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EDITORIAL

EDITORIAL

A trajetória de 23 anos e 77 edições sucessivas de Educação & Sociedade, como revista dedicada ao debate das pesquisas e políticas educacionais, não lhe permite ignorar a crise das universidades públicas, em especial das universidades federais, e o movimento de resistência que hoje galvaniza as energias da totalidade de seus principais atores ¾ docentes, funcionários técnico-administrativos e discentes ¾ em sua luta por condições de trabalho e contra a privatização ou transformação dessas instituições em universidades empresarial-competitivas.

Sabe-se que a Universidade (educação superior) tornou-se, no limiar do século 21, o último baluarte a ser conquistado pelos defensores das supostas infinitas virtudes do mercado, da empresa comercial, da administração gerencial e da competitividade. Desde 1994, o ensino superior consta da agenda da Organização Mundial do Comércio (OMC) como alvo imediato de liberalização comercial competitiva para júbilo de empresas nacionais e multinacionais de serviços que dele poderão fazer um dos negócios mais rentáveis do atual estágio do capital sem fronteiras. Com base nas teses veiculadas por documentos de organismos multilaterais de que o ensino superior é um serviço com características antes de bem privado que de bem público e de que o retorno social dos recursos investidos nesse nível de ensino é inferior ao dos recursos investidos na educação básica, apressaram-se os governos de diferentes países do centro e da periferia a pôr em prática as recomendações, seja desses organismos supranacionais, seja de intelectuais e centros de pesquisa autóctones, como tem ocorrido no Brasil.

No caso doméstico, primeiro afirmou-se, no Plano Diretor da Reforma do Estado (1995), que as universidades, os institutos de pesquisa e os serviços de saúde são serviços não-exclusivos do Estado ou competitivos. Depois, propôs-se e tentou-se transformar as universidades federais em organizações sociais (entidades públicas não estatais ou fundações públicas de direito privado), administradas de modo gerencial, mediante contratos de gestão, no âmbito do eufemisticamente chamado Programa de Publicização.

Diante da resistência dos principais atingidos a essa forma dissimulada de desresponsabilização do Estado pela manutenção da universidade pública ou de sua privatização, tentou-se a aprovação da Lei da Autonomia, significando substituir a autonomia de gestão financeira dos recursos provindos do Fundo Público, conforme reza a Constituição Federal, por autonomia financeira, isto é, pela suposta autonomia das empresas econômicas. As universidades federais seriam brindadas com o direito e o dever de buscarem junto à iniciativa privada (via mensalidades, venda de serviços e consultorias, doações etc.) a complementação ou a totalidade dos recursos para sua própria subsistência. Mais uma vez frustrados nesta nova tentativa e aproveitando-se das fragilidades de uma greve de meados de 1998, os responsáveis oficiais pela transformação das universidades federais em universidades empresarial-competitivas impõem, como única forma de melhoria da remuneração do trabalho dos docentes em greve, a famigerada Gratificação de Estímulo à Docência (GED). Gratificação anti-isonômica e destruidora da carreira docente, fundada em critérios de desempenho e produtividade, é a GED a verdadeira ponta-de-lança da estratégia que visa introduzir mecanismos competitivos da empresa privada no interior da universidade pública, além de forçar a adoção por esta da administração estritamente gerencial. Somada ao estímulo à criação, no interior das universidades públicas, de fundações privadas, constitui-se em arma decisiva de privatização pura e simples dessas instituições. Não é por outra razão que a GED se pôs, para o MEC, como ponto de pauta inegociável na greve em curso: qualquer mudança na sua concepção estratégica poderia significar um desgaste irreparável ou a derrota de uma política carinhosamente acalentada e posta em prática desde 1995.

A introdução da GED, o congelamento salarial por sete anos, a redução significativa dos recursos de manutenção das instituições federais de ensino superior são as marcas mais visíveis da política oficial de transformação da educação superior no país num negócio de quase exclusivo interesse privado, razões que explicam o atual movimento grevista de resistência à destruição de um patrimônio público que há décadas e a duras penas vinha sendo construído.

A solidariedade de E&S a este movimento de resistência revela-se nesta edição na cessão de espaço em suas páginas à manifestação de representantes de sua coordenação nacional, traduzida no texto "Aonde vai a educação pública brasileira?". Ao sucesso deste movimento é dedicado também este número.

Nesta edição, abre-se, com "O eclipse, o dragão e o cinema: Estudo sobre o filme O estado do cão", de Milton José de Almeida, uma nova sessão, denominada Imagens & Palavras, que amplia, introduzindo ensaios críticos sobre cinema e outras artes visuais, o espaço até agora dedicado exclusivamente a resenhas de livros e documentos assemelhados.

E&S publica, neste número, entre outros de igual importância, quatro textos com traços muito semelhantes: 1) "Autonomia e descentralização: A (ex)tensão do tema na agenda das políticas educacionais recentes"; 2) "A produção do conhecimento sobre a política educacional no Brasil: Um olhar a partir da Anped"; 3) "Reestruturação produtiva no Brasil: Um balanço crítico da produção bibliográfica"; e 4) "A produção acadêmica sobre organização docente: Ação coletiva e relação de gênero". Constituem exemplos de artigos de revisão crítica da produção teórica sobre temas de interesse da comunidade científica da área e um oportuno ensaio para a criação de uma nova sessão nesta revista, a ser intitulada Revisão & Síntese.

O Jornal da Educação publica documento do Cedes sobre a mobilização nacional ¾ promovida pelo Conselho Nacional de Educação (CNE) ¾ em torno das novas Diretrizes Curriculares, apresentado em reunião com as associações científicas do campo educacional, ocorrida em Brasília, no dia 7 de novembro de 2001.

O Cedes esteve representado no Fórum Mundial de Educação, realizado em Porto Alegre, de 24 a 27 de outubro de 2001. A Carta do Fórum na sua primeira versão está à disposição dos sócios para eventuais sugestões de alterações no site do Centro (www.cedes.unicamp.br). A Revista publicará a versão definitiva que sairá por ocasião do II Fórum Mundial, a se realizar em Porto Alegre, de 31 de janeiro a 4 de fevereiro de 2002.

Finalmente, Educação & Sociedadenão poderia deixar de, nesta oportunidade, prestar a mais justa e merecida homenagem ao educador Casemiro dos Reis Filho. Recordar sua trajetória de vida e sua enorme contribuição para o fortalecimento da educação pública como direito inalienável e bem supremo de cidadania foi a forma escolhida de homenageá-lo e de contribuir para perenizar sua memória.

Comitê de Redação

Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    06 Mar 2002
  • Data do Fascículo
    Dez 2001
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