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Subversões pedagógicas e produção de alianças na Educação Física1 1 Agradeço a orientação da Profa. Dra. Larissa Lara durante a realização da tese de doutorado “Corpo, dança e educação física: experiências subversivas de gênero e sexualidade?”, defendida em fevereiro de 2021 na Universidade Estadual de Maringá (UEM). O presente trabalho contou com apoio financeiro do Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE/CAPES), entre os anos de 2019 e 2020, realizado na Universidade de Maryland (EUA), sob supervisão do Prof. Dr. David L. Andrews, na linha de pesquisa “Estudos Culturais Físicos/Physical Cultural Studies”.

Pedagogical subversions and production of alliances in Physical Education classes

Subversiones pedagógicas y producción de alianzas en Educación Física

RESUMO

Neste texto, procurei entender as estratégias pedagógicas utilizadas para desafiar a estabilidade de gênero e de sexualidade na educação física, por meio do ensino da dança, em universidades federais brasileiras. Para tanto, utilizei-me da pesquisa narrativa com docentes homossexuais e incursões autoetnográficas para interpretar ações pedagógicas que atravessam identidades e proliferações subversivas em dança; do corpo como central para desafiar gênero e sexualidade; e de pedagogias públicas para discutir gênero e sexualidade. A partir da ideia de aliança, de Judith Butler, evidencio os modos pelos quais questionamos a heteronormatividade na educação física e ampliamos os processos de reconhecimento social.

Palavras-chave:
Heteronormatividade; Gênero; Sexualidade; Dança

ABSTRACT

In this work, it was tried to understand the pedagogical strategies used to challenge the stability of gender and sexuality in physical education classes, through the teaching of dance, in Brazilian federal universities. For that, it was used a narrative research with homosexual teachers and autoethnographic incursions to interpret pedagogical actions that cross identities and subversive proliferations in dance; the body as central to challenging gender and sexuality; and, the use of public pedagogies to discuss gender and sexuality. Based on Judith Butler's idea of alliance, it was highlighted the ways in which heteronormativity is questioned in physical education classes and expand processes of social recognition.

Keywords:
Heteronormativity; Gender; Sexuality; Dance

RESUMEN

En este texto, traté de comprender las estrategias pedagógicas utilizadas para desafiar la estabilidad de género y sexualidad en la educación física, a través de la enseñanza de la danza, en universidades federales brasileñas. Para ello, utilicé investigaciones narrativas con docentes homosexuales e incursiones autoetnográficas para interpretar acciones pedagógicas que cruzan identidades y proliferaciones subversivas en la danza; del cuerpo como central para desafiar el género y la sexualidad; y el uso de pedagogías públicas para discutir el género y la sexualidad. A partir de la idea de alianza de Judith Butler, destaco las formas en que cuestionamos la heteronormatividad en la educación física y ampliamos los procesos de reconocimiento social.

Palabras-clave:
Heteronormatividad; Género; Sexualidad; Danza

INTRODUÇÃO

Minhas experiências na educação física - desde as escolares, passando pela formação de professores e, posteriormente, como docente no ensino superior - foram repletas de disputas identitárias. Embora reconheça inúmeros privilégios por ser homem, cisgênero, branco e sem deficiência, meu corpo foi atravessado por leituras de gênero e de sexualidade que, de algum modo, desafiavam a estrutura - predominantemente heteronormativa - da área. Isso acontecia, notadamente, por dois motivos: o meu interesse pela dança (e não pelo esporte) e a minha orientação como homossexual. Esses fatores, ao menos nos locais em que meu corpo era materializado, pareciam ser tomados como um insulto a um sistema altamente regulado que, discursivamente, instituía compreensões acerca do masculino/feminino e da heterossexualidade/homossexualidade (Butler, 2018Butler J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 16ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2018.).

Como palco de enquadramentos sociais de gênero e de sexualidade, busquei, ao longo dessa trajetória na educação física, produzir movimentos - na e pela dança - que questionassem, como argumenta Butler (2019b)Butler J. Corpos que importam: os limites discursivos do “sexo”. São Paulo: n-1 Edições; Crocodilo Edições; 2019b., os limites discursivos do sexo, os quais deveriam ser incorporados e reproduzidos em atendimento à matriz de poder heterossexual. Essa ação, de modo intenso, foi concretizada em minha pesquisa doutoral (Marani, 2021Marani VH. Corpo, dança e educação física: experiências subversivas de gênero e sexualidade? [tese]. Maringá: Centro de Ciências da Saúde, Universidade Estadual de Maringá; 2021 [citado em 2022 Out 20]. Disponível em: https://sucupira.capes.gov.br/sucupira/public/consultas/coleta/trabalhoConclusao/viewTrabalhoConclusao.jsf?popup=true&id_trabalho=11016091
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), à medida que, ao me mover - de maneira teoricamente informada -, fui reconhecendo outros corpos homossexuais que eram culturalmente marcados à margem e que, constantemente, lutavam por processos de reconhecimento social na educação física e para além dela.

De cunho qualitativo, a investigação foi orientada pelos pressupostos da pesquisa narrativa (Chase, 2005Chase S. Narrative inquiry: multiple lenses, approaches, voices. In: Denzin NK, Lincoln YS, editores. The Sage handbook of qualitative research. 3rd ed. Thousand Oaks: Sage; 2005. p. 651-80.; Clandinin e Connelly, 2000Clandinin J, Connelly M. Narrative inquiry: Experience and story in qualitative research. Thousand Oaks: Sage; 2000.), acrescidas de incursões autoetnográficas (Spry, 2001Spry TL. Performing autoethnography: an embodied methodological praxis. Qual Inq. 2001;7(6):706-32. http://dx.doi.org/10.1177/107780040100700605.
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) que buscavam potencializar experiências marginais no interior da dança, a partir dos elos narrativos, borrando as fronteiras entre pesquisador/pesquisados. A percepção de corpos, no cenário da dança, deflagrados para fora dos limites da heteronormatividade, levou-me a repensar o trato com a minha própria sexualidade, a qual deixa de ser interpretada como algo “particular” para alcançar uma dimensão pública. Como coletivo, questionei como nossos corpos negociam experiências na dança, notadamente, a partir das operações de poder responsáveis por definir os enquadramentos de gênero e de sexualidade.

Para tanto, apresento reflexões - em caráter ensaístico - decorrentes da análise das entrevistas realizadas em abril de 2020, por meio das plataformas Zoom e Google Meet, com nove docentes homossexuais2 2 Embora tenha feito a eleição de sujeitos homossexuais como protagonistas da pesquisa, essa escolha não procurou afirmar que experiências de homens heterossexuais sejam menos complexas ou desafiadoras na dança. Digo isso, pois minhas incursões por investigações realizadas com dançarinos heterossexuais, como as de Santos (2009) e de Andreoli (2010), acenaram para complexas redes de poder investidas em seus corpos, as quais operam na dinâmica de regulação e de resistência às normas de gênero e de sexualidade. Entretanto, mesmo que tensões sejam visualizadas nessas experiências, os autores pareceram concordar que esses corpos desfrutam de inúmeros privilégios na dança, dadas as maneiras pelas quais conseguem criar estruturas que deem conta de estabilizar o gênero, reforçando a heteronormatividade, a binariedade de gênero, a dominação sobre o corpo feminino, a representação de aspectos hegemônicos de poder e, principalmente, a aversão à homossexualidade. da área da dança que atuam em cursos de educação física em universidades federais brasileiras, provido da aprovação do Comitê de Ética em Pesquisa (COPEP/UEM - 03782918.5.0000.0104). Do contato com suas narrativas, pude revisitar as maneiras pelas quais as narrativas dos entrevistados tocavam minha subjetividade, desafiando meu corpo e (re)significando aspectos anteriormente inexplorados nas minhas experiências em dança. Com isso, procurei tomar a dança - inscrita na educação física - como arena para o empoderamento físico e político de corpos homossexuais, entendimento que, segundo Risner (2007)Risner D. Critical social issues in dance education research. In: Bresler L, editor. International handbook of research in arts education. Dordrecht: Springer; 2007. p. 965-84. http://dx.doi.org/10.1007/978-1-4020-3052-9_66.
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, expõe estratégias de resistência à medida que narrativas são (re)escritas, compreendidas e contextualizadas.

Logo, o reconhecimento de diferentes “outros” serviu como aporte para a estruturação de uma comunidade dialógica (Freire, 2018Freire P. Pedagogia do oprimido. 65ª ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra; 2018.), fazendo com que os percursos investigativos indicassem não somente um encontro de narrativas, mas também a produção de alianças, como discutiu Butler (2019a)Butler J. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2019a.. Dessas alianças, procurei entender as estratégias pedagógicas utilizadas para desafiar a estabilidade de gênero e de sexualidade na educação física por meio do ensino da dança, (re)posicionando tais categorias como efeitos discursivos. Ainda, busquei destacar que, na e pela dança, é possível criar estruturas subversivas para que estudantes possam identificar e problematizar discursos que operam na produção da matriz heterossexual, oportunizando a produção de deslocamentos identitários e permitindo, como informa Butler (2018), aButler J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 16ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2018. ressignificação dessas categorias.

Deste exercício teórico, construo formas coletivas para (re)imaginar a dança na educação física a partir dos distintos modos como os docentes são (in)formados por questões de gênero e de sexualidade. Como um texto (in)acabado, intento iluminar elementos profícuos para materializar subversões de identidade, longe de serem únicos e exclusivos na formação superior de professores/as. Espero, assim, contribuir com sínteses que colaborem para que inúmeras ações possam ser legitimadas como produções éticas necessárias à dança e à educação física; daí tomar como linha condutora disputas e deslocamentos que (re)orientem entendimentos sobre corpo e suas práticas por meio de ações pedagógicas atentas a esses elementos na dança, inscritos em narrativas pedagógicas subversivas e na produção de alianças.

NARRATIVAS PEDAGÓGICAS: SUBVERSÕES DE GÊNERO E SEXUALIDADE?

[...] os corpos nunca cumprem completamente as normas pelas quais se impõe sua materialização. De fato, são as instabilidades, as possibilidades para rematerialização abertas por esse processo, que marcam um domínio em que a força da lei regulatória pode voltar-se contra si própria [...]. (Butler, 2019b, pButler J. Corpos que importam: os limites discursivos do “sexo”. São Paulo: n-1 Edições; Crocodilo Edições; 2019b.. 16).

Corpos que não “obedecem” à norma heterossexual, para a autora, são politicamente responsáveis por deslocar a condição pré-discursiva do gênero e da sexualidade, o que corrobora a ideia de que não há, na “natureza humana”, gêneros e sexualidades autênticos. A interpretação dada por Butler (2019b)Butler J. Corpos que importam: os limites discursivos do “sexo”. São Paulo: n-1 Edições; Crocodilo Edições; 2019b. ao desafiar a autenticidade do gênero e da sexualidade reitera a noção de que tais categorias não passam de efeitos dos discursos, das práticas e das instituições sociais, os quais, de tanto serem repetidos no e pelo corpo, acabam sendo interpretados como naturais. É justamente ao serem tomados como elementos fundadoras da condição “natural” humana, que “fábulas” (de gênero e de sexualidade) são investidas nos corpos, o que contribui para a sustentação de códigos culturais que designam noções de masculino e de feminino, respectivamente, ancorados em corpos “machos” e corpos “fêmeas”.

O instaurar de combate quando corpos homossexuais não são percebidos como inteligíveis, como explicou Butler (2018)Butler J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 16ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2018. em Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade, posiciona tais corpos, de modo coletivo, em sua condição de vida precária, o que define quem conta como vida e, como consequência, quais corpos são passíveis de serem enlutados (Butler, 2020Butler J. Vida precária: os poderes do luto e da violência. Belo Horizonte: Autêntica; 2020.). Nessa lógica, alguns corpos tornam-se reconhecidos como vidas, enquanto outros necessitam, cotidianamente, investir em negociações a partir de resistências a processos de violência, fruto do distanciamento da heteronormatividade. Emerge dessa condição a necessidade de enfrentamentos, os quais podem ser vislumbrados em distintas materialidades, desde ações cotidianas a intervenções complexas e elaboradas que corroborem a denúncia da artificialidade do gênero e da sexualidade.

Apoiado na perspectiva da resistência, procuro iluminar, de modo específico, as intervenções realizadas pelos docentes que fazem parte da pesquisa, as quais acenam para possibilidades de subversão identitária no que diz respeito às questões de gênero e de sexualidade na dança. Assim, proponho pensar esses modos de “se fazer” pedagogia na dança (e na educação física) como enfrentamento, o que remete à ideia de algo que é investido de disputas e negociações à medida que enfrenta e desafia categorias ontológicas historicamente citadas e reiteradas. Desses “enfrentamentos pedagógicos”, tomados como atos engajados com a identificação, a análise e a intervenção social das relações de poder que atravessam a dança na educação física, estão as possibilidades de denúncia do gênero e da sexualidade como atos performativos, para lembrar as contribuições pós-estruturalistas de Judith Butler.

A incursão pelas narrativas acenou para os modos pelos quais os entrevistados operam a partir do engajamento crítico para produzir estratégias que desafiassem a heteronormatividade. As materialidades pedagógicas em dança enunciadas pelos docentes demarcaram as seguintes negociações com as relações de poder: a produção de identidades subversivas que desafiam a heteronormatividade na educação física; o posicionamento dos seus corpos como centrais no processo pedagógico para desafiar gênero e sexualidade; a produção de proliferações subversivas em manifestações dançantes; e o uso de pedagogias públicas em dança para discutir gênero e sexualidade.

De modo geral, as maneiras pelas quais as identidades são produzidas retratam como a materialidade de corpos homossexuais na dança deslocou enquadramentos evidenciados na educação física, bem como normas que sustentam ações de como ser “homem” na área. Ao se demarcarem como homens gays, espaços pedagógicos de discussão dessa temática serviram como possibilidade de reconhecimento, visibilidade e representatividade. Entretanto, esse processo não se deu livre dos riscos em “assumir-se” em uma dimensão pública, porém é a possibilidade de tornar-se visível, como explica Butler (2019a)Butler J. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2019a., que abre possibilidades para o reconhecimento social. Ao se demarcarem como homens gays no ensino superior, os docentes argumentaram que a relação com os alunos se torna facilitada, pois dão transparência a algo que, em geral, percorre o imaginário discente; daí suas materialidades, feitas a partir do modo como seus corpos são interpretados, servem como aportes para esse posicionamento político na dança e na educação física.

Construir propostas de ensino que reconheçam os atravessamentos discursivos no corpo emerge como algo basilar. O reconhecimento dos discursos sobre o corpo que dança, em suas diferenças sociais de gênero e de sexualidade - mas não somente -, pode contribuir para que rupturas e subversões sejam produzidas em salas de aula, alcançando espaços que estejam para além dela, em uma ‘dimensão pública da educação3 3 A noção de ‘dimensão pública da educação’ parte das contribuições de Henry Giroux, autor responsável por (re)pensar os modos como a educação é materializada para além do cenário escolar, o que atribui o papel pedagógico a outras produções culturais, postas para além dos “muros” escolares. Em complemento, essa dimensão potencializa o alcance de experiências produzidas na escola de modo a contribuir para a construção de uma sociedade justa e democrática, com base no engajamento crítico e dialógico com a comunidade. ’, como propõe Giroux (2004)Giroux HA. Cultural studies and the politics of public pedagogy: making the political more pedagogical. Parallax. 2004;10(2):73-89. http://dx.doi.org/10.1080/1353464042000208530.
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. Reside, nessa perspectiva, a apreensão de como esses discursos estão materializados no corpo por meio de inscrições e atos que, performativamente, produzem os corpos de nossos/as estudantes na dança.

Decorre dessa ação pedagógica a possibilidade de criação de espaços democráticos de ensino. Com base na ruptura da norma, criam-se oportunidades para atos e gestualidades na dança que não estejam ancoradas no gênero e na sexualidade como absolutos, mas como categorias instáveis e moventes. Entretanto, não se descarta a norma que institui que na dança, por exemplo, homens devem conduzir e mulheres devem ser conduzidas. Há, sim, espaço para (re)invenções e deslocamentos que permitem o contato com outras formas de se dançar que, anteriormente, os/as estudantes não (re)conheciam como possíveis. A produção de práticas invertidas na dança de salão apresenta possibilidades para que pensemos os lugares ocupados pelos gêneros nessa manifestação corporal. Nas perspectivas apresentadas, entendo que produções pedagógicas que incitam proliferações parodísticas via dança corroboram a reivindicação de que não há identidades de gênero essencializadas ou naturalizadas, como Butler (2018, pButler J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 16ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2018.. 238) explica, pois tais atos corroboram a desnaturalização dessas identidades “[...] por meio de sua recontextualização parodista”.

Como resultado das narrativas dos docentes emerge o entendimento, por meio de enfrentamentos pedagógicos na dança, de que o corpo pode ser interpretado como “[...] via inédita e fecunda para a compreensão de problemas mais amplos” (Le Breton, 2010, pLe Breton D. A sociologia do corpo. 4ª ed. Petrópolis: Vozes; 2010.. 12). Ao tomar a centralidade do corpo no interior dos fenômenos sociais, como sugere o sociólogo, reforço a ideia de que “[...] nenhuma região da prática social sai ilesa das reivindicações que se desenvolvem na crítica da condição corporal” (Le Breton, 2010, pLe Breton D. A sociologia do corpo. 4ª ed. Petrópolis: Vozes; 2010.. 9). Logo, propostas pedagógicas em dança que invistam no corpo como oportunidade para debates acerca de gênero e sexualidade, conforme apontam alguns docentes, contribuem para que estruturas sociais sejam problematizadas, revisitadas e, quiçá, transformadas.

Entendo que materialidades pedagógicas que desafiem tais produções e que promovam deslocamentos parodísticos assumem posição de destaque em um processo que visa desafiar concepções essencialistas de gênero e de sexualidade, o que fomenta confusões subversivas, inicialmente, na dança, mas que a extrapolam. Esse extrapolar exerce força considerável para que estudantes façam reflexões que transcendam o espaço universitário rumo a análises socialmente amplas. Do mesmo modo, essas lentes podem servir para que apropriações de dimensões públicas da dança sejam realizadas, o que destaca o potencial de interpretações acerca de gênero e de sexualidade a partir da identificação, da análise e da intervenção em injustiças sociais.

Além disso, o reconhecimento do corpo como central no ensino da dança colabora com reflexões que reconheçam discursos que configuram experiências corporais em atendimento a forças particulares de poder. Como pedagogia crítica, tais conhecimentos conduzem estudantes à conscientização da dança como tempo-espaço de denúncia à artificialidade de gênero e sexualidade, demarcando-os como “[...] fabricações manufaturadas e sustentadas por signos corpóreos e outros meios discursivos” (Butler, 2018, pButler J. Problemas de gênero: feminismo e subversão da identidade. 16ª ed. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2018.. 235). Essa percepção é vista a partir de ações em dança que questionam os papéis de gênero na cultura e na produção heterossexual em danças de pares, bem como na análise de produções midiáticas em dança (Dança dos Famosos, Dancing Brasil, entre outras), as quais atuam tanto na produção quanto na contestação de discursos de gênero e de sexualidade na dança.

Problematizar atravessamentos que integram o complexo campo da dança na sociedade, a partir de locais de (re)produção em que o corpo e seus marcadores são instaurados como produtos (e produtores) de sentidos, emerge como elemento a ser considerado no processo de enfrentamento pedagógico. Ao atentar-se a esses atravessamentos na dança, a partir daquilo que se (re)produz nos programas televisivos, estudantes são convidados/as a analisar como recursos discursivos colocados à sua disposição em artefatos midiáticos dão sentido a determinados corpos, moldando experiências e representações. Assim, ressalto a possibilidade de pensar os enfrentamentos pedagógicos como propostas que tensionem o poder social a partir da conscientização crítica e da criação de conhecimentos pautados na intervenção que desafia categorias sociais tomadas como “cristais”, como é o caso de gênero e de sexualidade.

PRODUÇÃO DE ALIANÇAS NA DANÇA: REIVINDICAÇÕES NA EDUCAÇÃO FÍSICA

Podemos dizer que existe um grupo, se não uma aliança, andando ali [...] É claro que é uma pessoa singular que caminha, que assume o risco de caminhar ali, mas é também a categoria social que atravessa esse jeito de andar e essa caminhada particular, esse movimento singular no mundo [...]. (Butler, 2019a, pButler J. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2019a.. 59).

A incursão junto às narrativas que retratam os enfrentamentos pedagógicos realizados pelos docentes ocorreu ao mesmo tempo que meu contato com a obra Corpos em aliança e a política das ruas: notas sobre uma teoria performativa de assembleia, de Judith Butler. Da leitura das entrevistas à imersão no referido livro, pude (re)conhecer outras interpretações acerca das relações entre corpo, gênero e sexualidade, em especial a partir de discussões relacionadas à formação de alianças, aos processos de interdependência, ao direito de aparecer no espaço público, entre outras questões voltadas a uma ética da não violência, como discute Butler (2019a)Butler J. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2019a.. É a partir de uma preocupação teórico-política que Butler (2019a)Butler J. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2019a. redimensiona a performatividade como ato político, e, com isso, o corpo - tomado como materialidade discursiva - torna-se ocupante de uma posição central de mobilizações, sejam elas realizadas nas ruas, sejam elas realizadas em outros espaços que tenham como foco a luta por reconhecimento social.

Pesquisar as disputas de gênero e de sexualidade na dança, particularmente, permitiu-me reconhecer que há “outros”, como eu, que lutam diariamente para que seus corpos sejam aceitos e reconhecidos a partir da diferença. Dessa interpretação, a “(re)união” de nossos corpos pode ser lido como recurso ético-político pela reivindicação de justiça e igualdade, pauta constante nos movimentos de luta daqueles/as que não estão enquadrados/as nas molduras de reconhecimento do humano. É nessa (re)união que, segundo Butler (2019a)Butler J. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2019a., alianças são produzidas como maneira de entrelaçar corpos em suas condições de precariedade, dadas as fronteiras discursivas que os empurram para o lado de “fora”, determinando quais corpos importam e quais corpos pesam (Butler, 2019bButler J. Corpos que importam: os limites discursivos do “sexo”. São Paulo: n-1 Edições; Crocodilo Edições; 2019b.). Ocupar o público, como fazemos, ecoa como modo de resistência e como processo de afirmação em que as disputas dos enquadramentos sociais estão em jogo, seja a partir de reivindicações coletivas, seja a partir da nossa ação, como indivíduo, que rompe, questiona e/ou transforma a norma.

Entendo nossas ações pedagógicas como atos políticos que operam nessas relações de negociação, pois, embora não se configurem como manifestações nas ruas, são públicas à medida que são direcionadas para um “outro” em um espaço potencialmente político: a sala de aula. Assim, ao nos “fazermos” como homens e homossexuais, estamos, de algum modo, atuando como representantes de um grupo mais amplo, que carece de reconhecimento social em diversas esferas da vida humana, em especial a partir de como essas lutas são produzidas e marcadas na e pela dança. Ainda, compreendo que nossas ações pedagógicas, embora “individuais”, fazem com que processos de enquadramento sejam (re)pensados, o que oportuniza novas possibilidades de reconhecimento e de existência. Daí, mesmo que não estejamos fundidos em uma unidade, cada “eu”, a partir das contribuições de Butler (2019a)Butler J. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2019a., é ao mesmo tempo o “nós”, pois nosso agir pressupõe a existência do grupo (visível ou não). É a categoria social a que pertencemos que está presente na ação, ou seja, há produção de corpos em aliança, mesmo que não estejamos ocupando o mesmo espaço e da mesma forma.

A partir da visualização de “outros”, por meio das lentes de Butler (2019a)Butler J. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2019a., que reposicionou a noção de coletividade em meio à formação de alianças, pude entender que, à medida que nossas ações pedagógicas eram realizadas, rupturas eram produzidas, possibilitando “outras” experiências na dança. Como efeito, essas experiências em dança, a partir da (re)união de corpos, criaram canais de discussão que posicionam o corpo como central no processo pedagógico e, de modo particular, reiteram como a dança pode ser meio de leitura e interpretação de problemas sociais mais amplos. O processo de reconhecimento das estruturas de poder e de como essa produção nos afeta como sujeitos produzidos por essas estruturas - mas, ao mesmo tempo, capazes de questioná-las - fez com que “nossas” ações pedagógicas fossem acionadas de modo subversivo.

Pensar o performativo e o corpóreo, em uma dimensão pedagógica, implicava pensar como nossos corpos, marcados socialmente, poderiam ser traduzidos de modo a ensinar e a aprender a partir de experiências que o atravessavam. Com isso, as disputas de sentido que constituíam o corpo dançante, notadamente, a partir das “verdades” sobre gênero e sexualidade que atravessaram a dança, passaram a ser produzidas de modo a (re)atualizá-las, contestá-las e deslocá-las em meio às experiências pedagógicas discutidas. A reunião desses corpos, quando dançam e problematizam questões de gênero e sexualidade, mobiliza formas corporificadas de ação política que reiteram o poder das formas plurais de performatividade. E esses atos, constituídos em dança por meio do corpo, assumem o papel de reivindicar, como assinala Butler (2019a)Butler J. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2019a., as condições de possibilidade de aparição. Quer dizer, ao posicionar os corpos nesses atos dançantes, para além de reivindicações vocalizadas, estão sendo produzidas ações visuais que materializam, segundo a filósofa, o exercício performativo que coloca em xeque o direito de aparecer. Corpos, quando reunidos em assembleia, transmitem seus significados políticos não somente pelos discursos escritos ou falados, mas também corporificados.

É no ato pedagógico que faço leituras da performatividade como feito que produz novos sentidos à dança, ao gênero e à sexualidade na educação física. Essa produção pedagógica, com base na performatividade de Butler (2019a)Butler J. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2019a., não se refere à mera aparição por meio do ato de fazer algo existir em nossa disciplina. Vai além disso: essa performatividade informa “[...] os modos vividos de corporificação que adquirimos com o tempo, e esses modos de corporificação podem se provar formas de contestar essas normas, até mesmo rompê-las” (Butler, 2019a, pButler J. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2019a.. 37). Ao rejeitarmos as normas de gênero e de sexualidade postas, primeiro, aos nossos corpos e, depois, em nossas ações pedagógicas, estamos colocando em disputa o direito de aparecer, produzindo outras materialidades para (re)pensar gênero e sexualidade.

Argumento que a proposta não é desfazer gênero/sexualidade e tratá-los como se não existissem, mas materializar ações pedagógicas na dança que abram possibilidades, como propõe Butler (2019a, pButler J. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2019a.. 39-40), de “[...] reconstruir a realidade de gênero de acordo com novas orientações”. Ao reconstruir gênero/sexualidade na dança como um ato político na formação em educação física, busco, inspirado em Butler (2019a, pButler J. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2019a.. 40), “[...] permitir que a vida das minorias sexuais e de gênero se tornem mais possíveis e mais suportáveis”. Retomar a noção de precariedade, como situação politicamente induzida na qual determinadas populações ficam diferencialmente expostas ao dano, à violência e à morte, é fundamental para entender como o nosso “agir” docente, em pedagogias relacionadas à dança, faz com que corpos suscetíveis à violência sejam, a partir de sua aparição, (re)interpretados, enquadrados como vidas vivíveis.

Ensinar dança em uma perspectiva desafiadora em relação ao gênero e à sexualidade, nesse sentido, vai além de meramente fazer com que estudantes tenham contato com o diferente ou com mais uma possibilidade. Nesse sentido, importa pensar que essas ações devem ser tomadas em seu sentido político, como reivindicação de vidas - que não se conformam às normas. Com isso, o ato de dançar e ensinar dança, desafiando as normas de gênero/sexualidade, deve ser acompanhado de outras ações que problematizem a dificuldade daqueles/as que não conseguem se alinhar a essas normas e, por isso, ficam “[...] expostos ao que significa estar nos limites da condição de reconhecimento” (Butler, 2019a, pButler J. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2019a.. 47).

Em síntese, a dança, como conteúdo “fabricado” discursivamente na e pela educação física, conforme observei, pode ser reinterpretada a partir de enfrentamentos pedagógicos que denunciem a heteronormatividade. Como um “feito”, essas ações indicam a possibilidade de contestações e, como resultado, possíveis subversões nas fendas normativas que as constituem a partir de uma “reunião corpórea”, dada a partir dos laços de interdependência criados pelas nossas produções como sujeitos na educação física. Essa reunião - no sentido performativo e pedagógico - pode ser lida como recurso ético-político pela reivindicação de justiça e igualdade, como maneira de entrelaçar corpos em suas condições de precariedade, dadas as fronteiras discursivas que determinam as normas para o reconhecimento social na educação física.

Tais formas pedagógicas oferecem aportes para a compreensão de que corpos que desestabilizam estruturas sociais de gênero e sexualidade, ao produzirem alianças por meio de experiências subversivas na dança, materializam ações que questionam a heteronormatividade na educação física. A reunião de nossos corpos, ao problematizarmos questões de gênero e sexualidade, mobiliza formas corporificadas de ação política que reiteram o poder das formas plurais de performatividade. E esses atos, constituídos no ensino da dança, assumem o papel de reivindicar, como assinala Butler (2019a)Butler J. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2019a., as condições de possibilidade de aparição de outros corpos. Ao deslocarmos as normas de gênero e de sexualidade postas, primeiro, aos nossos corpos e, depois, em nossas ações pedagógicas, estamos colocando em disputa o direito de aparecer, ampliando “[...] determinados tipos de performances de gênero no espaço público” (Butler, 2019a, pButler J. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2019a.. 40).

Investir na aliança de corpos, como discutiu Butler (2019a)Butler J. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2019a., torna-se fundamental na busca por uma sociedade mais justa e igualitária, não só em relação às questões de gênero e de sexualidade, mas também a outros marcadores sociais que hierarquizam vidas. Aliar-se a outros corpos, nesse sentido, é uma via política e coletiva necessária para o (re)conhecimento das relações de poder que nos atravessam e fazem com que sejamos interpretados como alvos de discursos, práticas e instituições responsáveis pela reiteração das inúmeras normas sociais. Eis que propostas que contribuam para (re)imaginar novas direções para as relações entre dança e educação física constituem caminhos possíveis - longe de serem únicos - para a (re)construção de gênero e de sexualidade, denunciando desigualdade e injustiças produzidas no e pelo corpo.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Do acesso às narrativas de nove professores que atuam com dança na educação física brasileira, por meio de entrevistas, pude (re)conhecer as potencialidades de experiências em dança em meio a atravessamentos de gênero e de sexualidade. Ressalto a possibilidade de pensar os enfrentamentos pedagógicos como propostas que tensionem o poder social a partir da conscientização crítica e da criação de conhecimentos pautados na intervenção que desafia categorias sociais, como é o caso de gênero e de sexualidade. Ao atribuirmos pontos de interrogação às relações de poder que operam na dança e ditam quais gêneros e sexualidades importam/pesam na sociedade, problematizamos quais corpos são tomados como legíveis (na dança e além dela) e, de modo pedagógico, desafiamos estruturas de poder à medida que nossos corpos dançam e ensinam dança por meio da produção de alianças.

Aliado a isso, passei a entender “nossas” ações pedagógicas - ao invés de “suas/minhas” - como estratégias de negociação com o poder em um espaço potencialmente político: a sala de aula. Com isso, evidenciei como nossos corpos contribuem para a produção de pedagogias subversivas à medida que identificamos e interpretamos as complexas relações de poder materializadas na e pela dança e intervimos nelas, notadamente, a partir das questões de gênero e de sexualidade. Procurei compreender como nossos corpos atuam de modo a produzir pedagogias subversivas na dança e, consequentemente, na educação física. Dessa visualização, entendo que, à medida que professores identificam e interpretam as complexas relações de poder materializadas na e pela dança e intervêm nelas, a partir das questões de gênero e de sexualidade, estão contribuindo para um agir pedagógico voltado a processos educativos justos e democráticos na educação física, ampliando a possibilidade de reconhecimento social (Butler, 2019aButler J. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2019a.).

Em suma, visualizo nossas experiências pedagógicas em dança como produções de aliança na medida em que utilizamos a sala de aula como equipamento público de aparição corpórea, em que nossos atos pedagógicos se instauram como materialidade discursiva que propõe novas possibilidades de gênero e de sexualidade na formação em educação física. Como plataforma de visibilidade, materializamos caminhos, mesmo que tímidos, para ações pedagógicas na dança que abram possibilidades, como propõe Butler (2019a, pButler J. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2019a.. 39-40), de “[...] reconstruir a realidade de gênero de acordo com novas orientações”. Ao reconstruir gênero/sexualidade na dança como um ato político na formação em educação física, busco, inspirado em Butler (2019a, pButler J. Corpos em aliança e a política das ruas: notas para uma teoria performativa de assembleia. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira; 2019a.. 40), “[...] permitir que a vida das minorias sexuais e de gênero se tornem mais possíveis e mais suportáveis”.

AGRADECIMENTOS

Agradeço a orientação da Profa. Dra. Larissa Lara durante a realização da tese de doutorado “Corpo, dança e educação física: experiências subversivas de gênero e sexualidade?”, defendida em fevereiro de 2021 na Universidade Estadual de Maringá (UEM).

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    Agradeço a orientação da Profa. Dra. Larissa Lara durante a realização da tese de doutorado “Corpo, dança e educação física: experiências subversivas de gênero e sexualidade?”, defendida em fevereiro de 2021 na Universidade Estadual de Maringá (UEM). O presente trabalho contou com apoio financeiro do Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE/CAPES), entre os anos de 2019 e 2020, realizado na Universidade de Maryland (EUA), sob supervisão do Prof. Dr. David L. Andrews, na linha de pesquisa “Estudos Culturais Físicos/Physical Cultural Studies”.
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    Embora tenha feito a eleição de sujeitos homossexuais como protagonistas da pesquisa, essa escolha não procurou afirmar que experiências de homens heterossexuais sejam menos complexas ou desafiadoras na dança. Digo isso, pois minhas incursões por investigações realizadas com dançarinos heterossexuais, como as de Santos (2009)Santos EC. Um jeito masculino de dançar: pensando a produção das masculinidades de dançarinos de hip-hop [dissertação]. Porto Alegre: Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2009 [citado em 2022 Set 20]. Disponível em: http://hdl.handle.net/10183/21854
    http://hdl.handle.net/10183/21854...
    e de Andreoli (2010)Andreoli GS. Representações de masculinidade na dança contemporânea [dissertação]. Porto Alegre: Faculdade de Educação, Universidade Federal do Rio Grande do Sul; 2010., acenaram para complexas redes de poder investidas em seus corpos, as quais operam na dinâmica de regulação e de resistência às normas de gênero e de sexualidade. Entretanto, mesmo que tensões sejam visualizadas nessas experiências, os autores pareceram concordar que esses corpos desfrutam de inúmeros privilégios na dança, dadas as maneiras pelas quais conseguem criar estruturas que deem conta de estabilizar o gênero, reforçando a heteronormatividade, a binariedade de gênero, a dominação sobre o corpo feminino, a representação de aspectos hegemônicos de poder e, principalmente, a aversão à homossexualidade.
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    A noção de ‘dimensão pública da educação’ parte das contribuições de Henry Giroux, autor responsável por (re)pensar os modos como a educação é materializada para além do cenário escolar, o que atribui o papel pedagógico a outras produções culturais, postas para além dos “muros” escolares. Em complemento, essa dimensão potencializa o alcance de experiências produzidas na escola de modo a contribuir para a construção de uma sociedade justa e democrática, com base no engajamento crítico e dialógico com a comunidade.
  • FINANCIAMENTO

    O presente trabalho contou com apoio financeiro do Programa de Doutorado Sanduíche no Exterior (PDSE/CAPES) entre os anos de 2019 e 2020.

REFERÊNCIAS

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Datas de Publicação

  • Publicação nesta coleção
    09 Dez 2022
  • Data do Fascículo
    2022

Histórico

  • Recebido
    14 Out 2022
  • Aceito
    27 Out 2022
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