valores, relações de poder, organização do trabalho. Ademais, a aprendizagem dos adultos requer que se trabalhe com elementos que “façam sentido” para os sujeitos envolvidos, ou seja, “aprendizagem significativa” (Brasil, 2015BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Subsecretaria de Assuntos Administrativos. O Trabalho como fonte de formação: um movimento em construção no Ministério da Saúde - Agenda 2015 de desenvolvimento dos trabalhadores. Brasília, DF: MS, 2015., p. 8).

O segundo ponto de discussão, na dimensão ‘Implementação’, abordou a questão dos repasses de recursos financeiros, cuja afirmação foi: “a baixa capacidade de execução da Política está diretamente relacionada à falta de incentivos financeiros e aos entraves burocráticos para a utilização dos recursos a ela destinados”. Constatou-se que os grupos manifestaram posicionamentos bem próximos quanto ao grau de concordância nesse ponto de discussão.

Tendo por base os argumentos apresentados pelos participantes desta pesquisa, observa-se que a alegação de que há vários fatores desfavoráveis à execução dos recursos foi quase um consenso, principalmente no tocante às legislações locais que engessam essa execução. Como exemplo, relatam a impossibilidade legal de pagamento de hora-aula aos servidores públicos, sob a alegação de que o servidor já recebe o seu salário.

Ainda em relação às questões relativas à dimensão ‘Implementação’ da PNEPS, buscou-se a opinião dos participantes referente à institucionalização dos Núcleos de Educação Permanente em Saúde (NEPS). Cerca de 65% dos participantes concordaram que esses núcleos têm impactado significativamente para o desenvolvimento da PNEPS nos territórios e acreditam que a única maneira de tornar e manter a EPS como uma política é por meio dessas estruturas formais de gestão da própria educação.

Ante o conjunto de argumentos trazidos pelos participantes, pode-se inferir que os NEPS têm favorecido o desenvolvimento da PNEPS no que diz respeito às ações de planejamento, articulação e intersetorialidade, e que a existência desses espaços, no âmbito da SES, possibilita o desenvolvimento contínuo das ações de EPS. Com base nas narrativas dos participantes deste estudo, observa-se, ainda, que a gestão municipal tem reconhecido a importância dos NEPS municipais.

Ao analisar a dimensão ‘Implementação’ da PNEPS, infere-se que um dos motivos para justificar a fragilidade no tocante à oficialidade dessa Política pode ser em consequência de sua fragilidade para regulamentar as ações de EPS, apesar de possuir princípios e diretrizes para orientar a formação. De acordo com os participantes, a PNEPS expõe fragilidade quanto à regulamentação de ações de EPS.

No que concerne à execução da PNEPS, constata-se a necessidade de repasses de recursos financeiros. No entanto, é importante destacar que, embora a inexistência de recursos para essa Política impacte na questão de sua institucionalização, a existência e/ou repasses de recursos regulares não garante a sua execução. A fragilidade na execução da PNEPS pode ser consequência da dificuldade de compreender a sua potência como uma ferramenta com proposta metodológica e ideológica que contribui para interrogar as práticas e auxiliar na construção coletiva dos saberes.

Quanto aos impactos referentes à contribuição dos NEPS, constata-se que, em alguns lugares, esses espaços estão instituídos e vêm desenvolvendo ações de articulação e mobilização, além de promover o reconhecimento e a valorização dos conhecimentos dos trabalhadores locais no que diz respeito à estratégia de mobilização de profissionais para trabalhar as ações de EPS nos respectivos territórios.

Para analisar a dimensão ‘Impactos’ da PNEPS, tendo por base o olhar dos atores selecionados nesta pesquisa, questionou-se acerca dos impactos positivos em relação à execução da PNEPS nos lugares onde está estabelecida a lógica da regionalização e que possuem os colegiados de gestão instituídos (Figura 3).

Figura 3
Análise da dimensão ‘Impactos’ da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde pelos atores selecionados. Brasil, 2020.

Com base nas narrativas apuradas, pode-se inferir a necessidade de uma melhor compreensão acerca da essência da EPS. Assim, conclui-se que a EPS é vista e compreendida como uma ferramenta pedagógica para promover análise crítica dos processos de trabalho e impulsionar a produção do conhecimento. Nessa perspectiva, as necessidades verificadas nos diversos territórios de atuação das equipes de saúde são consideradas como elemento balizador para a produção de conhecimento e de aprendizagem compartilhada.

Para analisar os impactos produzidos com a implantação das orientações da PNEPS no que concerne ao estreitamento da relação entre os serviços de saúde e as instituições de ensino, buscou-se saber se a PNEPS promoveu esse estreitamento. Com base nas afirmações feitas pela maioria dos participantes, a pauta da integração ensino-serviço vem sendo discutida nas esferas de governo, nas CIES, e a PNEPS tem contribuído para efetivar o estreitamento da relação entre os serviços de saúde e as instituições de ensino. Cabe destacar que são eixos fundamentais dessa Política: a formação de profissionais de saúde e o desenvolvimento dos trabalhadores que atuam no SUS.

Na questão formulada para investigar aspectos relativos às trajetórias da PNEPS, empregou-se a seguinte afirmação: “a PNEPS já está totalmente enraizada na cultura institucional do SUS. Suas trajetórias já não dependem tanto das mudanças de ciclos políticos que a alternância de poder traz para a administração pública”. Constatou-se que o índice de concordância foi muito baixo nessa questão.

Diante desses resultados, observa-se que a PNEPS se encontra frágil quanto à sua institucionalização. Percebe-se que a institucionalização dessa Política está subordinada à vontade política para permanecer na agenda.

O último ponto de discussão da dimensão ‘Impactos’ referia-se ao protagonismo das equipes de atenção à saúde, o argumento disparador dessa discussão foi: “a PNEPS tem garantido o protagonismo das equipes de atenção à saúde de forma mais abrangente que o protagonismo exercido pelas equipes de gestão. Portanto, conclui-se que os movimentos de EPS estão sendo gestados nos serviços de saúde”.

Para justificar essa constatação, considerou-se, como fator preponderante, a dinâmica do trabalho exercido pelos profissionais das equipes de gestão e de atenção à saúde, cujos processos de trabalho demandam discussões, estudos de casos e compartilhamento de informações acerca dos problemas de saúde das populações, bem como as necessidades de conhecimento e intervenções nos respectivos territórios de atuação dessas equipes.

Conclusão

Na análise da dimensão ‘Articulação’ da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde, com base nas diretrizes dessa política e nos relatos trazidos pelos atores selecionados para esta pesquisa, realizada em 2020, chegou-se à conclusão de que, para o efetivo desenvolvimento da PNEPS, os espaços de articulação das ações de EPS deverão ser compostos por membros da formação, da gestão e do controle social, de forma a ampliar a discussão de propostas pautadas na melhoria nos processos de trabalho. Para tal, faz-se necessária a participação dos vários segmentos envolvidos com a condução das práticas e com a construção do sistema de saúde. É necessário ainda que as instituições com representações nas CIES garantam a participação de seus representantes, de forma efetiva e comprometida com a produção coletiva e com a gestão colegiada e democrática, prevista nas normativas da PNEPS.

Em relação à participação social nos espaços de discussão da PNEPS, concluiu-se que, apesar de haver amparo legal para assegurar a participação do controle social no planejamento das ações de EPS, é preciso que haja, também, empenho da gestão no sentido de propiciar que essa participação ocorra de forma efetiva na prática.

Ao proceder a análise qualitativa da dimensão ‘Implementação’ da PNEPS, com base nas narrativas dos participantes, inferiu-se que uma possível causa para elucidar a fragilidade verificada no aspecto ‘oficialidade da PNEPS’ diz respeito ao fato de que essa Política venha demonstrando fragilidade na regulamentação das ações de EPS e que, apesar de se tratar de uma Política com princípios e diretrizes para orientar a formação, os argumentos pontuados pelos respondentes evidenciam que a PNEPS encontra-se frágil no que concerne à regulamentação de ações de EPS. Outro aspecto observado nessa dimensão é que houve consenso, para o grupo de participantes selecionados, de que persiste a confusão entre os conceitos de educação permanente e de educação continuada.

Já no item que abordou a questão relacionada à execução da PNEPS, constatou-se a necessidade de repasses de recursos financeiros. Embora somente a existência ou repasses regulares de recursos, a priori, não garante a sua execução. Para que a execução da PNEPS ocorra de fato, são necessários, além da existência de recurso, o compromisso e a vontade política da gestão. Outro aspecto relevante observado nos relatos diz respeito à fragilidade quanto à execução da PNEPS. Percebeu-se que essa fragilidade está diretamente relacionada à dificuldade que alguns gestores têm demonstrado em enxergar a PNEPS como importante proposta metodológica para interrogar as práticas e os processos de trabalho e auxiliar na construção coletiva do conhecimento e no compartilhamento de saberes.

Ao realizar a análise da dimensão ‘Impactos’ da PNEPS, com base nas narrativas trazidas pelos participantes, chegou-se à conclusão de que o aspecto mais importante para produzir impactos positivos quanto à execução dessa Política é a necessidade de que haja uma melhor compreensão acerca da essência da EPS, ou seja: uma ferramenta pedagógica com potencial para colocar o cotidiano do trabalho em análise, por meio da problematização das situações concretas vivenciadas no mundo do trabalho, tendo as necessidades verificadas nos diversos territórios de atuação das equipes de saúde como elemento balizador.

Na investigação sobre os aspectos referentes à implementação da PNEPS, que tinha a seguinte afirmação: “as trajetórias da PNEPS não dependem das mudanças políticas”, constatou-se que a afirmação não é verdadeira. A PNEPS ainda se encontra frágil quanto à sua institucionalização. Entretanto, é preciso considerar que a questão trouxe um elemento delicado: a afirmação de que as trajetórias da PNEPS não dependem das mudanças políticas.

Com base nos relatos apresentados pelos participantes desta pesquisa, conclui-se que a institucionalização dessa Política está subordinada à vontade política para que possa permanecer na agenda. No entanto, as ações de EPS acontecem na micropolítica do trabalho, desde que as equipes a adotem como ferramenta de gestão dos seus processos educativos e percebam-se como protagonistas desses movimentos. No que se refere ao protagonismo das equipes de atenção e de gestão, constata-se que a EPS vem sendo desenvolvida no cotidiano de trabalho das equipes de saúde e nos espaços de gestão, embora, aparentemente, de forma mais tímida nos espaços de gestão e mais abrangente nas equipes de atenção à saúde.

Por fim, reflete-se que os principais resultados desta pesquisa são produtos de estratégias de investigação que envolveu também a aplicação da técnica Delphi, que em outras oportunidades já se mostrou eficaz em temas complexos, como é o caso da EPS, segundo um paradigma da potência das pesquisas qualitativas pela leitura em profundidade de comportamentos e tendências de um fenômeno. Compreende-se que limites toda e qualquer abordagem científica tem e deve ter, o que não é exclusividade das ciências sociais e humanas, pois as conclusões científicas são sempre provisórias e refutáveis. Espera-se que esta pesquisa estimule outras investigações que aprofundem as questões aqui discutidas e faça aprimorar cada vez mais a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde no país, o que é fundamental para o fortalecimento do nosso SUS.

Referências

  • BARDIN, Laurence. Análise de Conteúdo Lisboa: Edições 70, 1977.
  • BRASIL. Lei n. 8.080, de 19 de setembro de 1990. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 19 set. 1990.
  • BRASIL. Portaria n. 198 GM/MS, de 13 de fevereiro de 2004. Institui a Política Nacional de Educação Permanente em Saúde como estratégia do Sistema Único de Saúde para a formação e o desenvolvimento de trabalhadores para o setor e dá outras providências. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 13 fev. 2004a.
  • BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Política de educação e desenvolvimento para o SUS: caminhos para a educação permanente em saúde - polos de educação permanente em saúde. Brasília, DF: MS, 2004b.
  • BRASIL. Ministério da Saúde. Conselho Nacional de Secretarias Municipais de Saúde. O SUS de A a Z: garantindo saúde nos municípios. 3. ed. Brasília, DF: MS, 2009.
  • BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria-Executiva. Subsecretaria de Assuntos Administrativos. O Trabalho como fonte de formação: um movimento em construção no Ministério da Saúde - Agenda 2015 de desenvolvimento dos trabalhadores. Brasília, DF: MS, 2015.
  • BRASIL. Portaria n. 3.194 GM/MS, de 27 de novembro de 2017. Dispõe sobre o Programa para o Fortalecimento das Práticas de Educação Permanente em Saúde no Sistema Único de Saúde - PRO EPS-SUS. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 27 nov. 2017a.
  • BRASIL. Portaria n. 3. 342 GM/MS, de 7 de dezembro de 2017. Divulga lista dos entes federados habilitados ao recebimento do incentivo financeiro de que trata a Portaria n. 3.194/GMS/MS, de 27 de novembro de 2017. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 7 set. 2017b.
  • BRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Política Nacional de Educação Permanente em Saúde: o que se tem produzido para o seu fortalecimento? Brasília, DF: MS, 2018.
  • BRASIL. Portaria n. 1.996 GM/MS, de 20 de agosto de 2007. Dispõe sobre as diretrizes para a implementação da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde. Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Poder Executivo, Brasília, DF, 20 ago. 2007.
  • CECCIM, Ricardo B.; FEUERWERKER, Laura C. M. O quadrilátero da formação para a área da saúde: ensino, gestão, atenção e controle social. Physis: Revista de Saúde Coletiva [online], Rio de Janeiro, v. 14, n. 1, p. 41-65, 2004. https://doi.org/10.1590/S0103-73312004000100004. Disponível em: https://www.scielo.br/j/physis/a/GtNSGFwY4hzh9G9cGgDjqMp/?lang=ptAcesso em: 30 set. 2022.
    » https://doi.org/10.1590/S0103-73312004000100004» https://www.scielo.br/j/physis/a/GtNSGFwY4hzh9G9cGgDjqMp/?lang=pt
  • FEUERWERKER, Laura C. M. (org.). Micropolítica e saúde: produção do cuidado, gestão e formação. Porto Alegre: Rede UNIDA, 2014, p. 92.
  • FRANÇA, Tânia et al Política de Educação Permanente em Saúde no Brasil: a contribuição das Comissões Permanentes de Integração Ensino-Serviço. Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 22, n. 6, p. 1.817-1.828, 2017. https://doi.org/10.1590/1413-81232017226.30272016. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232017002601817&lng=en&nrm=iso Acesso em: 24 mar. 2021.
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232017226.30272016» http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232017002601817&lng=en&nrm=iso
  • LEMOS, Cristiane L. S. Educação Permanente em Saúde no Brasil: educação ou gerenciamento permanente? Ciência & Saúde Coletiva, Rio de Janeiro, v. 21, n. 3, p. 913-922, mar. 2016. http://dx.doi.org/10.1590/1413-81232015213.08182015. Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232016000300913&lng=en&nrm=iso Acesso em: 23 mar. 2021.
    » https://doi.org/10.1590/1413-81232015213.08182015» http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1413-81232016000300913&lng=en&nrm=iso
  • MARQUES, Joana B. V.; FREITAS, Denise. Método Delphi: caracterização e potencialidades na pesquisa em Educação. Pro-Posições [online], Campinas, v. 29, n. 2, p. 389-415, 2018. https://doi.org/10.1590/1980-6248-2015-0140. Disponível em: https://www.scielo.br/j/pp/a/MGG8gKTQGhrH7czngNFQ5ZL/?lang=pt Acesso em: 28 out. 2022.
    » https://doi.org/10.1590/1980-6248-2015-0140» https://www.scielo.br/j/pp/a/MGG8gKTQGhrH7czngNFQ5ZL/?lang=pt
  • 1
    As atividades educativas são construídas de maneira articulada com as medidas para reorganização do sistema de atenção, gestão, educação e controle social articulados (Brasil, 2004bBRASIL. Ministério da Saúde. Secretaria de Gestão do Trabalho e da Educação na Saúde. Departamento de Gestão da Educação na Saúde. Política de educação e desenvolvimento para o SUS: caminhos para a educação permanente em saúde - polos de educação permanente em saúde. Brasília, DF: MS, 2004b. , p. 15).
  • Financiamento

    Não se aplica.
  • Apresentação prévia

    Este artigo é resultado da dissertação de Mestrado Profissional intitulada Análise de políticas públicas: a trajetória da Política Nacional de Educação Permanente em Saúde no Brasil, de autoria de Josefa Maria de Jesus, do Programa de Pós-Graduação em Gestão de Políticas Públicas da Universidade Federal do Tocantins, Campus Universitário de Palmas, defendida em 2021.

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    25 Nov 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    18 Ago 2022
  • Aceito
    10 Out 2022
Fundação Oswaldo Cruz, Escola Politécnica de Saúde Joaquim Venâncio Avenida Brasil, 4.365, 21040-360 Rio de Janeiro, RJ Brasil, Tel.: (55 21) 3865-9850/9853, Fax: (55 21) 2560-8279 - Rio de Janeiro - RJ - Brazil
E-mail: revtes@fiocruz.br