Open-access Influências do poder central no planejamento da educação dos municípios da região metropolitana do Recife

Influence of the central power on the educational planning of Recife Metropolitan Region

Influences du pouvoir central dans la planification de l'education dans la region de Recife (Bresil)

Resumos

O artigo, baseado em resultados de pesquisa, tem por ancoragem a realidade das metrópoles brasileiras, a partir da qual são feitas reflexões sobre o planejamento voltado, nas intenções proclamadas, para superar as desigualdades educacionais. Focalizam-se os quatorze municípios da Região Metropolitana do Recife, considerando-se características que os diferenciam e os aproximam. Entre outras dimensões, de modo explícito ou subjacente, trata-se do papel das municipalidades face aos novos padrões da regulação social, singularidades assumidas pelas políticas educativas nesse quadro, sobretudo em termos das relações interinstitucionais (poder central x poder local) e especificidades da região: sua economia, história e cultura. As decisões expressas no Plano de Ações Articuladas (PAR) e o discurso de gestores municipais são o espaço empírico do estudo.

Planejamento e política municipal de educação; Região Metropolitana do Recife; Regime de colaboração


This paper, based on research results, has as an anchorage the reality of Brazilian metropolises and, from such reality; some reflexions are made about the planning of the intentions announced, to overcome educational inequalities. The fourteen municipalities of Recife Metropolitan Region are focused, considering characteristics that differentiate them and bring them near as well. Among other dimensions, in an explicit or a subjacent fashion, it is discussed the role of municipalities in view of the new patterns of social regulation, singularities assumed by the educational policies in this scene, chiefly regarding the relations between institutions (central power x local power) and the specificities of the region: its economy, history and culture. The decisions expressed in the Plan of Articulated Actions (PAA) and the discourse of the municipal managers are the empiric space of this study.

Planning and the educational municipal politics; Recife Metropolitan Region; Collaboration regime; Plan of Articulated Actions


L'article, résultat d'une recherche basée sur la réalité des métropoles brésiliennes, réfléchit, selon les déclarations d'intention, sur un aménagement essayant de surmonter les inégalités éducatives. On travaille sur les Villes de la région de Recife et on a considéré, dans cette recherche, les caractéristiques qui les rapprochent et les différencient. Il s'agit, entre autres, du rôle des municipalités face aux nouveaux paradigmes de régulation sociale, notamment en ce qui concerne les relations inter-institutionnelles (pouvoir central X pouvoir local) et les particularités de la région: son économie, son histoire et sa culture. Le Plan d'Actions Articulées (PAR) et le discours des gestionaires municipaux sont le terrain empirique de cette étude.

Aménagement et politique municipale d'éducation; Région Métropolitaine de Recife; Système de collaboration; Plan d'Action Articulées


ARTIGOS

Influências do poder central no planejamento da educação dos municípios da região metropolitana do Recife

Influence of the central power on the educational planning of Recife Metropolitan Region

Influences du pouvoir central dans la planification de l'education dans la region de Recife (Bresil)

Janete Maria Lins de AzevedoI; Ana Lúcia Felix dos SantosII

IDoutora em Ciências Sociais e professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco (Ufpe), E-mail: janete.lins@gmail.com

IIDoutora em Educação e professora do Programa de Pós-Graduação em Educação da Universidade Federal de Pernambuco (Ufpe), E-mail: analufelix@gmail.com

RESUMO

O artigo, baseado em resultados de pesquisa, tem por ancoragem a realidade das metrópoles brasileiras, a partir da qual são feitas reflexões sobre o planejamento voltado, nas intenções proclamadas, para superar as desigualdades educacionais. Focalizam-se os quatorze municípios da Região Metropolitana do Recife, considerando-se características que os diferenciam e os aproximam. Entre outras dimensões, de modo explícito ou subjacente, trata-se do papel das municipalidades face aos novos padrões da regulação social, singularidades assumidas pelas políticas educativas nesse quadro, sobretudo em termos das relações interinstitucionais (poder central x poder local) e especificidades da região: sua economia, história e cultura. As decisões expressas no Plano de Ações Articuladas (PAR) e o discurso de gestores municipais são o espaço empírico do estudo.

Palavras-chave: Planejamento e política municipal de educação. Região Metropolitana do Recife. Regime de colaboração. Plano de Ações Articuladas.

ABSTRACT

This paper, based on research results, has as an anchorage the reality of Brazilian metropolises and, from such reality; some reflexions are made about the planning of the intentions announced, to overcome educational inequalities. The fourteen municipalities of Recife Metropolitan Region are focused, considering characteristics that differentiate them and bring them near as well. Among other dimensions, in an explicit or a subjacent fashion, it is discussed the role of municipalities in view of the new patterns of social regulation, singularities assumed by the educational policies in this scene, chiefly regarding the relations between institutions (central power x local power) and the specificities of the region: its economy, history and culture. The decisions expressed in the Plan of Articulated Actions (PAA) and the discourse of the municipal managers are the empiric space of this study.

Key words: Planning and the educational municipal politics. Recife Metropolitan Region. Collaboration regime. Plan of Articulated Actions.

RÉSUMÉ

L'article, résultat d'une recherche basée sur la réalité des métropoles brésiliennes, réfléchit, selon les déclarations d'intention, sur un aménagement essayant de surmonter les inégalités éducatives. On travaille sur les Villes de la région de Recife et on a considéré, dans cette recherche, les caractéristiques qui les rapprochent et les différencient. Il s'agit, entre autres, du rôle des municipalités face aux nouveaux paradigmes de régulation sociale, notamment en ce qui concerne les relations inter-institutionnelles (pouvoir central X pouvoir local) et les particularités de la région: son économie, son histoire et sa culture. Le Plan d'Actions Articulées (PAR) et le discours des gestionaires municipaux sont le terrain empirique de cette étude.

Mots-clés: Aménagement et politique municipale d'éducation. Région Métropolitaine de Recife. Système de collaboration. Plan d'Action Articulées.

Introdução

Sem fugir da realidade peculiar ao mundo capitalista, a questão metropolitana no Brasil emerge e evolui como um dos resultados perversos da modernização, acrescida das singularidades do modelo de desenvolvimento que trilhamos, sobretudo, a partir da década de 1930. Portanto, tem sido problematizada desde que se firmou o fenômeno da urbanização entre nós. No entanto, vem se agravando fortemente em função dos imperativos advindos da nova ordem mundial globalizada e dos padrões da regulação social que afloraram, cujos impactos afetam significativamente os espaços locais, a força de trabalho, as políticas públicas e, por conseguinte, as políticas educativas.

O substrato da questão urbana, como sabemos, não se preenche apenas com problemas de moradia. Esses problemas, é verdade, constituem o polo nucleador e desencadeador de um conjunto de carências para as pessoas que habitam as metrópoles, fenômeno que se materializa no presente por meio da pouca eficácia e mesmo da ausência de políticas públicas capazes de atender adequadamente às necessidades do grosso da população e, particularmente, seus direitos sociais assegurados legalmente na Constituição, tal como ocorre com o direito à educação com qualidade socialmente referenciada.

Ribeiro (2007) nos chama a atenção para os dilemas e incertezas a respeito das possibilidades da experiência urbana conseguir reeditar, no presente, certos impulsos civilizatórias voltados para a homogeneização social que, em certa medida, ocorreram no passado. Isto, quando o movimento da acumulação do capital − segundo as premissas do taylorismo/fordismo (Harvey, 1993) −, ao requerer o uso da força de trabalho na condição de assalariada e, portanto, como mercadoria, criou a necessidade de desmercantilização de parte das cidades, o que se exprimiu na adoção do planejamento do uso do solo, de políticas de habitação popular, de transportes públicos, entre outras políticas sociais. Segundo o autor:

As narrativas contemporâneas, sejam elas acadêmicas ou jornalísticas, são marcadas crescentemente por imagens antiurbanas, descrevendo as grandes cidades como um mundo social que, além da precariedade e da pobreza, é anômico e regressivo, lugar de insegurança e dos riscos sociais inerentes a uma sociedade de indivíduos atomizados, ligados apenas por relações instrumentais. (p. 23)

Todavia, de uma perspectiva técnico-administrativa, entende-se que regiões metropolitanas são constituídas por um conjunto de municípios que:

(...) gravitam em torno da grande cidade, formando com esta uma unidade socioeconômica, com recíprocas implicações nos seus serviços urbanos e interurbanos. Assim sendo, tais serviços deixam de ser de exclusivo interesse local, por vinculados estarem a toda comunidade metropolitana. Passam a constituir a tessitura intermunicipal daquelas localidades, e, por isso mesmo, devem ser planejados e executados em conjunto, por uma administração unificada e autônoma, mantida por todos os Municípios da região, na proporção dos seus recursos e, se estes forem insuficientes, hão de ser complementados pelo Estado e até mesmo pela União, por que os seus benefícios se estendem aos governos estadual e federal. (Panizzi, 1977, p. 52)

No caso brasileiro, os estudos concernentes demonstram que nas nossas regiões metropolitanas se acentuaram as carências de serviços básicos e de equipamentos sociais coletivos. Elas congregam um total de 463 municípios que abrigam cerca de 50% da população pobre do país, e 90% dos domicílios em favelas. Neste contexto, no conjunto das 29 regiões metropolitanas legalmente instituídas, de cada quatro habitantes, um vive em condições de pobreza e aproximadamente 30% das pessoas enfrentam dificuldades para o acesso e a utilização de equipamentos sociais básicos (Magalhães, 2010).

É esse o espaço social integrado pela Região Metropolitana do Recife (RMR), o qual contribui fortemente para o modo da oferta da escolarização por parte dos poderes públicos, e para o seu usufruto por parte dos munícipes que a habitam. As dificuldades para que os processos educativos se efetivem com a devida qualidade explicitam e, ao mesmo tempo, influenciam as precárias condições de vida das pessoas. De fato, ainda que o efetivo usufruto do direito à educação não garanta, per si, melhores condições de vida, certamente ele constitui elemento importante para que estas possam ser alcançadas.

O presente trabalho tem por ancoragem essa realidade, a partir da qual desenvolvemos uma reflexão sobre o planejamento que se tem construído, visando, nas intenções proclamadas, à superação das desigualdades educacionais. Para tanto, nosso foco são os quatorze municípios que compõem a RMR, levando em conta características que os diferenciam e os aproximam. Para tanto, consideramos, entre outras dimensões – seja de modo explícito ou subjacente –, o papel das municipalidades no contexto dos novos padrões da regulação social (face ao movimento das globalizações), singularidades que vêm assumindo as políticas educativas em tal quadro, mormente no que concerne às relações interinstitucionais (poder central x poder local) e as especificidades da região em termos de sua economia, história e cultura.1

Tudo isso tendo como premissa que os dilemas encontrados nas metrópoles não anulam potencialidades emancipatórias nelas presentes. Conforme Santos (1996), as metrópoles, como locais que se mundializaram, são lugares globais complexos nos quais se encontram inúmeros vetores: desde os que se imbricam com as lógicas hegemônicas, até os que se posicionam contrários a ela; vetores de todas as naturezas, com finalidades diversas, todavia entrelaçados pelo mesmo espaço. E prossegue:

Por isso a cidade grande é um enorme espaço banal, o mais significativo dos lugares. Todos os capitais, todos os trabalhos, todas as técnicas e formas de organização podem aí se instalar, conviver, prosperar. Nos tempos de hoje, a cidade grande é o espaço onde os fracos podem subsistir. Graças à sua configuração geográfica, a cidade, sobretudo a grande, aparece como diversidade socioespacial a comparar vantajosamente com a biodiversidade hoje tão prezada pelo movimento ecológico. Palco da atividade de todos os capitais e de todos os trabalhos, ela pode atrair e acolher as multidões de pobres expulsos do campo e das cidades médias pela modernização da agricultura e dos serviços. E a presença dos pobres aumenta e enriquece a diversidade socioespacial, que tanto se manifesta pela produção da materialidade em bairros e sítios tão contrastantes, quanto pelas formas de trabalho e de vida. Com isso, aliás, tanto se ampliam a necessidade e as formas da divisão do trabalho, como as possibilidades e as vias da intersubjetividade e da interação. É por aí que a cidade encontra o seu caminho para o futuro. (Santos, op. cit., p. 14)

Desta perspectiva, as cidades têm sido consideradas como o espaço que detém as condições de ser a sustentação do exercício da cidadania, da aceitação das diferenças, do multiculturalismo, da participação cidadã, do exercício da fraternidade e da solidariedade. Entretanto, face aos padrões de sociabilidade imperantes, elas têm sido o lócus diretamente relacionado com as práticas competitivas, a violência, a insegurança, o desconhecido, o anonimato, o individualismo, a desconfiança, enfim, o epicentro da exclusão. Contudo, esses problemas não são passíveis de soluções universais, visto que decorrem predominantemente de padrões globais. Sendo assim, por serem experienciados localmente, tentativas para a sua superação demandam a articulação das relações sociais segundo uma perspectiva solidária e integrada aos próprios espaços locais. Perante tal quadro é que Milton Santos (1996, p. 26) afirmou ser "a cidade o único lugar em que se pode contemplar o mundo com a esperança de produzir um futuro". Este posicionamento, contudo, não pode relegar o fato de que as cidades são produtos de processos históricos. Como uma construção humana, são integradas por pessoas, empresas, instituições, valores, manifestações sociais, forças que a dinamizam e as tornam atuantes. Igualmente, a educação como uma dessas instituições não existe no abstrato e sim como uma prática intrinsecamente integrada ao meio social no qual se processa, podendo contribuir tanto para a sua reprodução como para a sua mudança (Azevedo, 2009).

A Região Metropolitana do Recife (RMR)

A RMR foi criada dentro dos referenciais normativos autoritários de planejamento característicos dos governos militares. Ela surge por lei federal promulgada no ano de 1973, juntamente com as regiões de São Paulo, Belo Horizonte, Porto Alegre, Salvador, Curitiba, Belém e Fortaleza. Na atualidade, compõe um dos quinze grandes espaços urbanos metropolitanos brasileiros (Geubs), entre os quais detém o segundo maior Produto Interno Bruto (PIB) dos localizados nas regiões Norte e Nordeste. Porém, é a 9ª colocada em relação ao PIB do conjunto em destaque (Tabela 1).

Um bom indicador das carências da RMR são os dados da Tabela 2. Entre as nove regiões que constituem o campo da Pesquisa Nacional por Amostragem de Domicílios (PNAD), observamos que no interstício de oito anos ela permaneceu no segundo lugar entre as que apresentam maiores índices de analfabetismo encontrados na população de 15 anos e mais. Proporcionalmente, ainda que a Grande Fortaleza detenha o maior número de analfabetos nesta faixa de idade (10,2% em 2008), conseguiu uma redução de 2,3% no período considerado. Ao passo que, em Recife, mesmo tendo diminuído seus analfabetos de 11,0% em 2001 para 8,9% em 2008, nota-se que a diminuição foi de 1,1%, menor do que a média observada entre o conjunto, que foi de 1,4% (Tabela 2).

De início composta por nove cidades, a RMR teve ao longo de três décadas este número ampliado para quatorze, tanto pelo alargamento do seu perímetro, como pela criação de novos municípios por meio do desmembramento de distritos no seu próprio interior (Bitoun et al., 2006). São eles: Abreu e Lima, Araçoiaba, Cabo de Santo Agostinho, Camaragibe, Igarassu, Ipojuca, Itamaracá, Itapissuma, Jaboatão dos Guararapes, Moreno, Olinda, Paulista, Recife e São Lourenço da Mata.

A ocupação da região principiou pelo núcleo Olinda e Recife comandada pela economia canavieira que marcou profundamente o seu delineamento e composição, deixando heranças que remanescem até o presente. A lógica do planejamento urbano subordinou-se à expansão/retração desta atividade, sobretudo nos limites dos núcleos periféricos, lócus das grandes propriedades de terra onde se situavam os antigos engenhos: o planejamento, entre outros aspectos, podia estar ao sabor do desejo do grande proprietário de lotear ou não suas terras. Para a população pobre, face à grande valorização dos terrenos planos, secos e aterrados, restou a ocupação de áreas alagadas, íngremes (sobretudo nos morros), interditadas para construções, ou sem valorização. Deste modo, a paisagem urbana foi surgindo com marcas delineadas por carências de toda ordem e, portanto, entremeada pelas desigualdades (Miranda & Souza, 2004).

Conforme Bitoun et al. (2006), as bases patrimonialistas e oligárquicas em que foi erigida a sociedade metropolitana, aliadas às relações de poder que então se forjaram, trouxeram elementos que ainda se fazem presentes nos padrões das políticas públicas e na sua gestão. São marcas que, no presente, constituem-se em empecilhos para o controle social das mesmas, pela restrição do espaço público e, por conseguinte, da participação cidadã nas decisões de interesse coletivo e, ainda, pelo próprio estreitamento dos limites entre o público e o privado traçados pelo conservadorismo das elites.

Assim, tal como ocorre com as metrópoles brasileiras e quiçá de outros países, a RMR, ao mesmo tempo em que historicamente tem ganhado destaque econômico, demográfico e institucional, vem sofrendo a agudização de problemas sociais. São problemas que expressam as relações entre os territórios e a segmentação social, cuja manifestação se dá nos índices de desemprego, pobreza, miséria, violência, baixa escolarização, entre outros.

Dados do Censo de 2010 nos permitem ter uma ideia das condições de pobreza vigentes no espaço em análise, mesmo levando em conta que a miséria absoluta vem diminuindo desde a última década, como também as taxas de desemprego. Apenas em quatro dos quatorze municípios da RMR a média da renda nominal per capta de seus habitantes situava-se acima de um salário mínimo, à época equivalente a R$ 510,00. Note-se que Recife, o município polo, destaca-se no grupo com uma renda média correspondente a pouco mais de dois salários. Todavia, em nove municípios (64,3% do total) o rendimento nominal per capita de mais de um terço da sua população situava-se entre pouco mais de um quarto até meio salário mínimo. O paroxismo dessa situação foi encontrado em Moreno, com um percentual de 57,50%, e em São Lourenço da Mata, com 53,61% (Tabela 3).

De uma perspectiva global, observamos, nas informações contidas no Quadro 1, que o conjunto dos municípios da RMR ocupa uma área de cerca de 2.707 km2, o que representa em torno de 2,8% da área total do estado de Pernambuco (98.146,315 km2). No que concerne à população, a Região em tela abriga 43,2% do total da do estado, mas vale destacar que 77,5% dos seus 3.688.428 habitantes residem em apenas quatro municípios: Recife, Olinda, Jaboatão dos Guararapes e Paulista.


Quase 90% do PIB da RMR são produzidos em cinco dos quatorze municípios, quais sejam: Recife (49,1%), Jaboatão dos Guararapes (14,0%), Ipojuca (13,7%), Cabo de Santo Agostinho (7,1%) e Olinda (5,2%). Como podemos verificar, são muitas as disparidades e desigualdades encontradas neste espaço metropolitano, quando focalizamos a produção de riquezas que nele se realiza. É importante destacar, nesse contexto, o desempenho que vem alcançando Ipojuca face ao dinamismo proporcionado pelos novos empreendimentos produtivos que estão na sua área, notadamente o conjunto de atividades econômicas agrupadas no Complexo de Suape. Entretanto, esse próprio desempenho é indicador dos padrões que assumem as desigualdades: no ano 2008 Ipojuca detinha o maior PIB per capita da região, sem que isto venha significando uma efetiva melhoria na distribuição da renda. Como mostram os dados da Tabela 3, anteriormente comentados, em 2010 cerca de 50% dos seus habitantes tinham até meio salário mínimo como renda per capita mensal.

As questões educacionais no âmbito da região

Como sabemos, é de responsabilidade constitucional dos municípios a oferta da educação infantil (em creches e na pré-escola) e do ensino fundamental, sendo possível, neste último caso, repartir a responsabilidade com o estado federado a que pertencem. É comum no país, particularmente nas regiões Norte e Nordeste, o arranjo por meio do qual as municipalidades encarregam-se das séries iniciais do fundamental e os estados das séries finais. A estes últimos cabe, também por preceito constitucional, garantir a oferta do ensino médio em seus territórios. Estes níveis educacionais, que constituem em seu conjunto a educação básica, têm financiamento garantido por meio de recursos constitucionalmente vinculados, os quais, em grande parte, formam o Fundo de Desenvolvimento da Educação Básica e Valorização do Magistério (Fundeb).

A despeito de podermos afirmar que a educação tenha se tornado uma política pública e, portanto, alvo da ação do Estado desde os anos de 1930, só muito recente­mente, na década de 1990, atingiu um amplo grau de cobertura, particularmente no nível fundamental, patamar obrigatório e gratuito. De fato, a universalização do acesso a este nível de ensino, então para a população na faixa de 7 a 14 anos,2 desde o final dos anos de 1990 passou a alcançar mais de 90% destes contingentes, e desde 2003 tem oscilado entre 93% e 96%.

No caso da RMR, estudos indicaram que, mesmo relativamente distante da atual média brasileira, no início da década de 2000, a cobertura das crianças e adolescentes entre 7 a 14 anos no ensino fundamental atingia mais de 90% do total. No entanto, outra realidade completamente diferente era a do ensino médio, que pouco absorvia os jovens na faixa de 15 a 17 anos. Em Ipojuca e Araçoiaba estavam os menores índices de cobertura (13,0% e 13,7%, respectivamente), sendo em Paulista o maior percentual encontrado, mas, mesmo assim, atingia apenas 36,9% deste contingente populacional (Azevedo & Marques, 2010).

No presente, mesmo que a universalização do acesso ao ensino fundamental esteja praticamente resolvida, os grandes desafios em termos da expansão da cobertura voltam-se para a educação infantil e para o ensino médio. Apesar disso, os indicadores educacionais mostram que o acesso ao fundamental, e mesmo aos outros níveis, vem se dando de modo bastante desigual, sem o devido respeito a padrões de qualidade que efetivamente garantam a escolarização da população. Malgrado que limitados em sua concepção, alguns indicadores disponíveis têm servido como vitrine dos parcos resultados que a escola pública vem produzindo. Entre eles situa-se o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb),3 como indicador da qualidade do ensino e norteador de políticas públicas voltadas para o equacionamento de problemas considerados como impeditivos para melhor desempenho das escolas. O Ideb possui uma escala de zero a dez, sendo consideradas notas adequadas, em termos do êxito das aprendizagens, aquelas iguais ou superiores a seis.

Ao observarmos os dados da Tabela 4 podemos verificar os resultados do Ideb das escolas públicas localizadas nos quatorze municípios da RMR. A maioria obteve ligeiro aumento de seus índices entre os anos 2007 e 2009, com exceção dos de Abreu e Lima e Ipojuca, que permaneceram no mesmo patamar. Nas escolas da rede municipal destacam-se Itapissuma e Igarassu, ao passo que nas de Abreu e Lima houve uma involução. De modo geral, os resultados podem ser considerados pífios, visto que denotam um longo caminho a ser percorrido para que se atinja a média 6, que revela um desempenho minimamente adequado em termos das aprendizagens.

A exemplo do que vem ocorrendo com o governo federal, o governo do estado de Pernambuco criou seus próprios indicadores, objetivando "medir" a qualidade dos processos educativos realizados pelas escolas públicas municipais e estaduais situadas no seu território. Trata-se do Índice do Desenvolvimento da Educação em Pernambuco (Idepe), que se inspira no Ideb ao levar em conta o fluxo escolar e o desempenho dos alunos das séries finais do ensino fundamental (4ª série = 5º ano, e 8ª série = 9º ano) e do ensino médio no Saepe em Língua Portuguesa e Matemática. A meta é que cada escola atinja a média 6 até 2022, o que representa ainda um planejamento muito tímido face às carências de escolarização no estado e na região em análise.

Os problemas existentes na oferta do ensino fundamental, nível que tem o melhor padrão de cobertura, aparecem com maior nitidez nos dados do Quadro 2. Notamos que a mesma situação encontrada em 2007 nos municípios de Abreu e Lima, Itamaracá e Moreno continuava em 2010, visto que não houve incremento nos resultados obtidos pela média dos alunos nos testes. Por outra parte, nos trabalhos de campo constatamos que em 2010 Abreu e Lima, Camaragibe, Itamaracá e Itapissuma ainda não haviam implantado o ensino fundamental de nove anos, como determina a legislação. É possível observar que são municípios cujo montante de riquezas produzidas é relativamente menor do que os demais, conforme indicam seus PIBs; por conseguinte, têm menos recursos para investir nas suas obrigações, certamente necessitando da colaboração dos demais entes federativos para tanto. Não obstante, Araçoiaba (14º PIB), Moreno (12º) e São Lourenço da Mata (11º) têm condições piores e conseguiram atender à nova regulação (Quadro 2).


Na média, quase todos os municípios obtiveram algum incremento, quando se comparam as notas do Ideb de 2007 com as do Idepe de 2010. É preocupante, porém, a estagnação de Araçoiaba, Itamaracá, Moreno e de São Lourenço da Mata nos exames relativos à nona série, sendo que este último município sofreu uma involução. Mas São Lourenço é apenas o caso mais grave. No conjunto, os resultados finais do ensino fundamental mostram que continuam proliferando analfabetos funcionais na RMR, ao se ter em conta que a média obtida é de apenas 2,71, com uma dispersão que varia de 2,4 (em Araçoiaba a menor nota) até 3,1 em Jaboatão dos Guararapes (a maior nota encontrada na distribuição). Pode-se observar que não há, necessariamente, uma correlação positiva entre os melhores desempenhos e o maior grau de riquezas produzidas em cada município. Um exemplo são as próprias situações de Recife, Ipojuca e Olinda, o que é indicativo dos padrões desiguais de distribuição das riquezas produzidas na Região (ver Quadro 2).

Os municípios da RMR e a União: o planejamento voltado para superar as desigualdades na educação

Desde a Constituição de 1988, as municipalidades foram alçadas à condição de ente federativo, cabendo-lhes um conjunto de atribuições no provimento das políticas públicas onde se inserem as políticas de educação. É a partir deste contexto jurídico e político que a questão do regime de colaboração entra em pauta, sendo, em certa medida, normatizado, mas sem uma regulamentação própria tal como previsto na Carta Magna.

O regime de colaboração, desde então, passou a ser defendido como um mecanismo de apoio/cooperação entre a União, estados e municípios na definição e implementação das políticas educativas voltadas para o efetivo usufruto da educação com qualidade. Isto, particularmente, ao se considerar as assimetrias presentes na realidade brasileira e, sobretudo, os problemas atávicos presentes na maior parte de suas municipalidades.

Durante os governos do presidente Lula, duas medidas importantes de política educacional foram implementadas, visando à melhoria da educação básica por meio do fortalecimento do regime de colaboração. Uma delas, como já referido anteriormente, foi a instituição do Fundeb. Este vinha sendo demandado pelas forças organizadas do campo educacional, como um dos instrumentos para financiar todos os patamares da educação básica, desde o período das discussões e promulgação do Fundo de Desenvolvimento de Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef).4 Trata-se, como sabemos, de um fundo de natureza contábil, composto por recursos vinculados de cada estado e seus municípios, o que pressupõe ações conjuntas para a consecução de objetivos comuns. O Fundeb foi implantado em janeiro de 2007, com a vigência de 14 anos, tendo, entre seus objetivos, o estabelecimento mais efetivo da cooperação entre os diferentes níveis de governo, quanto ao provimento dos recursos e às responsabilidades assumidas em relação ao atendimento quantitativo e qualitativo da educação básica pública, observadas as prioridades que lhes impõe a Constituição Federal, no artigo 211 (Azevedo & Marques, 2010).

A segunda medida de política do governo federal foi também proclamada como meio de buscar a melhoria da educação básica e se consubstanciou no Plano de Desenvolvimento da Educação (PDE), bem como na implementação do plano de metas Compromisso Todos pela Educação pela União em regime de colaboração com municípios, estados e Distrito Federal e com a ampla participação das famílias e da comunidade. Tudo isto por meio de programas e ações de assistência técnica e financeira, objetivando promover a mobilização social com vistas à melhoria da qualidade da educação básica (Brasil, 2007). São determinações estabelecidas no Decreto n. 6.094, de 24 de abril de 2007. Entre outras iniciativas, o Compromisso se propôs a articular esforços visando à melhoria da qualidade verificada a partir do Ideb. Para tanto, foram apresentadas diretrizes para adoção pelos estados e municípios na gestão de suas redes de escolas e nos processos de ensino e aprendizagem, por meio de convênios de cooperação firmados pelos entes subnacionais com o Ministério da Educação.

No Compromisso está inserida a proposta do Plano de Ações Articuladas (PAR), por meio do qual foram firmados planos de ações de cooperação técnica e financeira entre o Ministério e a instância apoiada.5 Desde o lançamento do PDE, as ações do MEC, consubstanciadas nas transferências voluntárias e na assistência técnica, passaram a ser vinculadas ao PAR. Para a construção deste Plano, o gestor explicita o tipo de apoio que necessita e detalha as ações concernentes e, a partir da sua aprovação, os dirigentes assinam o termo de cooperação técnica.

É interessante destacar que a adesão ao PAR é voluntária, mas, desde a divulgação do PDE, o apoio técnico e financeiro do Ministério da Educação aos demais entes federados ficou condicionado à assinatura do plano de metas Compromisso Todos pela Educação. É após esta assinatura que os entes elaboram seu PAR, cuja vigência primeira ficou estabelecida para um período de quatro anos (2008 a 2011). Por meio deste modo de cooperação, de certa maneira, imposto, é que o conjunto dos 5.563 municípios do país, seus 26 estados federados e o Distrito Federal firmaram o referido compromisso.

A dinâmica do PAR compreende três tipos de procedimentos. O primeiro diz respeito à realização de um diagnóstico da realidade da educação e o segundo é a elaboração do Plano, sendo ambos responsabilidades do município e do estado federado. Ficou previsto que o Plano deveria compreender quatro dimensões, quais sejam: gestão educacional; formação de professores e dos profissionais de serviço e apoio escolar; práticas pedagógicas e avaliação; infraestrutura e recursos pedagógicos. A terceira etapa é a análise técnica, feita pela Secretaria de Educação Básica do Ministério da Educação e pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE). Depois da análise técnica, o município assina um termo de cooperação com o MEC, do qual constam os programas aprovados e classificados segundo a prioridade municipal. O termo de cooperação detalha a participação do Ministério – que pode ser com assistência técnica, por um período ou pelos quatro anos do PAR, e assistência financeira.

Na pesquisa, constatamos que todos os municípios integrantes da RMR haviam elaborado o PAR. A análise documental, bem como informações advindas de entrevistas com gestores6 permitiram situar os contornos que cercam a precária realidade educacional da região metropolitana em análise e que ainda influenciam o planejamento e a política educacional de determinados municípios. Neste sentido, identificamos reflexos fortes das relações de poder próprias de uma cultura autoritária herdada da economia açucareira. Exemplos destes reflexos são os entraves que impedem o dinamismo de uma gestão democrática das escolas, tal como preconiza a Constituição e a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (LDBEN).

Desde os anos de 1990, a instalação de Conselho Escolar (CE) tornou-se prática comum, conduzindo as localidades a promulgarem legislação para regular sua implantação, composição e atividades. Porém, em quatro dos quatorze municípios a implantação e o funcionamento de CE em todas as suas unidades constituíram uma das ações planejadas para o PAR. Há situações, como no caso de Camaragibe, que se trata da ativação de CEs que foram criados no passado. Nos demais (Araçoiaba, Itamaracá e Itapissuma) tratava-se de uma nova ação. Conquanto o PAR constitua uma forma de colaboração, de certo modo, imposta, ao propiciar o desencadeamento de medidas desta natureza, certamente que amplia possibilidades de maior alargamento do espaço público, plantando sementes que podem quebrar históricas práticas de autoritarismo e de mandonismo. Interessante destacar que, nestes mesmos municípios e igualmente em Igarassu, também se planejou a adesão ao Programa Nacional de Fortalecimento dos Conselhos Escolares, muito bem conceituado por gestores, professores e comunidade acadêmica, em relação, sobretudo, à qualidade e propriedade do material didático disponibilizado pelos cursos, visando à formação de conselheiros dos distintos segmentos que devem compor o CE. Vale referir que em três dos municípios (Igarassu, Itamaracá e São Lourenço da Mata), nos respectivos Planos, estava proposta a criação de normas com vistas a implantar política democrática para a escolha de dirigentes escolares, prática que, tal como a criação tardia dos CEs, pode indicar movimento de quebra de amarras que vêm impedindo a participação e a democratização nos/dos espaços escolares. Embora o simples estabelecimento de mecanismos de gestão democrática mostre-se insuficiente para que práticas efetivas se viabilizem nessa direção, foi significativa a identificação de diretoria ou coordenação criadas com o fito específico de promovê-las: em dez das quatorze secretarias de educação das cidades alvo de investigação.

Todavia, a continuidade e ampliação do estudo é que vão permitir o levantamento e análise de dados mais significativos, no sentido de desvelar até que ponto trata-se apenas de respostas à indução de políticas advindas do poder central, ou é a conjugação deste fato com anseios e demandas dos movimentos sociais organizados. Esta segunda situação foi identificada no município de Camaragibe em relação à reativação dos seus conselhos escolares.

Encontramos nos documentos do PAR projeções que aliam o interesse do estabelecimento de práticas formativas com as de gestão democrática. Neste sentido, nove dos municípios (64,3% do total) aderiram ao Profuncionário, prevendo formação voltada tanto para a gestão democrática das escolas, como para atividades de apoio as práticas pedagógicas. Itapissuma planejou igualmente a participação de diretores escolares e de quadros técnicos da sua secretaria no Programa Nacional Escola de Gestores, que oferece cursos de pós-graduação lato sensu na modalidade a distância. Abreu e Lima e Moreno, por sua vez, projetaram a participação em curso para gestores escolares como instrumento de implantação do Programa Mais Educação, visando, por sua vez, a adesão ao contraturno.

Aliás, o contraturno, que objetiva a ampliação da permanência dos alunos na escola ou em outros espaços sociais de aprendizagens (visando complementar a sua formação), foi projetado por onze municípios (78,6% do total). A questão aqui verificada é a necessidade de maior discussão sobre os limites e possibilidades dos espaços públicos para o desenvolvimento de ações socioeducativas, de modo a explorar as potencialidades da educação nas cidades, ou das cidades educadoras. As informações levantadas indicaram que essa discussão passou ao largo da elaboração dos Planos, o que, certamente, restringe os processos educativos que a metrópole pode ser capaz de ofertar, tal como indicado em estudos como o de Santos (1996), Dowbor (2007), Azevedo (2009), entre outros.

Neste quadro, constatamos a quase inexistência do planejamento de ações educativas articuladas envolvendo as cidades da RMR entre si, em um regime de colaboração planejada em nível desses próprios entes, em uma dimensão horizontal. O compartilhamento de equipamentos socioeducativos para a realização de atividades do Programa Contraturno poderia ser uma boa iniciativa desse tipo de colaboração, sobretudo entre cidades vizinhas. Nos dados analisados, evidencia-se um tipo de articulação que se processa, sobretudo, por meio da troca de informações, em reuniões promovidas pela União dos Dirigentes Municipais de Educação (Undime). Os dados das entrevistas indicaram que nestes encontros buscam-se esclarecimentos sobre questões como plano de cargo e salários, piso nacional, programas e projetos federais, entre outras, as quais retomaremos adiante.

Outro elemento observado diz respeito ao descaso em relação à profissionalização docente, e sobretudo dos demais trabalhadores em educação, o que deve influenciar negativamente nos processos de escolarização. Em 50% dos municípios não havia regras definidas ou claras que normatizassem o estágio probatório de funcionários e professores. Igualmente, em 50% inexistia o Plano de Carreira para Profissionais de Serviço e Apoio Escolar e em dois municípios não havia o Plano de Carreira do Magistério. Houve município em que o concurso público realizado se encontrava sub judice, provocando a contratação provisória de docentes. Aliás, encontramos grande parte dos municípios com profissionais de serviço e de apoio escolar com este mesmo regime de trabalho provisório, principalmente na modalidade de cargo comissionado, dependente, portanto, de injunções da política partidária, questão que foi largamente referida nas entrevistas realizadas como empecilhos ao bom funcionamento dos serviços escolares.

Em resposta a temas que entraram fortemente na agenda da nossa sociedade e, em consequência, na agenda das políticas educativas, são muitas as ações previstas que pretendem materializar políticas que valorizem a diversidade racial e cultural (localizadas nos planos de 50% dos municípios). Neste contexto, privilegiou-se a preparação docente de forma a atuar nas escolas do campo, quilombolas e indígenas. Como sabemos, tem sido forte a indução do poder central em relação a estas práticas, o que se reflete no planejamento educacional da região em destaque.

Entretanto, essas propostas perdem o peso de sua significação ao considerarmos o desconhecimento por 71,4% dos municípios da legislação que obriga o ensino da história e cultura afro-brasileiras, africana e indígena nas escolas do ensino fundamental e médio. De fato, mesmo que 60,4% da população da RMR tenha se autodeclarado negra, parda e indígena no Censo de 2010 (respectivamente 8,5%, 51,8% e 0,1%), e apesar das nossas raízes culturais estarem fortemente ancoradas nestas etnias e raças, só os municípios de Abreu e Lima, Ipojuca, Itapissuma e São Lourenço da Mata planejaram ações voltadas ao cumprimento dessa obrigatoriedade.

No que concerne ao PAR, no contexto do regime de colaboração entre os municípios e o poder central, é alto o seu grau de aprovação entre os pesquisados. No entanto, mesmo que haja certo grau de autonomia para a elaboração dos Planos, encontramos insatisfações pela impossibilidade de alteração nos rumos traçados. Tal impossibilidade emana das amarras do modo como o financiamento é estabelecido nos termos do convênio e/ou adesão aos programas. Em particular, nos municípios maiores, houve alusão à necessidade de se implantar a autonomia da educação municipal; nos de menor porte, gestores expressaram dificuldades pela ausência de equipes técnicas qualificadas para elaborar o planejamento. Nestas mesmas localidades há referências, nas entrevistas, ao fato de que se torna impossível a não adesão ao PAR, entre outros aspectos, pela precariedade das suas receitas, compostas quase exclusivamente pelos repasses dos governos estadual e federal. Por isso, nos discursos encontramos trechos que sintetizam a questão: "Então, como não aderir aos programas?".

Existe compreensão de que pouco se avançou na construção do regime de colaboração entre os entes federados, mesmo que os gestores tenham acentuado a importância para as redes públicas de ensino de suas cidades dos programas advindos do âmbito federal, a exemplo do da alimentação e transporte escolar, do livro didático e dos que integram o próprio PAR. Existe ainda o reconhecimento de que é pequena a interação com o governo estadual, e menos ainda entre os próprios municípios.

De algum modo, há ações pontuais, que foram mencionadas, estimuladas pelo governo de Pernambuco, voltadas para as municipalidades. Dentre elas se destaca a adesão ao programa Gestão Nota 10, em parceria com o Instituto Ayrton Senna, que trabalha com indicadores e metas gerenciais, capacitação dos profissionais em serviço e informações fornecidas em curto espaço de tempo.7 Há também municípios que foram contemplados com Escola Modelo de Tempo Integral, cuja pertença administrativa é estadual, e há alusões a ações de cooperação em 40% dos casos com o transporte escolar. No entanto, a cessão de pessoal é o modo de colaboração do Estado citada por todos os municípios, prática que nem sempre assume uma dimensão didático-pedagógica em termos do desenvolvimento da educação municipal.

Em relação aos municípios, foi mencionada a existência de uma articulação frequente entre Igarassu, Itapissuma, Itamaracá e Araçoiaba, não por acaso, municípios limítrofes. Mas o teor das reuniões é representado pela troca de experiências e não pelo planejamento de ações educacionais conjuntas que viessem a fortalecê-los, visto que se considera que cada um "tem sua realidade... a gente tem conversas, a gente se encontra; uma dá ideia para a outra, porque cada um tem sua realidade". Como nos referimos anteriormente, as articulações entre os municípios da RMR são consideradas no contexto das ações realizadas com a Undime e, tal como em relação ao governo estadual, a que mais se destaca no regime de colaboração é a cedência de pessoal, comentada no parágrafo anterior. Neste sentido, estamos longe de uma colaboração/articulação que venha a fortalecer a RMR em seu conjunto como espaço metropolitano, porque inexistem iniciativas voltadas para práticas colaborativas horizontalizadas, que sequer vêm sendo consideradas no âmbito da educação.

Considerações finais

Retomemos a síntese das questões e propósitos anunciados no início do artigo. Focalizar a Região Metropolitana do Recife na perspectiva da integração dos seus municípios – tendo em vista a melhoria dos seus padrões de educação – rebate no obstáculo representado pelas incertezas do pacto federativo e, portanto, nos moldes em que se processa o regime de colaboração entre os nossos entes federados.

Em tal contexto, desvela-se a fragilidade da regulação que atua sobre as relações intergovernamentais, sobretudo no que respeita a qualquer tipo de cooperação horizontal que venha a beneficiar ações pactuadas, no campo educacional, envolvendo o conjunto de municipalidades que integram a região em destaque.

De um lado, parece que a autonomia adquirida pelas municipalidades brasileiras a partir da Constituição de 1988 mostra-se como empecilho para que os estados federados e a União conseguissem forçá-los a se consorciarem ou se associarem, no sentido de prestar determinados serviços públicos de modo conjunto. É esta a compreensão expressa por Krell (2003) quando problematiza a questão. De outro lado, mas de forma interligada, ganha especial dimensão, neste quadro, as características das relações de poder e de dominação que, em última instância, mantêm a tendência de obstaculizar a tomada de decisões de âmbito regional ou intermunicipal. Como sabemos, para que pactos sociais sejam efetivados, tornam-se necessários tanto o enfrentamento como a negociação de prescrições jurídico-institucionais, o que, por seu turno, implica lidar com interesses de grupos hegemônicos de cada localidade, significando, também, se envolver com interesses manifestados em disputas político-partidárias. Estas disputas têm, quase sempre, ancoragem em nichos de poder peculiares a cada localidade e que propendem a passar ao largo do que seriam interesses coletivos próprios do conglomerado urbano representado pela região.

Face ao quadro antes mencionado, podemos entender a fragilidade da cooperação no campo das decisões educacionais encontrada na RMR. Ao mesmo tempo, os dados da pesquisa, voltamos a sublinhar, explicitaram, mais uma vez, a importância da cooperação/colaboração da União nas tentativas de garantir que as municipalidades cumpram os seus deveres constitucionais com a oferta da educação nos seus territórios. Por mais que o planejamento da educação – por meio dos instrumentos fornecidos pelo PAR – reflita uma modalidade de cooperação, em certa medida, imposta, aparenta ser ele imprescindível para que as ações educacionais tenham curso.

No que concerne ao ente "estado federado", evidencia-se pouca expressividade de suas ações de cooperação com os municípios na educação,8 do mesmo modo como a situação que percebemos em relação à ausência de colaboração horizontal entre as municipalidades investigadas. A fragilidade técnico-administrativa e financeira de grande parte destas municipalidades, de resto, não fugindo à regra da maioria dos municípios brasileiros, leva a refletir sobre o fato de que, em nosso pacto, vigora um único formato institucional, visto que inexistem distinções de tipos e de escalas de governos locais, a exemplo do que ocorre em outros países federados. Neste contexto, tornam-se contraditórias as formas de articulação, que acabam por privilegiar e fortalecer as práticas colaborativas que advêm do poder central. Para muitos, estas práticas são imprescindíveis, mas, para outros, constituem tolhimento de decisões sobre a definição de uma política de educação municipal com maior grau de autonomia, como revelaram nossos dados.

Diante do exposto, parece-nos oportuno trazer para o debate sobre o regime de colaboração – neste crucial momento de tramitação do novo Plano Nacional de Educação – as distorções que se fazem presentes nas distintas dimensões da realidade, como acima sublinhadas. Neste sentido, sem ferir o princípio da simetria de forças entre os entes federados, de modo que seja estimulada a cooperação e não a competição (Abrúcio & Costa, 1999), nos parece que a ideia da construção do Sistema Nacional Articulado de Educação poderia representar uma das soluções na direção de minorar as desigualdades educacionais. Em tal contexto, parece também necessário trazer igualmente para o debate a situação das áreas metropolitanas neste processo de colaboração. Isto, na busca de soluções que melhor se adequem à distribuição do poder administrativo entre o estado federado, os municípios e a região metropolitana que eles integram, tentando-se, assim, criar outra territorialidade para as políticas educativas a partir de uma institucionalidade já existente, tal como tem ocorrido com consorciamentos experienciados por outras políticas sociais.

Tudo isso, no entanto, sem perdermos de vista a dimensão política das políticas e a importância das coletividades locais nestas relações de poder. Com seus limites e especificidades, elas tendem fortemente a travar ações inovadoras no sentido da construção de outro patamar do exercício do direito à educação e, portanto, do exercício dos direitos sociais.

Contudo, potencialidades existem, e acioná-las significa ter presente que a cidade é muito mais do que a simples paisagem geográfica, pois constitui "símbolo inesgotável da existência humana", significando o espaço que "deveria e deverá ser o do cidadão: o que habita a cidade" (Dietzch, 2006, p. 728). No mesmo sentido, parafraseando Marilena Chauí (1984), esta autora afirma:

E quem poderia mediar e diferenciar a distância entre essas muitas cidades, senão o cidadão? Melhor dizendo, um homem que para além da "cidadania passiva" outorgada pelo Estado se constitui ativamente por meio de seus direitos e deveres e que, essencialmente, se apresenta como um criador de direitos a abrir espaços para participação, ou seja: para a "cidadania ativa". (Dietzch, 2006, p. 728)

Notas

Recebido em 7 de março de 2012.

Aprovado em 26 de abril de 2012.

Referências bibliográficas

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  • SANTOS, M. A natureza do espaço São Paulo: Hucitec, 1996.
  • 1
    . São reflexões que têm por base resultados de pesquisa que vem examinando o modo de efetivação das relações de colaboração entre a União e as municipalidades no que concerne a ações voltadas para a garantia do direito à escolarização com qualidade. A pesquisa conta com o apoio do CNPq e da Facepe.
  • 2
    . Durante o governo do presidente Lula, o fundamental passou a ser composto por nove anos de estudos, abrangendo a partir de então crianças e adolescentes na faixa etária de 6 a 14 anos.
  • 3
    . Vale lembrar que o Ideb é um indicador de qualidade educacional construído pela combinação de informações a respeito do desempenho de alunos em exames padronizados (Prova Brasil e/ou Saeb) obtido ao final das etapas de ensino (4ª série/5º ano e 8ª série/9° ano do ensino fundamental e 3ª série do ensino médio) com informações sobre rendimento escolar (aprovação) Foi desenvolvido para ser um indicador que sintetiza informações de desempenho em exames padronizados com informações sobre rendimento escolar (taxa média de aprovação dos estudantes na etapa de ensino). Sua importância repousa nas possibilidades de se detectar escolas e/ou redes de ensino com alunos que tenham baixa
    performance em termos de rendimento e proficiência e de monitorar a evolução temporal do desempenho desses alunos (Azevedo & Marques, 2010).
  • 4
    . Como se sabe, o Fundo de Desenvolvimento e Manutenção do Ensino Fundamental e de Valorização do Magistério (Fundef) foi instituído pelo governo de Fernando Henrique Cardoso e destinava-se apenas ao financiamento do ensino fundamental.
  • 5
    . Daqui por diante, as informações e análises apresentadas tomam por base os dados da pesquisa levantados junto ao Ministério da Educação, ao Inep e aos municípios da RMR, incluindo dados de entrevistas com gestores da educação desses espaços.
  • 6
    . No total foram realizadas 28 entrevistas com membros das equipes gestoras da educação dos 14 municípios, ou seja, dois sujeitos por município.
  • 7
    . Já são muitos os estudos que analisam os parcos resultados, em termos de aprendizagens, obtidos com a prática pedagógica adotada pelo Instituto Airton Senna. Fugiria dos propósitos deste artigo tratá-los aqui.
  • 8
    . Isso sem esquecermos a responsabilidade com a oferta das séries finais do ensino fundamental por parte do Estado federado, o que não pode deixar de ser considerada cooperação significativa que, contraditoriamente, desvela, por este ângulo, a fragilidade das municipalidades.
  • Datas de Publicação

    • Publicação nesta coleção
      13 Ago 2012
    • Data do Fascículo
      Jun 2012

    Histórico

    • Recebido
      07 Mar 2012
    • Aceito
      26 Abr 2012
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