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Educação Física nas Bases Curriculares do Brasil e do Chile: uma análise comparada

Physical Education in National Curriculum from Brazil and Chile: a comparative analysis

Educación Física en las Bases Curriculares de Brasil e Chile: un análisis comparado

RESUMO

Este artigo oferece uma análise comparada dos Currículos Nacionais de Brasil e do Chile. Os estudos comparados serviram de inspiração metodológica. Os resultados evidenciaram as afinidades e diferenças entre os dois documentos, com foco na Educação Física escolar, ao mesmo tempo em que descreveram algumas críticas direcionadas a eles.

Palavras-chave:
Educação Física; Currículo; Política Educacional; Escola

ABSTRACT

This paper offers a comparative analysis of the National Curriculum from Brazil and Chile. The comparative studies were methodological inspiration to guide the investigation. The results highlight similarities but, also, differences in both investigated documents, with special attention in Physical Education. It was an opportunity to describe some critical points about National Curriculum.

Keywords:
Physical Education; Curriculum; Educational Policy; School

RESUMEN

Este artículo ofrece un análisis comparado del Currículo Nacional de Brasil y Chile. Los estudios comparados sirvieron de inspiración metodológica. Los resultados demostraron las afinidades y diferencias entre los dos documentos, con énfasis en la Educación Física escolar, al mismo tiempo en que describieron algunas críticas a la documentación.

Palabras clave:
Educación Física; Currículo; Política Educacional; Escuela

INTRODUÇÃO

Esta investigação resulta de uma dissertação de mestrado (Barcelos, 2022Barcelos RA. Educação Física escolar: uma análise comparada nas Bases Curriculares do Brasil e do Chile [dissertação]. Vitória: Centro de Educação Física e Desportos, Universidade Federal do Espírito-Santo; 2022.) cujo objetivo foi comparar a principal referência normativa da educação escolar do Brasil e do Chile, com foco na Educação Física escolar. São as Bases Nacionais Curriculares dos dois países (Brasil, 2018Brasil. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC; 2018.; Chile, 2015Chile. Ministério de Educación. Bases curriculares 7º básico a 2º medio. Chile: MINEDUC; 2015., 2018Chile. Ministério de Educación. Bases curriculares primeiro a sexto básico. Chile: MINEDUC; 2018., 2019Chile. Ministério de Educación. Bases curriculares 3º y 4º medio. Chile: MINEDUC; 2019.), portanto, o objeto de análise da supracitada investigação. Sua originalidade consiste, precisamente, no exercício de cotejar uma legislação produzida em dois lugares com histórias e culturas educacionais que, a despeito de suas similitudes, não são coincidentes, colocando em diálogo reflexões que intelectuais do campo, no Brasil e no Chile, já consagraram às referidas legislações1 1 Sugerimos consultar, para o caso brasileiro, o volume 28, n. 48, da revista “Motrivivência” dedicado à Base Nacional Curricular Comum do Brasil (Neira e Souza, 2016). Em relação à Base chilena, indicamos a leitura de Mujica (2019), Marques e Santos (2020) e Moreno (2018). .

As Bases estudadas estabelecem as regras para a Educação Básica dos países, cuja intenção prescrita é garantir, com equidade e qualidade, o direito da aprendizagem de todos os estudantes nas escolas públicas e privadas, partindo do princípio da formação integral do indivíduo. Tais documentos definem os conhecimentos (conceitos e procedimentos), as habilidades (práticas, cognitivas e socioemocionais), as atitudes e os valores para os estudantes nos currículos escolares.

Para desenvolver o trabalho, a pesquisa qualitativa documental, mas, sobretudo, o estudo comparado, serviram de inspiração metodológica. Essa abordagem, na América Latina, está ligada à necessidade “[...] de conhecimento mútuo, como pré-requisito para concretizar um projeto comum de desenvolvimento, em virtude das crescentes tendências à integração econômica e política da região” (Pronko, 2003Pronko MA. A comparação como ferramenta de conhecimento e os processos de integração supranacional: desafio para as Ciências Sociais. In Fausto A, Pronko M, Yannoulas S. Políticas Públicas de Trabalho e Renda na América Latina e no Caribe. Brasília: Abaré - FLACSO/Sede Acadêmica Brasil; 2003. Tomo I, p. 573-94., p. 575). Nesse sentido, partimos do princípio de que a comparação permitiria enriquecer o conhecimento do outro assim como o de nós mesmos. Isto significa que fazer comparação nos obriga a realizar um movimento de descentramento e recentramento, ou seja,

Comparamos não para reconhecermo-nos no outro, nem para diferenciarmo-nos dele, mas para definir as próprias singularidades construídas historicamente, as influências comuns, as soluções específicas, para desnaturalizar as explicações construídas a partir de um olhar centrado em nós mesmos. (Pronko, 2003Pronko MA. A comparação como ferramenta de conhecimento e os processos de integração supranacional: desafio para as Ciências Sociais. In Fausto A, Pronko M, Yannoulas S. Políticas Públicas de Trabalho e Renda na América Latina e no Caribe. Brasília: Abaré - FLACSO/Sede Acadêmica Brasil; 2003. Tomo I, p. 573-94., p. 583).

O artigo está organizado de duas partes, que são seguidas das considerações finais. Nas duas sessões, colocamos em análise comparada as Bases curriculares de Brasil e Chile.

COMPARANDO AS BASES NACIONAIS DE BRASIL E CHILE

Um dos pontos convergentes nas Bases curriculares do Brasil e do Chile é a abrangência nacional, já que são documentos normativos que visam padronizar os sistemas educativos em toda a extensão do país, sem desrespeitar, por sua vez, as particularidades culturais de cada região. Outra afinidade eletiva é que, conforme argumenta Uczak (2014)Uczak LH. O preal e as e as políticas de avaliação educacional para a América Latina [tese]. Porto Alegre: Faculdade de Eucação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2014., a partir da última década do século XX quase todos os países da América Latina implantaram reformas educacionais induzidas pelos organismos internacionais, em especial, o Banco Mundial e o Banco Interamericano de Desenvolvimento, como decorrência da concessão de empréstimos aos governos nacionais, cujas cláusulas condicionam a liberação dos recursos à implantação de suas determinações nas agendas regionais dos governos. Segundo a avaliação de Assaél et al. (2015)Assaél J, Cornejo R, Albornoz N, Etcheberrigaray G, Hidalgo F, Ligueño S, et al. La crisis del modelo educativo mercantil chileno: un complejo escenario. Currículo sem Fronteiras, 2015;15(2):334-45., essas Bases resultaram da necessidade de responder a problemáticas particulares da América Latina e da obrigação de seguir as lógicas e os interesses corporativos dos grupos globais hegemônicos.

Neste âmbito, deve-se situar o Programa de Reformas Educacionais na América Latina (PREAL), uma iniciativa, segundo Uczak (2014)Uczak LH. O preal e as e as políticas de avaliação educacional para a América Latina [tese]. Porto Alegre: Faculdade de Eucação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2014., criada no âmbito da Organização dos Estados Americanos (OEA) como decorrência da primeira Cúpula das Américas, realizada em Miami, em 1994. Uczak (2014)Uczak LH. O preal e as e as políticas de avaliação educacional para a América Latina [tese]. Porto Alegre: Faculdade de Eucação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2014. diz ainda que essas reformas tiveram o objetivo de promover a mudança do papel do Estado e de fazer com que a educação viesse atender às demandas do capitalismo. A descentralização, a setorização e a privatização foram os parâmetros que direcionaram essas reformas educacionais (Assaél et al, 2015Assaél J, Cornejo R, Albornoz N, Etcheberrigaray G, Hidalgo F, Ligueño S, et al. La crisis del modelo educativo mercantil chileno: un complejo escenario. Currículo sem Fronteiras, 2015;15(2):334-45.).

Elas, portanto, visavam a unificação do currículo escolar na América Latina e, ao mesmo tempo, vieram acompanhadas de uma política de avaliação e regulação da educação na região. Moreno et al. (2014) concluem que o sistema educacional chileno ficou submetido a modelos de avaliações externas que provocaram uma corrida local, regional, nacional e internacional para sujeitar os estabelecimentos de ensino a provas estandardizadas, por exemplo, a do Trends in International Mathematics and Science Study (TIMSS), a do Progress in Reanding and Literacy Study (PIRLS) e a do Programme for International Student Assessment (PISA). Seguem aqueles autores dizendo que os modelos de avaliação de nível internacional estão baseados na racionalidade técnica, disponibilizando um ranking de excelência entre as escolas e criando um sentimento nos diferentes agentes escolares, principalmente nos professores, que ficaram submetidos a fiscalização e a hierarquização, abandonando as atitudes de cooperação tão necessárias para a inovação e melhoria da educação escolar. Diante desse quadro, a prática docente ficou restrita ao desenvolvimento de competências que lhes permitiam sobreviver no sistema (Moreno et al., 2014bMoreno A, Rivera E, Trigueros C. La educación física en Chile: un análisis de las creencias del profesorado de la enseñanza primaria e secundaria. Rev Movimento. 2014b;20(N. esp.):81-96.).

O Brasil também implantou uma política de avaliação escolar semelhante à do Chile. De acordo com o seu Ministério da Educação (MEC), as avaliações são coordenadas pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep). Este Instituto tem a missão de promover estudos, pesquisas e avaliações sobre o sistema educacional brasileiro com o objetivo de subsidiar a formulação e implementação de políticas públicas para área educacional a partir de parâmetros de qualidade e equidade, bem como produzir informações claras e confiáveis aos gestores, pesquisadores, educadores e público em geral). O Inep organiza as provas do Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB), Prova Brasil, Provinha Brasil e ENEM. Além delas, também aplica o PIRLS, o PISA e o Estudo Regional Comparativo e Explicativo (ERCE), onde os estudantes são avaliados em leitura, escrita, matemática e ciências.

Segundo Oliveira e Garcia (2014)Oliveira LFS, Garcia LTS. Políticas de avaliação educacional no Brasil: concepções e desafios. In Silva MA, Sander B. Anais do IV Congresso Ibero-Americano de Política e Administração da Educação/VII Congresso Luso-Brasileiro de Política e Administração da Educação; 2014; Porto. Porto: ANPAE; 2014., os resultados das avaliações do sistema educacional brasileiro, de modo semelhante ao chileno, não foram utilizados para fundamentar as mudanças na qualidade da educação. Ou seja, “[...] da forma que a avaliação é difundida pela mídia ou até mesmo pelo governo, ela tem se tornado um mecanismo de responsabilização das pessoas da escola e dos sistemas pelos resultados que apresentam” (Oliveira e Garcia, 2014Oliveira LFS, Garcia LTS. Políticas de avaliação educacional no Brasil: concepções e desafios. In Silva MA, Sander B. Anais do IV Congresso Ibero-Americano de Política e Administração da Educação/VII Congresso Luso-Brasileiro de Política e Administração da Educação; 2014; Porto. Porto: ANPAE; 2014., p. 8). Seguem os autores dizendo que “[...] o incremento de recursos para as instituições atrelado aos resultados das avaliações externas às escolas, reforça a competição desigual que desagrega os profissionais que deveriam buscar melhorias em comum, distanciando-os no interior das escolas e dos sistemas” (Oliveira e Garcia, 2014Oliveira LFS, Garcia LTS. Políticas de avaliação educacional no Brasil: concepções e desafios. In Silva MA, Sander B. Anais do IV Congresso Ibero-Americano de Política e Administração da Educação/VII Congresso Luso-Brasileiro de Política e Administração da Educação; 2014; Porto. Porto: ANPAE; 2014., p. 8).

Outro ponto comum às Bases de Brasil e Chile é a eleição do conceito de competência como referência das aprendizagens desenvolvidas. De um modo geral, aqueles documentos definem as competências como um conjunto de conhecimentos, habilidades, atitudes e valores organizados, combinados, coordenados e integrados estrategicamente para orientar os currículos nacionais escolares. Nesse sentido, as Bases demonstram que esse conjunto de conhecimento foi arquitetado para que o estudante desenvolva competências para atuar com eficiência no contexto em que vive, sabendo fazer e estar no mundo do trabalho, enfrentando as adversidades da vida, cuidando do meio ambiente, etc.

Segundo Ramos (2006)Ramos MN. Pedagogia das competências: autonomia ou adaptação? São Paulo: Cortez; 2006., a adoção da noção de competência pela escola pressupõe que ela seria capaz de promover o encontro entre formação e emprego, fato que pode ser comprovado na organização e na legitimação do plano pedagógico no que diz respeito a passagem de um ensino centrado em saberes disciplinares a um ensino definido pela produção de competências verificáveis em situações e tarefas específicas (Ramos, 2006Ramos MN. Pedagogia das competências: autonomia ou adaptação? São Paulo: Cortez; 2006.). Silva (2014)Silva BO. Lições do Rio Grande: “a boa pedagogia” nos discursos sobre a produção de um currículo para a Educação Física Escolar [dissertação]. Rio Grande: Centro de Educação Ambiental, Ensino de Ciências e Matemática, Universidade Federal do Rio Grande; 2014. argumenta que a competência assim definida pressupõe o sentido de eficiência, o que impõe modificações aceleradas no comportamento dos indivíduos, que constantemente lhes exigem um padrão mais elevado de escolaridade para que desenvolvam novas competências visando assimilar informações e utilizá-las em contextos tidos como adequados. A ideia é que os estudantes consigam interpretar os códigos e as linguagens através das competências adquiridas para que eles tomem decisões autônomas e socialmente relevantes. Rezer (2020)Rezer R. Pedagogia das competências como princípio de organização curricular: “efeitos colaterais” para a educação superior. Santa Maria. Educação. 2020;45(1):1-25. http://dx.doi.org/10.5902/1984644435008.
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, por sua vez, diz que a pedagogia das competências é fruto de um movimento de globalização neoliberal com desdobramentos significativos para as políticas públicas que impactou distintos setores da sociedade. Segundo o autor, ela, como princípio de organização curricular, não nega o conteúdo nem o conhecimento, mas o desloca radicalmente para uma lógica adaptativa, utilitária e aplicacionista: “[...] conhecimento bom é aquele aplicável, de preferência de imediato, que permita a adaptação qualificada do trabalhador ao sistema, tendo como referência um problema específico a resolver” (Rezer, 2020Rezer R. Pedagogia das competências como princípio de organização curricular: “efeitos colaterais” para a educação superior. Santa Maria. Educação. 2020;45(1):1-25. http://dx.doi.org/10.5902/1984644435008.
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, p. 8).

Outros aspectos dos dois documentos oficiais merecem destaque. No caso da BNCC brasileira (Brasil, 2018Brasil. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC; 2018.), ela é um documento único que propõe estrutura e organização de toda a Educação Básica. Os componentes curriculares são alocados em áreas conforme suas especificidades e afinidades com o campo de conhecimento. A Educação Básica tem duração de dezessete anos (12 deles obrigatórios) e é estruturada por etapas e modalidades de ensino, englobando a Educação Infantil, o Ensino Fundamental e Ensino Médio; a etapa da Educação Infantil, para crianças de até 03 anos de idade, é opcional.

No Chile, as Bases foram disponibilizadas em 3 documentos separados, publicados em distintos momentos, que contêm as etapas da escolarização. Diferente do caso brasileiro, as disciplinas não são organizadas em áreas de conhecimentos. De acordo com a Lei Geral da Educação (LGE) nº 20.370/2009 do Chile (2009)Chile. Ministério de Educación. Ley General de Educación nº 20.370. Establece la Ley General de Educación. Diario Oficial; Chile; 2009., a escolarização dos estudantes tem doze anos de duração e é dividida em Educação Básica e Média. Nesse país, o nível da Educação Básica compreende a etapa de ensino escolar que vai do 1º até o 6º ano básico e o nível da Educação Média abrange do 7º básico até o 4º ano Médio, demarcando uma diferença em relação ao caso brasileiro.

Vale ressaltar, além disso, que as Bases do Brasil e Chile ofertam, além de uma formação geral, itinerários formativos e planos de formações diferenciados para os estudantes que estão cursando o Ensino Médio. No caso chileno, a formação diferenciada distingue canais de especialização nas três modalidades do Ensino Médio: humanístico-científica, técnica-profissional e artística. Essa formação se baseia na necessidade de atender às competências, interesses pessoais e a disposições vocacionais dos alunos e das alunas, harmonizando suas decisões pessoais conforme a cultura nacional, o desenvolvimento produtivo e social cidadão do país. Essa fase pode variar de escola para escola conforme a oferta dos planos de especialização para atender os interesses e as aptidões dos estudantes bem como para atender as definições curriculares e institucionais do estabelecimento de ensino. No caso brasileiro, é prerrogativa dos sistemas de ensino, das redes escolares e das escolas organizar e propor, no Ensino Médio, os itinerários formativos, compreendido como o conjunto de disciplinas, projetos, oficinas, núcleos de estudo, entre outras situações de trabalho, que os estudantes poderão escolher no Ensino Médio. Eles podem se aprofundar nos conhecimentos de uma área do conhecimento (Matemática e suas Tecnologias, Linguagens e suas Tecnologias, Ciências da Natureza e suas Tecnologias e Ciências Humanas e Sociais Aplicadas) e da Formação Técnica e Profissional (FTP) ou mesmo nos conhecimentos de duas ou mais áreas e da FTP. As redes de ensino terão autonomia para definir quais os itinerários formativos irão ofertar, considerando um processo que envolva a participação de toda a comunidade escolar.

Segundo a compreensão de Ferreti (2018)Ferreti CJ. A reforma do Ensino Médio e sua questionável concepção de qualidade da educação Ensino de Humanidades. Estud Av. 2018;32(93):25-42. http://dx.doi.org/10.5935/0103-4014.20180028.
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, a existência de um núcleo comum e de uma parte diversificada, visando atender as demandas locais bem como garantir o protagonismo dos estudantes, pode ser entendido como uma flexibilização e fragmentação do currículo, colocando em xeque a possibilidade de uma formação integral do aluno. Além disso, e considerando a inserção das Bases no contexto das reformas educativas antes mencionadas, é bem provável que as instituições educacionais optem por itinerários e planos de formação diferenciada mais afinados com a perspectiva dos interesses econômicos, alinhando-se, assim, com a expectativa de melhoria dos índices pelos estudantes nas avaliações de caráter internacional, com as citadas anteriormente.

A EDUCAÇÃO FÍSICA NAS BASES DE BRASIL E CHILE: (DES)AFINIDADES ELETIVAS

No que diz respeito à Educação Física e a “Educación Física y Salud” no âmbito das Bases aqui consideradas, a situação é a que se segue.

No currículo escolar brasileiro, a disciplina é um componente curricular obrigatório para a Educação Básica, conforme a Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional de 1996. Apesar disso, não há, na Base, menção à disciplina na Educação Infantil, de modo que seu ensino se inicia, apenas, no Ensino Fundamental2 2 Apesar disso, algumas Secretarias Municipais de Educação do Brasil contratam professores licenciados em Educação Física para atuar na Educação Infantil. . No caso do Ensino Médio, a situação foi recentemente alterada em função da lei do Novo Ensino Médio (Lei 13.415/2017) (Brasil, 2017Brasil. Lei 13.415/2017. Altera as Leis n º 9.394, de 20 de dezembro de 1996, que estabelece as diretrizes e bases da educação nacional, e 11.494, de 20 de junho 2007, que regulamenta o Fundo de Manutenção e Desenvolvimento da Educação Básica e de Valorização dos Profissionais da Educação, a Consolidação das Leis do Trabalho - CLT, aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, e o Decreto-Lei nº 236, de 28 de fevereiro de 1967; revoga a Lei nº 11.161, de 5 de agosto de 2005; e institui a Política de Fomento à Implementação de Escolas de Ensino Médio em Tempo Integral. Diário Oficial da União; Brasília; 2017.), que passa a entender a disciplina como reflexão de estudos, práticas e experimentação de jogos e brincadeiras, esportes, danças, lutas, ginásticas e práticas corporais de aventura ofertada nos diferentes arranjos curriculares organizados na área de Linguagens e suas Tecnologias. Apesar dessa alteração3 3 Com essa alteração, não é o componente curricular que é obrigatório e, sim, o ensino de Educação Física em atividades que podem ser dentro de uma disciplina específica ou em projeto interdisciplinar. , a Educação Física segue sendo ministrada por um professor licenciado, conforme as diretrizes curriculares que normatizam a formação da área no país.

No que diz respeito “Educación Física y Salud”4 4 Em 2013, foi adicionada a expressão saúde ao componente curricular Educação Física, inclusão que teve o objetivo de cumprir as estratégias traçadas pelo Programa de Promoção de Saúde do Ministério da Saúde chileno e responder aos problemas de sedentarismo que afetava o país naquele momento. O Ministério fundamentou essa decisão tomando por base o resultado da “Encuesta Nacional de Salud”, realizada no ano de 2010, que apresentou 88,6% da população maior de 17 anos com comportamento sedentário. Além disso, consta na Base chilena que a avaliação do “Sistema de Evaluación de la Calidad Educativa” (SIMCE), aplicada na Educação Física escolar no ano de 2011, revelou que 10% dos alunos e alunas possuem uma condição física satisfatória e 20% possuem risco de contrair enfermidades cardiovasculares e cardiorrespiratórias. na Base chilena, a disciplina possui uma carga horária de 04 horas semanais obrigatórias no 1º ciclo do Ensino Básico (que compreende 1º, 2º, 3º e 4º anos iniciais) e 02 horas semanal para 2º ciclo (que compreende 5º e 6º anos finais do Ensino Básico) e para o Ensino Médio. Os estabelecimentos de ensino podem aumentar essas horas se considerarem o tempo livre à disposição,5 5 Além da formação geral e da formação diferenciada, a Base chilena estabelece a “Livre Disposição”, que é um espaço temporal não regulado pela matriz curricular nacional que pode ser destinado para formação geral, diferenciada ou atividades curriculares definidas pelos estabelecimentos de ensino. Ou seja, é a liberdade relativa que os estabelecimentos escolares possuem para elaborar seus próprios planos e programas de formação. fato que normalmente não acontece porque geralmente esse tempo é utilizado como reforço nas disciplinas de Matemática e Linguagem e Comunicação.

No nível da Educação Básica chilena, as aulas podem ser ministradas tanto pelo professor generalista, com ou sem especialização, ou por um professor licenciado na área. Moreno (2018)Moreno A. La educación física chilena em educación básica: una caracterización crítica. Rev ALESDE. 2018;9(2):65-78. afirma que é muito comum a presença de professor de Educação Física nas escolas de Ensino Básico, mas não é uma obrigação legal. Apenas no Ensino Médio há a obrigação institucionalizada de contratação de um professor de Educação Física.

Na Base brasileira, a Educação Física está alocada na área Linguagens e na área de Linguagens e suas Tecnologias (no caso do Ensino Médio). A Base (Brasil, 2018Brasil. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC; 2018.) orienta as práticas corporais como eixos centrais da Educação Física escolar, explorando suas diversas formas de codificação e significação social em consonância com as competências gerais propostas na Lei de Diretrizes de Bases da Educação Nacional. O documento brasileiro, ao direcionar as competências específicas da disciplina para o âmbito da cultura, defende que as práticas corporais são fenômenos culturais dinâmicos, diversificados, pluridimensionais, singulares e contraditórios, passíveis de leitura e produção. Isto conduz às competências para formação do indivíduo considerando o contexto sócio-histórico cultural em que está inserido. Dessa forma, a perspectiva é que o estudante tenha a capacidade de compreender e “[..] interpretar as manifestações da cultura corporal de movimento em relação as dimensões éticas e estéticas, a época que as gerou e as modificou, as razões da sua produção e transformação e a vinculação local, nacional e global” (Brasil, 2018Brasil. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC; 2018., p. 221).

Neira e Souza (2016)Neira MG, Souza M Jr. Educação Física na BNCC: procedimentos, concepções e efeitos. Rev Motrivivência. 2016;28(48):188-206. http://dx.doi.org/10.5007/2175-8042.2016v28n48p188.
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afirmam que entender a Educação Física como componente curricular da área de linguagens significa promover atividades didáticas que auxiliem os estudantes a ler e produzir as manifestações culturais corporais, concebidas como textos e contextos constituídos pela linguagem corporal. Esses autores reforçam que a cultura corporal de movimento é o próprio conteúdo das aulas de Educação Física, pois se trata do conhecimento específico da área que qualificará a leitura que as crianças, os jovens e os adultos fazem das práticas corporais disponíveis na sociedade, bem como a sua reconstrução crítica na escola. A perspectiva defendida pela Base Nacional no componente Educação Física não tem como objetivo de melhorar a coordenação motora, desenvolver comportamentos cognitivos ou promover a adoção de um estilo de vida fisicamente ativo. Espera-se da Educação Física na área de Linguagens que esta possa contribuir para formação de cidadãos críticos que compreendam e produzam uma parcela da cultura corporal de movimento, que implica no reconhecimento e na valorização do repertório de todos os grupos sem nenhum tipo de discriminação (Neira e Souza, 2016Neira MG, Souza M Jr. Educação Física na BNCC: procedimentos, concepções e efeitos. Rev Motrivivência. 2016;28(48):188-206. http://dx.doi.org/10.5007/2175-8042.2016v28n48p188.
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)6 6 Neira (2018) reinterpreta sua avaliação da Base brasileira em publicação do ano seguinte, onde afirma que ela se revela frágil, incoerente e inconsistente, evidenciando a “[...] retomada dos princípios tecnocráticos consolidados na prioridade cedida à racionalidade técnica em detrimento da criticidade” (Neira, 2018, p. 215). Essa nova compreensão do autor deve ser entendida a luz das mudanças produzidas no documento entre a segunda e a terceira (e última) versão da Base, publicada em 2018. Tais alterações, por sua vez, foram introduzidas no texto após o conturbado processo que levou ao impedimento da ex-presidente Dilma Rousseff. .

No Chile, por sua vez, as competências fundamentais estabelecidas para “Educación Física y Salud” apontam para o desenvolvimento de práticas esportivas, ginásticas e atividades físicas. Um dos eixos que organiza os objetivos de aprendizagem da disciplina é definido como “vida activa y saludable”, onde se espera que os estudantes do Ensino Básico façam atividades físicas de intensidade moderada a vigorosa de modo que eles as incorporem paulatinamente nas suas vidas cotidianas. Para os primeiros anos do ciclo básico, é esperado que os alunos possam identificar respostas corporais associadas ao condicionamento físico em nível cardiovascular, respiratório e muscular. E nos anos posteriores do ciclo básico, segundo a Base chilena, os alunos deverão aprender a medir a frequência cardíaca e monitorar o esforço físico de forma autônoma. Para o nível do Ensino Médio, conforme consta nas Bases Nacionais (Chile, 2015Chile. Ministério de Educación. Bases curriculares 7º básico a 2º medio. Chile: MINEDUC; 2015., 2019Chile. Ministério de Educación. Bases curriculares 3º y 4º medio. Chile: MINEDUC; 2019.), são promovidas variadas atividades físicas para que os estudantes desfrutem e utilizem seus tempos livres para praticar as atividades indicadas. Além disso, os documentos dizem que é esperado dos estudantes que eles aprendam a serem reflexivos e críticos a respeito das condutas de autocuidado e segurança no que se refere aos efeitos adversos do consumo de álcool, das drogas ou do tabaco no organismo e no seu rendimento físico; também que eles sejam capazes de planejar e promover atividades físicas recreativas e/ou desportivas reconhecendo os efeitos positivos de levar uma vida saudável. Diante dessas premissas, o foco principal é a prevenção das “enfermidades crónicas no trasmisibles” causadas pelo sedentarismo e inatividade física, que são combatidas com esportes e condicionamento físico massificado como ferramenta de promoção de saúde (Soto-Lagos, 2018Soto-Lagos R. Deporte, práticas corporales, vida saludable y buen vivir: un análisis crítico para una nueva práxis. Curitiba. Revista da ALESDE, 2018;9(1):29-44.).

Nessa direção, Moreno et al. (2014a)Moreno A, Gamboa R, Poblete C. La educación física em Chile: análisis crítico de la documentación ministerial. Rev Bras Ciênc Esporte. 2014a;36(2):411-27. reforçam que a “Educación Física y Salud” é uma disciplina escolar cuja finalidade mais importante é ensinar a mover-se melhor. Este mover-se, segundo os autores, possui um enfoque biomédico no conceito de saúde com excessiva ênfase no ensino do esporte. Desse modo, a Base chilena orienta a “Educación Física y Salud” para o desenvolvimento de competências numa perspectiva biológica.

Diante dessa lógica, Moreno (2018)Moreno A. La educación física chilena em educación básica: una caracterización crítica. Rev ALESDE. 2018;9(2):65-78. diz que ensino de “Educación Física y Salud” ainda está pautado no tradicionalismo acrítico biomédico. Segundo o autor, o modelo estabelecido para a disciplina na Base está centrado numa prática regular de atividade física orientada para o desenvolvimento de habilidades motoras, atitudes propensas ao jogo limpo, liderança e autocuidado. Dessa forma, por mais que a Base chilena tenha se esforçado para associar a disciplina “Educación Física y Salud” aos contextos de vidas dos estudantes, as tradições higienista, biomédica e tecnocrática ainda têm sido mais fortes que as tentativas de transformações, uma avaliação que é também compartilhada por Mujica (2019)Mujica FNJ. Analisis crítico de la formación actitudinal em la asignatura de Educación Física y Salud en Chile. REXE. 2019;18(38):151-66. ao lamentar a inexistência educação crítica e reflexiva em “Educación Física y Salud”.

É importante destacar, antes de encerrar com a comparação, que a Base brasileira também incorpora o tema saúde no seu texto, considera-a como uns dos direitos sociais que depende da ação do Estado para ser concretizada, estando associada, fundamentalmente, à melhoria das condições de vida do conjunto da população, a igualdade social e a autonomia do indivíduo. O tratamento da saúde é uma possibilidade que deve ser contemplada “[...] na habilidade dos componentes curriculares, cabendo aos sistemas de ensino e escolas, de acordo com suas especificidades, tratá-la de forma contextualizada” (Brasil, 2018Brasil. Ministério da Educação. Base Nacional Comum Curricular. Brasília: MEC; 2018., p. 20).

Especificamente em relação à Educação Física, no Ensino Fundamental verifica-se que a questão da saúde surge prescrita em algumas competências específicas da disciplina, oportunidade para: o estudante identificar a multiplicidade de padrões de desempenho, saúde, beleza e estética corporal, analisando, criticamente, os modelos disseminados na mídia, além de discutir posturas consumistas e preconceituosas; usufruir das práticas corporais de forma autônoma para potencializar o envolvimento em contextos de lazer, ampliar as redes sociais e a promoção da saúde. No Ensino Médio, o tema saúde aparece transversalizado nos aprofundamentos dos conhecimentos nas práticas corporais (jogos e brincadeiras, esportes, danças, lutas, ginásticas, práticas corporais de aventura) estabelecidas na etapa do Ensino Fundamental, devendo o estudante refletir sobre as potencialidades e os limites do corpo, a importância de se assumir um estilo de vida ativo e os componentes de movimento relacionados à manutenção da saúde. Diferentemente do caso chileno, contudo, a relação da Educação Física com a saúde está baseada numa perspectiva ampliada, preocupada com o desenvolvimento da cidadania e da autonomia do indivíduo, tendo as práticas corporais sob a ótica cultural como promotoras da saúde.

CONCLUSÃO

Este artigo ofereceu uma análise comparada das duas Bases nacionais que normatizam a escolarização básica de Brasil e Chile. Foi uma oportunidade para identificar traços comuns e diferenças nos projetos educativos de dois países que habitam a parte mais ao sul das Américas. Este exercício foi organizado em duas partes, oportunidade para, na primeira delas, identificar afinidades eletivas e ressaltar distinções na letra propriamente dita dos documentos investigados. Neste contexto, destacou-se a relação das referidas Bases com uma agenda política global que impacta na América Latina, institucionalizando no território demandas educativas, conceitos (com destaque para a noção de competência)7 7 É importante ressalvar que, ao menos no Brasil, o conceito de competências, antes de ser utilizado na BNCC, se fez presente em outros documentos, como os Parâmetros Curriculares Nacionais, os Parâmetros Curriculares do Ensino Médio bem como nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica. bem como políticas avaliativas padronizadas que estão desconexas das “reais” necessidades dos trabalhadores da Educação, aí inseridos os professores de Educação Física.

Na segunda parte do texto, as reflexões se voltaram para a comparação entre a Educação Física e a “Educación Física y Salud”, movimento de pensamento que evidenciou as peculiaridades organizacionais em que se insere a disciplina, mas, especialmente, as diferentes formas de legitimação entre os dois componentes nos contextos aqui considerados. No caso brasileiro, a despeito das críticas que possam ser feitas à BNCC (e elas já estão bem registradas na literatura do país), é inegável que ela é testemunha da transformação da Educação Física de mera atividade na escola (conforme registrada no clássico decreto-lei 69.450 de 1971) (Brasil, 1971Brasil. Decreto nº 69.450, de 1º de Novembro de 1971. Regulamenta o artigo 22 da Lei nº 4.024, de 20 de dezembro de 1961, e alínea c do artigo 40 da Lei nº 5.540, de 28 de novembro de 1968 e dá outras providências. Diário Oficial da União; Brasília; 1971.) para um componente curricular, inserido na área de Linguagens, que tem a tarefa de ensinar, nos nas instituições escolares, uma dimensão da cultura chamada cultura corporal de movimento, conceito que se confunde, desde pelo menos nos anos 1980, com uma Educação Física crítica no Brasil8 8 Não deixa de ser curiosa a presença de uma compreensão crítica da Educação Física, vinculada a cultura corporal de movimento, num documento construído num contexto de políticas educativas conservadoras. . Essa compreensão é bem distinta daquela presente na Base chilena, onde o “mito da atividade física e saúde” (Carvalho, 1995Carvalho YMO. “mito” da atividade física e saúde. São Paulo: Hucitec; 1995.) foi a forma encontrada para justificar a presença de “Educación Física y Salud” no interior das escolas, cujo argumento gravita em torno das contribuições desta à promoção da saúde, entendendo, principalmente, que um aumento do nível de atividade física da população contribui positivamente à saúde e qualidade de vida das pessoas, solucionando o problema do sedentarismo na população chilena. Essa concepção “negativa” ou restrita de saúde, já devidamente criticada por colegas chilenos (alguns dos quais citados ao longo deste artigo), indica a necessidade de aproximar “Educación Física y salud” de outros modos de legitimar o componente curricular na escola, particularmente aqueles que estão vinculados a uma teoria crítica do conhecimento (já presentes, inclusive, em território chileno). As reflexões encetadas na pesquisa desenvolvida na dissertação que anima este artigo, portanto, soma-se aquelas vozes que já denunciaram os limites dessa compreensão de Educação Física no âmbito de uma escola que se pretende democrática.

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    Sugerimos consultar, para o caso brasileiro, o volume 28, n. 48, da revista “Motrivivência” dedicado à Base Nacional Curricular Comum do Brasil (Neira e Souza, 2016Neira MG, Souza M Jr. Educação Física na BNCC: procedimentos, concepções e efeitos. Rev Motrivivência. 2016;28(48):188-206. http://dx.doi.org/10.5007/2175-8042.2016v28n48p188.
    http://dx.doi.org/10.5007/2175-8042.2016...
    ). Em relação à Base chilena, indicamos a leitura de Mujica (2019)Mujica FNJ. Analisis crítico de la formación actitudinal em la asignatura de Educación Física y Salud en Chile. REXE. 2019;18(38):151-66., Marques e Santos (2020)Marques BG, Santos ED. Promoção da prática de atividade física nos currículos da educação física do Brasil e do Chile. In Filgueiras IP, Maldonado DT. Currículo e prática pedagógica de educação física escolar na América Latina. Curitiba: CRV; 2020. vol. 43, p. 137-50. e Moreno (2018)Moreno A. La educación física chilena em educación básica: una caracterización crítica. Rev ALESDE. 2018;9(2):65-78..
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    Apesar disso, algumas Secretarias Municipais de Educação do Brasil contratam professores licenciados em Educação Física para atuar na Educação Infantil.
  • 3
    Com essa alteração, não é o componente curricular que é obrigatório e, sim, o ensino de Educação Física em atividades que podem ser dentro de uma disciplina específica ou em projeto interdisciplinar.
  • 4
    Em 2013, foi adicionada a expressão saúde ao componente curricular Educação Física, inclusão que teve o objetivo de cumprir as estratégias traçadas pelo Programa de Promoção de Saúde do Ministério da Saúde chileno e responder aos problemas de sedentarismo que afetava o país naquele momento. O Ministério fundamentou essa decisão tomando por base o resultado da “Encuesta Nacional de Salud”, realizada no ano de 2010, que apresentou 88,6% da população maior de 17 anos com comportamento sedentário. Além disso, consta na Base chilena que a avaliação do “Sistema de Evaluación de la Calidad Educativa” (SIMCE), aplicada na Educação Física escolar no ano de 2011, revelou que 10% dos alunos e alunas possuem uma condição física satisfatória e 20% possuem risco de contrair enfermidades cardiovasculares e cardiorrespiratórias.
  • 5
    Além da formação geral e da formação diferenciada, a Base chilena estabelece a “Livre Disposição”, que é um espaço temporal não regulado pela matriz curricular nacional que pode ser destinado para formação geral, diferenciada ou atividades curriculares definidas pelos estabelecimentos de ensino. Ou seja, é a liberdade relativa que os estabelecimentos escolares possuem para elaborar seus próprios planos e programas de formação.
  • 6
    Neira (2018)Neira MG. Incoerências e inconsistências da BNCC de Educação Física. Rev Bras Ciênc Esporte. 2018;40(3):215-23. http://dx.doi.org/10.1016/j.rbce.2018.04.001.
    http://dx.doi.org/10.1016/j.rbce.2018.04...
    reinterpreta sua avaliação da Base brasileira em publicação do ano seguinte, onde afirma que ela se revela frágil, incoerente e inconsistente, evidenciando a “[...] retomada dos princípios tecnocráticos consolidados na prioridade cedida à racionalidade técnica em detrimento da criticidade” (Neira, 2018Neira MG. Incoerências e inconsistências da BNCC de Educação Física. Rev Bras Ciênc Esporte. 2018;40(3):215-23. http://dx.doi.org/10.1016/j.rbce.2018.04.001.
    http://dx.doi.org/10.1016/j.rbce.2018.04...
    , p. 215). Essa nova compreensão do autor deve ser entendida a luz das mudanças produzidas no documento entre a segunda e a terceira (e última) versão da Base, publicada em 2018. Tais alterações, por sua vez, foram introduzidas no texto após o conturbado processo que levou ao impedimento da ex-presidente Dilma Rousseff.
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    É importante ressalvar que, ao menos no Brasil, o conceito de competências, antes de ser utilizado na BNCC, se fez presente em outros documentos, como os Parâmetros Curriculares Nacionais, os Parâmetros Curriculares do Ensino Médio bem como nas Diretrizes Curriculares Nacionais da Educação Básica.
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    Não deixa de ser curiosa a presença de uma compreensão crítica da Educação Física, vinculada a cultura corporal de movimento, num documento construído num contexto de políticas educativas conservadoras.
  • FINANCIAMENTO Projeto contemplado com bolsa de visita técnica, edital número 12/2021 da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Espírito-Santo.

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    03 Jun 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    16 Mar 2022
  • Aceito
    09 Maio 2022
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